23º Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental
II-018 - GERAÇÃO DE EFLUENTES NA INDÚSTRIA DE LATICÍNIOS:
ATITUDES PREVENTIVAS E OPORTUNIDADES
Vandré Barbosa Brião (1)
Engenheiro de Alimentos formado na FURG - Fundação Universidade Federal do Rio Grande, Mestre e
Doutorando em Engenharia Química pela UEM – Universidade Estadual de Maringá, professor do curso de
Engenharia de Alimentos da Universidade de Passo Fundo – Passo Fundo/RS.
Célia Regina Granhen Tavares
Engenheira Química, Doutora em Engenharia Química formada na UFRJ – Universidade Federal do Rio de
Janeiro, professora do curso de Engenharia Química e do Programa de Pós-Graduação em Engenharia
Química da Universidade Estadual de Maringá – Maringá/PR.
Endereço(1): Rua Dez de Maio, 111 - Bloco 01 - Ap. 304. Maringá - PR - CEP: 87030-230 - Brasil - Tel: (44) 30313802 - e-mail: [email protected].
RESUMO
O trabalho objetivou identificar pontos de geração de efluentes em uma indústria de laticínios, propondo
modificações dentro do conceito de prevenção à poluição. A metodologia consistiu em se medir volumes e
coletar amostras de efluentes nos setores de produção. A análise foi realizada por setor, procurando-se
identificar aqueles que geravam efluentes em excesso. Os resultados demonstraram que os produtos secos
(leite em pó e soro em pó) são os maiores geradores de DBO, nitrogênio e fósforo, enquanto os produtos
apresentados sob a forma fluida (leite longa vida UHT, formulados UHT, leite pasteurizado, creme de leite
pasteurizado) e manteiga produzem óleos e graxas em maior quantidade. A recuperação de sólidos do leite, a
segregação de resíduos e o reuso de águas podem ser aplicados, com um potencial de economia que pode
chegar a R$28.000,00 por mês somente em matéria-prima, obtendo-se também ganhos ambientais com o
plano de prevenção à poluição.
PALAVRAS-CHAVE: Laticínios, prevenção à poluição, efluente.
INTRODUÇÃO
A crescente degradação do ambiente tem gerado preocupações de ordem global, de modo que uma relevante
importância tem sido dada ao fato, e a consciência dos problemas ambientais aparece como um ponto
importante a respeito do crescimento material e econômico e da qualidade de vida. Além disso, o ambiente
tem sido considerado uma dimensão do desenvolvimento e deve ser internalizado em todos os níveis de
decisão (BRAILE e CAVALCANTI, 1993; MATTOS e FILHO, 1999).
Dentre as atividades industriais, o setor de alimentos destaca-se por um maior consumo de água e uma maior
geração de efluentes por unidade produzida, além de gerar um grande volume de lodo nas estações com
tratamento biológico (RAMJEAWON, 2000). A indústria de laticínios é um exemplo desse setor, na qual as
operações de limpeza de silos, tanques, pasteurizadores, homogeneizadores, tubulações, etc. geram um grande
volume de efluente com uma elevada carga orgânica. Esta carga orgânica é constituída basicamente de leite
(tanto matéria-prima quanto seus derivados), refletindo em um efluente com elevada Demanda Química de
Oxigênio (DQO), Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO), óleos e graxas, nitrogênio, fósforo, etc. Além
disso, o sistema de limpeza automática - CIP (Cleaning In Place) descarta águas de enxágüe com pH que varia
de 1,0 a 13,0, agravando a problemática do tratamento (BRIÃO, 2000). A DBO total está relacionada
diretamente a perdas de leite (90% – 94% da DBO do efluente), e em alguns casos essas perdas podem chegar
a 2% do volume total processado na indústria (WASTEWATER, 1999).
Para reduzir os efeitos poluentes do setor industrial, as técnicas de tratamento de fim de tubo têm sido
aperfeiçoadas, ao mesmo tempo em que atitudes de prevenção de poluição são implementadas para se
minimizar a geração dos resíduos (METCALF & EDDY, 1991).
O controle de fim de tubo está focalizado em capturar o efluente depois que o mesmo foi gerado e tratá-lo
antes de ser lançado ao ambiente. A produção mais limpa pretende integrar os objetivos da produção, a fim de
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reduzir os resíduos e as emissões em termos de quantidade e toxicidade. A prevenção à poluição ou redução
da geração na fonte refere-se a qualquer prática, processo, técnica ou tecnologia que vise à redução ou
eliminação de resíduos na fonte geradora em volume, concentração ou toxicidade (Prevenção à Poluição,
2004; FIGUEIREDO e SANTOS, 2000; QUARESMA e PACHECO, 2000). Para produtos, o conceito de
produção mais limpa envolve a redução de impactos negativos ao ambiente, ao longo de todo o ciclo de vida,
desde a extração da matéria-prima até a disposição final. Por fim, devido à racionalização de todos os insumos
utilizados, acaba-se por ter economia no processo, gerando produtos mais baratos e conseqüentemente mais
competitivos (What’s cleaner production, 1999; Centro Nacional de Tecnologias Limpas, 1998).
A minimização de índices indicadores de poluição deve ser avaliada não somente no tratamento final, mas
vista como uma oportunidade para se reduzir custos nas linhas de produção, otimizando-se as mesmas e
aumentando a lucratividade e eficiência do processo.
O objetivo do trabalho foi identificar operações ou processos nos quais havia oportunidades de reduzir os
impactos da carga e volume enviados à estação de tratamento de efluentes.
MATERIAIS E MÉTODOS
O método consistiu em avaliar o coeficiente de carga e o coeficiente volumétrico dos três macrossetores do
parque industrial que agregam as salas de produção. Ao mesmo tempo analisou-se também o comportamento
do efluente bruto na estação de tratamento, sendo que os experimentos foram desenvolvidos em um período
de dois meses. O monitoramento foi realizado durante dezoito dias intercalados. Os macrossetores da indústria
são a recepção de leite, a fábrica de produtos fluidos e a fábrica de produtos secos (Figura 1).
Figura 1: Diagrama dos setores avaliados para medida de volume e coleta de amostras.
Para a realização das medidas de volumes foi instalado um medidor de vazão ultra-sônico não-invasivo dotado
de um integrador, registrando as vazões e somando os volumes de água alimentada a cada setor ou processo.
O efluente bruto foi medido na calha Parshall da estação de tratamento por meio de um sensor ultra-sônico
associado a um integrador on line. O volume de leite processado em cada setor foi obtido com base nos
relatórios de produção da empresa.
O coeficiente volumétrico (CV) de cada setor foi calculado conforme a equação 1:
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CV =
V
v
Equação (1)
Sendo “V” o volume de efluente gerado (ou água consumida) e “v” o volume de leite processado. A unidade
de “CV” é apresentada em metros cúbicos de efluente gerado para cada metro cúbico de leite processado.
Os coeficientes de carga (CC) foram calculados para quatro parâmetros (DBO, Nitrogênio, Fósforo e óleos e
graxas) conforme a equação 2:
CC =
A *V
v
Equação (2)
Sendo “A” a concentração do parâmetro (mg L-1), “V” o volume de efluente gerado (L) e “v” o volume de leite
processado (L). A unidade de “CC” é dada em miligramas de poluente para cada litro de leite processado, ou
quilogramas de poluente por metro cúbico de leite processado.
Foi realizado também um acompanhamento do pH de modo a identificar quais setores teriam maior efeito
sobre o pH do efluente bruto.
Os métodos analíticos seguiram as recomendações da American Health Publica Association - APHA (1991).
A DQO foi determinada por meio da digestão seguida de quantificação fotométrica; nitrogênio foi analisado
pelo método clássico “Macro Kjeldahl”; fósforo foi analisado por digestão ácida e quantificação pelo método
vanadato-molibidato; óleos e graxas foram analisados pelo método gravimétrico de Soxleth e o pH por medida
direta em pHmetro. A DBO foi estimada a partir do histórico da empresa, relacionando-a com a DQO. A
relação adotada foi de DQO/DBO = 2,13 (BRIÃO, 2000). As amostras para análise foram coletadas em
amostragem composta.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Concentrações médias dos setores avaliados
Os valores médios de pH dos três macrossetores e do efluente bruto encontram-se na Tabela 1, bem como as
concentrações médias de DQO, nitrogênio, fósforo e óleos e graxas.
Tabela 1: Valores médios de pH e concentrações
setores avaliados.
pH
DQO*
Recepção de leite 10,06±1,60 1794±980
Produtos Fluidos
9,62±3,69
2270±797
Produtos Secos
10,43±2,87 2391±1928
Efluente Bruto
10,45±1,77 2491±1226
*Todos valores (exceto pH) em mg L-1.
de DQO, nitrogênio, fósforo e óleos e graxas dos
Nitrogênio*
45,2±24,9
71,2±38,7
88,2±72,8
69,4±46,6
Fósforo*
25,2±14,2
42,1±22,6
55,0±41,9
37,5±22,9
Óleos e Graxas*
253,3±105,2
523,5±345,2
296,6±166,3
286,8±217,9
Os valores médios dos parâmetros que constam na Tabela 1 não indicam excessiva carga lançada para a
estação de tratamento. Entretanto, os elevados desvios padrões mostram que houve forte variação nos
parâmetros avaliados.
A Figura 2 apresenta um exemplo desta variação na carga lançada, mostrando a avaliação da DQO ao longo
dos dias nos quais se realizou a avaliação. É possível identificar diversos picos, mostrando que algumas
operações poderiam despejar carga excessiva em determinados dias e mesmo assim apresentar valores médios
intermediários do ponto de vista referente do tratamento.
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10000
DQO (mg L-1)
8000
6000
4000
2000
0
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
Dias
Recepção
Produtos Secos
Produtos Fluido
Efluente Bruto
Figura 2: Evolução da DQO no período de monitoramento
Destaque deve ser dado ao décimo sexto dia, no qual a DQO apresentou seu maior valor. Neste dia houve
limpeza das torres de secagem da produção de leite em pó e soro em pó, despejando elevada carga à estação
de tratamento. Entretanto, esta limpeza é realizada a cada vinte dias. Os picos da recepção de leite (dias 3 e 8)
foram verificados em dias de chuva, quando os caminhões de leite chegavam à plataforma com barro e terra,
influenciando no valor da DQO. Entretanto, a estação possui a caixa de areia como primeiro passo do
tratamento primário, não havendo conseqüências negativas ao sistema de tratamento. O valor médio da DQO
da fábrica de produtos fluidos não é considerado crítico (Tabela 1). Contudo, quando o efluente apresenta
valor elevado (dia 13), há o reflexo claro no efluente bruto, o que foi atribuído aos resíduos da produção de
formulados UHT (cor marrom na amostra). Quanto à Fábrica de produtos secos, o valor médio de DQO foi de
2091 mg L-1. A elevação da DQO do efluente bruto no décimo dia foi atribuída ao descarte das soluções CIP
da concentração.
O comportamento do pH é apresentado na Figura 3. A maioria das correntes apresentou valores elevados de
pH, sendo o valor médio do efluente bruto que chega à estação de 10,45. Este fato é justificado pelas limpezas
alcalinas do sistema CIP.
14
12
pH
10
8
6
4
2
0
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
Dias
Recepção
Produtos Secos
Produtos Fluido
Efluente Bruto
Figura 3: Evolução do pH no período de monitoramento
As limpezas alcalinas objetivam a saponificação de gorduras e remoção de matéria orgânica em geral,
enquanto que as limpezas ácidas removem a incrustação salina. Entretanto, as lavagens alcalinas são
realizadas com maior freqüência (ao final de cada ciclo de produção), enquanto que as soluções ácidas são
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circuladas em média uma vez por semana. O efeito das soluções ácidas pode ser verificado nos dias 5, 10 e 16,
quando se verificou um pH baixo em alguns setores. Entretanto, mesmo quando realizada a limpeza ácida, o
efeito do baixo pH não refletiu na drástica redução do pH do efluente bruto.
Coeficientes Volumétricos
A Tabela 2 apresenta os valores dos coeficientes volumétricos da recepção de leite, da fábrica de produtos
fluidos e da fábrica de produtos secos, bem como do efluente bruto.
Tabela 2: Coeficientes volumétricos dos macrossetores e do efluente bruto
Recepção de leite Produtos Fluidos
Produtos Secos
0,086
0,416
0,741
Coeficiente Volumétrico
(m3efluente/m3leite)
Efluente Bruto
0,666
Há grande discordância entre as referências quanto ao coeficiente volumétrico geral da indústria (representado
pelo efluente bruto), uma vez que há muitas diferenças entre os processos industriais e os procedimentos de
cada setor de produção. Veisseyre (1988) cita que para fábricas que produzem vários produtos lácteos, para
cada litro de leite gera-se de 7 a 11 litros de resíduos líquidos. Braile e Cavalcanti (1993) afirmam que as
maiores fontes de despejos líquidos da indústria de laticínios estão geralmente contidas na área de elaboração
e embalagem do produto final. Complementam que, de um modo geral, as águas de lavagens correspondem ao
mesmo volume de leite processado, e, para fábricas que processam vários produtos, têm-se um volume de
despejos de 1,1 a 6,8 litros de água para cada litro de leite processado. Byylund (1995) cita que valores típicos
para coeficientes volumétricos estão em torno de 2,5 litros de água/litro leite processado, mas com severas
economias pode-se atingir o valor de 1,0 litro de água/litro de leite processado de coeficiente volumétrico. Em
1986, Carawan (1996) analisou as indústrias de laticínios dos Estados Unidos e encontrou o valor médio de 4
litros de água para cada litro de leite processado, complementando ainda que, com severas economias pode-se
atingir o patamar de menos de um litro de água consumido por litro de leite processado.
O resultado obtido neste trabalho mostra que o coeficiente volumétrico da indústria avaliada não é um valor
relativamente elevado. Entretanto, Wastewater (1999) indica que com bons programas de gerenciamento
pode-se alcançar até 0,5 m3 de efluente / m3 de leite processado. Este valor pode servir como referência para
trabalhos de minimização de consumo de água e geração de resíduos. Assim, implantando-se um programa
para minimização de efluentes, a diferença entre 0,666 e 0,5 representaria uma economia de quase 25% no
consumo de água, porcentagem possível de ser atingida segundo Carawan e Stengel (1996), os quais relatam
que em programas efetivos de redução de poluição consegue-se minimizar em até 25% o consumo de água.
Coeficientes de carga
A Tabela 3 apresenta os coeficientes de DBO obtidos neste trabalho e os coeficientes citados por outros
autores.
Tabela 3: Coeficientes de DBO dos macrossetores e do efluente bruto.
Este trabalho*
Wastewater (1996)*
Recepção de leite
0,072
0,08
Produtos fluidos
0,444
3,21
Produtos Secos
0,832
0,156
Efluente bruto
0,779
1,3 - 3,2
* Todos valores expressos em kgDBO/m3leite.
Poester e Leitão (1989)*
0,2
1,3 - 3,2
0,6 - 12,3
-
Observa-se que os coeficientes de carga da empresa avaliada são menores que os valores encontrados na
literatura (exceto o setor de produção de leite em pó e soro em pó - produtos secos). Algumas indústrias
despejam valores que chegam a 12 quilogramas de DBO por metro cúbico de leite processado, sendo mais de
90% desta DBO resultante de perdas de leite, e com a redução de resíduos, este número pode ser reduzido a
1,0 kg de DBO por metro cúbico de leite processado (CARAWAN e STENGEL, 1996).
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A Tabela 4 apresenta os coeficientes de nitrogênio, fósforo e óleos e graxas dos três setores e do efluente
bruto.
Tabela 4: Coeficientes de nitrogênio, fósforo e óleos e graxas dos macrossetores e do efluente bruto.
Nitrogênio*
Fósforo*
Óleos e graxas*
Recepção de leite
0,004
0,002
0,022
Produtos fluidos
0,030
0,018
0,218
Produtos secos
0,065
0,041
0,220
Efluente bruto
0,046
0,025
0,191
* Todos os valores expressos em quilogramas de poluente por metro cúbico de leite processado
Os dados apresentados na Tabela 3 mostram que a recepção de leite não representa uma operação de excessiva
carga, sendo cerca de dez vezes menor que o valor do efluente bruto. Por outro lado, o processamento
propriamente dito é o responsável pelos altos valores de carga orgânica do efluente bruto, fato apresentado
também pelos autores citados.
A avaliação conjunta das Tabelas 3 e 4 demonstra que há um determinado equilíbrio entre os coeficientes de
DBO e os demais poluentes. A razão entre os coeficientes de DBO e nitrogênio ficou entre 12 e 18. Do
mesmo modo, a razão entre o coeficiente de DBO e o coeficiente de fósforo encontra-se na faixa de 20 a 36,
indicando boa relação nutricional para o tratamento biológico. Por outro lado, altos valores de ambos
poluentes podem levar ao excesso no efluente tratado, uma vez que há certa limitação deste tipo de tratamento
para a remoção de compostos eutrofizantes.
A Tabela 5 apresenta os valores totais de poluentes despejados mensalmente à estação de tratamento.
Tabela 5: Valores mensais de DBO, nitrogênio, fósforo e óleos e graxas despejados para a estação de
tratamento.
Recepção de leite Produtos Fluidos
Produtos Secos
kg DBO/ mês
3032,1
11670,9
13307,0
kg Nitrogênio/ mês
162,8
779,4
1045,5
kg Fósforo/ mês
90,7
461,1
651,8
kg Óleos e Graxas/ mês
911,8
5732,8
3514,5
Observando-se a Tabela 5, verifica-se que a Recepção de leite contribui com apenas 10% do total da DBO. O
setor que mais despeja DBO, nitrogênio e fósforo é a fábrica de produtos secos, ao mesmo tempo em que a
fábrica de produtos fluidos é a maior responsável pela emissão de óleos e graxas para a estação de tratamento.
Segundo Carawan (1996), cada quilograma de DBO no efluente corresponde a nove quilogramas de leite
perdidos durante o processo. Deste modo, somando-se a DBO das correntes, tem-se cerca de 28000 kg de
DBO enviados a ETE para tratamento por mês, correspondendo a cerca de 252000 litros de leite perdidos na
indústria. Este montante equivale a aproximadamente 0,7% do total de leite recebido na indústria, que
processa cerca de 36 milhões de litros de leite por mês. O valor de 0,7% não corresponde a um péssimo
resultado. Kirsh e Looby (1999) citam que até 2% leite processado pode ser perdido durante o processamento.
Entretanto, Wastewater (1999) relata que bons programas de gerenciamento de resíduos podem atingir 0,5%
de perdas de leite. A diferença de 0,7% para 0,5% significaria quase 72000 litros de leite por mês que
voltariam para os cofres da empresa ao invés de serem despejados nos ralos de esgoto. Se considerado o custo
da matéria-prima em torno de R$0,40 (quarenta centavos), seriam mais de R$28000,00 (vinte e oito mil reais)
por mês recuperados somente em matéria-prima.
De acordo com Carawan e Stengel (1996), programas efetivos de gerenciamento de resíduos podem reduzir a
DBO em até 33%. Seriam cerca de 9200 kg DBO por mês, e conseqüentemente, 83.000 litros de leite, valor
aproximado da estimativa anterior.
ATITUDES PREVENTIVAS
As linhas de ações são definidas para dois focos: (1) miminização da carga lançada e; (2) redução do consumo
de água.
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A execução de limpezas por meio do sistema CIP (Cleanning in Place) e o reuso e reciclo de águas são
exemplos de processos que previnem a redução do coeficiente volumétrico. Referente a este tópico, destaca-se
que a empresa possuía o sistema CIP instalado na grande maioria dos processos, o qual minimiza o consumo
de água; entretanto, haviam algumas exceções, como poucos caminhões que não estavam adaptados com o
“spray bowl” para serem lavados pelo sistema CIP. Além disso, uma torre de secagem não possuía adaptação
para limpeza automática, sendo esta realizada manualmente, consumindo grandes volumes de água.
O reuso e reciclo de água era uma realidade na empresa. Muitos setores possuíam recuperação de águas.
Exemplos são o resfriamento das centrífugas em circuito fechado; a recuperação da água de resfriamento das
máquinas de envase; o reuso da água evaporada na operação de concentração do leite para limpeza de pisos
externos e lavagem externa de caminhões; aproveitamento do rejeito do sistema de osmose inversa
(dessalinização da água das caldeiras), misturando-o no reservatório de água para consumo. A soma destas
ações chegava a 10% da água total consumida.
Ações para redução da carga do efluente também foram tomadas pela empresa, sendo estas ações refletidas
nos coeficientes de DBO, nitrogênio, fósforo e óleos e graxas. As ações foram tomadas por meio da separação
do leite descartado no deslodamento automático das centrífugas; segregação do soro da manteiga e envio deste
para ração animal; a recirculação do primeiro enxágüe do sistema de concentração (o qual possui elevado teor
de sólidos totais) o reaproveitamento no início do processo, reduzindo a carga das fábricas de produtos fluidos
e produtos secos.
Apesar de grande preocupação da empresa para a minimização de resíduos, havia ainda oportunidades para
redução dos coeficientes apresentados anteriormente. A recuperação de sólidos do primeiro enxágüe poderia
ser uma ação de prevenção à poluição. Há exemplos de recuperação dos sólidos do leite utilizando processos
de separação por membranas (osmose inversa) e envio destes sólidos para a produção de sorvete. Três
resultados diretos foram obtidos: a minimização do impacto do efluente gerado; a produção de caseína; o
aproveitamento do permeado, que possui qualidade suficiente para ser considerada água potável (WATER,
1996). Um sistema central para tratar essas águas de enxágüe poderia ser instalado, recuperando sólidos do
leite principalmente da recepção e do setor de produtos fluidos, bem como o enxágüe da linha de
pasteurização e leite UHT.
A Tabela 5 mostra que a fábrica de produtos fluidos é a maior responsável pela emissão de óleos e graxas. Isto
é o resultado direto da produção de creme pasteurizado e manteiga, que geram efluentes com altos valores
deste parâmetro. Para este caso, a simples separação do primeiro enxágüe e envio desta para a ração animal
auxiliaria na redução da carga a ser tratada na estação. O mesmo procedimento poderia ser instalado na
fabricação de formulados UHT. Mais uma vez, os processos com membranas apresentam-se como um
alternativa promissora para a recuperação de nutrientes presentes nos efluentes. Skelton (2000) cita a
recuperação de gordura de linhas de processamento de margarinas, podendo as mesmas serem reaplicadas no
processo.
A execução de limpeza seca é realizada com freqüência em outras indústrias de alimentos, como na indústria
de panificação e no processamento de camarão (CARAWAN, 1999; CARAWAN, 1996a). Poderia ser
adaptada para as torres de secagem, havendo a raspagem e/ou varredura dos resíduos aderidos precedendo a
lavagem com água, o que removeria grande parte dos sólidos aderidos ao equipamento. Esta operação torna-se
mais atrativa no equipamento mais antigo, no qual a limpeza é realizada manualmente. Estes sólidos poderiam
ser adicionados ao tanque destinado a receber o primeiro enxágüe.
Quanto à água que evapora no processo de concentração, as tecnologias com membranas têm sido aplicadas
com sucesso para recuperação deste efluente. Em alguns casos, é possível o reciclo do permeado como água
potável ou mesmo para alimentação de caldeiras (CHMIEL et al, 2000; MAVROV e BELIÈRES, 2000;
MAVROV et al, 2001). Em dias de grande produção de leite em pó ou soro de leite em pó, grandes volumes
deste efluente eram gerados, de modo que a limpeza externa de caminhões e pisos não utilizava todo o
efluente, sendo este descartado. Benefícios energéticos também podem ser obtidos com essa água, uma vez
que ela é descartada a 55-60ºC. Esta água poderia aquecer a água de reposição de caldeiras por meio de
trocadores de calor (gerando economia de combustível) e a mesma ser utilizada para repor torres de
resfriamento, as quais não exigem excelente qualidade referente ao teor de matéria orgânica.
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O descarte das soluções CIP após um período de uso é prática comum em todas as indústrias de laticínios. O
seu efeito negativo pode ser observado na Figura 2, resultando em um efluente com valores de pH que
variaram de cerca de 2,0 a 13,0. Processos com membranas de ultrafiltração e nanofiltração têm sido
estudados para a regeneração destas soluções, retendo a carga orgânica e prolongando a utilização das
soluções (NOVALIC et al, 1998, NOVALIC et al, 1998a, TRÄGARDH e JOHANSSON, 2003). No entanto,
um estudo econômico cuidadoso deve ser realizado com o objetivo de avaliar a possibilidade.
CONCLUSÕES
Os setores para produção de laticínios apresentam um grande potencial poluidor. A produção de laticínios
tanto na forma fluida quanto na forma de produtos secos apresentaram riscos ambientais se não avaliados e
tratados devidamente.
Os programas preventivos podem reduzir a emissão do volume e da carga de efluentes, minimizando custos
com o tratamento e podendo haver benefícios econômicos com a recuperação de sólidos do leite e adaptação
de processos para o reuso ou reciclo de águas.
Variados tipos de ações podem constituir atitudes preventivas para o setor de laticínios, desde a instalação de
um simples tanque para o recebimento do primeiro enxágüe ou até mesmo a inserção de tecnologias
emergentes como sistemas de separação por membranas. Em contrapartida, os custos também são variados,
podendo representar barreiras para a minimização de efluentes que são levados ao tratamento de fim-de-tubo.
REFERÊNCIAS
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BRIÃO, Vandré Barbosa. Estudo de prevenção à poluição em uma indústria de laticínios. Maringá, 2000.
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Engenharia Química. Universidade
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BYYLUND, Gösta. Tetra Pak Dairy Processing Handbook. Sweden : Tetra Pak Processing System, 1995.
CARAWAN, Roy. E. Dairy CEOs: Do you have a $500 million opportunity? Carolina do Norte : North
Caroline Cooperative Extension Service, 1996. Disponível on line no endereço eletrônico
http://ww.bae.ncsu.edu/programs/extension/publicat/wqwm/cd29.html.
CARAWAN, Roy. E.; STENGEL, Michael. J. Water and wastewater management in a dairy processing
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Geração de efluentes na indústria de laticínios: atitudes