PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO
GABINETE DO DESEMBARGADOR FEDERAL FRANCISCO WILDO
AÇÃO PENAL PÚBLICA (PROCEDIMENTO CRIMINAL COMUM) Nº 358/PE
(2003.83.08.000685-2)
AUTOR
: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RÉU
: SEM INDICIADO
INVDO
: EMANUEL SANTIAGO ALENCAR
ADV/PROC
: ERNESTO GONCALO CAVALCANTI E OUTROS
ADV/PROC
: ROSA SULEYMAN ALENCAR LEBERAL SANTIAGO FALCÃO
ORIGEM
: 8ª VARA FEDERAL DE PERNAMBUCO - PE
RELATOR
: DES. FED. EMILIANO ZAPATA (Convocado)
RELATOR P/ACÓRDÃO: DES. FED. RUBENS DE MENDONÇA CANUTO
(Convocado)
VOTO (Condutor)
O Sr. Des. Fed. RUBENS DE MENDONÇA CANUTO (Convocado):
O ilícito da apropriação indébita previdenciária - seja na definição dada
antigamente pela Lei nº 8.212/91, seja naquela conferida pelo novo art. 168-A do Código
Penal - não pode ser havido como omissivo próprio, exaurindo-se com o simples
inadimplemento.
Se o não pagar constituísse o crime em questão, este seria
inconstitucional. Afinal, tendo a Constituição interditado a prisão por dívida, por entender que
a liberdade é valor superior ao patrimônio, não poderia o legislador infraconstitucional
contornar a proibição estabelecida pela Carta Política, erigindo à condição de crime o simples
inadimplemento.
Com este expediente o legislador estaria a afrontando a vontade
constitucional, elevando a proteção patrimonial a patamar superior ao da tutela da liberdade,
na medida em que o inadimplemento, não podendo ser combatido com a prisão cível, o seria
com a prisão criminal.
Assim sendo, para a configuração do crime, não basta o não pagamento.
Exige-se a existência do valor e a intenção de se apropriar dele, ou de iludir o fisco, inibindo o
lançamento.
In casu, na medida em que o Município recolhe do prestador de serviço
determinada quantia a título de contribuição previdenciária e não a repassa à Previdência
Social, ele assume a posição de devedor daquela contribuição. Passa a ser responsável
tributário pela contribuição.
Ora, responsabilizar criminalmente alguém pelo simples fato de não ter
cumprido uma obrigação tributária significa tipificar um mero inadimplemento.
Ademais, fica fácil demonstrar que se trata de uma prisão ou de um
processo criminal fundado exclusivamente no inadimplemento de uma obrigação tributária,
tanto é que se houver quitação do débito a qualquer momento, a responsabilidade penal cessa.
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APN 358/PE (V-2)
Se a Constituição Federal proíbe a prisão civil por dívidas, e aí se trata de
uma norma assecuratória de direito fundamental, com mais razão ainda proíbe a prisão
criminal em razão de um mero inadimplemento.
Aliás, merece relevo o fato de que os descontos efetuados dos prestadores
de serviços se encontravam regularmente escriturados, o que, conforme já decidido por este
Tribunal, denota a ausência de dolo na conduta do Prefeito.
Nesse diapasão, transcrevo o que restou assentado pela Segunda Turma
no julgamento da Apelação Criminal n. 3325/SE, relator o Desembargador LÁZARO
GUIMARÃES:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA
PREVIDENCIÁRIA. ESCRITURAÇÃO REGULAR. DIFICULDADES
FINANCEIRAS. AUSÊNCIA DE DOLO. IMPROVIMENTO DA
APELAÇÃO.
1. A presença de escrituração regular dos descontos efetuados dos
empregados, é oposta à intenção de manter em erro a entidade de direito
público, denotando a ausência de dolo na conduta do agente, elemento
essencial do tipo penal elencado na inicial.
[...]
3. Sentença confirmada. Apelação improvida. (DJ 18.06.2002, p. 835).
Por outro lado, mesmo que se admitisse o crime pelo mero
inadimplemento da obrigação tributária, não havendo provas de que o Prefeito se apropriou de
tais verbas é de se declarar sua absolvição. Esse, aliás, é o entendimento do STJ:
PENAL. RECURSO ESPECIAL. CRIME CONTRA A ORDEM
TRIBUTÁRIA E ECONÔMICA. PREFEITO. CONTRIBUIÇÕES.
FALTA DE RECOLHIMENTO. I – Como em qualquer imputação, a
denúncia deve descrever, sob pena de inépcia, a conduta típica atribuída ao
Prefeito. A sua simples condição não pode levar à incriminação automática
sob pena de adoção de responsabilidade objetiva. II – A falta de
recolhimento da contribuição previdenciária não qualifica – na dicção da
douta maioria, com a ressalva do entendimento do relator – o Prefeito como
sujeito ativo do crime de apropriação. Recurso desprovido.
(RECURSO ESPECIAL – 299831 Relator: Min. FELIX FISCHER – 5ª Turma. DJ
DATA:24/09/2001 PG:00331)
Ou dito de outra forma, a conduta do recorrente não configura ilícito
penal. Firme, nesse sentido, a orientação desta Corte Regional, conforme se colhe dos
precedentes abaixo elencados:
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APN 358/PE (V-3)
PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA
PREVIDENCIÁRIA. ARTIGO 95, D, DA LEI 8.212/91. REVOGAÇÃO. LEI
9.983/00. NOVATIO LEGIS IN MELLIUS. RETROATIVIDADE DA LEI
PENAL. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. DESCONTO DOS
EMPREGADOS.
NÃO
RECOLHIMENTO AOS
COFRES
DA
SEGURIDADE SOCIAL. AUSÊNCIA DO DOLO. IMPROVIMENTO.
1. A Lei nº 8.866/94, relativa ao depositário infiel de valor pertencente à
Fazenda Pública, uma das duas formas de prisão civil previstas na
Constituição Federal de 1988, não revogou o artigo 95, d, da Lei nº
8.212/91, não se podendo falar em "abolitio criminis".
2. A revogação do artigo 95, d, da Lei 8.212/91, ocorreu, tão-somente, com
o advento do artigo 3º da Lei nº 9.983, de 14 de julho de 2000. Não houve,
contudo, uma supressão da norma incriminadora. Tendo em vista a redução
quantitativa da pena, está-se diante de um caso de "novatio legis in mellius",
de que emana a possibilidade de se lhe emprestar efeito retroativo, havendo
crime, portanto.
3. Se o denunciado mantém escrita regular, onde consigna os descontos
das contribuições sociais, parece deixar patente sua boa-fé, o que exclui o
dolo. O não recolhimento atribuído a dificuldades financeiras expunge o
animus rem sibi habendi - ânimo de ter a coisa para si.
4. Ninguém pode ser punido sem dolo, salvo previsão expressa de
modalidade culposa, ou por ato que lei posterior lhe retire a tipicidade.
5. Apelo improvido. (TRF 5a Região, 3a Turma, Apelação Criminal n.
2937/SE, rel. Des. Fed. GERALDO APOLIANO, DJ 19.02.2004, p. 759).
(Destacamos).
PENAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. ART. 95, "D", DA
LEI 8.212/91. REVOGAÇÃO. ART. 168-A INSERTO NO CÓDIGO PENAL
PELA LEI 9.983/2000. NORMA MAIS BENÉFICA. EXIGÊNCIA DE DOLO
ESPECÍFICO PARA A CONFIGURAÇÃO DO DELITO. INOCORRÊNCIA.
ATIPICIDADE DA CONDUTA. ABSOLVIÇÃO.
- A Lei 9.983/2000 revogou expressamente o art. 95 da Lei 8.212/91 e
introduziu no Código Penal o art. 168-A, norma mais benéfica quanto à
pena, que se aplica retroativamente.
- O fato típico descrito no art. 95, "d", da Lei 8.212/91 passou a restar
tipificado no parágrafo 1º do art. 168-A, do CP. Entendimento do Col. STJ
(v.g. RESP 464.420/CE, 6ª Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, julg.
20.3.2003, pub. 7.4.2003, DJU, pág. 357).
- É imprescindível à caracterização do crime de apropriação indébita
previdenciária que o agente tenha agido dolosamente.
- É necessária a prova inequívoca da ocorrência do dolo específico,
consistente no especial fim de agir o réu com intenção de não restituir aos
cofres públicos a contribuição previdenciária descontada da folha de
salários.
- Improvado o dolo específico, não se tipifica o crime capitulado no
parágrafo 1º do art. 168-A, do CP.
- Apelação provida. (TRF 5a Região, 3a Turma, Apelação Criminal n.
3311/PE, rel. Des. Fed. RIDALVO COSTA, DJ 08.12.2003, p. 182).
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APN 358/PE (V-3)
PENAL E PROCESSUAL PENAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA
PREVIDENCIÁRIA. EXIGÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO PARA A
CONFIGURAÇÃO DO DELITO. INOCORRÊNCIA. TRANCAMENTO DA
AÇÃO PENAL PELA VIA DO HABEAS CORPUS COM BASE NA FALTA
DE JUSTA CAUSA. ORDEM CONCEDIDA.
1. Para a caracterização do crime de apropriação indébita previdenciária,
previsto no art. 168-A, parág. 1º, inciso I do CPB, introduzido pela Lei
9.983/00, é necessário que o agente tenha agido dolosamente, não se
fazendo presente tal elemento da conduta quando são feitas as regulares
escriturações contábeis do crédito e depois efetuado o pagamento devido
aos cofres do INSS.
2. Sendo notória a atipicidade do fato atribuído a paciente é admissível o
cabimento do habeas corpus com a finalidade de trancar ação penal, por
inexistir justa causa para o seu prosseguimento.
3. ordem concedida. (TRF 5a Região, 4a Turma, HC n. 1523/CE, rel. Des.
Fed. NAPOLEÃO MAIA, DJ 09.12.2002, p. 978).
Com essas considerações, julgo IMPROCEDENTE à denúncia.
É como voto
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AÇÃO PENAL PÚBLICA (PROCEDIMENTO CRIMINAL COMUM) Nº 358/PE
(2003.83.08.000685-2)
AUTOR
: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RÉU
: SEM INDICIADO
INVDO
: EMANUEL SANTIAGO ALENCAR
ADV/PROC
: ERNESTO GONCALO CAVALCANTI E OUTROS
ADV/PROC
: ROSA SULEYMAN ALENCAR LEBERAL SANTIAGO FALCÃO
ORIGEM
: 8ª VARA FEDERAL DE PERNAMBUCO - PE
RELATOR
: DES. FED. EMILIANO ZAPATA (Convocado)
RELATOR P/ACÓRDÃO: DES. FED. RUBENS DE MENDONÇA CANUTO (Convocado)
EMENTA
PENAL. PROCESSO PENAL. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA.
APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA (ART. 168-A/CP).
REGULAR ESCRITURAÇÃO DOS DESCONTOS. PREFEITO
MUNICIPAL. DOLO NÃO COMPROVADO. ABSOLVIÇÃO.
- A lei penal não pode descrever como crime o mero não pagamento, posto
que não é lícito ao legislador comum contornar proibição inserta na
Constituição, que vedou a prisão por dívidas, ressalvadas as exceções que ela
própria consagrou.
- Na medida em que o Município recolhe do prestador de serviço
determinada quantia a título de contribuição previdenciária e não a repassa à
Previdência Social, ele assume a posição de devedor daquela contribuição.
Passa a ser responsável tributário pela contribuição, não havendo como
responsabilizar criminalmente o prefeito por tal fato.
- O crime de apropriação indébita previdenciária não se exaure com o mero
deixar de pagar, exigindo dolo específico de se apropriar dos valores,
iludindo o fisco, razão por que não o comete o Prefeito que registra todos os
débitos em sua contabilidade e não repassa as contribuições ao INSS.
- Ação penal julgada improcedente.
ACÓRDÃO
Vistos, etc.
Decide o Pleno do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por maioria,
julgar improcedente a ação penal, nos termos do Relatório, Voto e notas taquigráficas constantes dos
autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Recife, 06 de outubro de 2010.
(Data de julgamento)
Des. Fed. RUBENS DE MENDONÇA CANUTO
Relator p/acórdão
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