MEMORANDUM
PARA: APIC
DE: ABBC Advogados
DATA: 22/01/2014
ASSUNTO: Regime das Prática Individuais Restritivas do Comércio – DL n.º 166/2013, de 27 de dezembro
Foi publicado em Diário da República, no dia 27 de dezembro de 2013, o Decreto-Lei n.º 166/2013, de 27
de dezembro (doravante DL 166/2013) que altera e revoga o anterior regime das práticas individuais
restritivas do comércio. Tendo este diploma especial acuidade e interesse no âmbito do comércio no setor
agroalimentar, foi-nos solicitada uma breve síntese das mais substanciais alterações introduzidas pelo
mencionado Decreto-Lei.
O DL 166/2013, caracteriza-se por uma maior densificação das definições dos conceitos inerente e uma
caracterização mais precisa das práticas que considera desconformes ao regular desenvolvimento do
comércio.
Com esse intuito o diploma introduziu alterações significativas nos seguintes campos:
I – venda com prejuízo
Esclarece-se o conceito de preço de compra efetivo. O preço de compra efetivo é o preço unitário constante
da fatura de compra, líquido dos pagamentos ou descontos que se relacionem direta e exclusivamente com
a transação dos produtos em causa.
Os descontos devem encontrar-se identificados na própria fatura ou, por remissão desta, constar nos
contratos de fornecimento ou tabelas de preço que se encontrem em vigor no momento da transação.
Esclarece-se ainda que os descontos, sejam eles financeiros ou promocionais, são considerados na
determinação do respetivo preço de venda e que, no caso de descontos que consistam na atribuição de um
direito de compensação em aquisição posterior de bens equivalente ou de outra natureza, concedidos em
cada produto, são imputados à quantidade vendida do mesmo produto e do mesmo fornecedor nos últimos
30 dias.
Para efeitos de determinação do preço de compra, consideram-se aceites, em todos os seus termos, as
faturas de compra que não tenham sido objeto de reclamação nos 25 dias posteriores à sua receção. Em
caso de desconformidade ou vício da fatura emitida, o vendedor tem 20 dias, após a receção da
reclamação, para fazer sanar a desconformidade ou vício em causa.
II – Recusa de venda de bens ou de prestação de serviços
Neste âmbito, foram introduzidas novas causas justificativas da recusa de venda de bens ou prestação de
serviços a outro agente económico, além das que já eram previstas no regime anterior.
São, agora, admitidas como causas justificativas de recusa:
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A existência de acordos de distribuição exclusiva para determinado território, desde que sejam
conformes ao Direito da Concorrência;
A proteção de propriedade intelectual;
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As restrições vigentes no Direito da União Europeia e Direito Internacional, nomeadamente para a
repressão e combate da criminalidade e terrorismos, usualmente designadas como sanções
económicas; e
A dificuldade anormal de venda ou da prestação por motivos de força maior, nomeadamente
greves, lock-outs, tumultos etc...
III – Práticas Negociais Abusivas
No que concerne à tipificação das práticas negociais abusivas, optou-se por proceder a uma exemplificação
das práticas proibidas por oposição à formulação vaga e genérica anteriormente em vigor.
De salientar, com especial interesse para a APIC, a criação expressa de proibição de práticas específicas
para o setor agroalimentar.
Assim, são proibidas, na generalidade dos setores, as práticas negociais que se traduzam:
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Na imposição da impossibilidade de venda a qualquer outra empresa a um preço mais baixo;
Na obtenção de preços, condições de pagamento, modalidades de venda ou condições de
cooperação comercial exorbitantes relativamente às suas condições gerais de venda;
Na imposição unilateral, direta ou indireta:
o de realização de uma promoção de um determinado produto;
o de quaisquer pagamentos enquanto contrapartida de uma promoção;
Na obtenção de contrapartidas por promoções em curso ou já ocorridas, incluindo os descontos que
consistirem na atribuição de um direito de compensação em aquisição posterior de bens
equivalentes ou de outra natureza;
Na alteração retroativa de um contrato de fornecimento.
No que concerne ao setor agroalimentar em específico, são proibidas as práticas negociais do comprador,
quando o fornecedor seja uma micro ou pequena empresa, organização de produtores ou cooperativa, que
se traduzam:
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Na rejeição ou devolução de produtos entregues, com fundamento na menor qualidade de parte ou
da totalidade da encomenda ou no atraso da entrega, sem que seja demonstrada, pelo comprador,
a responsabilidade do fornecedor por esse facto;
Na imposição de um pagamento, diretamente ou sob a forma de desconto:
o Pela não concretização das expectativas do comprador quanto ao volume ou valor das
vendas;
o Para introdução ou reintrodução de produtos;
o Como compensação por custos decorrentes de uma queixa do consumidor, exceto quando
a queixa decorra de negligência, falha ou incumprimento contratual do fornecedor;
o Para cobrir qualquer desperdício dos produtos do fornecedor, exceto quando se demonstre
que esse desperdício decorreu de negligência, falha ou incumprimento contratual do
fornecedor;
o Por custos relativos a transporte e armazenamento posteriores à entrega do produto;
o Como contribuição para a abertura de novos estabelecimentos ou remodelação dos
existentes;
o Como condição para iniciar uma relação comercial com um fornecedor.
Para efeitos do DL 166/2013, pequena empresa define-se como aquela que emprega menos de 50 pessoas
e cujo volume de negócios anual ou o balanço total anual não excede os 10 milhões de euros. Já a
microempresa é definida como a empresa que emprega menos de 10 pessoas e o volume de negócios
anual ou o balanço total anual é não excede 2 milhões de euros – cfr.: Recomendação n.º 2003/361/CE.
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IV – Autorregulação
Sem prejuízo do disposto no DL 166/2013, as estruturas representativas de cada setor de atividade podem
adotar instrumentos de autorregulação tendentes a regular as respetivas transações comerciais. Os
instrumentos de autorregulação adotados estão sujeitos a homologação pelos membros do Governos
responsáveis pelas áreas da economia e pelos setores de atividade representados nesses instrumentos.
É também admitida e mesmo incentivada a autorregulação especificamente dirigida a práticas negociais não
proibidas, nomeadamente em virtude da dimensão ou do setor de atividade dos intervenientes, como ocorre
no setor agroalimentar.
A autorregulação, por setor, parece ser um dos objetivos do presente diploma que destina mesmo uma
parcela do valor das coimas aplicadas ao acompanhamento do mecanismo de autorregulação e estabelece
um procedimento para esse acompanhamento da autorregulação por parte de membros do Governo.
No entanto, esta autorregulação parece, na letra da lei, limitar-se à regulamentação dos aspetos que estão
para além dos limites impostos no DL 166/2013. É o que parece resultar da expressão “Sem prejuízo do
disposto no presente decreto-lei” que antecede a norma que permite a autorregulação em termos gerais –
artigo 16º, n.º 1 - e, relativamente às práticas negociais proibidas, é também o que parece decorrer da
formulação “As prática negociais não proibidas pelo presente artigo (...) devem ser objeto de
autorregulação”.
Gera-se, portanto, a dúvida sobre até que ponto poderá a autorregulação, mesmo que homologada,
derrogar o DL 166/2013.
V – Medidas cautelares
Foi também prevista a possibilidade de imposição de medidas cautelares por parte da entidade
fiscalizadora.
No caso, a ASAE poderá determinar, com caráter de urgência e sem dependência de audiência dos
interessados, a suspensão da execução de uma prática restritiva do comércio suscetível de provocar
prejuízo grave, de difícil ou impossível reparação.
A aplicação de medida cautelar pode ser reforçada pela aplicação de sanção pecuniária compulsória. Esta
sanção traduz-se no pagamento de uma sanção pecuniária por cada dia em que se mantiver a prática cuja
suspensão foi determinada pela entidade fiscalizadora como medida cautelar.
VI – Coimas
Foram agravadas as coimas por violação do regime em causa.
No entanto, quanto a estas, os especialistas têm já levantado grandes dúvidas quanto à sua licitude uma
vez que em certos casos, para a mesma violação, a moldura varia entre um valor mínimo e um valor
máximo que é quinhentas vezes superior. Acrescem ainda, substanciais dúvidas quanto ao concurso de
normas entre este diploma e as normas de Direito da Concorrência que também estabelecem coimas por
comportamentos em tudo semelhantes, pelo que pode existir um problema de dupla sanção da mesma
conduta.
VII - Aplicação aos contratos vigentes
Foi definido um período transitório de 12 meses.
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Assim, os contratos de fornecimento vigente à data de entrada em vigor do DL 166/2013 cessam
automaticamente no prazo máximo de 12 meses, salvo revisão dos mesmos e compatibilização com o
presente diploma.
O DL 166/2013 entra em vigor no dia 25 de fevereiro de 2014.
VIII – Conclusão
Esta pequena conclusão é sustentada não só na análise feita ao diploma pela ABBC mas também aquela
que tem sido a posição de especialistas na matéria, manifestada em colóquios organizados sobre o tema e
artigos jornalísticos já publicados.
O novo regime parece surgir em defesa dos fornecedores mais expostos ao poder das grandes superfícies
e dos compradores com acentuado poder de mercado, estabelecendo mesmo, para o setor agroalimentar,
proteção extra para micro e pequenas empresas. No entanto, uma vez que a presente lei se aplicará
apenas a contratos sujeitos à lei portuguesa, poder-se-á estar a beneficiar as grandes multinacionais que
sujeitam os seus contratos de fornecimento a outros ordenamento legislativos e aos fornecedores externos,
que podem submeter-se a práticas negociais mais agressivas.
A estas objeções contrapõe-se o mecanismo de autorregulação que se pretende implementar doravante,
mas cujos resultados não se podem antever e cuja abrangência pode não ser significativa se não se admitir
que esses instrumentos possam derrogar, em alguns casos substancialmente, o DL 166/2013.
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