REFLEXÕES SOBRE A TEMPESTIVIDADE DE RECURSO INTERPOSTO ANTES
DA PUBLICAÇÃO OFICIAL DA DECISÃO IMPUGNADA
Mildred Lima Pitman
Advogada em Belém do Pará
Especialista em Direito Processual Civil
Consultora Jurídica da Secretaria de Administração do Governo do Estado do Pará
1. Introdução
Considerando-se que atualmente o processo está sendo estudado sob novos
paradigmas, notadamente o da efetividade e o do acesso à justiça, e que por isso mesmo a
tecnologia vem sendo empregada em prol desses vetores, surgem questionamentos a respeito de
decisões judiciais que não conhecem recursos apresentados antes de a decisão objeto de
impugnação ter sido oficialmente publicada, sob o fundamento de serem extemporâneos.
O presente artigo, pois, visa à análise da questão sob o aspecto do atendimento ou
não, por parte dos recursos interpostos da maneira acima referida, do requisito da
tempestividade, bem como tende à observação da situação à luz dos vetores acima destacados.
2. Da divergência jurisprudencial a respeito do tema
Para que possamos analisar a questão central deste artigo, que é a da obediência –
ou não - ao requisito da tempestividade por recursos interpostos “prematuramente”, faz-se
necessário, logo de início, citar e comentar, brevemente, 3 (três) precedentes judiciais que
tratam do tema em apreço e que demonstram a existência de dissenso entre os Tribunais
Superiores acerca do assunto.
O primeiro a ser considerado como ponto de análise é o acórdão proferido pelo STF
no processo nº RE 450443-AgR-AgR, publicado no DJ do dia 03.02.06, cuja ementa é a
seguinte:
“AGRAVO REGIMENTAL. INTERPOSIÇÃO ANTES DO PRAZO. AUSÊNCIA DE
RATIFICAÇÃO. INTEMPESTIVIDADE. 1. É de se considerar extemporâneo o agravo
regimental protocolado antes de publicada a decisão recorrida, tendo em vista que não se
abriu o prazo para sua impugnação. Necessidade de ratificação do ato de interposição do
recurso, após a publicação do despacho atacado no órgão oficial. 2. Agravo regimental
improvido.”1
Vale notar que o Supremo há bastante tempo vem adotando esse posicionamento formal
quanto à questão da intempestividade do recurso apresentado antes do momento da publicação
oficial do acórdão impugnado – considerado este como o momento da intimação formal das
partes acerca do conteúdo do julgado.
Já em 2002, em despacho que não conheceu de recurso extraordinário por tal motivo, o
Ministro Celso de Mello afirmou que “a intempestividade dos recursos tanto pode derivar de
impugnações prematuras (que se antecipam à publicação dos acórdãos), quanto decorrer de
oposições tardias (que se registram após o decurso dos prazos recursais). Em qualquer dessas
duas situações – impugnação prematura e oposição tardia – a consequência de ordem processual
é uma só: não-conhecimento do recurso, por efeito de sua extemporânea interposição.”2
1
Disponível em: <http:\\www.stf.gov.br>. Acesso em: 10.Mai.2006.
A aludida decisão, na íntegra: “O presente recurso extraordinário foi deduzido extemporaneamente, eis
que interposto em 21/05/2004 (fls. 303), data anterior àquela em que o Tribunal "a quo" fez publicar o
acórdão proferido no julgamento dos embargos de declaração opostos pela parte ora recorrente. Tal
circunstância permite constatar que o recurso extraordinário em causa foi interposto prematuramente, eis
que deduzido quando sequer existia, formalmente, o acórdão que a parte recorrente desejava impugnar,
resultante do julgamento dos mencionados embargos de declaração. Cabe assinalar, por necessário, que a
intempestividade dos recursos tanto pode derivar de impugnações prematuras (que se antecipam à
publicação dos acórdãos) quanto resultar de oposições tardias (que se registram após o decurso dos prazos
recursais). Em qualquer das duas situações - impugnação prematura ou oposição tardia -, a conseqüência
de ordem processual é uma só: o não-conhecimento do recurso, por efeito de sua extemporânea
interposição. No caso, como precedentemente referido, o recurso extraordinário em questão foi deduzido
antes da publicação formal do acórdão proferido no julgamento dos embargos de declaração opostos pela
parte ora recorrente. Impende acentuar, neste ponto, que o prazo para interposição de recurso contra
decisões colegiadas só começa a fluir da publicação da súmula do acórdão no órgão oficial (CPC, art.
506, III). Na pendência dessa publicação, qualquer recurso eventualmente interposto considerar-se-á
intempestivo. A simples notícia do julgamento, além de não dar início à fluência do prazo recursal,
também não legitima a interposição de recurso, por absoluta falta de objeto, conforme tem advertido o
magistério jurisprudencial firmado pelo Supremo Tribunal Federal (ADI 2.075-ED/RJ, Rel. Min. Celso
de Mello - AI 152.091-AgR/SP, Rel. Min. Moreira Alves - AI 286.562/DF, Rel. Min. Maurício Corrêa RE 194.090-ED/RS, Rel. Min. Ilmar Galvão - RE 232.115-ED-AgR/CE, Rel. Min. Ilmar Galvão, v.g.):
"O termo inicial do prazo para recorrer extraordinariamente pressupõe que o acórdão tenha sido lavrado,
assinado e publicadas as suas conclusões, não bastando a simples publicação da notícia do julgamento,
ainda que em minuciosa súmula do decidido." (RTJ 88/1012, Rel. Min. Cordeiro Guerra - grifei) "AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA - ACÓRDÃO NÃO
PUBLICADO - EMBARGOS DE DECLARAÇÃO (...). A interposição de recurso que se antecipe à
própria publicação formal do acórdão revela-se comportamento processual extemporâneo e destituído de
objeto. O prazo para interposição de recurso contra decisão colegiada só começa a fluir, ordinariamente,
da publicação da súmula do acórdão no órgão oficial. Por isso mesmo, os pressupostos de cabimento dos
embargos de declaração - obscuridade (...), contradição ou omissão - hão de ser aferidos em face do
inteiro teor do acórdão a que se referem. A simples notícia do julgamento efetivado não dá início ao prazo
recursal." (RTJ 143/718-719, Rel. Min. Celso de Mello) "EMBARGOS DE DECLARAÇÃO.
OPOSIÇÃO CONTRA ACÓRDÃO QUE NÃO CONHECEU DE IDÊNTICO RECURSO,
PORQUANTO INTERPOSTO ANTES DE PUBLICADO O ACÓRDÃO QUE SE PRETENDIA
IMPUGNAR. O acórdão embargado não conheceu dos embargos de declaração, por haverem se
antecipado à publicação da decisão impugnada." (RE 204.378-ED-ED/RS, Rel. Min. ILMAR GALVÃO grifei) "O prazo para interposição de recurso se conta a partir da publicação do acórdão. Não serve como
termo inicial a mera notícia do julgamento." (Pet 1.320-AgR-AgR/DF, Rel. Min. NELSON JOBIM grifei) Os fundamentos que dão suporte a essa orientação jurisprudencial põem em evidência a
circunstância de que a publicação do acórdão gera efeitos processuais específicos, pois, além de
2
Cândido Rangel Dinamarco3 indica que tal entendimento já fazia parte da jurisprudência
da Corte Suprema muito antes dessa decisão, citando vários exemplos em que a posição firmada
apontava no sentido de considerar intempestivo o recurso apresentado antes da intimação
ocorrida com a publicação oficial das razões da decisão impugnada.
O segundo precedente a ser apreciado nesta ocasião é da Corte Especial do Superior
Tribunal de Justiça, tratado no acórdão do E-RESP, de nº 492.461-MG, cujo resultado do
julgamento foi publicado no Informativo nº 229 do STJ, de novembro de 2004 (Rel. originário
Min. Gilson Dipp, Rel. para acórdão Min. Eliana Calmon, julgado em 17/11/2004), conforme
abaixo transcrito:
“RECURSO PROTOCOLIZADO ANTERIOR. PUBLICAÇÃO. TEMPESTIVIDADE.
A Corte Especial por maioria deu provimento ao agravo regimental entendendo que o
recurso de embargos de divergência protocolizado em data anterior à publicação do
acórdão embargado não é intempestivo. Se o advogado tomou ciência inequívoca da
decisão e se antecipou à publicação na imprensa oficial, protocolizando o recurso, não
pode ser punido com a intempestividade dos embargos se quis dar celeridade ao processo.
AgRg nos EREsp 492.461-MG, Rel. originário Min. Gilson Dipp, Rel. para acórdão
Min. Eliana Calmon, julgado em 17/11/2004.”4
Já o terceiro julgado aqui destacado trata de decisão recentemente proferida pelo
Tribunal Superior do Trabalho, nos autos do processo trabalhista nº TST-ED-ROAR11607/2002-000-02-00.4, cuja conclusão foi noticiada em 08 de maio do corrente ano no “site”
daquela Corte5.
formalizar a integração dessa peça essencial ao processo, confere-lhe existência jurídica e fixa-lhe o
próprio conteúdo material. É mediante a efetiva ocorrência dessa publicação formal que se viabiliza,
processualmente, a intimação das partes, inclusive para efeito de interposição dos recursos pertinentes.
Daí a advertência feita por Moacyr Amaral Santos ("Primeiras Linhas de Direito Processual Civil", vol.
3/25, 10ª ed., 1989, Saraiva), cuja lição, na matéria ora em exame, ressalta que "É da publicação que se
conta o prazo para interposição do recurso" (grifei). Esse mesmo entendimento é perfilhado por José
Frederico Marques ("Manual de Direito Processual Civil", vol. 3/29, item n. 528, 9ª ed., 1987, Saraiva),
que, em magistério irrepreensível, acentua ser, a publicação do pronunciamento jurisdicional do Estado, o
fato relevante "que lhe dá qualidade de ato do processo", passível, então, a partir dessa formal divulgação
no órgão oficial, de todas as conseqüências autorizadas pelo ordenamento positivo, notadamente aquelas
de natureza recursal. Igual percepção do tema é revelada por José Carlos Barbosa Moreira ("Comentários
ao Código de Processo Civil", vol. V/671, item n. 377, 1999, 8ª ed., Forense), cujo comentário, a respeito
da indispensabilidade da publicação do acórdão, enfatiza, considerado o que dispõe o art. 506, III, do
Código de Processo Civil, que é somente com a publicação do acórdão que "começa a correr o prazo de
interposição de qualquer recurso porventura cabível". Por tal motivo, não conheço do presente recurso
extraordinário.”Publique-se. Brasília, 22 de março de 2006. (RE471475/MG. Relator(a): Min.Celso de
Mello. Recte.(s): Universidade Federal de Minas Gerais. Recdo.(a/s): Helder Antônio Guimarães.
Julgamento:
22/03/2006.
Publicação:
DJ
05/04/2006.
PP-00062).
Disponível
em:
<http:\\www.stf.gov.br>. Acesso em 15.Jul.2006
3
DINAMARCO, Cândido Rangel. Tempestividade dos recursos. RDDP. nº 16. Jul-04.
4
Disponível em: <http:\\www.stj.gov.br>. Acesso em: 10.Jun.2006
5
Cf. Notícias do TST. Disponível em : <http:\\www.tst.gov.br>. Acesso em: 10.Jun.2006
Tal decisão, em resumo, modificou a até então posição firmada pelo Pleno do Tribunal
Superior do Trabalho6 quanto à situação em debate, passando a indicar que os recursos
apresentados antes da publicação da decisão recorrida são intempestivos uma vez que a
contagem inicial do prazo para interposição de recurso somente ocorre depois da publicação
oficial da decisão objeto da impugnação.
Pois bem, o cotejo das 3 (três) decisões mencionadas revela a existência de dissenso
interpretativo entre o Supremo Tribunal Federal, o Tribunal Superior do Trabalho e o Superior
do Tribunal de Justiça acerca da possibilidade de conhecimento de recursos apresentados antes
de a decisão contra a qual se insurgiram ter sido efetivamente publicada na imprensa oficial.
A primeira observação que se faz entre o conteúdo de tais julgados e a realidade de cada
um dos casos neles retratados é que para o Supremo Tribunal Federal, e agora também para o
Tribunal Superior do Trabalho, o uso da tecnologia da informação como meio mais célere e
efetivo de intimação às partes sobre uma decisão - basicamente o acesso proporcionado pela
Internet (como, por ex., o sistema “push” dos tribunais ou mesmo o acesso à tramitação dos
processos) - foi rechaçado sob a perspectiva formal de que somente a partir da intimação
ocorrida por meio de publicação oficial é que o prazo para recorrer tem início e passa a ser
considerado para fins de aferição do requisito da tempestividade do recurso.
O entendimento do STJ, contrário ao das outras 2 (duas) Cortes, é no sentido de que não
se mostra razoável uma decisão que impossibilita o conhecimento de um recurso apresentado
pela parte que, em vez de incúria, demonstrou diligência no ato de recorrer, até porque visou à
celeridade do processo, tão cara ao momento atual da dogmática processual.
Indicadas, pois, as posições firmadas pelas Cortes Judiciais Superiores acima
mencionadas, há que se avaliar os fundamentos de cada uma para então respondermos ao
A decisão mais recente sobre o assunto, conforme noticiado no “site” do TST, foi proferida em razão de
divergência existente entre o entendimento das 2 (duas) Seções de Dissídios Individuais que o compõem.
Exemplificando o dissenso, colacionamos os seguintes arestos: “EMBARGOS. PRELIMINAR DE
INTEMPESTIVIDADE. RECURSO INTERPOSTO ANTES DA PUBLICAÇÃO DA DECISÃO
IMPUGNADA. 1. Não padece de intempestividade recurso interposto antes da publicação da decisão
impugnada, uma vez que as normas processuais punem apenas a parte incauta, que apresenta recurso
quanto se exaure o prazo recursal; nunca quando se antecipa. 2. Afasta-se, pois, preliminar de
intempestividade de embargos, em virtude de sua interposição haver antecedido a publicação de acórdão
proferido em agravo de instrumento em recurso de revista. 3. Embargos não conhecidos.” (E-AIRR1284/2003-121-17-40.3, da SBDI-1, DJ de 07.10.05. Min. Red. Designado: João Oreste Dalazen) e
“INTEMPESTIVIDADE - RECURSO DE REVISTA PROTOCOLIZADO ANTES DA PUBLICAÇÃO
DO ACÓRDÃO QUE JULGOU OS EMBARGOS DECLARATÓRIOS. Em virtude do princípio da
unirrecorribilidade, é intempestivo o recurso de revista protocolizado em data anterior à publicação do
acórdão que analisou os embargos declaratórios da própria parte. No caso, a Recorrente opôs embargos
declaratórios e, em seguida interpôs recurso de revista, quando teria de aguardar a publicação do acórdão
que julgou os declaratórios para, só então, completada a prestação jurisdicional do TRT, intentar o apelo
para o TST. Recurso de revista não conhecido, por intempestivo.”(Proc. Nº TST-RR-777.834/2001.8.
Pub.: DJ - 01/04/2005. 4ª T. Min. Relator: Ives Gandra Martins Filho). Disponíveis em:
<http:\\www.tst.gov.br>. Acesso em: 10.Jun.2006
6
questionamento: é tempestivo ou não o recurso interposto antes da publicação oficial da decisão
que objetiva atacar?
3. Os fundamentos da decisão do Supremo Tribunal Federal e as posições doutrinárias
acerca do tema
Conforme antes referido, o Supremo Tribunal Federal é a Corte que há mais tempo tem
se manifestado a respeito do tema e desde então vem adotando a posição de considerar
intempestivo o recurso apresentado antes da publicação oficial - com efeito de intimação às
partes - da decisão impugnada.
O principal fundamento utilizado para embasar tal posição jurisprudencial 7 é o de que o
prazo somente tem sua contagem iniciada quando publicada, oficialmente, a parte dispositiva
“do acórdão no órgão oficial”8.
Mas, como assevera com propriedade Hugo de Brito Machado9, embora a regra seja
essa, é a sua finalidade que efetivamente deve disciplinar a interpretação da situação, senão
vejamos :
“É certo que o prazo começa com a publicação do acórdão. É importante, porém, que se saiba
porque é assim. Sem a publicação não se pode afirmar que o vencido, que tem direito ao recurso,
conheça a decisão para poder contra ela se insurgir. Entretanto, se ele teve conhecimento da
decisão que ainda não foi publicada, e se está assim em condições de interpor o recurso, negar a
ele esse direito, obrigando-o a esperar a publicação, é desconsiderar o elemento teleológico na
interpretação da norma que estabelece o prazo, dando maior importância ao elemento literal.”
(Grifos nossos)
Grande parte da doutrina, porém, acompanha o entendimento do Supremo Tribunal
Federal, adotando posição também conservadora e de interpretação literal das disposições
legais.
Tanto assim, que segundo Nelson Nery Júnior “A tempestividade do recurso somente
tem lugar a partir da impugnabilidade do ato judicial, isto é, a partir da prolação do provimento
jurisdicional. O direito brasileiro não conhece o recurso ante tempus contra decisão não
definitiva a respeito da qual se fez reserva. O prazo é contado da intimação do ato judicial. Esta
intimação pode dar-se pela leitura do ato em audiência, pela intimação da parte quando o ato
7
Como pode ser observado a partir da transcrição da decisão monocrática proferida nos autos do Processo
RE471475/MG, feita alhures, ao lado da questão da intempestividade pela apresentação de recurso antes
da publicação do acórdão, o STF entende que enquanto não publicada a suma da decisão, o acórdão não
existe e o recurso interposto fica sem objeto. Discordamos, com todo o respeito, do entendimento firmado
pela Corte Suprema quanto à inexistência de objeto a ser impugnado mediante recurso porque não é a
mera publicação oficial que fará com que a decisão exista, mas sim permitirá que a mesma tenha eficácia.
Esse entendimento é corroborado por MACHADO, Hugo de Brito. Extemporaneidade de recurso
prematuro. RDDP. nº 8. Nov.-03. p. 60
8
Conforme redação atual do inciso III do art. 506 do CPC, dada pela Lei nº 11.276/06
9
MACHADO, Hugo de Brito. Ob. Cit. p. 59
não for proferido em audiência ou pela publicação da súmula do julgamento no órgão oficial
(CPC 506).10”
Barbosa Moreira, em comentário ao art. 506 do CPC também afirma que em relação ao
prazo para interposição de recurso “o dies a quo é aquele em que se realiza a intimação da
decisão recorrível, quer se trate de sentença, quer de decisão interlocutória, quer de acórdão...”11
Já Fredie Didier Júnior, em lição diversa, assinala que “O termo inicial do prazo
recursal é o da intimação da decisão”, mas, em seguida, comentando a polêmica analisada neste
artigo, aponta ser “esdrúxula a tese da intempestividade do recurso prematuro”, considerando
que, se o recurso foi interposto, o recorrente dera-se por intimado da decisão independentemente
de publicação.”12
Indicados os vetores de interpretação apresentados principalmente pelo Supremo
Tribunal Federal, elas Cortes Julgadoras acima mencionadas e os posicionamentos adotados
pela doutrina, torna-se necessário tecermos comentários a respeito do que é o requisito da
tempestividade e de qual o seu objetivo, bem como a respeito de como ele deve ser observado
ante a compreensão do processo como instrumento de efetividade e de acesso à justiça para que,
ao final, possamos responder ao questionamento central deste artigo, que é o atinente à
verificação se recurso apresentado antes da intimação oficial da decisão que visa reformar é ou
não extemporâneo.
3. O requisito da tempestividade e a finalidade dos prazos
Como é cediço, todo recurso deve ser observado sob 2 (dois) pontos de vista distintos,
mas complementares, que são os denominados juízos de admissibilidade e de mérito.
Tendo-se em conta, pois, que o juízo de admissibilidade, até pela própria designação,
revela-se prévio - já que visa avaliar a possibilidade de apreciação da medida recursal em sua
substância - há que se posicionar o requisito da tempestividade nesses universos.
Pois bem, o requisito da tempestividade é um dos pressupostos de admissibilidade de
todo e qualquer recurso e está ligado aos prazos processuais.
Na classificação de Barbosa Moreira, dentre os requisitos dessa ordem, que podem ser
agrupados em intrínsecos e extrínsecos, a tempestividade está inserida no segundo deles, eis que
diz respeito ao modo de exercer os recursos.13
10
NERY JÚNIOR, Nelson. Teoria geral dos recursos. 6 ed. rev. , ampl. e reform. São Paulo: RT, 2004.
p. 343
11
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. v. V. 12 ed. Rio de
Janeiro: Forense. 2005, p. 359
12
DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. v. 3. Salvador: JusPODIUM. 2006, p.
42 e 44
13
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao código de processo civil. vol. V: arts. 476 a
565. Rio de Janeiro: Forense. 2005, p. 263
O que se verifica, então, é que a tempestividade é requisito de forma que visa à
verificação da obediência, pela parte recorrente, do prazo estipulado legalmente, para a prática
do ato impugnatório. Ato tempestivo, por conseguinte, é o que é praticado oportunamente.
Partindo-se, então, da revelação da natureza jurídica da tempestividade e de seu
significado, o que se constata é que é da própria lógica processual, ou melhor, do fato de que o
processo é, formalmente, um procedimento encadeado - um conjunto de atos praticados por
diversos sujeitos, todos voltados a um objetivo único que se encontra à frente, que é a solução
da contenda processual – que a aferição da tempestividade objetiva avaliar se o ato praticado o
foi em momento próprio, isto é, se houve ou não obediência ao prazo assinalado para sua
realização.
Ora, se a resolução da situação retratada no processo - com ou sem a pacificação do
conflito substancial subjacente ao processo – é o objetivo maior da dinâmica processual, em
regra os prazos são estabelecidos para atingir tal escopo e, nesse sentido, resta claro que a
tempestividade, ligada aos primeiros pelo fato de ser o fator de verificação de cumprimento
deles, é normalmente avaliada sob a lógica da prática de um ato dentro do espaço de tempo
designado para tanto e não após ele.
Na verdade, a se tomar a lição de Dinamarco a respeito dos prazos -, os quais são por
ele classificados como “aceleratórios” e “dilatórios” - e ainda, a se considerar que, na seara
recursal, são os de natureza aceleratória que preponderam - porque visam a que um ato seja
praticado dentro de um prazo máximo de tempo a partir de outro antecedente – torna-se fácil
perceber que, quanto mais rápido for cumprido o ato, tão mais célere será o andamento
processual.14
Aliás, Hélio Tornaghi, tratando do tema asseverou que “a melhor maneira de acelerar o
processo sem atropelá-lo, conciliando a rapidez com justiça, consiste na fixação do tempo para a
prática de cada ato. A marcação de prazos não é apenas o resultado da conveniência, é o efeito
da necessidade de harmonizar a justiça e a economia, a segurança e a rapidez. Quer a lei que o
processo seja ordenado, mas sem retardamento e sem gastos excessivos, de modo a obter-se
uma sentença justa com o máximo de garantia e o mínimo de esforço. Permitir que os atos
processuais se pratiquem sem prazo marcado será correr o risco de eternizar os litígios”.15
Pelo que se vê, os prazos são instrumentos de garantia do procedimento em
contraditório, mas, sem dúvida, são fixados, em regra, tendo em vista a aceleração do
andamento processual.
Certamente, pois, que uma vez explicitado o conceito e o objetivo do pressuposto
recursal da tempestividade, importa verificar, finalmente, se a utilização antecipada de um
recurso em relação ao momento da intimação, mas baseada no conhecimento da decisão por
14
Ver DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. v. II. 4 ed. São Paulo:
Malheiros. 2004, p. 549-550
15
Apud CRUZ E TUCCI, José Rogério. Tempo e processo. São Paulo: RT. 1997, p. 30
meios eletrônicos atualmente disponíveis para facilitar o acesso dos operadores do direito e/ou
dos jurisdicionados ao conteúdo e passos do processo, obedece ou não aos seus vetores de
existência.
4. Dos paradigmas da celeridade e do acesso à justiça e a utilização da tecnologia
Conforme assinalado no início, o estudo atual do processo volta-se à perspectiva de que
ele é instrumento a serviço da realização e da concretização de direitos que o ordenamento
confere aos cidadãos.16
Partindo-se desse paradigma, então, hodiernamente o Poder Judiciário – notadamente os
tribunais - tem se utilizado largamente da tecnologia da informação em suas diversas facetas
para auxiliar suas tarefas com vistas ao alcance de uma prestação jurisdicional mais célere e
efetiva.
Os exemplos disso são variados e vão desde a simples informatização dos tribunais, da
instituição legal da utilização do sistema de fac-símile para a apresentação de documentos (Lei
nº 8.900/99), da criação do sistema push que alguns tribunais - notadamente os Superiores - têm
utilizado para possibilitar um acompanhamento mais célere por parte aqueles que com eles
operam – advogados e partes –, até a utilização de meios eletrônicos para fins de intimação, tal
qual preconizado pela recentíssima Lei nº 11.280/06, já em vigor, a qual introduziu o parágrafo
único no art. 154 do CPC para fins de permitir aos tribunais que, no âmbito de suas jurisdições,
disciplinem a prática e a comunicação dos atos processuais de tal forma.
Certamente que a previsão do parágrafo único do art. 154 do CPC, introduzido pela Lei
nº 11.280/06 trata de mais um meio de comunicação oficial de atos processuais, o que se
coaduna com o preconizado pelo art. 506 do mesmo diploma legal que, por seu turno, é o
dispositivo utilizado como fundamento das decisões que consideram intempestivo um recurso
apresentado antes da decisão ter sido objeto de publicação oficial.
O que se constata, porém, é que a tecnologia a serviço do direito, além de ser uma
realidade incontestável é também necessária diante do quadro atual do mundo globalizado, em
que as formas de comunicação se massificaram e se aceleraram.
Além disso, a utilização dela é clamada por toda a sociedade como mais um aspecto a
ser considerado na reforma estrutural do Poder Judiciário para que este cumpra sua função
16
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instrumentalidade do processo. 11 ed. São Paulo: Malheiros. 2003,
p. 330-331, assevera: “A força das tendências metodológicas do direito processual civil na atualidade
dirige-se com grande intensidade para a efetividade do processo, a qual constitui expressão resumida da
idéia de que o processo deve ser apto a cumprir integralmente toda a sua função sócio-político-jurídica,
atingindo em toda a plenitude todos os seus escopos institucionais.” Mais adiante continua: “Pois a
efetividade do processo, entendida como se propõe, significa a sua almejada aptidão a eliminar
insatisfações, com justiça e fazendo cumprir o direito, além de valer como meio de educação geral para o
exercício e respeito aos direitos e canal de participação dos indivíduos nos destinos da sociedade e
assegurar-lhes a liberdade.”
social efetiva, que é a de entregar, de modo adequado – aqui compreendidos os vetores da
tempestividade e do custo - a prestação jurisdicional que lhe for pleiteada.
Sendo assim, o que se verifica em relação ao uso da tecnologia da informação para fins
de aceleração do trâmite processual - e até da facilitação da prática de atos processuais - é que a
mesma não é completa, mas já assume papel considerável em determinados casos. Logo, deve
ser considerada e incrementada sob o prisma de que, dentro de limites definidos pelo princípio
da proporcionalidade, não somente pode como deve ser utilizada, devendo também ser
considerada por ocasião da melhoria estrutural necessária de ser adotada pelo Poder Judiciário
com, por ex., a instalação de mais computadores nas varas judiciárias, o treinamento dos
servidores para fins de melhor operarem com as tecnologias disponíveis e etc...
Diante desse panorama, fácil concluir que, se a parte a quem interessa a interposição de
um recurso em razão de ter tido, contra si, uma decisão desfavorável, dá-se por intimada por
meios outros que não o oficial, o faz para acelerar o andamento do processo e, portanto,
dispensa a garantia que a publicação oficial efetivamente proporciona: que é o conhecimento,
pela parte a quem favorece a utilização de uma via impugnatória recursal, da suma da decisão.
Em vista disso, pois, inegável que todo e qualquer recurso interposto em qualquer prazo
anterior à ocorrência da publicação oficial, desde que verificada a intimação, pela parte
recorrente, da suma da decisão, deve ser considerado tempestivo e assim restar conhecido, pois
este tipo de ato coaduna-se com a busca da celeridade e da efetividade processuais tão caras ao
momento atual.
5. Considerações finais
Confirmado que o requisito da tempestividade está ligado à existência de prazos, os
quais, por seus turnos, dependendo da natureza que assumam17, objetivam manter o processo em
uma ordem seqüencial e progressiva e, especialmente na seara recursal, tendente à celeridade,
constata-se que sua aferição no momento de apreciação dos recursos, visa, necessariamente, à
avaliação da prática do ato dentro do prazo fixado legalmente para evitar delongas na tramitação
processual.
Nesse sentido, considerar-se, como vem fazendo o Supremo Tribunal Federal e agora
também o Tribunal Superior do Trabalho – em consonância com o entendimento da Corte
Máxima – que é intempestivo um recurso apresentado em momento anterior ao da publicação
oficial da decisão que visa combater, reformar, anular, enfim, modificar de algum modo, é
17
DINAMARCO, Cândido Rangel. Ob. Cit., p. 549-550
segundo entendemos, ir de encontro ao princípio da proporcionalidade18 que deve orientar toda
atuação no âmbito processual.
Afirmamos dessa maneira porque é fato que a utilização da tecnologia da informação,
por diversos meios, vem se fazendo presente na rotina da atividade jurídica, seja a partir da
permissão da prática de atos pelo sistema de fac-símile ou por peticionamento eletrônico, seja
também a partir do acompanhamento do andamento dos processos pelas informações
disponibilizadas pela maioria (se não por todos) os Tribunais em seus “sites” na Internet e até
mesmo pela televisão a cabo.
E sendo essa a realidade, impedir-se que as partes, visando a diminuição do tempo na
tramitação do processo, possam utilizar-se de qualquer desses meios tecnológicos para
apresentar suas impugnações recursais tão logo obtenham conhecimento das decisões prolatadas
é negar que assim vêm sendo procedido nos tribunais em geral e, mais importante, acaba por
contrariar as mais recentes modificações legislativas promovidas exatamente com o intuito de
acelerar o andamento dos processos e/ou facilitar o acesso à justiça.
Por outro lado, essa visão restritiva acarreta aumento do custo do processo e diminui –
ou impede, em certos casos – o acesso à justiça.19
Consideramos, assim, que a parte que interpuser recurso anteriormente à data em que a
decisão a que se refere tal impugnação tiver sido publicada não deve ser punida com o não
conhecimento de seu recurso, já que em vez de retardar o andamento do processo e dilatar o
prazo de solução da controvérsia instaurada, foi diligente.
18
A estrutura do princípio da proporcionalidade é revelada sob os aspectos da adequação, da necessidade
e da proibição do excesso. Considerando esses aspectos intrínsecos ao princípio em comentário, fazemos
a ilação de que não atende ao aspecto da adequação a decisão que reputa intempestivo um recurso que
impugna a decisão que visa combater. Tampouco parece necessário o apego ao formalismo na aplicação
da regra do art. 506, eis que o ato de interposição do recurso antes de qualquer intimação já revela que a
parte se deu por intimada da decisão. Logo surge, pois, que não é proporcional, porque excessivo –
ferindo o aspecto da proibição do excesso – o entendimento de que somente a publicação oficial da
decisão ou a intimação formal de seu conteúdo servem ao desiderato de abrir a contagem do prazo para
manifestação da parte. Ver, a respeito do tema, GÓES, Gisele Santos Fernandes. Princípio da
proporcionalidade no processo civil. São Paulo: Saraiva. 2004
19
A respeito do custo do processo e da ligação deste fator com a questão do tempo, vale considerar as
ponderações feitas por MARINONI Luiz Guilherme. O custo e o tempo do Processo Civil Brasileiro.
Jus
Navigandi,
Teresina,
a.8,
n.
441,
21.set.2004.
Disponível
em:
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5717. Acesso em: 11 abr.2006, notadamente
as seguintes: “Por outro lado, no que diz respeito especificamente à celeridade dos procedimentos, não é
preciso dizer que a demora do processo jurisdicional sempre foi um entrave para a efetividade do direito
de acesso à justiça. Sim, já que não tem sentido que o Estado proíba a justiça de mão própria, mas não
confira ao cidadão um meio adequado e tempestivo para a solução de seus conflitos. Se o tempo do
processo, por si só, configura um prejuízo à parte que tem razão, é certo que quanto mais demorado for o
processo civil mais ele prejudicará alguns e interessará a outros. Seria ingenuidade inadmissível imaginar
que a demora do processo não beneficia justamente àqueles que não tem interesse no cumprimento de
normas legais.” (...) “É sabido que a “justiça tem de ser acessível a todos, sob pena de o direito de acesso
à justiça – um direito fundamental para que os demais direitos também possam ser reivindicados –
transformar-se em falsa garantia, ou em uma garantia disponível somente àqueles que possam pagar por
ela, o que seria obviamente absurdo.”
Na verdade, a parte já arca com o ônus de, tendo assim agido, possivelmente não
conseguir atender a um outro pressuposto objetivo de conhecimento de sua impugnação
recursal, que é o da regularidade formal, e, por isso, não ter seu recurso apreciado, já que, não
dispondo, na íntegra, do conteúdo da decisão – mas, baseando sua impugnação, eventualmente,
nas razões de que teve conhecimento por ter participado da sessão de julgamento ou por tê-la
assistido pela televisão a cabo ou até por ter tomado conhecimento da conclusão a partir do
sistema “push” – poderá deixar de impugnar especificamente algum ou vários dos pontos da
decisão em relação à qual recorreu.
Por outro lado, se a parte conseguir, antecipadamente, impugnar concretamente o teor
da decisão recorrida, apontando em seu recurso os motivos pelos quais requer a reforma/ou a
anulação do julgado, certamente que terá cumprido o requisito da regularidade formal - pois terá
apresentado razões de inconformismo efetivamente relacionadas ao conteúdo da decisão
recorrida - e, de igual modo, terá proporcionado ao órgão que apreciará sua manifestação a
possibilidade de exercer sua atividade cognitiva de forma escorreita em relação ao recurso.
Relevante, por fim, o aspecto de que a parte – por intermédio de seu advogado –, ao
apresentar seu recurso antes de ter ocorrido a publicação oficial da decisão impugnada ou a sua
intimação por qualquer dos modos previstos na legislação processual civil, quando pratica tal
ato se dá, implicitamente, por intimada da decisão recorrida.
Ora, se os atos de intimação da decisão, todos eles, visam resguardar a que a parte tenha
conhecimento da decisão proferida, inegável que aquela que interpõe recurso de decisão que
ainda não foi oficialmente veiculada já está assumindo que tem ciência desta e, portanto, o
objetivo da intimação, isto é, da publicação do acórdão, da sentença ou de decisão
interlocutória, já foi atingido.
Destarte, a parte que age dessa forma abre mão de aguardar pela intimação oficial
justamente porque deseja uma solução mais rápida para o caso que a envolve e, sob esse prisma,
não pode ser punida com o não conhecimento de sua impugnação pela consideração de que a
mesma é intempestiva.
O fato é que, diante da realidade de que por diversos meios as partes – por intermédio
de seus patronos – podem agir com maior rapidez para a solução das contendas judiciais – e
vêm concretamente fazendo isso – não nos parece concebível e proporcional, sob o ponto de
vista da adequação da medida, que o conhecimento de recursos assim interpostos seja obstado.
Ao contrário disso, pensamos que a inspiração que as recentes modificações legislativas
no campo processual civil vêm tentando imprimir para fins de diminuir o tempo e o custo dos
processos é exatamente a de que, sempre que possível, desde que não haja mácula ao ato da qual
resulte prejuízo20, deve ser permitido o aproveitamento de atos que atinjam seu desiderato, pelo
20
Note-se que não há como resultar prejuízo do ato de interposição de recurso antes da publicação oficial
porque terá, a parte recorrente, qualquer que seja ela – isto é, tanto aquela em relação a qual a decisão
favoreceu, quanto a que prejudicou - abdicado de esperar pela intimação pela via da publicação oficial em
que, então, havendo a produção de peça compatível com a decisão recorrida, nenhum óbice
deverá ser criado para sua apreciação pelo órgão judicial responsável por essa tarefa.
Certamente que assim ocorrendo significativas mudanças relacionadas à demora na
prestação jurisdicional serão sentidas e, em longo prazo, poderão até significar a existência de
um sistema processual mais adequado à realidade de que o direito material exige máxima e
pronta satisfação, com o menor custo possível, porque somente assim o cidadão poderá exercer
concretamente seu direito fundamental de acesso à justiça.
busca de diminuir a espera do resultado final do processo.
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Debate sobre a tempestividade do recurso interposto antes de a