ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A
SENTENÇA NO PROCEDIMENTO SUMARÍSSIMO
E s tê v ã o M a lle t*
SU M Á R IO : 1 Introdução; 2 C ognição no procedim ento sumaríssim o; 3 L iquidez
da sentença; 4 Valor da causa e lim ite da condenação; 5 Natureza do ju ízo.
1 IN T R O D U Ç Ã O
L ei n° 9.957 procurou criar procedim ento diferenciado e m ais célere para o
julgam ento das causas trabalhistas de valor reduzido, tendo em conta que,
se a dem ora na entrega da prestação jurisdicional m ostra-se sem pre danosa,
adquire, quando atinge litigante pobre, norm alm ente envolvido nos processos de
valor m ais reduzido, características de verdadeira denegação de tutela. É natural.
M e n o r c a p ac id a d e econôm ica, lem b ra C ap p elletti, sig n ifica tam bém “m e n o r
capacidad de resistência y de espera" .1 P or isso, um processo do trabalho que não
se ja rá p id o to rn a-se, no fundo, in a ce ssív e l, co n d u zin d o não p o u cas v ezes a
co n c iliaç õ es que, antes de sig n ificarem p acificação social, apenas o cu ltam a
capitulação do litigante incapaz de aguardar durante largp tem po o ju lg am en to da
controvérsia e o subseqüente cum prim ento da decisão.
A
S em em bargo do exposto e m esm o reconhecendo que o propósito da L ei n°
9 .9 5 7 n ão p o d e ria ser m ais s ig n ific a tiv o , não p a re c e h av e r sid o e sc o lh id o
concretam ente o m elhor cam inho para abreviar o prazo de tram itação das ações
trabalhistas de reduzido valor.
D e pronto caberia notar que o problem a do processo do trabalho não é de
procedim ento, estruturado já de form a bastante sum ária e concentrada, m esm o no
rito com um da C onsolidação das L eis do Trabalho, com o m ostram , por exem plo, os
arts. 765 e 849. O problem a do processo do trabalho é de outra ordem e relacionase, em grande m edida, com o apego ainda a soluções individualistas, fundadas na
idéia da legitim ação para agir conferida, quase sem pre, apenas ao titular do direito
*
D o u to r e Livre D o cen te em D ireito d o Trabalho. P rofessor d e D ireito do Trabalho d a F acu ldade
d e D ireito d a U n iversid a d e d e S ão Paulo. A dvogado.
1
P o r una nueva “Ju sticia d ei T ra b a jo ” em P roceso, ideologias, sociedad, B uenos Aires: EJEA,
1974, p. 24 7 . Conferir igualm ente Andrea Proto Pisani. C ontroversie individu ali d i lavoro. Torino:
UTET, 1993, p. 33; e Vittorio D enti. II nuovo p ro ce sso d e i lavoro: significato d e lia riform a em
Un p ro g e tto p e r Ia g iu stizia civile. Bologna: II M ulino, 1982, p. 256.
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material, que tem a sua liberdade de atuação com prom etida pela subordinação inerente
ao contrato de trabalho. P ara esse problem a, porém , a L ei n° 9.957 não oferece
solução algum a, renunciando a tratar das form as transindividuais de tutela, não
cogitando, em nenhum m om ento, da disciplina d a substituição processual, com o
que poderiam ser resolvidos, em um só processo, m ilhares de litígios.
A dem ais, restringindo-se a análise ao cam po estritam en te p ro cedim ental,
p arece difícil red u z ir o tem po de tram itação das ações trab alh istas sem alterar a
reco rrib ilid ad e ordinária da sentença, quando é certo q ue m uitas vezes consom ese m ais tem po no ju lg am en to do recurso ordinário do que no p rocessam ento de
toda a cau sa em prim eiro grau de ju risd ição . T alvez p o r isso m esm o tenha o
legislador português, ao regular o procedim ento sum aríssim o civil, expressam ente
afirm ado a irrecorribilidade da sentença nele p ro ferid a,2 ressalvadas, tão-som ente,
as h ip ó te se s, d e ca ráte r nitid am en te ex cep cio n al, d e “ v io lação das reg ras de
com petência internacional, em razão da m atéria ou da h ierarq u ia ou a o fensa de
caso ju lg a d o ” .3
C om o se não bastasse, boa parte das m edidas eleitas p ela L ei n° 9.957 para
acelerar o ju lg a m e n to das causas trabalhistas, com o a red u ção do n úm ero de
testem unhas, a sim plificação do registro dos atos ocorridos na audiência, a im posição
de realização de audiência única ou o estabelecim ento de prazos estritos para a
prática dos atos a cargo do juiz, terá, com o soa evidente, eficácia m uito lim itada ou
m esm o nula.
D e outro lado, não se deve perder de vista que a dem ora na entrega da
prestação jurisdicional trabalhista ocorre não apenas - e talvez se possa m esm o
dizer, não p rincipalm ente - no processo de conhecim ento. A s d ificuldades no
cu m p rim en to do ju lg a d o constituem hoje, sem d ú v id a algum a, o p o n to m ais
vulnerável da tutela processual trabalhista. D aí que, apenas abreviar o procedim ento
do p rocesso de conhecim ento, sem criar instru m en to s p ara asseg u rar a ráp id a
execução da sentença, pouco significa, em term os práticos.
P or fim , a regulam entação estabelecida pela L ei n° 9.957 p ara o julgam ento
da reclam ação suscita, ainda, não poucas dificuldades interpretativas, cum prindo
definir a profundidade da cognição no procedim ento sum aríssim o e verificar se,
diante da exigência de pedido com indicação do valor (CLT, art. 852-B, inciso I), a
sentença tem tam bém de ser líquida ou não (CPC, parágrafo único do art. 459).
M ais ainda, é preciso apurar se a lim itação ao valor d a causa (CLT, art. 852-A,
caput) restringe o valor da condenação, determ inando-se, por fim , a natureza do
ju ízo inerente ao procedim ento sum aríssim o, diante dos term os do art. 852-1, § 1o,
da CLT.
2
O art. 800°, do CPC de Portugal preceitua: “D a sentença não há recurso, a não ser nos casos
abrangidos pelo n. 2 do art. 678°, em que cabe recurso de agravo, a interpor para a R elação”.
3
Art. 678°, n. 2, do m esm o CPC.
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2 C O G N IÇ Ã O N O PR O C E D IM EN T O SU M A R ÍSSIM O
Procedim ento sum ário não é, nem nunca foi, sinônim o de cognição sum ária.
Tanto pode haver cognição lim itada em procedim ento não sum ário com o cognição
am pla em procedim ento sum ário.4 N as próprias O rdenações M anuelinas encontrase procedim ento abreviado com cognição am pla, com o se verifica no T ítulo X IX , §
1o, do L ivro III. Se assim é, não servindo a form a do procedim ento para d efin ir a
cognição do juízo, qual a cognição desenvolvida no procedim ento da L ei n° 9.957?
O procedim ento regulado p ela L ei n° 9.957 é sum ário apenas do p onto de
vista form al. N ão se trata de procedim ento m aterialm ente sum ário. R estringiram -se
apenas os atos do processo. N ão se lim itou a atividade cognitiva desenvolvida pelo
ju iz, que se realiza de m aneira plena e exauriente.5 D aí que a cognição desenvolvida
pelo ju ízo , quer no tocante às m atérias suscetíveis de apreciação (plano horizontal),
quer no que diz respeito à profundidade da investigação (plano vertical), perm anece
ampla. A cognição é idêntica à que se encontra em procedim ento trabalhista ordinário,
sem qualquer diferença ou nota distintiva.
N ão se trata, portanto, de procedim ento voltado à prestação de tutela sum ária,6
a qual, ainda que capaz de oferecer provim ento estável e im odificável, funda-se em
cognição não-com pleta, m enos exauriente e m enos penetrante.7 C orresponde o
procedim ento sum aríssim o trabalhista, pois, aos plenários rápidos a que se refere
F airen G uillén, não podendo, de m odo algum , figurar ao lado dos ju ízo s realm ente
sumários.8 A sum ariedade diz respeito, em síntese, ao procedimento, não ao processo.
4
Sobre os procedim entos sum ários com cogn ição plena e exauriente em geral, cf. O víd io Baptista
da Silva. C urso d e p ro ce sso civil. São Paulo: RT, v. 1, 1998, p. 147. Para o processo sumário civil,
A lexandre Freitas Câmara. D o s p ro ced im en to s sum ário e sum aríssim o. R io de Janeiro: Lúmen
Júris, 1996, p. 13. N ão tem razão Joel D ias Figueira Júnior quando afirma haver o legislador, com
a L ei n° 9 .2 4 5 , ex clu íd o do âmbito d o procedim ento sumário c iv il causas envolvendo “cogn ição
de m aior amplitude” (N o vo p ro ced im en to sum ário. São Paulo: RT, n. 20, 1996, p. 126). C om o
todas as ações sujeitas ao procedim ento sumário são de cognição plena e exauriente, pretender
distingui-las pela m aior ou m enor am plitude da cognição m ostra-se equivocado.
5
G eorgius Luís A . P. Credidio. Sobre o procedim ento sum aríssim o trabalhista. In: S u m aríssim o,
Porto A legre: H S, 20 0 0 , p. 71. Para m aior d esen volvim ento do tema, sob a ótica do direito proces­
sual civ il, K azuo Watanabe. D a co g n içã o no p ro ce sso civil. São Paulo: R evista dos Tribunais,
1987, p. 83 e ss.
6
Sobre a tutela sumária, amplamente, Andrea Proto Pisani. La tu tela sonunaria em A ppunti sulla
g iu stizia c iv ile , Bari: C acucci, 1982, p. 313 e ss. D o m esm o autor, L ezioni d i diritto p ro ce ssu a le
civile. N apoli: Jovene, 1994, p. 6 0 1 -6 0 5 . C f., ainda, L uigi M ontesano. La tutela g iu risdizion ale
d e i d iritti. Torino: UTET, 1994, p. 291 e ss.
7
L ucio Lanfranchi. P rofili siste m a tic i d e i p ro ced im en ti d eciso ri som m arí em R ivista T rim estrale
d i D iritto e P ro ced u ra C ivile, M ilano, n. 1, p. 98, 1987. N ão existe, advirta-se, vinculação absolu­
ta entre cognição sumária e provim ento instável, porque tanto há provim entos instáveis decorren­
tes de cogn ição plena e exauriente com o, ao contrário, provim entos estáveis resultantes de cogn ição
sumária.
8
E lju ic io ord in á rio y lo s p le n á rio s rá p id o s. Barcelona: B osch, [s.d.], p. 55-56. Cf., ainda, sobre os
ju ízo s ordinários, plenários rápidos e sum ários, A ugusto M orello. Ju icios su m ários. La Plata:
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E m sendo assim , a cognição desenvolvida no procedim ento sum aríssim o
trabalhista com preende o exam e de todas as questões de fato e de direito relacionadas
com o litígio, sem lim itações preestabelecidas. O fundam ento do pedido não fica
lim itado a certas m atérias, com exclusão da p ossibilidade de invocação de outras,
com o ocorre, para m encionar apenas um a hipótese, na ação de m andado de segurança,
em que som ente se pode pleitear a tutela de direito líquido e certo.9 Tam pouco as
m atérias de defesa suscetíveis de alegação sofrem restrição, tal com o se dá nos
caso s dos arts. 1.054 do C P C , ou 36, p a rá g ra fo ú n ic o , d a L e i n° 6,5 1 5 , A
inconstitucionalidade da lei, com o fundam ento p ara o p edido ou p ara a defesa, p o r
exem plo, poderá ser discutida e debatida no procedim ento sum aríssim o, inclusive
com eventual afirm ação incidental da invalidade da norm a jurídica. D e idêntica
form a, as cham adas questões de alta indagação, referidas no art. 984 do CPC, entre
as quais a ju risp rudência já incluiu o debate sobre a validade de docum entos,10
sobre a necessidade de realização de licitação11 ou, ainda, sobre dom ínio de im óvel,12
cabem perfeitam ente no procedim ento sum aríssim o, de m odo que, quando relevantes
para a solução do dissídio, não poderão deixar de se resolver, descabendo rem essa
das partes para ulterior discussão. Caso assim se faça, haverá injustificável denegação
da tutela devida à p arte,13 com com prom etim ento da validade do julgado.
Platense, v. 1, 1968, p. 46 -4 7 ; Juan M ontero Aroca, M anuel Ortells R am os e Juan-Luis G om ez
C olomer. D erech o ju risd ic cio n a l. Barcelona: B osch, v. 2, 1o, 1989, p. 523-525; e, m ais recente­
m ente, ainda que de m odo bastante lim itado, José O valie Favela. D erech o p r o c e s a i civil. M éxico:
Harla, 1994, p. 46.
9
C onfira-se, no particular, o seguinte expressivo precedente: “A assertiva de que a impetrante não é
sucessora da em presa reclamada e x ig e o exam e d e fatos e provas, o que não se coaduna com a ação
mandamental, caracterizada pela cogn ição sumária estribada em prova pré-constituída que não
dem ande m aiores d ilações probatórias”. (T ST - S B D I II - R O A G 5 8 0 4 2 -2 0 0 2 -9 0 0 -0 9 -0 0 - R el.
M in. Barros L evenhagen - J. 2 9 .1 0 .2 0 0 2 , in: D JU de 2 2 .11.2002)
10
“Processual c iv il. A ção de reconhecim ento e d issolução de sociedad e de fato. D em anda proposta
pelo esp ó lio da concubina. Partilha de bens havidos na constância da união livre. R ecursos esp e­
ciais. 1. C arência de ação decretada na origem , ante a ex istên cia de docum en to de quitação
patrim onial recíproca firm ado p elos concubinos não descon stituíd o previam ente pelo esp ó lio prom ovente. 2. A legação de falsidade da assinatura lançada pela concubina, n o referido docum en­
to. 3. C ontrovérsia agravada pela não-exibição do docum ento que, apesar de transcrito em registro
pu blico (aliás, d eficiente), ali não se conservou. 4. C ertidão de registro, cuja publicidade, por sua
deficiência, não tem o condão de retirar do docum ento sua natureza de instrum ento particular. 5.
M atéria de alta indagação, carente de dilação probatória...” (STJ - 4* T. - R Esp. 5038/P R - R ei.
M in. B ueno de Souza - J. 3 1 .0 8 .1 9 9 3 , in: D JU de 0 7 .0 3 .1 9 9 4 , p. 3.665)
11
“A necessidade ou não de realização de licitação para contratação de serviços publicitários en v o l­
v e questão de alta indagação..." (STJ - CE - A P N 15/M S - R ei. M in. B u en o de S ou za - J.
11.1 0 .1 9 9 0 , in: D JU de 0 4 .0 2 .1 9 9 1 , p. 5 58)
12
“A rrolam ento. D isputa do dom ínio de im óvel. Questão de alta indagação...” (STJ - 3" T. - REsp.
2 9 .0 8 0 /P R - R ei. M in. N ilson N aves - J. 0 5 ,1 0 .1 9 9 3 , in: D JU de 2 9.11.1993, p. 25.8 7 5 )
13
“A entrega da prestação jurisdicional caracteriza-se pela apreciação das alegações das partes e
pela obediência aos lim ites da lide. A falta de apreciação de qualquer aspecto veiculado adequada­
m ente pela parte caracteriza a hipótese de om issão...” (T ST - S B D I 1 - Proc. E D -E -R R 1 58.659/
95 - R ei. M in. R onaldo L opes Leal - DJ n° 2 4 1 /9 7 , in; João de Lim a Teixeira Filho. R ep ertó rio de
ju risp ru d ên cia tra b a lh ista . R io de Janeiro: Renovar, v. 7, em enta n° 1.538, 1999, p. 439)
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O que se deve ressalvar, apenas, é a possibilidade de incidência de lim ites
com o o im posto pelo parágrafo único do art. 872 da CLT, o qual, na verdade, não é
peculiar ao procedim ento sum aríssim o, relacionando-se com a ação de cum prim ento
em geral, independentem ente da form a do respectivo processo.14
3 L IQ U ID E Z D A SEN TEN Ç A
O texto, aprovado pelo Congresso N acional, da Lei n° 9.957 não adm itia, no
procedim ento sum aríssim o, a proláção de sentènça condenatória ilíquida (art. 852-1, §
2o). Vetou-se o dispositivo contendo a proibição, sob o argumento de que a necessidade
de liquidação da sentença poderia atrasar a sua prolação. O veto não fez desaparecer,
todavia, a exigência de prolação de sentença líquida, que passa a decorrer não de
norm a expressa da legislação trabalhista, m as de aplicação subsidiária do parágrafo
único do art. 459 do C PC ,15 perfeitam ente com patível com o processo do trabalho.
D e fato, sendo necessariam ente certo o pedido no procedim ento sum aríssim o
(CLT, art. 852-B, I), torna-se defeso ao juiz, ao apreciá-lo, proferir sentença ilíquida.
N ão lhe é dado, com o registra A thos G usm ão C arneiro, dissociar o an do quantum
debeatur.16
A exigência de sentença líquida não significa, ao contrário do que pareceu a
alguns, im posição de sim ples indicação da condenação, dispensada a “indicação de
seu valo r em m oeda corrente” .17 T oda sentença deve conter sem pre o objeto da
condenação, não se im aginando julgado incerto (parágrafo único do art. 460 do CPC).
E nula a sentença que não indica esse objeto. Logo, o preceito do parágrafo único do
art. 459 do CPC significa algo m ais do que a m era necessidade de indicação do objeto
da condenação, N ão significa, evidentem ente, im posição de estabelecim ento de
com ando com “valor fixo e determ inado”.18 N ão deixa de ser líquida a obrigação que,
certa em sua existência, reclama, para determinação de seu valor, operações aritméticas
14
“A ção de cumprimento. Objeto. Lim ites. N ão havendo o efeito suspensivo da decisão normativa
objeto de recurso, a lei permite o ajuizamento de ação de cumprimento a partir do 20° dia subseqüen­
te ao julgam ento (Lei n° 7.701/88), não lendo sido revogado o parágrafo único do art. 872 da CLT,
que veda que se discuta nela matéria de fato ou de direito já apreciado na decisão impugnada.” (TRT
- 12“ R eg. - 1“ T. - A c. 9801/97 - Rei. Juiz César Nadai de Souza, in: DJSC de 01.09.1997, p. 132)
15
“É v edado ao ju iz proferir sentença ilíquida, se o pedido formulado pelo autor apresenta-se certo e
determ inado.” (TR F - 3a Reg. - 2“ T. - A C 9 3 0 3 1 1 2 2 3 4 8 - R el . Juiz Souza Pires - J. 10.05.1994,
in: DJ de 3 1 .0 8 .1 9 9 4 , p. 47 .43 9)
16
A u diên cia d e instrução e ju lg a m en to e a u d iên cias p relim inares. R io de Janeiro: Forense, n. 196,
20 0 0 , p, 156. Em sentido contrário, considerando não incidir, no procedim ento sum aríssim o tra­
balhista, a regra do parágrafo ún ico do art. 45 9 do CPC. V ólia B om fim Cassar. P rocedim en to
sum aríssim o. Suplem ento Trabalhista. São Paulo: LTr, n. 152, 2000, p. 834.
17
Gustavo Filipe Barbosa Garcia. A obrigatoriedade da sentença líquida no processo do trabalho. In:
18
E sse o co n ceito de liquidez em M . Seabra Fagundes. O controle d o s a to s adm in istrativos p e lo
P o d e r Judiciário. R io de Janeiro: Forense, n. 1 1 7 ,1957, p. 357. N o m esm o sentido, C lóvis Beviláqua
considera líquidas as obrigações “de corpo certo, de quantidade fixa". ( C ódigo C ivil com en tado.
São Paulo: Francisco A lv es, v. V, 1947, p. 312)
R evista N acional d e D ireito do Trabalho, Ribeirão Preto: Nacional de Direito, v. 50, p. 63, jun. 2002.
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fundadas em “un num ero-base g ià fissato p e r legge o p e r convenzione”.19 Aliás, a
doutrina tradicional, sintetizada nas palavras de Pothier, reputa ilíquidas as obrigações
quando e apenas quando “la chose ou la som m e q u i e st du e n 'e s t p a s encore
constatée”,20 Se, portanto, a som a devida já é conhecida, havendo apenas necessidade
de atualizá-la, não cabe falar em iliquidez,21 estando perfeitam ente satisfeita a exigência
do parágrafo único do art. 459 do CPC. A ssim , a exigência de liquidez da sentença
significa que a decisão há de conter o valor básico devido, em bora possa ficar a
atualização desse valor na dependência de operações aritméticas.
D e todo m odo, o descum prim ento dessa obrigação de indicação do valor
básico devido, im posta pelo parágrafo único do art. 459 do C PC, e subsidiariam ente
aplicável ao processo do trabalho, não pode servir de pretexto p ara que o reclam ado
pretenda anular a sentença.
E m prim eiro lugar, o parágrafo único do art. 459 do C PC contém regra editada
em atenção ao interesse do autor,22 que deduziu pedido certo. N ão tem o réu interesse
em invocá-la, se a sentença não se m ostra líquida.
A dem ais, a regra do art. 794, da CLT, afasta a anulação da sentença a pedido
do réu, po r descum prim ento do parágrafo único do art. 459 do CPC, tendo em vista
não lhe causar prejuízo a sentença ilíquida, m antida que fica a oportunidade para
discussão do quantum debeatur ao ensejo da liquidação (CLT, art. 879).23
A ssim , apenas o reclam ante está legitim ado a postular a anulação da sentença
que desresp eite o p arágrafo único do art, 459 do C P C .24 É , portanto, defeso à
19
Calamandrei. II p rocedim en to m onitoria c it., p. 66. Exatamente no m esm o sentido, C olin e Capitant.
20
Traité d e s o b lig atio n s. Paris: Librairie de L'Q euvre de Saint-Paul, n. 179, 1883, p. 79.
21
A ssim A ndrioli. C om m ento a l C odice di P ro ced u ra C ivile cit., v. III, p. 12; G iuseppe Tarzia.
P ro cesso ingiuntivo e riva lu ta zio n e m on etaria em R ivista d i d iritto p r o c e s su a le , n. 3, p. 496,
1979. N a doutrina nacional m ais antiga, por exem p lo, C osta M anso. Votos e .a c c o rd a m s. São
Paulo: Saraiva, 1922, p. 93. E na mais recente, com indicação de outros textos, Sérgio Shimura.
Título execu tivo. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 140; bem com o Araken de A ssis. M anual d o p r o ­
cesso d e execução. S ão Paulo; RT, 1998, p. 125. Em sentido contrário, porém, decidiu o Supremo
Tribunal de Justiça português que, dependendo de cálculo aritm ético a determ inação da quantia
exeqüenda, a obrigação 6 ilíquida. (A córdão de 11.01.1977, in: A b ílio N eto. C ódigo d e p ro ce sso
C o ttrs élém en taire d e d ro it c iv il fra n ça is. Paris: D alloz, tom e deuxièm e, n. 566, 1953, p. 396.
c iv il ano ta d o . Lisboa: Ediforum, 1997, p. 911)
22
Expressam ente em jurisprudência: “O parágrafo único do art. 4 59 do C ódigo de Processo C ivil se
destina ao autor, não em detrim ento do seu direito, quando fundado...” (STJ - 3“ T. - REsp.
12.792/P R - R ei. M in. D ias Trindade - J. 1 0 .09.1991, in: D JU de 30.0 9 .1 9 9 1 , p. 13.485). N o
m esm o sentido, ainda, STJ - 3º T. - REsp. 7 3 .9 3 2 - R el. M in. Carlos A lberto M en ezes D ireito - J.
23
A p lica -se ao caso, pois, a m áxim a bem evidenciada no seguinte julgado: “N o P rocesso do Traba­
lho, a declaração de nulidade do ato som ente pode ser levada a efeito quando houver prejuízo para
as partes, na forma do art. 794 da CLT”. (T ST - 2” T. - RR 6 3 5 .7 0 8 - R el. M in. José Luciano de
C astilho Pereira - J. 0 8 .1 0 .2 0 0 3 , in: D JU de 3 1 .1 0 .2 0 0 3 )
24
A idêntico resultado chega a jurisprudência civil, com o mostra o seguinte aresto: “N ão se deve
decretar nulidade da sentença na hipótese contem plada no parágrafo do art. 459, CPC, haja vista
0 3 .0 6 .1 9 9 7 , in: D JU de 16.02.1998, p. 85.
Rev. TST, Brasília, vol. 69, nº 2, jul/dez 2003
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D O U T R I N A
jurisdição recursal fazê-lo de ofício (CLT, art. 795, caput) ou m esm o ao reclam ado
alegar tal vício em seu benefício.
4 V ALOR D A C A U SA E L IM IT E D A C O N D E N A Ç Ã O
É freqüente, tanto em doutrina, com o em jurisprudência, a afirmação de que o
valor da causa corresponde ao benefício econômico pretendido pelo autor.25 E ssa idéia,
em sua excessiva generalidade, não se m ostra verdadeira. Prova-o, facilmente, a regia
do art. 260, do CPC, que, nas ações envolvendo prestações vincendas em período superior
a um ano, lim ita o valor da causa a m ontante inferior ao benefício econômico pretendido
pelo autor. Isso indica que o valor da causa não corresponde, em nenhum processo, nem
m esm o no processo civil, exata e necessariamente ao valor da pretensão deduzida.26
D aí porque, m esm o quando sirva o valor da causa para definir o procedim ento
cabível, não se transform a, salvo havendo norm a expressa dispondo de m odo diverso,
em lim ite para a tutela a ser prestada. Foi, aliás, o que já se decidiu a propósito do
procedim ento previsto na L ei n° 5.584.27
Pois bem , no procedim ento sum aríssim o trabalhista não existe regra tornando
ineficaz a parte condenatória da sentença excedente da alçada imposta, com o há na
L ei n° 9.099 (art. 39). E m conseqüência, nada obsta seja proferida sentença com
condenação superior ao lim ite legal para a utilização dessa espécie de procedim ento.
N ão haverá ineficácia28 ou m esm o nulidade da decisão. Fica igualm ente afastado,
que tal pronunciam ento contribuiria para retardar a prestação jurisdicional, contrariando o princí­
p io da celeridade, principal objetivo da norma. A dem ais, som ente o autor poderia argliir eventual
nulidade, de conteúdo relativo” (STJ - 4* T. - R Esp. 3267 4 /S P - R ei. M in. S álvio de Figueiredo
T eixeira - J. 3 0 .0 3 .1 9 9 3 , in: D JU de 0 3 .0 5 .1 9 9 3 , p. 7.8 0 1 ). N o m esm o sen tido, em doutrina,
H um berto Theodoro Júnior. C urso d e d ireito p ro ce ssu a l civil. R io d e Janeiro: F orense, v. 1, n.
4 9 3 -a , 2 0 0 0 , p. 4 4 9 .
25
E m doutrina, A ntôn io Cláudio da Costa M achado. M anual d o v a lo r d a causa. São Paulo: Saraiva,
n. 1.165, 1995, p. 2 3 4 . Em jurisprudência: “O valor a ser atribuído à causa d eve obedecer o valor
da vantagem econ ôm ica pretendida, por quem ingressa c o m a ação” . (1° Tribunal d e A lçada C ivil/
S P - 8“ Câm. - A I 3 1 2 .6 4 5 - R el. Juiz Silveira N eto, in: J u lgados d o s Tribunais d e A lç a d a C ivil
d e S ã o P a u lo , v. 84, p. 6 2 )
26
C om o observa com toda razão José G eraldo da Fonseca, “o que importa na fixação d o valor da
causa é o valor d o pedido e n ão o valor devido”. (C onto red ig ir a p e tiç ã o in icial d a a ç ã o tr a b a ­
lh ista d e rito sum aríssim o. R io de Janeiro: Forense, 2 0 0 1 , p. 18)
27
“Valor da causa. L im itação do pedido. O valor dado à causa, m orm ente se ilíquidos os pedidos,
visa ao estabelecim ento da alçada e à base d e cálculo das custas, no caso d e im procedência, não se
confundindo com o valor arbitrado para a condenação, p elo Juízo sentenciante, nem sofrendo o
últim o a lim itação ao valor do primeiro." (TRT - 12a R eg. - 3a T. - R O 1.802/96 - R ei. Juiz José
M anzi, in: João de L im a T eixeira F ilho. R ep e rtó rio d e ju rispru dên cia..., cit., v. 7, n. 5 7 3 ,1 9 9 9 , p.
171) E, ainda: “M andado de segurança. Valor de alçada não se confunde com valor da condena­
çã o ” . (TRT - 2a R eg. - S D I - Proc. 0 1 3 1 9 /2 0 0 0 -6 - A c. 2000025321 - R el. Juíza M aria A parecida
Pellegrina, in: D O E de 2 3 .0 1 .2 0 0 1 )
28
104
R eferindo-se a ineficácia, no caso, cf. Ricardo A ntônio M ohallem . R ito sum aríssim o. In: Traba­
lh o s d a E sco la J u d icia l d o TR T d a 3 a R eg iã o , B elo H orizonte, p. 204, ago. 1999 - jun. 2000.
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pois, o cabim ento de ação rescisória fundada nesse m otivo, ao contrário do que já se
pretendeu.29
N o te-se que po d e a superação do valor lim ite decorrer, p o r exem plo, de
m ulta com in ató ria diária ou de prestações vencidas d u ran te a tram itação do feito,
com o em ação tendo por objeto pedido de reintegração, com pagam ento de salários
vencidos e vincendos. E xcluir a exigibilidade dos valores ex cedentes do lim ite do
art. 852-A , d a CLT, o fenderia o art, 729, da CLT, que é reg ra geral, aplicável a
todos os procedim entos e não apenas ao procedim ento ordinário. A liás, até m esm o
no ju iz ad o especial cível, a despeito da regra do art. 39, da L ei n° 9.099, adm itese exceda a m u lta com inatória o lim ite de quaren ta salários m ín im o s.30
5 N A TU R EZA D O JU ÍZO
R eproduzindo a fórm ula existente no art. 5o, da L ei n° 7.244, e rep etid a no
art. 6o, da L ei n° 9.099, o §1 o do art. 852-I estab elece d ev a o ju lg a d o r adotar, em
p ro c e d im e n to su m a ríssim o , “ a d ec isã o que re p u ta r m a is ju s ta e eq u â n im e ,
atendendo aos fins sociais da lei e às exigências do bem co m u m ” . E sse preceito,
em bora não se ache redigido da m elhor form a e p o ssa d ar m argem a algum a
controvérsia, não investe o ju iz da prerrogativa de d ecid ir p o r eqüidade os litígios
p ro c e ssa d o s se g u n d o as re g ra s d a L ei n° 9 .9 5 7 . V á ria s são as ra z õ e s qu e
fun d am en tam tal conclusão.
E m p rim eiro lugar, julgam ento p o r eqüidade é sem pre ex cep cio n al,31 com o
m ostra, no direito brasileiro, o art. 127 do CPC. A reg ra é a p revalência do princípio
da legalidade, m esm o no D ireito do T rabalho.32 D aí que, sendo excepcional, não
po d e ter lu g a r senão quando haja expressa e clara p rev isão legal, p rev isão não
existente no § 1o do art. 852-I , que não se refere a ju lg am en to p o r eqüidade, m as
apenas a decisão equânim e,33 algo diverso, com o já m ostrou a doutrina.34
29
30
Amauri M ascaro N ascim ento. B reves o b se rv a ç õ e s so b re o p r o ce d im e n to su m aríssim o. Su p le­
m ento Trabalhista. São Paulo: LTr, n. 26, 2 0 0 0 , p. 133.
A ssim o Enunciado n° 25, formulado no VII Encontro N acional de Coordenadores de Juizados
E sp eciais.
31
Enrico T ullío Líebm an. C orso d i d iritto p ro cessu a le civile. M ilano: Giuffrè, n. 15, 1952, p. 51.
32
S em razão, n esse ponto, Zéu Palmeira Sobrinho, ao afirmar que no D ireito do Trabalho não se
aplica o art. 127 do CPC (D a eqü idade no p ro ced im en to sum aríssim o trabalh ista. Suplem ento
Trabalhista. São Paulo: LTr, n. 102, 20 0 0 , p. 5 85). F o sse assim , não se com preenderia a existência
da regra do art. 7 6 6 da CLT, e, mais ainda, não seriam previstos, no processo do trabalho, recursos
destinados a corrigir decisão proferida contra norma legal.
33
A essa conclusão já chegara a doutrina formada em face da L ei n° 7 .2 4 4 (cf. O víd io Baptista da
Silva. Ju izado d e p eq u en a s causas. Porto Alegre: LeJur, 1985, p. 16; e C ândido R angel Dinam arco.
M a n u a l d a s p e q u e n a s causas. São Paulo: R evista dos Tribunais, n. 4, 1986, p. 7). A m esm a
conclusão se m antém diante da L ei n° 9.0 9 9 (cf. Joel D ias Figueira Júnior. J u izados especiais...
cit., p. 91. Em sentido contrário, sem razão, porém, L uiz R odrigues Wambier. A pontam entos so ­
bre o s ju izad os esp eciais cív eis. In: R evista de P ro c esso , São Paulo, v. 82, p. 40, 1996).
34
A ntôn io A lvares da Silva. R ito sum aríssim o. In: T rabalh os d a E sc o la J u d ic ia l d o T R T d a 3 a
R eg iã o , B elo H orizonte, p. 2 3 6 -2 3 7 , ago. 1999 - jun. 2000.
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A dem ais, nos ju izad o s especiais da L ei n° 9.099, de onde se extraiu a regra
do § 1o do art. 852-I da CLT, o legislador, depois de m encionar, no art. 6o, que a
decisão deve em qualquer caso ser ju sta e equânim e, aludiu, no art. 25, à possibilidade
d e o árbitro “decidir por eqüidade” . E stivesse o poder de decidir por eqüidade previsto
j á n a g en é rica referên cia à decisão ju s ta e equânim e, o últim o p rec eito seria
com pletam ente ocioso, o que não se com preenderia.
P o r outro lado, houvesse a Lei n° 9.957 criado a possibilidade de ju lg am en to
p o r eqüidade, mal se explicaria o am plo cabim ento, para im pugnar o decidido, tanto
de recurso ordinário com o de recurso de revista, fundado o últim o inclusive em
divergência jurisprudencial qualificada. A inda que se adm ita um segundo grau de
jurisdição em juízo de eqüidade - o que não é impensável, ainda que não seja com um 35
- outro grau de jurisdição para reexam e da adequação do provim ento com o direito
positivo não faz nenhum sentido. C onform e observa A ntonio N asi, “p o i c h é n e l
g i u d iz io d 'e q u i t à n o n s i a p p lic a n o le n o r m e d i d ir itto , n o n s i p u ò r ic o r r e r e p e r
v io la z io n e o f a l s a a p p lic a z io n e d i ta li n o r m e ”.36 R ealm ente, “l ' im p u g n a z io n e d i u n
a tto g i u r i d ic o p r e s u p p o n e s e m p r e la r ic h ie s ta d i u n c o n tr o llo , d i u n a v e r ific a d e llo
s t e s s o ” - escreve C ario M aria de M arini. “M a n e l g iu d iz io d i e q u ità - prossegue o
m esm o autor - , in c u i la r e g o la m e n ta z io n e c o n c r e ta è s c e lta lib e r a m e n te d a l g iu d ic e ,
n o n p u ò p a r l a r s i d i v e r ific a e c o n s e g u e n te m e n te d i im p u g n a z io n e ” 37 C om o se vê,
a am pla previsão de recursos no procedim ento sum aríssim o m ostra que nele não se
exerce ju ízo de eqüidade.
F in alm ente, o fato de hav er o leg islad o r determ inado qu e o ju iz observe,
no ju lg a m e n to da controvérsia, os fins sociais da lei e das exigências do bem
com um não q u ebra o princípio da legalidade e tam pouco significa autorização
para p ro n ú n cia fundada em eqüidade. C uida-se, n a verdade, de critério aplicável a
todo e qu alq u er ju lg am en to , po r fo rça d a reg ra do art. 5o da L ei de In tro d u ção ao
C ódigo C ivil. N ão há nisso, portanto, nenh u m a novidade, e m uito m enos há
co n cessão de am pla liberd ad e ao ju lg a d o r, tornando m eram ente fac u ltativ a a
observ ân cia da lei.
Em síntese, não se exerce, no âm bito do procedim ento sumaríssimo, jurisdição
de e q ü id a d e ,38 nem m esm o p ara efe ito de d isp en sa de p ag am en to de cu stas
processuais, ao contrário do que já se pretendeu.39
35
N o direito italiano, por exem plo, não são apeláveis as sentenças
eqüidade, conform e art. 339, § 2o, do C o d ice d i P ro c ed ura C ivile.
de ju iz de paz proferida por
36
E quità em E n ciclo p éd ia de! diritto . Varese: G iuffrè, v. 15, 1966, p. 120.
37
Il g iu d izio d i equità nel p ro c e sso civile: p rem esse teorich e. Padova: C E DA M , 1959, p. 232.
38
S em razão, portanto, o seguinte julgado: “Procedim ento sum aríssim o e honorários sindicais...
(P ode) o Juízo julgar por equidade em casos de rito sum aríssim o (art. 852-I, § 1°, CLT)...’’. (T R T 15“ R eg. - 4 ª T. - R OS 3 3 0 5 9 - A c. 024 2 0 4 /2 0 0 1 - R e l. Juiz F lavio Allegretti de C am pos C ooper
- J. 0 4 .0 6 .2 0 0 1 , in: D O E de 0 4 .0 6 .2 0 0 1 )
39
N o ju lgam ento do R ecurso Ordinário n° 4 .0 0 8 , a 4ª Turma do Tribunal R egional do Trabalho da 8“
R egião, em acórdão de 1 8 .08.2001, relatado pela Juíza O dete de A lm eida A lv es, dispensou o
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D e todo m odo, a circunstância de não se haver autorizado julgam ento fundado
em eqüidade não significa deva o ju iz renunciar à b u sca d a solução m ais ju sta para
o caso concreto, observados os parâm etros estabelecidos pelo legislador. D e um
lado, a solução fundada na eqüidade não tem de estar necessariam ente em contraste
com a decisão em ergente da lei, tanto m ais quando tem perada a interpretação da
norm a pelos critérios estatuídos nos arts. 5o, da L ei de Introdução ao Código Civil,
e 8o, da CLT. D e outro lado, m esm o aplicando a lei, sem exercer, portanto, am plo
ju ízo de eqüidade, nunca se lim ita o ju lg ad o r a seguir, de m odo m ecânico e rígido,
esquem a puram ente silogístico, sem espaço para a consideração de circunstâncias
não previstas expressam ente na norm a a aplicar. C om o nota Couture, “n i el ju e z es
una m áquina de razonar ni la sentencia una cadena de silo g ism o s"".40N a verdade,
“interpretar o direito - disse m uito bem M iguel R eale - é trabalho axiológíco, e não
puram ente lógico, com o se se desenrolassem as conseqüências das leis m ercê de
sim ples dedução” .41 A decisão judicial não representa, portanto, m era decorrência
do direito positivo, nela se contendo não apenas interpretação do direito preexistente,
com o tam bém algo de criação do direito.42 C aracteriza, p ara em pregar a locução de
A lf Ross, o resultado de um paralelogram o de forças, em que o direito positivo é
apenas um dos com ponentes, ao lado de outros, com o a consciência valorativa do
julgador.43 P or isso m esm o Calam andrei distinguiu eqüidade em sentido individual
de eqüidade em sentido geral ou social.44 A primeira, que apenas corrige a im perfeição
do texto legislativo, não aspirando a estabelecer nova e diversa regulam entação,
m anifesta-se com m uito m ais freqüência do que se im agina e está inevitavelm ente
presente na aplicação do direito. D aí que, no fundo, a distinção entre ju ízo de direito
e juízo de eqüidade não é nem radical e tam pouco absoluta. É m uito m ais quantitativa
do que qualitativa. M enos liberdade para escolha da decisão em um caso, m ais
liberdade no outro. M as liberdade sem pre existe, em qualquer hipótese, não havendo
quem hoje acredite ser o ju iz “la bouche qui prononce les paroles de la loi, des êtres
inanim és qui n 'e n p eu v en t m odérer ni la fo rc e ni la rig u er” , com o p areceu a
reclam ante do pagam ento das custas, fazendo-o, com o consta da decisão, “por eqüidade”. M elhor
seria que se tiv esse observado o disposto no art. 789, § 9o, da CLT, então vigente, conced en do-se a
dispensa se verificada a m iserabilidade presumida ou, caso contrário, se provada efetivam ente
essa condição.
40
F u n d a m e n to s d e i d e re c h o p r o c e s a l c iv il. B u e n o s A ires: D e p a lm a , n. 182, 1 9 5 8 , p. 2 8 8 .
M odernam ente, para a crítica da concep ção silogística da sentença, M ich ele Taruffo. O sen so
41
F ilosofia d o d ireito . São Paulo: Saraiva, n. 105, 1982, p. 252.
42
N otou -o, co m muita clareza, Mauro Cappelletti em Juizes le g isla d o re s? Porto A legre: Fabris,
1993, p. 23 e ss.
43
D ireito e ju stiç a . São Paulo: Edipro, 20 0 0 , § 28, p. 168.
44
II sig n ifica to costitu zion ale d elle giu risdizion i d i equità em O pere g iu ridich e, N apoli: M orano, v.
3, 1968, p. 21. R epelindo a distinção, porém, E lio Fazzalari. Istitu zion i d i d iritto p ro ce ssu a le
civile. Padova: C E D A M , 1983, p. 255.
comum, ex p eriên cia e ciência no raciocín io d o ju iz. Curitiba: IBEJ, 20 0 1 , p. 17.
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M ontesquieu.45 A liás, a jurisprudência já se deu bem conta disso, sublinhando a
im portância de considerar o julgador, na busca da solução para a controvérsia, todos
os aspectos do litígio, de m odo a atingir decisão que seja não apenas legal, com o
tam bém adequada e, porque não o dizer, ju sta.46
C om o se vê, a afirm ação de que não é de eqüidade o juízo exercido no âm bito
do procedim ento sum aríssim o não significa deva o ju lg ad o r lim itar-se a aplicar, de
form a m ecânica, o texto legal. N em m esm o em ju ízo de pura legalidade isso ocorre.
45
D e l 'esprit d es lo is. Paris: Garnier Frères, t. 1, 1949, p. 171. E ssa doutrina remonta a C ícero, que
se referiu ao ju iz co m o “a lei falando”. (D as L eis, Livro III, n. 1, in: D e la republique: d es lois.
Paris: Garnier-Flammarion, 1965, p. 183)
46
C onvém mencionar, a propósito, a seguinte decisão do Supremo Tribunal Federal: “O fício judicante.
Postura do m agistrado. A o exam inar a lide, o magistrado deve idealizar a solução m ais justa,
considerada a respectiva form ação hum anística. Som ente após, cabe recorrer a dogm ática para,
encontrado o indispensável apoio, form alizá-la” (ST F - 2ª T. - RE 111.787/G O - R el . M in. M arco
A urélio - J. 16 .0 4 .1 9 9 1 , in: D JU de 13 .0 9 .1 9 91, p. 12.490). N a mesm a linha, assentou o Superior
Tribunal de Justiça: “E qüidade. Cláusula Penal. Eqüidade. Art. 127 do CPC. A proibição de que o
ju iz decida por eqüidade, salvo quando autorizado por lei, significa que não haverá de substituir a
aplicação do direito objetivo por seus critérios pessoais de justiça. N ão há de ser entendida, entre­
tanto, com o vedando se busque alcançar a ju stiça no caso concreto, com atenção ao disposto no
art. 5° da L ei de Introdução” (STJ - 3a T. - REsp. 4 8 .176-7 - R el. Min. Eduardo Ribeiro, in: D JU
de 0 8 .0 4 .1 9 9 6 , p. 10.469); e “A interpretação literal da lei cede espaço à realização do ju sto. O
m agistrado deve ser o crítico da lei e do fato socia l”. (STJ - 6 a T. - REsp. 177.018/M G - R el . M in.
L uiz V icente C ernicchiaro - J. 2 0 .0 8 .1 9 9 8 , in: D JU de 21.09.1998, p. 250)
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