MUDANÇA NO MODELO REGULATÓRIO DA TECNOLOGIA NO BRASIL:
QUAL DEVE SER A POLÍTICA DO CADE NESTE CENÁRIO
Luciano Benetti Timm∗
Renato Vieira Caovilla∗
RESUMO
O presente artigo tem por escopo, em primeiro lugar, demonstrar a mudança no modelo
regulatório ocorrida no Brasil, na década de 1990 do século XX, relativamente às áreas
de propriedade intelectual e direito da concorrência (com ênfase aqui nas transferências
de tecnologia) que vai deixar de ser interventivo via INPI, após o esgotamento de
políticas intervencionistas do governo brasileiro e que passará a ser feito pelo CADE
(associado ao redirecionamento da economia do país rumo à liberalização e à abertura
comercial). Após a demonstração da transformação do paradigma regulatório da
propriedade intelectual, em direção ao direito antitruste, procura-se justificar tal
mudança pela lente da análise econômica do direito. O artigo finaliza com a sugestão de
qual deve ser o eixo fundamental em torno do qual deve girar a política do CADE frente
aos contratos de tecnologia.
PALAVRAS-CHAVE
INOVAÇÃO;
CONCORRÊNCIA;
PROPRIEDADE
INTELECTUAL;
CRESCIMENTO ECONÔMICO; DIREITO E ECONOMIA.
ABSTRACT
The paper aims, for first, to describe the shift of the regulatory model of technology in
Brazil, during the 1990’s, concerning the intellectual property and antitrust spheres of
the law (specially in technology transferring), abandoning the interventionist approach
executed by INPI – after the erosion of this policy – and leaving the new task under the
brazilian antitrust agency auspices (of course after the change in the national economy’s

Advogado. Pós-doutorando da Universidade de Berkeley, Califórnia, no Departamento de Law,
Economics and Business. Doutor em Direito dos Negócios e da Integração Regional pela Universidade
Federal do Rio Grande do Sul. Master of Laws (LLM) em Direito Econômico Internacional pela
University of Warwick. Membro da Associação Latino Americana e Caribenha de Direito e Economia
(ALACDE). Professor da Universidade Luterana do Brasil (Canoas, Brasil), Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul (Porto Alegre, Brasil).
∗
Aluno da Faculdade de Direito da PUC/RS. Integrante do Grupo de Pesquisas em Direito e Economia da
PUC/RS, sob a coordenação do Prof. Dr. Luciano Benetti Timm.
2469
direction towards liberalization and market-oriented policies). After that, the mentioned
passage to a new regulatory paradigm of technology will be justified through the law
and economics lenses. Finally, the paper suggests how should be the approach of the
antitrust agency in this new scenario.
KEY-WORDS
INNOVATION, COMPETITION; INTELLECTUAL PROPERTY; ECONOMIC
GROWTH; LAW AND ECONOMICS.
1. INTRODUÇÃO
O destino da regulação da transferência de tecnologia1 depende da política
econômica adotada pelo governo brasileiro, de ampla variabilidade e que está, no
momento, direcionada à liberalização, abandonando a regulação estrita dos conteúdos
dos contratos via Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). O antigo papel de
supervisor dos comportamentos dos agentes econômicos no mercado de tecnologia é
agora cumprido pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), como se
verá aqui, mas evidentemente que dentro de novas premissas e novos objetivos. Somente
com o entendimento do aludido processo de influência, o deslocamento do modelo
regulatório da tecnologia pode ser bem compreendido e bem aplicado por órgãos
governamentais competentes e pelo próprio Poder Judiciário.
Com efeito, o propósito de desenvolvimento industrial e descoberta de novas
tecnologias, como meios para alcançar independência econômica em relação ao
chamado “primeiro mundo”, tem sido constante e controverso no Brasil.2 Constante
porque desde o governo de Getúlio Vargas, em 1930, a política econômica tem sido
direcionada à industrialização, afastando-se do modelo de exportação de matériasprimas.3 Por outro lado, tal intento tem sido controverso porque perseguido por vários
1
Por transferência de tecnologia entender-se-á as principais formas de circulação de tecnologia de acordo
com a própria classificação da legislação e do INPI: licenças e cessões de marcas e patentes e contratos de
know how e engineering.
2
HAUG comenta que “As interligadas concepções de transferência de tecnologia e desenvolvimento não
são novidade para muitos países do terceiro mundo. O desenvolvimento tem sido posto como prioridade
principal para nações do terceiro mundo... havia um consenso geral de que uma séria greta tecnológica
existia”, in "The international transfer of technology: lessons that east Europe can learn from the failed
third world experience" in Harvard Journal of Law and Technology, 1992, p. 217.
3
In The economist, "A survey of Brazil", March 27th 1999.
2470
diferentes modelos políticos, alguns deles incongruentes entre si.4 Em assim sendo, por
um longo período, o governo brasileiro foi responsável por impulsionar, por meio de
investimentos, o crescimento econômico. Isso ocorreu, primeiramente, durante o período
Vargas e, mais tarde, nos anos de 1960 e 1970, com a adoção da política de substituição
de importações.5 Contudo, no primeiro período, grandes incentivos foram dados às
empresas estatais, principalmente de petróleo e aço, ao passo que mais recentemente, os
investimentos foram destinados diretamente às empresas multinacionais.
A idéia central da política de substituição de importações era a de promover a
independência em relação à economia mundial, encorajando a produção industrial
nacional, baseada em tecnologia local, para suprir a demanda doméstica sem depender
das importações. Protegia-se a indústria nacional contra os competidores alienígenas em
razão de sua posição de principiante. O governo recorreu, também, a empréstimos
estrangeiros para investir e enfrentar o problema da falta de reservas do País (política de
endividar-se para crescer – borrow to growth). Ao mesmo tempo em que o governo
liderava os investimentos em infra-estrutura, a tecnologia necessária para satisfazer a
demanda pelos produtos substituídos estava sendo transferida, basicamente, por meio
4
Por exemplo, Getúlio Vargas assumiu o poder dando um golpe de estado, em 1930, objetivando terminar
com a hegemonia da política do café-com-leite, representada pelos Estados de São Paulo e Minas Gerais,
da qual saíam sucessiva e alternadamente os presidentes da nova República do Brasil, fundada em 1891,
também com golpe militar de Estado. A política desses presidentes foi de favorecer o modelo de
exportação agrícola, em razão do interesse econômico da elite agrícola dos aludidos Estados
(especialmente produtores de café). A industrialização e urbanização do Brasil foi a maneira encontrada
por Getúlio Vargas para dar cabo aos interesses econômicos da elite paulista. Após um governo
democrático entre 1955-1960, um novo golpe de estado estava prestes a acontecer no Brasil, agora contra
as medidas socialistas do novo Presidente João Goulart (divisão de terras, educação pública). O governo
militar adveniente foi responsável pela implementação da Política de Substituição de Importação no
Brasil, de orientação nacionalista e de direita.
5
Carrasco assevera que “... antes dos anos 1930, os países latino-americanos adotavam políticas de livrecomércio voltadas para fora. Eles exportavam primordialmente matérias-primas agrícolas e minerais, nas
quais obtinham uma vantagem comparativa, e importavam principalmente produtos manufaturados da
Europa. A severa queda nos ganhos com exportação durante a grande depressão dos anos 1930, porém,
acentuou a vulnerabilidade das exportações desses países (e, via de conseqüência, o seu desenvolvimento
econômico) para os ciclos de comércio globais, estimulados pelos países industrializados. Os países
latino-americanos voltaram, assim, as suas economias para a produção interna via políticas de substituição
de importação e buscavam trocar manufaturas importadas por bens produzidos domesticamente. O Estado
usou seu regime regulatório financeiro para realizar a função protecionista temporária, necessária para
transformar os países latino-americanos em Estados industrializados. Tarifas elevadas e barreiras nãotarifárias, tais como, quotas de importação e requerimentos de licenciamento, conferiam proteção contra a
esfera externa. Políticas de substituição de importação continuaram a proteger incipientes indústrias na
América Latina após a II Guerra Mundial”. CARRASCO, H. "Law, hierarchy and vulnerable groups in
Latin America: towards a model of development in a neoliberal world" in Stanford Journal of
International Law, 1994, p. 228.
2471
dos Investimentos Estrangeiros Diretos (IED) ou pelas licenças de patentes concedidas
pelas multinacionais, sediadas nos países desenvolvidos, às suas subsidiárias no Brasil.6
Essas políticas intervencionistas fazem parte de uma mudança de atitude no
que toca ao investimento estrangeiro e aos contratos de transferência de tecnologia, o
que inspirou os países em desenvolvimento a buscarem uma Nova Ordem Econômica
Internacional (NOEI). A NOEI, como refere Sell,7 “ofereceu intensa crítica ao
liberalismo global e defendeu a atuação forte do Estado como agente do
desenvolvimento industrial”. Ainda, assevera a autora que a NOEI “defendeu amplo
acesso à moderna ciência e tecnologia em condições mais favoráveis e buscou um
instrumento internacional para estabelecer regras básicas na condução das transações
tecnológicas”, vale dizer, um código internacional de conduta para os acordos de
transferência de tecnologia.
Enquanto os países desenvolvidos insistiam nas leis do mercado e na
liberalização, i.e., direito de concorrência, os principais países em desenvolvimento,
entre eles o Brasil, aprovavam legislação no sentido de aplicar nova abordagem à
tecnologia e desenvolvimento, de modo a controlar as licenças dos direitos de
propriedade intelectual no mercado doméstico.8 No Brasil, o Instituto Nacional de
Propriedade Industrial – INPI - foi encarregado de aplicar a nova política
intervencionista. Em 1975, o INPI aprovou o Ato Normativo nº 15, a fim de cumprir o
seu dever legal de controlador das transferências de tecnologia, inter alia. De modo que
os contratos de transferência de tecnologia passaram a ser regulados e controlados em
6
Stevens declara que “como parte do pacote de medidas aplicado durante os anos 1970 (PSI), o Brasil
abriu suas portas para o substancial investimento estrangeiro. (...) Conseqüentemente, em 1980, a
economia brasileira estava largamente estribada nos investimentos das multinacionais...”. STEVENS, D.
“Framing competition law within an emerging economy: the case of Brazil”. Antitrust Bulettin 930.
Tendo a mesma opinião, HAUG assevera que “transnacionais são as fontes da maioria da tecnologia
mundial... porquanto conduzem, praticamente, toda a pesquisa e desenvolvimento (P&D) no mundo. As
multinacionais, financeiramente estáveis, são as únicas capazes de levantar capital e comercialmente
suportar o risco de desenvolver P&D, a fim de suportar seus projetos. Por fim, as multinacionais são os
experts do mundo na aplicação de ciência e tecnologia em produção e marketing”. In HAUG, D. “The
international...”, p. 212.
7
SELL, S. "Power and ideas" citada supra, p. 41
8
Moss afirma que “embora a tecnologia seja, geralmente, intangível e transferida por meio de uma forma
de propriedade limitada, era vista pelo governo como um bem, que como era importado deveria estar
submetido aos princípios do PSI... transferência de tecnologia tendente a enfatizar menos a qualidade da
tecnologia importada, ou na intensificação da eficiência e competitividade industrial, do que na obtenção
de uma base tecnológica nacional sobre a qual os mexicanos poderiam exercer controle soberano”. In
MOSS, J. "The 1990 Mexican technology transfer regulations" Stanford Journal of International Law,
1990, p. 223.
2472
seu conteúdo pelo órgão brasileiro de registro da propriedade industrial com o objetivo
de garantir a política intervencionista e protetiva do governo brasileiro em favor da
indústria nacional.
Apesar disso, a crise fiscal de 1982,9 adicionada às fortes pressões dos países
desenvolvidos através do órgão de cúpula do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio
(GATT)10 e, também, de alguma forma, ao fracasso do modelo de substituição de
importações em atingir seus objetivos de desenvolvimento e produção de tecnologia,11
levou à adoção de reformas neoliberais no Brasil, nas áreas de comércio, indústria e
tecnologia.12 Esse programa de liberalização começou seriamente com o primeiro
governo democraticamente eleito, após o período ditatorial, em 1990.13 De fato, o
9
Carrasco elucida que “... com o tempo, a estratégia de tomar emprestado resultou em excessivos gastos e
alto déficit fiscal. O Empréstimo estrangeiro financiou o maior déficit comercial e postergou o dia do
ajuste de contas. Com o aumento da demanda durante o boom econômico, o mesmo se deu com a
inflação. Quando a crise fiscal oficialmente teve início, em agosto de 1982, os países latino-americanos
devedores depararam-se com sérios problemas econômicos, os quais provinham de fatores internos e
externos (alto débito fiscal, altas taxas de inflação, moeda sobrevalorizada, esmagadora dívida externa,
altas taxas de juros internacionais)”. CARRASCO, “Law...”, p. 245.
10
Laird assevera que “recentemente, os países da América Latina reformaram significativamente suas
políticas comerciais. Muitos desses países (inclusive o Brasil) tornaram-se membros do GATT”. Em assim
sendo, não havia mais espaço para ilimitadas restrições tarifárias e não-tarifárias de importados, uma
medida típica da substituição de importações. LAIRD, S. “Latin American trade liberalization”, in 4
Minn. J. Global Trade 196. Por óbvio, isso resultou do interesse econômico dos países desenvolvidos,
consistente em explorar o enorme mercado protegido, mas, também, é devido à mudança significativa na
Política do Ministério das Relações Exteriores brasileiro, o qual “antes dos anos 1980, costumava referirse ao GATT como sendo o Clube dos Ricos, designado a manter a superioridade econômica dos países
desenvolvidos”, como resultado da mentalidade IPI, porém, após tal período, passou a ver a entrada no
GATT como um meio para facilitar o acesso aos mercados externos, após o fracasso da política de
substituição das importações. ROCCO, A.M. “Brazil in the Uruguai round of the GATT”. New York
University Journal of International Law and Politics, 1998, Fall, p. 213.
11
Moss declara que “a conseqüência da política de substituição de importações foi que no início dos anos
80, até mesmo após quatro décadas de vigoroso e praticamente ininterrupto crescimento econômico, a
vasta maioria da tecnologia produtiva do México, estava obsoleta.” In MOSS, “The 1990...”, p. 223.
Carrasco sustenta que “O pesado empréstimo, especialmente o feito pelo setor público, incapacitou a
América Latina de sustentar taxas de crescimento relativamente altas entre 1975-80.” CARRASCO,
“Law...”, p. 224.
12
BASTOS, A. W. "Globalização e o novo código de propriedade industrial" 1996 in Revista de Direito
Econômico”, Jul-Dec, 1996, p. 9.
13
“No início dos anos 80, o Brasil teve de enfrentar dois dramáticos acontecimentos: o segundo choque do
petróleo, em 1980, enquanto o país ainda o importava; e a crise fiscal de 1982, quando o Brasil estava
sobrecarregado com uma enorme dívida externa. A dívida resultou na perda repentina de financiamento
estrangeiro... o governo continuou no dispendioso caminho de promover a exportação e reduzir a
importação, drenando seus recursos ainda mais. Além disso, mais moeda foi impressa e emitida. Como
corolário disso, o Brasil adentrou em um período de inflação galopante... entre 1980 e 1990, houve oito
planos para estabilizar a inflação, 18 (dezoito) mudanças nas regras de câmbio, 54 (cinqüenta e quatro)
mudanças nos controles de preços e quatro moedas diferentes...” de acordo com STEVENS, p. 932. Por
um bom período do século XX, o Brasil foi uma das economias mundiais de mais rápido crescimento,
atraindo imigrantes e empresários, e rapidamente industrializando-se. Mas esse “milagre econômico”
desandou com a crise fiscal de 1982. In The Economist, “A survey of Brazil”, March 27th 1999.
2473
Presidente Fernando Collor de Mello, aproveitando-se do ambiente antiintervencionista
após tantas crises, introduziu o denominado Plano Brasil Novo, i.e., “um pacote de
reformas econômicas envolvendo privatização,14 desregulamentação e liberalização de
comércio, juntamente com medidas estabilizantes”. Essas políticas pró-mercado foram
fortalecidas pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso, eleito em 1994 e reeleito em
1998.15
Na verdade, relatórios do Ministério de Ciência e Tecnologia do Brasil
apontam que a indústria brasileira vinha perdendo competitividade desde o início dos
anos 1980, devido à falta de desenvolvimento de tecnologia local.16 A razão para tanto
foi o próprio fundamento do modelo de substituição de importações, pelo qual as
empresas estavam desenvolvendo a tecnologia necessária para suprir o mercado interno,
e, também, porque os consumidores brasileiros não eram tão sofisticados quanto os
estrangeiros, os produtos brasileiros não poderiam competir fora das fronteiras
nacionais.17 De fato, os produtores estavam ávidos por proteção e subsídios dados pelo
governo para colherem enormes lucros, sem desenvolver produtos de alta tecnologia.
Em outras palavras, a falta de concorrência no mercado brasileiro estava prejudicando o
progresso da inovação, reconhecida pelo governo como a fonte básica de prosperidade
na presente era.18
14
O programa de privatização foi estabelecido pela Lei nº 8.031, de 12 de abril, de 1990, com os especiais
propósitos de mudar a posição estratégica do Estado na economia, transferindo ao setor privado muitas das
atividades administradas, há muito, pelo setor público, a fim de reduzir a dívida interna do Estado e
fortalecer o mercado de capitais do Brasil. In FREIRE & PINTO, “Privatization in Brazil”, Hastings
International and Comparative Law Review, Summer 1994, p. 689.
15
“O Plano Real, do Sr. Cardoso, introduzido no início de 1994, estabeleceu no Brasil um precioso
interstício de estabilidade econômica. Combinado com abertura comercial, a forte e estável moeda levou
ao corte de gastos e ao investimento em tecnologia nos negócios brasileiros. O governo introduziu um
amplo programa de privatização, que ajudou a atrair níveis recordes de investimento estrangeiro.” In
The Economist, citado supra. De fato, “os números per se são impressionantes... não obstante,
encontraram-se maneiras de administrar o débito exorbitante (1982)... os governos do continente
(América Latina) superaram a arraigada inclinação política da burocracia ineficaz e experimentaram
programas politicamente impopulares de estabilização e reestruturação econômica... a reestruturação do
ambiente econômico serviu para renovar o apelo da região por investimentos estrangeiros... o fluxo de
capital na América Latina, em 1996, cresceu 52 por cento... O Brasil, sozinho, atraiu U$ 9,5 bilhões, em
1996, enquanto todo o Leste Europeu (incluindo a Rússia) permaneceu nos U$ 12 bilhões em 1996...”.
Second Conference on "The economic and political challenges of market reform in Latin America",
Southern Methodist University Tower Center, Dallas, Texas, 4 October 1997.
16
Ministério da Ciência e Tecnologia. "Estudo da Competitividade da Indústria Brasileira - Relatório
Final". 1993 p. 13. Publicado na página do MCT: www.mct.gov.br.
17
Para uma descrição do grau de sofisticação dos consumidores americanos, ver GALBREITH, J. K. “A
sociedade afluente” (traduzido do inglês) 1987. Pioneira Publisher, São Paulo.
18
Ministério da Ciência e Tecnologia. "Estudo da Competitividade da Industria Brasileira - Relatório
Final". 1993, p. 13. Publicado na página do MCT: www.mct.gov.br.
2474
Obviamente, todas essas mudanças econômicas requereram uma nova
regulação do mercado. De fato, a nova Lei de Propriedade Intelectual foi aprovada de
modo a garantir o fluxo massivo de investimento estrangeiro, a ser alcançado pelo
governo através do processo de desregulamentação e privatização, de forma que as
empresas poderiam ter seus investimentos garantidos.19 A bem da verdade, a proteção
dos direitos de propriedade intelectual é tida como a pedra de toque de um sistema
liberal, por meio do qual incentivos para se desenvolver inovações e novas tecnologias
são dados pela concessão da exclusividade de exploração ao inventor.
Em um cenário como esse, uma prática intervencionista à propriedade
intelectual e à transferência de tecnologia seria incompatível com as políticas favoráveis
ao mercado em uma economia ainda dependente de divisas estrangeiras. Nesse sentido,
também as leis antitrustes tinham de ser modificadas, a fim de cumprir o seu papel
fundamental de controle do poder de mercado e de promoção da concorrência em uma
economia liberalizada.20 Em um sistema econômico voltado para o mercado, a lei
antitruste constitui-se no ponto nevrálgico21 para garantir a eficiência do modelo e servir
de supervisor da liberdade das partes, as quais operam, teoricamente, livres no mercado.
De modo que os contratos de transferência de tecnologia, reflexo da capacidade
da inovação das empresas e de geração de riquezas para um país, deixaram de ser
regulados em seu conteúdo pelo governo brasileiro. Mas é evidente que em um sistema
capitalista nem sempre os agentes econômicos operam em um mercado de concorrência
perfeita e abusos podem ocorrer, os quais poderão trazer prejuízos a consumidores e, no
limite, até mesmo dificultar a circulação da tecnologia e de inovação. É nesse momento
que entra o direito antitruste, para garantir o funcionamento da livre iniciativa coibindo
quer
sejam
condutas,
quer
sejam
atos
de concentração,
que
prejudiquem
significativamente a concorrência. Os contratos de transferência de tecnologia não
escapam desse controle, como se percebe da redação dos artigos 20 e 54, da Lei 8.884,
de 1994.22
19
Ver relatório do MCT, p. 28.
Relatório do MCT, p. 35.
21
O bill of rights das empresas, de acordo com a Suprema Corte dos Estados Unidos.
22
No dia 17/09/07, a desenvolvedora de softwares, Microsoft, sofreu uma derrota substancial. A Corte
Européia de Primeira Instância, ao julgar a apelação interposta pela empresa americana – após decisão, no
dia 24/03/04, da Commission of the European Communities, estribada no Advisory Committee on
Restrictive Practices and Dominant Positions – assim se pronunciou: ao reconhecer que a Microsoft
abusou de posição dominante no mercado de sistemas operacionais de computadores, condenou-a ao
20
2475
Mas qual será o melhor approach para aplicação desse novo modelo
regulatório pelos órgãos governamentais brasileiros aos contratos de transferência de
tecnologia a serem supervisionados e aprovados. Será sustentado ao longo deste trabalho
que deve ser uma análise estribada nos efeitos das condutas no mercado, justamente
levando em conta a necessidade de continuar a se criarem incentivos ao processo de
inovação e de se diminuírem os custos de transação para o sistema de registro e de
fiscalização da propriedade intelectual.
2. RESOLVENDO O PARADOXO DO APARENTE CONFLITO: A
FUNDAMENTAL INTERSECÇÃO ENTRE DIREITO DA CONCORRÊNCIA E
PROPRIEDADE INTELECTUAL NA PERSPECTIVA NORMATIVA DE
DIREITO E ECONOMIA
Tanto a proteção dos direitos de propriedade intelectual quanto a promoção da
concorrência têm por conseqüência o estímulo à inovação. A inovação beneficia os
consumidores pelo aperfeiçoamento de novos produtos, serviços e processos de
produção. A capacidade de uma economia para promover a inovação favorece o
crescimento econômico.23 Ao se conferir proteção, pelos direitos de propriedade
intelectual, ao titular da inovação, atribui-se a ele a capacidade de reaver o investimento
feito no desenvolvimento do novo produto, serviço ou processo produtivo. O resultado
econômico de um custoso projeto de pesquisa e desenvolvimento, que é uma idéia,
muitas vezes não é previsível, sendo incerto o seu sucesso financeiro. Em vista disso,
conferir direitos exclusivos de propriedade ao criador da idéia permite a apropriação do
valor social da mesma, estimulando-o a continuar inovando,24 o que talvez não ocorresse
pagamento de uma multa de 497 milhões de Euros; a comercializar, no Europa, uma versão de seu sistema
operacional Windows sem que contenha o programa Windows Media Player; e a fornecer aos seus
concorrentes informações suficientes para que possam criar programas de computador que funcionem de
maneira adequada com o sistema operacional Windows.
23
“Innovation benefits consumers through the development of new and improved goods, services, and
processes. An economy’s capacity for invention and innovation helps drive its economic growth” in To
Promote Innovation: The Proper Balance of Competition and Patent Law and Policy. A Report by the
Federal Trade Comission, October 2003, p. 4, Introdução. Ainda, do mesmo Relatório, o lançamento de
inovações tecnológicas, tais como, automóveis, aviões, computadores, internet, televisão, telefone,
remédios, exemplificam o poder da inovação na melhoria da qualidade de vida.
24
“Granting exclusive property right to the creator of an idea allows him or her to appropriate much of its
social value. Consequently, the incentive to create ideas aligns closely with their social value, as requeried
for efficient innovation”. COOTER, R. and ULEN, T., Law and Economics, 3rd Edition, Pearson
2476
se outros indivíduos pudessem usar, fruir ou dispor da inovação sem terem contribuído
para o seu desenvolvimento. Por outro lado, a concorrência também é fator de estímulo à
inovação. Isso porque, em um mercado competitivo, os concorrentes necessitam de
diferenciais outros que não tão-somente o preço para se sobressaírem no seu ramo de
atividade.25 E a introdução de novos e mais eficientes produtos, serviços e processos
produtivos é uma maneira de alcançar tal intento. Ainda, a concorrência estimula os
agentes econômicos a perscrutarem necessidades não-atendidas dos consumidores para
satisfazê-las.
Com efeito, muitos dos insumos que os agentes econômicos utilizam no processo
de produção são protegidos pelas leis de propriedade intelectual, mais propriamente por
patentes, ou seja, a proteção da propriedade subsidia a concorrência,26 ao mesmo tempo
em que a concorrência estimula a inovação e esta é estimulada pela proteção patentária.
Entretanto, o equilíbrio na aplicação das referidas leis se faz de nevrálgica importância,
isso porque o favorecimento de uma pode gerar conseqüências danosas na eficácia da
outra, deixando de promover os benéficos efeitos da aplicação proporcional.27
Outrossim, Cotter e Ulen assinalam que deve haver uma composição eficiente entre a
extensão e a duração do direito exclusivo, a fim de que sejam mantidos os estímulos
gerados por essa proteção, evitando o abuso do direito exclusivo conferido pela
patente.28 Assim, as leis de propriedade intelectual e antitruste são complementares,
porquanto ambas promovem a inovação, o desenvolvimento da indústria e a
concorrência.29
Addison Wesley, 2000, p. 128.
25
“Competition can stimulate innovation. Competition among firms can spur the invention of new or
better products or more efficient processes. Firms may race to be the first to market an innovative
technology. Companies may invent lower cost manufacturing processes, thereby increasing their profits
and enhancing their ability to compete. Competition can prompt firms to identify consumers’ unmet needs
and develop new products or services to satisfy them”, in To Promote Innovation: The Proper Balance
of Competition and Patent Law and Policy… p. 1, Introdução.
26
“Moreover, patents protect intellectual property that firms use as inputs to compete. Thus, as a general
matter, competition spurs the creation of patents, and patents protect inputs that firms use in the
competitive process”. Idem, Capítulo I, p. 8.
27
“Errors or systematic biases in how one policy’s rules are interpreted and applied can harm the other
policy’s effectiveness”. Idem, introdução, P. 1.
28
“The exclusive property right has two dimensions: duration and breadth”… “An important police
question concerns the efficient breadth and duration of a patent”. COOTER, R. and ULEN, T., Law and
Economics., p. 129-130.
29
“Patent and antitrust law ‘are actually complementary, as both are aimed at encouraging innovation,
industry, and competition”.” To Promote Innovation: The Proper Balance of Competition and Patent
Law and Policy… p. 7, Capítulo I.
2477
Dito isso, o foco agora recai sobre a análise econômica dos incentivos conferidos
pelas instituições de um país para se promover o crescimento econômico.
3. O CAMINHO DO CRESCIMENTO A PARTIR DAS LEIS DE PROPRIEDADE
INTELECTUAL E DA CONCORRÊNCIA
As leis de propriedade intelectual e antitruste podem desempenhar relevante
papel na promoção do crescimento econômico de um país. Para tanto, devem atentar
para quatro fatores determinantes: a) direitos de propriedade intelectual previsíveis e
executáveis; b) liberdade de licenciamento de propriedade intelectual; c) não
identificação absoluta entre direitos de propriedade intelectual e poder de mercado; d)
Lei Antitruste com finalidade apropriada.30
A) Direitos de Propriedade Intelectual
As inovações contêm idéias. As idéias estão embutidas em informações. Produzir
uma informação pode custar muito caro, ao passo que a sua disseminação é
irrisoriamente precificada.31 Isso evidencia que os criadores deparam-se com o problema
da nonappropriability, ou seja, não conseguem vender a sua informação por mais do que
uma fração de seu valor.32 Ainda, a informação, tal como os bens públicos, é marcada
30
“In fact, there is an emerging consensus that four elements help to create a dynamic economy: first,
strong, enforceable intellectual property; second, IP licensing freedom; third, an understanding that IP
rights are not the same as antitrust market power; and fourth, a system of sound competition law
priorities.” in MASOUDI, Gerald F. Intellectual Property and Competition: Four Principles for
Encouraging Innovation. Digital Americas 2006 Metting, Intellectual Property and Innovation in the
Digital World, São Paulo, Brazil, disponível em www.usdoj.gov.
31
Nesse sentido, asseverou o Advogado Geral e Vice-Presidente Senior da Microsoft, Brad Smith, após o
anúncio, em 17/09/07, de que a desenvolvedora de software fora condenada pela Corte de Primeira
Instância da União Européia, dentre outras coisas, a pagar uma multa de 497 milhões de Euros (R$ 1.3 bi),
que “It is remarkable, as I mentioned this morning, that, when this case started, Microsoft was spending
only US$ 3 million a year on research and development (R&D) in Europe. One might fairly ask what took
us so long. I am pleased today that we spend almost $500 million a year on R&D in Europe, a number
which
will
clearly
continue
to
rise”
(disponível
em
http://www.microsoft.com/Presspass/exec/bradsmith/09-17-07CFI.mspx). Por outro lado, “To illustrate,
Hong Kong shops resell American software at the cost of a diskette”. COOTER, R. and ULEN, T., Law
and Economics., p. 126.
32
COOTER, R. and ULEN, T., Law and Economics., idem.
2478
pelas características de non-rivalry e non-excludability, ou seja, o uso da informação por
uma pessoa não enseja a diminuição do montante da mesma informação utilizada por
outra pessoa e, por conseguinte, o fato de uma pessoa estar usando a informação não
exclui outras de valerem-se da mesma. A conseqüência disso é a de que se o produtor da
informação não consegue vendê-la por mais do que uma fração de seu valor, ocorrerá
escassa oferta de informação (leia-se inovação) no mercado.33
Em assim sendo, o Estado deve intervir nesse mercado. Uma das formas de se
fazer isso é a concessão de proteção dos direitos de propriedade intelectual, 34 tornandoos previsíveis e executáveis, vez que não se pode cercar a propriedade intelectual da
mesma forma que se cerca uma área de terra, a fim de protegê-la. 35 Então, a intervenção
do Estado deve ser direta e incisiva na defesa da propriedade intelectual para que o
estímulo à inovação dela adveniente possa vicejar.
B) Licenciamento de Propriedade Intelectual
Conforme já referido, os intentos de desenvolvimento industrial e descoberta de
novas tecnologias são constantes e controversos no Brasil.36 Até as reformas estruturais
dos anos 90, o governo liderava os investimentos para impulsionar o crescimento
econômico, valendo-se da Política de Substituição de Importações. A fim de obter a
tecnologia necessária para suprir a demanda local dos produtos substituídos, o governo
passou a recorrer a investimentos estrangeiros diretos e ao licenciamento de patentes das
multinacionais sediadas em países desenvolvidos para as suas subsidiárias no Brasil.
A idéia central da política de substituição de importações era a de promover a
independência em relação à economia mundial, encorajando a produção industrial
33
“Private markets often undersupply public goods, because the producer cannot appropriate their value”.
Idem, ibidem.
34
“These theoretical considerations suggest that an unregulated market will undersupply creative works
that embody ideas, such as inventions, books, and paintings. This fact suggests the need for state
intervention in the market for information. State intervention can take one of three general forms… (3) the
creation and protection of property right in information”. Idem, Ibidem.
35
“Since there is no way to build a fence around an IP right, businesses need the next best thing: quick
access to the courts and access to preliminary and permanent injunctions against infringement”, in
MASOUDI, Gerald F. Intellectual Property and Competition: Four Principles for Encouraging
Innovation, , p. 4.
36
Ver Introdução, supra.
2479
nacional, baseada em tecnologia local, para suprir a demanda doméstica sem depender
das importações. Protegia-se a indústria nacional contra os competidores alienígenas em
razão de sua posição de principiante.
Em meados dos anos 70, os países em desenvolvimento, dependentes da
tecnologia estrangeira para se desenvolverem, procuraram estimular a transferência de
tecnologia por meio da elaboração de um código internacional de conduta para os
acordos de transferência de tecnologia, baseado nos princípios da NOEI.37 O resultado
disso foi que no início dos anos 80, a maioria da tecnologia desses países estava
obsoleta.38 A razão para tanto pode ser explicada pelo fato de que foram criados
incentivos negativos para a transferência de tecnologia, vez que o monitoramento do
cumprimento da transação torna-se difícil quando os países receptores da tecnologia,
valendo-se dos princípios da NOEI, criariam situações mais favoráveis para si,39
aumentando os custos de transação.40 Em ambientes negociais como esses, os agentes
econômicos preferem não transferir tecnologia ou, se o fazem, a tecnologia transferida é
defasada.41 Ainda, as transferências e tecnologia podem ser desincentivadas por três
motivos: assimetria de informação, externalidades e poder de mercado.42
37
A Nova Ordem Econômica Internacional defendeu maior acesso, e em bases mais favoráveis, à
tecnologia pelos países em desenvolvimento. Ver p. 10, supra.
38
Ver nota 10, supra.
39
“It is difficult to regulate ITT effectively given the incentives for owners not to transfer technology
without an adequate return and the problem of monitoring compliance with any rules that might be
imposed”, in HOEKMAN, Bernard M., MASKUS, Keith E., SAGGI, Kamal, TRANSFER OF
TECHNOLOGY TO DEVELOPING COUNTRIES: UNILATERAL AND MULTILATERAL POLICY
OPTIONS, World Bank Policy Research Working Paper 3332, June 2004, p. 2.
40
“Transaction cost must not be confused with the license fee, or in other words the contract price. The
fee is a measure of the value of the transaction; the transaction cost is the cost of making the transaction
and thus realizing the value. The higher that cost, the less likely the transaction is to be made”, in
POSNER, R. Transaction Costs and Antitrust Concerns in the Licensing of Intellectual Property, 4 J.
Marshall rev. Intell. Prop. L. 325 (2005).
41
“(…) firms may choose not to engage in licensing at all or transfer lagging technologies”, Idem, p. 10.
42
Idem. P. 3. A assimetria de informação ocorre geralmente porque o vendedor (trasferidor) detém mais
informações do produto que vende do que o comprador (receptor). No caso da transferência de tecnologia,
o comprador não pode saber o seu valor até que a compre, enquanto que o vendedor não pode revelá-la até
a sua venda. E se o comprador tem acesso à mesma antes de comprá-la, recebe um incentivo para desistir
da compra e, a partir disso, desenvolver por si próprio a tecnologia. Nesse sentido, os produtores de
tecnologia têm maior incentivo em transferi-la aos países em que os direitos de propriedade intelectual são
mais previsíveis e executáveis. Quanto às externalidades, os contratantes devem internalizá-las,
entendendo por isso que os custos e os benefícios da transação devem recair sobre as partes. O país
receptor da tecnologia retém a maior parte dos benefícios da transação quanto maior for o spillover, ou
seja, a difusão da tecnologia sem que o transferidor seja recompensado por isso. Da mesma forma, em
países onde os direitos de propriedade intelectual não são previsíveis e executáveis, uma vez já transferida
a tecnologia, o benefício para os mesmos é proporcional ao desincentivo dado ao proprietário da
tecnologia para transferi-la, vez que não estará sendo retribuído pela disseminação da tecnologia que
produziu. No que tange ao poder de mercado ver a letra “C”, desse artigo.
2480
No Brasil, os produtores estavam ávidos por proteção e subsídios dados pelo
governo para colherem enormes lucros, sem desenvolver produtos de alta tecnologia.
Dito de outra forma, a falta de concorrência43 no mercado brasileiro estava prejudicando
o progresso da inovação, a qual é reconhecida pelo governo como a fonte básica de
prosperidade moderna.44
Nesse sentido, nos anos 1990, as disciplinas multilaterais relacionadas à
transferência internacional de tecnologia começaram a se aprofundar. Por exemplo, o
Acordo TRIPS45 estabeleceu padrões mínimos de proteção aos direitos de propriedade
intelectual, asseverando, em seu artigo 7, que os direitos de propriedade intelectual
devem contribuir para a promoção da inovação tecnológica e a disseminação de
tecnologia.46 E na persecução de tal intento, o Brasil começou a introduzir um programa
de liberalização, contendo privatização, desregulamentação e abertura comercial. De
fato, a Lei nº 9.279/96, a nova Lei da Propriedade Intelectual, foi editada para adequar o
regime brasileiro ao Acordo TRIPS, demonstrando que a legislação nessa área depende
da política econômica adotada pelo governo.
C) Direitos de Propriedade Intelectual e Poder de Mercado
É comum a presunção de que os direitos de propriedade intelectual conferem aos
seus titulares um monopólio no sentido econômico. Pelo contrário, a concessão de uma
patente, por exemplo, confere ao seu titular o direito de excluir um terceiro de fazer,
usar, oferecer para venda ou vender a invenção patenteada.47 Isso difere de um
monopólio, entendendo-se por esse o poder para manter o preço persistentemente acima
do nível competitivo.48 A proteção conferida pela patente concede um direito exclusivo,
43
“The importance of incentives to innovate resonates in antitrust law, which, by protecting competition,
also can spur innovation.”, in To Promote Innovation: The Proper Balance of Competition and Patent
Law and Policy… p. 2, Capítulo 6.
44
Ministério da Ciência e Tecnologia. "Estudo da Competitividade da Indústria Brasileira - Relatório
Final". 1993, p. 13. Publicado na página do MCT: www.mct.gov.br.
45
O Acordo TRIPS é o anexo C1 do acordo constitutivo da OMC.
46
“Starting in the mid 1990s, multilateral disciplines on ITT-related policies began to deepen. The WTO
Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights (TRIPS) calls on countries to enforce
comprehensive minimum standards of IPR protection on a nondiscriminatory basis. It also has provisions
relating to ITT. Article 7 notes that IPRs should contribute to the promotion of technological innovation
and the transfer and dissemination of technology”, in Idem, ibidem.
47
35 U.S.C. § 154(a)(1) (2000) apud POSNER, R., p. 329
48
POSNER, Richard. Transaction Costs and Antitrust Concerns in the Licensing of Intellectual
Property, p. 329. Ainda, reconhece o autor que o direito exclusivo conferido pela patente ou pelo
2481
e essa exclusividade somente se constituirá em monopólio se não houver substitutos para
o objeto patenteado.49
Em razão do investimento feito em P&D pelo produtor da inovação, o preço da
mesma no mercado poderá estar acima do socialmente desejável. Entretanto, isso se faz
necessário a fim de que seja mantido o incentivo para que o produtor da inovação
continue a criar no futuro.50 Além do mais, o consumidor poderá aquiescer com isso,
pagando um pouco mais por um produto ou serviço de melhor qualidade.51
A concessão da proteção pelos direitos de propriedade intelectual não confere,
simplesmente, posição dominante ao seu titular pelo fato de que a inovação protegida
mais adiciona uma opção de escolha ao consumidor do que a reduz, vez que a inovação
não faz com que os demais produtos sejam esquecidos ou retirados do mercado, e, com o
tempo, o que normalmente ocorre é a redução de preços dos produtos existentes. 52 Ou
seja, não se pode deduzir o poder de mercado quando a inovação adiciona, e não retira,
uma opção. Ainda, não se desconhece que, em certas ocasiões, a exclusividade conduz
ao monopólio. Ao reverso, o que se quer dizer é que em tantas outras ocasiões a proteção
não leva à posição dominante, justamente pelo fato de haver substitutos para o objeto
protegido, não cabendo, por isso, a simples presunção. Isso se reflete na análise
antitruste dos contratos de transferência de tecnologia, que passou a ser função do
CADE, após a edição da Lei nº 8.884/94.53
copyright pode facilitar a obtenção de um monopólio econômico, mas as duas coisas não se confundem.
Idem, ibidem.
49
Assevera POSNER que uma vez havendo substitutos, não se faz possível o retorno monopolístico,
afirmando, ainda, que a existência de substitutos aos objetos patenteados é o que sói acontecer. Idem,
ibidem.
50
“In the short term, it will always be more efficient to disregard the IP right and allow duplication. The IP
system rests on the idea of long-term innovation incentives, so we must think about the long-term effects
of a rule imposing liability in this context.”, in PATE, R. HEWITT. Competition and Intellectual
Property in the U.S.: Licensing Freedom and the Limits of Antitrust, 2005 EU Competition Workshop,
Florence, Italy, disponível em www.usdoj.gov.
51
“Growth may be sustained through the creation of new products that expands the knowledge stock and
lowers the cost of innovation. Alternatively, consumers may be willing to pay a premium for higher
quality (innovative) products.”, in HOEKMAN, Bernard M., MASKUS, Keith E., SAGGI, Kamal...
citado supra, p. 7.
52
MASOUDI, Gerald F. Idem, p. 10.
O CADE é o único órgão da Administração federal com competência para analisar práticas
anticompetitivas, com base na Lei da Concorrência, i.e., Lei nº 8.884/94, consoante previsto nos artigos 1º
e 7.
53
2482
D) As Prioridades da Lei Antitruste
A prioridade de toda Lei Antitruste deve ser a promoção da concorrência,54 em
razão dos benefícios que gera.55 E para alcançar esse objetivo, a análise antitruste não
pode estar estribada em regras rígidas, pelo fato simples de que as mesmas são emissoras
de falsos positivos, ou seja, uma prática comercial considerada, a priori, anticompetitiva,
na análise do caso concreto pode-se demonstrar favorável à concorrência. Em assim não
sendo, as regras rígidas podem frustrar negócios, impedir o desenvolvimento econômico
e desperdiçar os esforços antitruste.56 Por outro lado, a análise com base nos efeitos
provocados no mercado pela prática não recai, tão-somente, sobre a restrição em si, mas,
leva em conta “a relação vertical ou horizontal entre as partes, a concentração no
mercado, a resposta do mercado às mudanças de oferta e demanda, e outros fatores, tais
como, o exercício da livre iniciativa pelos concorrentes”.57 A análise com base nos
efeitos da conduta tem por objetivo promover a objetividade, previsibilidade e
transparência da análise antitruste.58
A análise antitruste da propriedade intelectual mais do que fomentar a
concorrência em si, preocupa-se com os efeitos de uma prática anticoncorrencial em tese
ao mercado relevante. O artigo 54, da Lei 8.884, de 1994, mostra justamente os critérios
de eficiência que devem ser levados em consideração pelo CADE ao julgar um ato de
concentração econômica (como pode eventualmente vir a ser uma transferência de
54
“Sound antitrust enforcement condemns anticompetitive conduct.”, in PATE, R. HEWITT., Idem, p. 2.
Ver Introdução, supra.
56
“Leading antitrust agencies such as Canada’s and Japan’s have also embraced the effects-based method
because there is consensus that the false positives of rule-based systems can frustrate business, impede the
economy, and waste scarce competition enforcement resources”, in MASOUDI, Gerald F. Idem, p. 11.
55
57
MASOUDI, Gerald F. Idem, p. 12. No Direito brasileiro, conforme dispõe o artigo 54, o CADE
autorizará algumas das práticas consideradas anticompetitivas, desde que promovam os benefícios
econômicos e sociais previstos nos parágrafos desse artigo. Assim, o CADE deve perscrutar por ganhos
em produtividade (aliena a, do inciso I, do § 1º), eficiência (alínea c), ou, ainda, por melhorias na
qualidade dos produtos e serviços objetos da transação (alínea b). Cabe ao CADE, ainda, avaliar se os atos
sob análise não implicam eliminação da concorrência de parte substancial de mercado relevante. E, por
fim, mas não menos importante, o CADE levará em conta se os atos praticados pelos agentes econômicos,
ao atuarem no mercado, não são mais do que os meios necessários para a consecução dos fins visados
(inciso IV, do parágrafo §1º).
58
“Sound antitrust enforcement… It focuses in specific anticompetitive actions, as judged by their effects
on markets and consumer welfare. Although this narrow focus is a limitation, at the same time is a great
strength – it makes possible objectivity, predictability, and transparency”, in PATE, R. HEWITT., Idem,
p. 2.
2483
tecnologia). Eficiência significa ausência de desperdício, ou seja, significa que nenhum
outro uso alternativo do bem ensejaria melhor resultado de produtividade. Mas há duas
concepções de eficácia: a estática, que leva em conta no julgamento da eficiência
alocativa apenas a tecnologia hoje existente; e a dinâmica, que enseja a ponderação de
inovações que surgirão no mercado.
Nessa esteira, entende-se por eficácia dinâmica a redução de custos proveniente
da adoção de tecnologias existentes que permitem os agentes econômicos competirem
em termos de preços, reduzindo-os em direção ao patamar do custo de produção.59
Com efeito, tendo em vista que a finalidade da Lei Antitruste é defender a
concorrência e não os concorrentes, o agente econômico que violar o processo
competitivo - quer pela formação de cartéis, quer pela formação de monopólios ilegais –
merece ser punido. Assim, cabe à autoridade antitruste remover esses impedimentos
artificiais ao livre desempenho do sistema concorrencial, reconhecendo a importante
função da eficácia estática, principalmente para o bem-estar do consumidor. “Mas, a
eficácia estática sozinha não é suficiente para promover o crescimento econômico”.60
Dessa forma, é fundamental que a política antitruste na área da tecnologia (pela
sua umbilical ligação com o processo de inovação) tenha por mote o desenvolvimento da
eficácia dinâmica, entendendo-se por esta o ganho adveniente das inovações, quer de
novos processos que capacitam os agentes econômicos a reduzirem o seu custo de
produção, quer pela inovação tecnológica representada em um novo produto. Aliás,
como já visto no presente trabalho, a inovação, além de beneficiar o bem-estar do
consumidor, promove o crescimento econômico. Mas, inerentes às inovações figuram os
riscos. Dessa forma, como encorajar o dinamismo?
Constata-se uma situação de trade-off entre a promoção das eficácias estática e
dinâmica, ou seja, aquilo que pode beneficiar uma pode ser derradeiro para a outra.
Assim, se toda vez que um agente econômico lançar uma nova tecnologia no mercado
todos os seus concorrentes puderem dela se aproveitar e baixar o seu preço em níveis de
custos de produção, no curto prazo, isso promoverá em muito o bem-estar do
59
60
MASOUDI, Gerald F. Idem, p. 13.
Idem, ibidem, “But, static efficiency alone is not enough to ensure economic growth”.
2484
consumidor e, até mesmo, a difusão da nova tecnologia. A redução do preço pelos
concorrentes se fará possível pelo fato de não terem arcado com o custo do
desenvolvimento da inovação,61 podendo, por isso mesmo, valerem-se do esforço alheio
para adquirirem vantagens, vez que a tecnologia é um bem intangível e de fácil
disseminação, sendo árdua a tarefa de excluir os free-riders de sua utilização. Entretanto,
dessa situação exsurgem efeitos colaterais, dentre os quais a oferta escassa de inovações,
porquanto os produtores não poderão apropriar-se de seu valor social, desestimulando-os
a inovarem novamente. E sem inovação não há promoção do bem-estar do consumidor
e, tampouco, crescimento econômico.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme visto nesse trabalho, tanto a proteção dos direitos de propriedade
intelectual quanto a concorrência impulsionam a inovação e essa desencadeia, além do
bem-estar do consumidor, o crescimento econômico. O processo de inovação envolve
riscos62 e, então, os quatro fatores descritos nesse trabalho contribuirão para que o
criador de inovações resulte incentivado a enfrentar o fator randômico da concorrência
dinâmica, ou seja, transacionar em um ambiente: que lhe conceda previsíveis e
executáveis direitos de propriedade intelectual; em que possa ter reduzidos os custos de
transação nos licenciamentos para a exploração de sua inovação; que a exclusividade a
ele conferida pelo sistema de propriedade intelectual não seja identificada, rigidamente,
com poder de mercado; e, por fim, que a análise antitruste sobre a sua conduta esteja
voltada para os efeitos que provoca no mercado, sendo fundamental a intersecção entre
propriedade intelectual e concorrência, vez que ambas devem procurar manter a eficácia
dinâmica, i.e., mercados robustamente inovadores no longo prazo, e que, por isso, seja
passível de tolerar um grau de retribuição privada e de poder de mercado no curto
61
“Innovation is a process that proceeds through different stages. Stages that are commonly recognized by
economists include invention, entrepreneurship, investment, development, and diffusion. The capabilities
that are required to meet the challenges raised during the different stages vary.”, in The Economics of
Innovation: A Survey, Section of Antitrust Law American Bar Association July 2002, p. 4
62
“Successful innovation is not certain—there is often a random component. The riskiness of innovation
can cause society to under invest in innovative efforts.”, in Idem, p. 5.
2485
prazo.63 Esse cenário é fundamental para a promoção do crescimento econômico,
principalmente dos países em desenvolvimento.
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63
MASOUDI, Gerald F. Idem, p. 14.
2486
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