AUDIÊNCIA PÚBLICA Nº 095/2012
A PROTESTE – Associação de Consumidores vem apresentar suas
contribuições à Consulta Pública 95/2012, instalada pela ANEEL com o
objetivo de colher subsídios à proposta de resolução normativa que
“estabelece os procedimentos comerciais para a aplicação das bandeiras
tarifárias”, nos seguintes termos:
I – INTRODUÇÃO
1.
Antes de tudo, queremos destacar a inadequação do prazo aberto pela
ANEEL de apenas 31 dias para a discussão de matéria de grande impacto
para os consumidores.
2.
A agência não só deveria ter concedido prazo maior para
apresentação de contribuições, mas também ter promovido audiências
presenciais, a fim de divulgar e esclarecer os consumidores sobre as
implicações da medida altamente controversa proposta.
3.
A forma como a agência vem conduzindo esta audiência pública
afronta, inclusive, as diretrizes estabelecidas pelo Decreto 6.062, de 17 de
março de 2007, por meio do qual foi instituído o Programa de Fortalecimento
da Capacidade Institucional para Gestão em Regulação - PRO-REG.
4.
Nesse sentido, seria importante que a ANEEL tivesse disponibilizado
informações a respeito da realização ou não de estudos de impacto social e
econômico da norma proposta.
5.
No caso ora em tela o estudo de impacto regulatório se faz essencial,
na medida em que afetará o acesso ao serviço público essencial de energia
elétrica, que está contemplado pelo art. 175, da Constituição Federal, em
razão do que é do Poder Público o dever de garantia deste direito.
II – A ELIMINAÇÃO DO RISCO DA ATIVIDADE DE EXPLORAÇÃO DAS CONCESSÕES
6.
O art. 170, da Constituição Federal, estabelece que: A ordem
econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa,
tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da
justiça social. E a livre iniciativa tem como contrapartida a assunção do risco
decorrente da atividade econômica.
7.
Especificamente no que diz respeito aos serviços públicos, o inc. II, do
art. 2º da Lei 8.987/95, a concessão de serviço público é definida como “a
delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente, mediante licitação,
na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas
que demonstre capacidade para seu desempenho, POR SUA CONTA E RISCO
e por prazo determinado”.
8.
Entendemos que a medida proposta pela agência implica em violação
desta regra, na medida em que propicia a transferência dos riscos da
exploração e gerenciamento da concessão para o consumidor.
9.
A mesma lei de concessões, ao dispor sobre o conceito legal de
serviço adequado, estabelece que:
Art. 6º Toda concessão ou permissão pressupõe a
prestação
de
serviço
adequado
atendimento
dos
usuários,
conforme
ao
pleno
estabelecido
nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo
contrato.
§
1º
Serviço
condições
adequado
de
é
o
que
regularidade,
satisfaz
as
continuidade,
eficiência, segurança, atualidade, generalidade,
cortesia
na
sua
prestação
e
modicidade
das
tarifas.
10.
Para nós está evidente que a possibilidade estabelecida pela proposta
de norma de cobrança de aumento mensal de tarifa em virtude da variação
do custo de aquisição da energia pela distribuidora configura violação à
obrigação imposta à concessionária de REGULARIDADE, EFICIÊNCIA,
SEGURANÇA, bem como desrespeito ao princípio da modicidade tarifaria.
11.
A proposta em consulta afronta também o Código de Defesa do
Consumidor, especialmente os seguintes dispositivos: inc. V, do art. 39, que
qualifica como abusiva a cobrança de vantagem manifestamente excessiva
do consumidor e incs. I e IV, do art. 51, que qualifica como nulas de pleno
direito as cláusulas que:
Art.
51
outras,
–
São
entre
nulas
de
pleno
direito,
outras,
as
cláusulas
entre
contratuais
relativas ao fornecimento de produtos e serviços
que:
I
-
impossibilitem,
responsabilidade
qualquer
natureza
do
exonerem
fornecedor
dos
produtos
ou
atenuem
por
vícios
de
serviços
ou
e
a
impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas
relações
de
consumo
entre
o
fornecedor
e
o
consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá
ser limitada, em situações justificáveis;
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas,
abusivas,
que
coloquem
o
consumidor
em
desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com
a boa-fé ou a eqüidade;
12.
Tudo isto porque, como é cediço, o pagamento da tarifa mensalmente
pelo consumidor não corresponde apenas ao consumo da energia, mas
corresponde também à margem a ser auferida pela concessionária para
garantir os investimentos necessários para manutenção e garantia da
continuidade do serviço, o que inclui a compra de energia.
III – MUDANÇA NA ORIENTAÇÃO DA POLÍTICA TARIFÁRIA E OS PODERES DA ANEEL
13.
Ademais, tanto a legislação do setor quanto os contratos de
concessão estabelecem mecanismos específicos para reajustes e revisões
tarifárias, justamente para garantir o equilíbrio econômico e financeiro, de
modo a assegurar a continuidade dos serviços.
14.
Sendo assim, a autorização de repasse mensal para a tarifa da
variação do custo de energia configura mudança de orientação da política
tarifária.
15.
Ocorre que a ANEEL, de acordo com a Lei 9.427/1996, tem o papel
de implementar políticas pré-definidas pelo Poder Executivo (inc. I, art. 3º) e
não formular política.
16.
A norma proposta altera substancialmente a lógica de fixação do valor
das tarifas e esta decisão, de acordo com o art. 175, da Constituição deve
estar definida por lei ou por regulamento editado pelo Presidente da
República (art. 84, inc. IV, CF) ou pelo Ministro das Minas e Energia (art. 87,
parágrafo único, inc. IV, CF).
IV – A Lei 10.192/2001
17.
Vale considerar, ainda, que a medida contraria o que dispõe o art. 2º,
da Lei 10.192/2001, que dispõe sobre medidas complementares ao Plano
Real e dá outras providências:
Art.
2o É
admitida
estipulação
de
correção
monetária ou de reajuste por índices de preços
gerais, setoriais ou que reflitam a variação dos
custos de produção ou dos insumos utilizados nos
contratos de prazo de duração igual ou superior a
um ano.
§ 1o É nula de pleno direito qualquer estipulação
de
reajuste
ou
correção
monetária
de
periodicidade inferior a um ano.
§
2o Em
inicial
caso
do
de
revisão
período
de
contratual,
correção
o
termo
monetária
ou
reajuste, ou de nova revisão, será a data em que
a anterior revisão tiver ocorrido.
§ 3o Ressalvado o disposto no § 7o do art. 28 da
Lei
no 9.069,
de
29
de
junho
de
1995,
e
no
parágrafo seguinte, são nulos de pleno direito
quaisquer expedientes que, na apuração do índice
de
reajuste,
equivalentes
produzam
aos
de
efeitos
reajuste
de
financeiros
periodicidade
inferior à anual.
§ 4o Nos contratos de prazo de duração igual ou
superior a três anos, cujo objeto seja a produção
de bens para entrega futura ou a aquisição de
bens
ou
direitos
a
eles
relativos,
as
partes
poderão pactuar a atualização das obrigações, a
cada
período
de
contratação,
considerada
e
a
um
ano,
no
contado
seu
a
partir
vencimento
periodicidade
de
da
final,
pagamento
das
prestações, e abatidos os pagamentos, atualizados
da mesma forma, efetuados no período.
§ 5o O disposto no parágrafo anterior aplica-se
aos
contratos
celebrados
a
partir
de
28
de
outubro de 1995 até 11 de outubro de 1997.
§ 6o O prazo a que alude o parágrafo anterior
poderá
ser
prorrogado
mediante
ato
do
Poder
Executivo.
18.
A medida proposta propicia o repasse de custo da energia
mensalmente, sempre que configurada determinada situação financeira, o
que terminará por impactar a capacidade de pagar tarifa dos consumidores
de baixa renda, bem como o custo de produção, com potencial significativo
de impactar a inflação.
19.
Ou seja, a medida é ilegal também por este fundamento.
V – A ANEEL
NÃO TEM COMO FISCALIZAR E CONTROLAR O REPASSE DE CUSTO
PARA O CONSUMIDOR
20.
Por fim, forçoso reconhecer que a ANEEL, assim como não consegue
controlar e garantir as indenizações pelo desrespeito do DIC/FIC, estar-se-á
instaurando nova frente de conflitos e desrespeito ao direito dos
consumidores.
21.
A ANEEL, com mais esta medida, está reforçando a tendência que
vem se acirrando ano a ano de tratar de forma mercantilizada o serviço
público de energia elétrica.
22.
E esta tendência é ilegal, na medida em que a garantia de acesso aos
serviços públicos essenciais, como é o caso da energia elétrica, é importante
instrumento de distribuição de justiça social, nos termos dos arts. 1º e 3º, da
Constituição Federal e, ainda, um direito básico nos termos do art. 6º, inc. X,
e 22, do Código de Defesa do Consumidor, e a proposta de norma configura
claro empecilho de cumprimento destas finalidades.
23.
Esperando
estar
contribuindo
para
o
processo
regulatório,
representando os interesses dos consumidores, a PROTESTE aguarda que
suas contribuições sejam aceitas.
Termos em que,
Pede-se deferimento.
Flávia Lefèvre Guimarães
Conselho Consultivo da PROTESTE
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