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O instituto
garantismo
da
reincidência
sob
a
perspectiva
do
Hodiernamente, cumpre ao Estado, ao tutelar a segurança dos cidadãos,
adotar regras de cunho garantista, cujo teor não pode ultrapassar a pessoa do
indivíduo, e nem ter conteúdo ou fins morais.
Como forma de proteger as garantias fundamentais, a Carta Magna impõe
para cada infração penal a respectiva sanção, e veda a estereotipação dos
indivíduos em "disciplinados e não-disciplinados"(ZAFFARONI, PIERANGELI,
2004, p.796), ou seja, “não se admite um direito penal do autor, mas somente do
fato”(MASSON, 2010, p.606 ). No primeiro, o homem tem a sua personalidade
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reprovada, ele é julgado por aquilo que ele é, e não pelo que fez. Já no direito
penal do fato, o homem tem reprovada a sua ação.
No Estado Democrático de Direito, o Direito Penal passou a desempenhar a
função de estabelecer o preceito legal que individualizará quais condutas são
nocivas a determinado bem jurídico, assegurando a sua punição, e, ao mesmo
tempo, criar normas que garantam ao indivíduo a dignidade e a prevalência de
seus direitos humanos fundamentais.
A despeito desses direitos e garantias, o princípio do ne bis in idem, que não
admite a dupla punição pelo mesmo fato, surge como um dos pilares do Estado
Democrático de Direito. Em matéria penal, “o postulado de que alguém não deve
ser punido mais de uma vez pela mesma infração, de que a lei da retribuição é
esgotada por uma única reação a um fato” (KELSEN, 2001, p. 315), garante paz
jurídica e tranqüilidade social. “A coisa julgada é um instituto de garantia a todo e
qualquer indivíduo processado de que, uma vez decidido o litígio pelo Estadojuiz, o mesmo não poderá mais ser discutido” (RANGEL, 2000).
O ne bis in idem, apesar de não estar previsto em nenhum diploma legal
interno, exerce uma grande influência na Constituição e no Direito Penal
brasileiro, pois, encontra suporte em convenções internacionais, onde aparece
devidamente fundamentado, tais como na Convenção Americana sobre Direitos
Humanos - Pacto de São José da Costa Rica – (1969), ratificado pelo Brasil em
1992, Convenção Interamericana sobre Assistência Mútua em Matéria Penal,
83
assinada pelo Brasil em 1994, no Estatuto de Roma do Tribunal Penal
Internacional (1998), aprovado e ratificado pelo Brasil em 2002; e na Convenção
Interamericana sobre o Cumprimento de Sentenças Penais no Exterior (1993),
aprovado pelo Brasil em 2006.
De tal forma, pelo teor do parágrafo 4º, do artigo 5º da CF/88, que dispõe
que “o Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja
criação tenha manifestado adesão”, passa a vincular o ordenamento jurídico
nacional.
Diante do exposto, um dos temas que mais suscita críticas garantistas é o
instituto da reincidência, cujo vocábulo traduz a idéia de repetição de fato
anteriormente praticado.
A reincidência se encontra positivada nos artigos 61, 63, 64 e 67 do Código
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Penal brasileiro, e nos termos do artigo 63 do Código Penal e artigo 7º da LCP,
significa uma circunstância relevante ao agravamento da pena, que se verifica
quando o agente comete novo crime (ou contravenção), depois de transitar em
julgado a sentença que, no País ou no exterior, o tenha condenado por crime
anterior.
O Código Penal brasileiro não define o que é reincidência, apenas se limita a
expor as suas condições de verificabilidade, assim, encontramos várias maneiras
de considerar a reincidência:
Reincidência genérica, que se conceitua como o cometimento de um delito, depois
de ter sido o agente condenado e submetido à pena por outro delito, enquanto se
denomina reincidência específica, a que exige a prática de um novo delito igual, ou
da mesma categoria daquele pelo qual sofreu anterior condenação.(ZAFFARONI,
PIERANGELI, 2004, p. 840)
Também se costuma falar em reincidência ficta, “quando o autor comete
novo crime após ser condenado, porém, sem que tenha cumprido a pena”
(NUCCI, 2007, p. 390), e em reincidência real, que consiste no cometimento de
um delito depois de ter sido condenado e, efetivamente, cumprido pena por um
delito anterior.
Todavia, de acordo com a legislação brasileira não importa a classificação
da reincidência. Se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração
posterior, não tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, basta a
84
condenação anterior transitada em julgado da pessoa por outro delito para que a
reincidência passe a:
1 - Conseqüências previstas na parte geral do Código Penal:
a)
Determina o regime de cumprimento de pena mais severo (artigo 33 do
Código Penal);
b)
Impossibilita a substituição da pena privativa de liberdade por pena
restritiva de direitos, se específica em crimes dolosos (artigo 44, inciso II do
Código Penal);
c)
Provoca a conversão da pena substitutiva em pena privativa de liberdade
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(artigo 44, § 5 º do Código Penal);
d)
Impede a substituição de pena privativa de liberdade por multa (artigo 60,
§ 2º do Código Penal);
e)
Agrava a pena privativa de liberdade (artigo 61, inciso I, do Código Penal);
f)
Prepondera no concurso de circunstâncias agravantes e atenuantes (art. 67,
última parte, do CP);
g)
Impossibilita a concessão de sursis, caso a reincidência seja por crime
doloso (artigo 77, inciso I do Código Penal);
h)
Revoga obrigatoriamente o sursis, se a condenação versar sobre crime
doloso, (artigo 81, inciso I do Código Penal); e pode revogar o sursis, se a
condenação tratar de contravenção ou crime culposo (artigo 81, §1º do Código
Penal);
i)
Dilata o lapso temporal de cumprimento da pena para a obtenção do
livramento condicional (artigo 83, inciso II do Código Penal);
j)
Impossibilita o livramento condicional quando a reincidência versar sobre
crimes hediondos, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, terrorismo e
tortura (artigo 83, inciso V do Código Penal);
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k)
Revoga a reabilitação, se o reabilitado for condenado, como reincidente,
por decisão definitiva, (artigo 95 do Código Penal);
l)
Dilata em um terço o prazo da prescrição executória (artigo 110 do Código
Penal);
m)
Se posterior à condenação, interromperá o prazo da prescrição executória,
(artigo 117, inciso VI do Código Penal).
2 - Conseqüências previstas na parte especial do Código Penal:
2.1 - Impede os benefícios:
a)
Perdão judicial no crime de apropriação indébita previdenciária (artigo 168,
alínea A, § 3º, do Código Penal);
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b)
Aplicação de pena de multa no crime de apropriação indébita previdenciária
(art. 168, alínea A, § 3º, do Código Penal);
c)
Perdão judicial no crime de sonegação de contribuição previdenciária (art.
337, alínea A, § 2º, do Código Penal);
d)
Aplicação de pena de multa no crime de sonegação de contribuição
previdenciária (art. 337, alínea A, § 2º, do Código Penal).
2.2 – Impede o reconhecimento de causas de diminuição de pena no:
a)
Furto privilegiado (artigo 155, § 2º, do Código Penal);
b)
Estelionato privilegiado (artigo 171, § 1º, do Código Penal);
c)
Fraude no comércio privilegiada (artigo 175, § 2º, do Código Penal);
d)
Receptação culposa privilegiada (artigo 180, §§ 3º e 5º do Código Penal);
e)
Receptação dolosa privilegiada (artigo 180, "caput" e § 5º parte final, do
Código Penal);
f)
Penal);
Apropriação indébita privilegiada (artigo. 168 c/c artigo 170, do Código
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g)
Apropriação indébita previdenciária privilegiada (artigo 168. A c/c artigo
170, do Código Penal);
h)
Apropriação de coisa havida por erro, caso fortuito ou força da natureza,
privilegiadas (artigo 169, "caput" c/c artigo 170, do Código Penal);
i)
Apropriação de tesouro privilegiada (artigo 169, parágrafo único, inciso I,
c/c artigo 170, do Código Penal);
j)
Apropriação de coisa achada privilegiada (artigo 169, parágrafo único,
inciso II, c/c artigo 170, do Código Penal).
3 - Conseqüências previstas em algumas leis penais especiais:
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a)
Aumenta de um terço até metade a pena de quem já foi condenado por
violência contra a pessoa, no caso de porte ilegal de arma que não seja de fogo
(artigo 19, § 1º, do Decreto-Lei 3.688/41 - LCP);
b)
Impede que seja aplicada somente pena de multa em caso de crime de
sonegação fiscal (artigo 1º, § 1º, da Lei 4.737/65);
c)
Aumenta, do dobro ao quíntuplo, os valores das multas aplicadas pelas
penalidades previstas no artigo 125 da Lei dos Estrangeiros (art. 126 da Lei
6.815/80);
d)
Agrava a pena do crime contra a segurança nacional (artigo 4º, inciso I, da
Lei 7.170/83);
e)
Impossibilita a transação penal nas infrações de menor potencial ofensivo
(artigo 76, § 2º, inciso I, da Lei 9.099/95);
f)
Impede a suspensão condicional do processo (artigo 89, caput, da Lei
9.099/95);
g)
Agrava a pena, quando não constituem ou qualificam os crimes de natureza
ambiental (artigo 15 da Lei 9.605/98).
87
A doutrina apresenta posições divergentes e contraditórias quando
argumentada a respeito do fundamento de a reincidência majorar de tal forma a
situação do condenado. Desse modo, tem-se entre os discursos mais difundidos, o
adotado pela Escola Clássica, que alega falha na tarefa retributiva da pena. Para
essa teoria, uma vez que o condenado não se intimidou o suficiente com o castigo
anterior, a ponto de delinqüir novamente, resta claro que “a pena mostrou-se
insuficiente, justificando uma nova punição, agora mais grave”(MASSON, 2010,
p.614). “O recrudescimento da pena resulta da opção do agente por continuar
delinqüindo.”37
Outra parte da doutrina, conhecida como Escola Positiva, acaba justificando
o agravamento da sanção na maior periculosidade do condenado, “reconhecendo,
sim, que a reiteração delituosa é reveladora da necessidade de um apenamento
mais rigoroso.”38
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O garantismo repudia esses dois fundamentos. Primeiramente, pois a Escola
Clássica, ao alegar falha na tarefa retributiva da pena, está, na verdade, agravando
a situação do condenado por uma falha do Estado.
É fato constatado que no Brasil a estadia no cárcere é, inegavelmente, uma
verdadeira ‘escola do crime’.
Desde o começo a prisão deveria ser um instrumento tão aperfeiçoado quanto a
escola, a caserna ou o hospital, e agir com precisão sobre os indivíduos. Todavia o
que se constata é que a prisão, longe de transformar criminosos em gente honesta,
serve apenas para fabricar novos criminosos ou para afundá-los ainda mais na
criminalidade. (FOUCAULT, 2008, p. 131)
Por traz das grades dos presídios predomina o desprezo aos internos: celas
superlotadas, repletas de promiscuidade, violência e péssimas condições de
higiene. Ademais, ainda nos deparamos com a ausência de atividades laborais e
educativas. É como se a prisão concebesse o seu próprio alimento, isto é a
delinqüência:
A pena não reeduca, não regenera, não tem o poder de reinserir o cidadão no meio
social. Pelo contrário, perverte, embrutece, animaliza o homem. Como pode
adaptar-se ao meio social aquele que está vindo de irritante promiscuidade com a
marginalidade? (TOURINHO FILHO, 2010, v1, p. 774)
O sistema penal atua de forma deformadora sobre o condenado,
contribuindo de forma decisiva para que ele volte a delinqüir. Por essa razão, sob
37
38
HC 93.194/RS, rel. Min. Eros Grau, 2ª Turma, j. 12.02.2008
AgRg no REsp 1.017.755/RS, rel. Min. Paulo Gallotti, 6ª Turma, j. 15.04.2008
88
a ótica garantista, não se mostra razoável utilizar tal fundamento para se agravar a
pena do reincidente, podendo esta, inclusive, como defende Juarez Cirino dos
Santos, ter a sua situação invertida, passando ser olhada como atenuante para o
egresso (SANTOS, 1985).
Por outro lado, o garantismo também repudia a idéia da Escola Positiva de a
reincidência agravar a condição do apenado em virtude deste ser presumidamente
mais perigoso.
A periculosidade, no caso de se poder valorá-la, constitui um juízo fático, e, por
conseguinte, jamais poderia ser presumido júris et de jure, porque se assim fosse,
estabeleceria a presença de um fato quando o fato não existe, e isso, na ciência
jurídica, não se denomina ‘presunção’ e sim ‘ficção’. (ZAFFARONI,
PIERANGELI, 2004, p.842)
No caso em questão, fica nítida a vontade do legislador brasileiro em dividir
os indivíduos em "aqueles que aprenderam a conviver em sociedade e aqueles que
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não aprenderam e insistem em continuar delinqüindo" (STRECK, 2001, p. 71).
Quando se aumenta a pena do reincidente, não há, necessariamente, uma infração
mais grave, a maior reprovabilidade decorre unicamente do fato de que seu autor,
no passado, foi condenado com transito em julgado por outro crime (ou
contravenção penal).
É evidente, pois, que ao adotar a teoria da maior periculosidade do
reincidente, o próprio sistema penal o trata de maneira diferenciada. No entanto,
“o fato é que só se poderia existir um tratamento penal diferenciado, realmente
limitado aos inimigos, no marco de um extremo e estrito direito penal de autor”
(ZAFFARONI, 2007, p. 116). A “ameaça legal de retribuição penal pode prevenir
somente a pratica de fatos delituosos, não a subsistência de condições pessoais ou
de status, como são a periculosidade ou a capacidade de delinqüir”(FERRAJOLI,
2002, p. 297).
Logo, “admitir um tratamento penal diferenciado para inimigos não
identificáveis, nem fisicamente reconhecíveis, significa exercer um controle social
autoritário sobre toda a população”( ZAFFARONI, 2007, p. 118).
No mais, o principio da individualização da pena, previsto em nossa Carta
Magna, em seu artigo 5º, inciso XLVI, estabelece que a sanção penal deve ser
adaptada ao caso concreto; isto é, respeitada a cominação legal estipulada para o
89
delito, o juiz no cálculo da pena, deve aplicar ao indivíduo, a quantidade de pena
que se faça necessária a atender sua finalidade, ou seja, retribuição, prevenção e
ressocialização.
Neste sentido, está-se desrespeitando a Constituição ao admitir que todo
indivíduo por ser reincidente é presumidamente perigoso, e como tal merece o
mesmo tratamento na aplicação da pena.
Aceitar a tese de que a reincidência, em regra, indica uma maior
periculosidade do autor, e que, portanto, deva agravar a pena deste, é aceitar que a
“natureza do instituto e a argumentação da maior penalização é fundada em tipos
criminológisos de autor e em teorias dogmáticas enamoradas pelas noções de
periculosidade social e ou patológica individual ”(CARVALHO, 2002, p. 64). Ou
seja, “trata-se de um direito penal da periculosidade presumida” (ZAFFARONI,
2007, p. 71), que não recai sobre a conduta lesiva, mas sobre a personalidade do
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agente.
Dessa forma, afastados os argumentos mais difundidos pela doutrina para
sustentar o instituto da reincidência, não resta outro embasamento para agravar a
situação do condenado, além do bis in idem, pois se está, claramente, projetando a
pena do crime cometido no passado, no crime posterior.
Os delitos cometidos por agentes que não demonstraram se intimidar com a
autoridade estatal recebem uma pena mais severa do que aqueles que cometem o
mesmo delito, mas são primários aos olhos da lei. Isso significa que:
A adoção do instituto da reincidência, ao punir mais gravemente um crime,
tomando por fundamento um delito precedente, está-se, em verdade, valorando e
punindo, uma segunda vez, a infração anteriormente praticada (em relação à qual o
agente já foi condenado e punido). (QUEIROZ, 2001, p. 29)
Deste modo, apesar de ser pacífico no Supremo Tribunal Federal39 o
entendimento de que “a majoração da pena resultante da reincidência não
configura violação ao princípio do ne bis in idem” 40 , e que prevaleça na doutrina
39
A tese também tem encontrado guarida no STJ, que, em 17 de junho de 2003, no Recurso
Especial n. 401.274-RS, Rel. Ministra Laurita Vaz, anotou: “(...) 3. Reconhecida a violação ao art.
61, inciso I, do Código Penal, uma vez que, no momento da dosimetria da pena, estando
comprovada a reincidência, a sanção corporal a ser imposta deverá ser sempre agravada.
Precedentes. 4. No mesmo diapasão, o acórdão objurgado, ao aplicar ao furto mediante concurso,
por analogia, a majorante do roubo em igual condição, violou o parágrafo 4o do art. 155 do Código
Penal.(...)
40
HC 91. 688/RS, rel. Min. Eros Grau, 2ª Turma, j. 14.08.2007.
90
a idéia de que a exasperação da pena pela reincidência ocorre devido à
culpabilidade agravada do agente. É fato que a reincidência acrescenta um plus a
nova condenação, baseada, exclusivamente, no fato de o individuo já ter sofrido
uma condenação anterior, alterando, mesmo que indiretamente, a coisa julgada.
"No sólo se vulnera este principio sancionando al autor más de una vez por
el mismo hecho, sino también cuando se lo juzga por el mismo hecho en más de
una oportunidad"(VALLEJO, 2003).
No contexto em que a reincidência é atualmente aplicada não há outra forma
de explicar seus efeitos do que o bis in idem, já que a agravante incide exatamente
pela prática de um novo delito e somente em razão deste. A situação do
condenado é agravada em virtude do fato anteriormente cometido, pelo qual,
provavelmente, já foi punido, e não pelo delito posterior, posto que este quando
analisado isoladamente possui uma cominação de pena menor.
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O apenado tem o seu direito constitucional à ampla defesa limitado, pois
nada poderá fazer se confirmado o fato de ser reincidente. Existindo uma
condenação anterior transitada em julgado, além de ter agravada a pena do
segundo delito, o condenado estará, necessariamente, sujeito a uma infinidade de
conseqüências como impossibilidade da substituição da pena privativa de
liberdade por pena restritiva de direitos (se específica em crimes dolosos);
impossibilidade da concessão de sursis (caso a reincidência seja por crime
doloso); dilatação do lapso temporal de cumprimento da pena para a obtenção do
livramento condicional; dilatação do prazo da prescrição executória, dentre outros.
A reincidência produz a esteriotipação dos indivíduos, que passam a
constituir um grupo de pessoas cujos direitos são prejudicados, pois sua
condenação posterior carregará as seqüelas da primeira.
PAGANO, apud FERRAJOLI (2002, p. 405), advoga que "a pena cancela e
extingue integralmente o delito, restaurando, ao condenado que a sofreu, a
condição de inocente (...) Portanto, não se pode importunar o cidadão por aquele
delito cuja pena já tenha sido cumprida."
Não é a quantidade de direitos de que alguém é privado que lhe anula a sua
condição de pessoa, mas sim a própria razão em que essa privação de direitos se
baseia, isto é, quando alguém é privado de algum direito apenas porque é
considerado pura e simplesmente como um ente perigoso. (ZAFFARONI, 2007, p.
18)
91
O princípio constitucional da individualização da pena também fica abalado
com a aplicação do instituto da reincidência, sendo que as suas conseqüência são
ainda “maiores que o da agravação obrigatória na aplicação da pena, produzindo
diversos efeitos legais subsidiários”(CARVALHO, 2002, p. 61).
Ao aumentar abstratamente a pena do sujeito, imputando-lhe um resultado
desproporcional e mais gravoso, o instituto da reincidência ainda viola
abertamente o princípio da proporcionalidade e da razoabilidade, ferindo,
novamente a Constituição. Nos moldes em que se encontra atualmente, a
reincidência configura um retrocesso no Estado Democrático de Direito, e é
incompatível com o sistema garantista.
Em virtude da reincidência, quase sempre, o sujeito será condenado a uma
pena privativa de liberdade. E, “sabe–se que a prisão não reforma, mas fabrica a
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delinqüência e os delinqüentes”(FOUCAULT, 2008, p. 136).
A crítica garantista ao instituto da reincidência, não significa, todavia, que
um Estado Democrático de Direito não possa aplicar ao sujeito que viole
reiteradamente os direitos fundamentais de seus semelhantes, uma medida
socialmente adequada. No entanto, à luz desta teoria, a pena, e consequentemente
a reincidência, sempre deve ser analisada ante o caso concreto pelo juiz, que
decidirá, fundamentadamente, sobre a necessidade ou não de sua majoração.
Sempre que há valores envolvidos, há necessidade de ponderá-los, seja para a
elaboração de uma norma geral, lei, seja para a aplicação dessa norma geral em um
caso concreto, com o que se cria uma norma individual a sentença judicial.
Obviamente, só se pode escolher qual o meio mais benéfico para a realização de
certo fim dentre aqueles que se apresentam para tanto adequados. (TOLEDO, 2003,
p. 67)
Em um Estado Democrático de Direito e garantista, a aplicação da pena é
indissociável do princípio da proporcionalidade, ou seja, a pena deve ser aplicada
de acordo com as circunstâncias do caso concreto. Para uma correta aferição da
reincidência, esta reclama uma leitura constitucional, onde a pena guarda uma
estreita relação com as noções de necessidade e equilíbrio.
Nesta perspectiva, o instituto da reincidência, por se tratar de uma medida
que restringe direitos fundamentais, não pode ser entendido de forma
generalizada. Para se adequar ao Estado Democrático de Direito ele precisa se
adequar às normas superiores da ordem constitucional.
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6 O instituto da reincidência sob a perspectiva do