O OUTRORA E O AGORA NAS REPRESENTAÇÕES DE
JOVENS E ADULTOS SOBRE A ESCOLA
Andrea da Paixão FERNANDES I [email protected]
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO E SECRETARIA MUNICIPAL DE
EDUCAÇÃO DO RIO DE JANEIRO
RESUMO
Este trabalho apresenta resultados de pesquisa realizada com estudantes da modalidade Educação de Jovens e
Adultos (EJA) e entrecruza três campos teóricos: EJA, memória e Teoria das Representações Sociais, realizando
uma interface entre memórias e representações sociais de estudantes do Programa de Educação de Jovens e
Adultos (PEJA) da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro. Participaram 207 estudantes, na faixa
etária de 14 a 85 anos, que tinham estudado em escola pública, saído e retornado à escola pública na EJA. A
análise de questionário aplicado aos estudantes e dos depoimentos orais revelou suas vozes por meio das
lembranças de escola e dos sentidos que atribuem à mesma. Buscou, ainda, conhecer as razões pelas quais
deixaram a escola, os motivos e as expectativas depositadas nesse retorno. Dialogamos com Moscovici, Jodelet,
Abric, dentre outros. A intenção metodológica associa a reconstrução das memórias de escola aos sentidos
atribuídos pelos sujeitos as suas trajetórias escolares, podendo construir pontes capazes de ligar passadopresente-futuro. Recorremos à Técnica da Evocação Livre de Palavras (Abric) e à Análise de Conteúdo (Bauer,
Bardin e Franco) considerando categorias que emergiram do processo de análise dos discursos e dos conteúdos
das respostas. A interpretação dos dados considera contextos sociais, culturais, históricos, econômicos,
políticos em que as representações sociais foram produzidas. Embora o sonho da escola como potencializadora
do futuro e caminho para entrada ou progresso no mundo do trabalho na sociedade brasileira do século XXI, a
permanência na escola e a conclusão da educação básica não sejam garantias de empregabilidade, os discursos
dos estudantes revelam movimentos que contribuem para a compreensão do “outrora” e do “agora” como
relacionais, ou seja, a expectativa depositada na escola para jovens e adultos possibilita esse entrelaçamento,
refletindo trajetórias vividas por esses estudantes.
PALAVRAS-CHAVE: educação de jovens e adultos, representações sociais, memórias.
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INTRODUÇÃO
Apresentamos resultados de pesquisa desenvolvida com estudantes da modalidade Educação
de Jovens e Adultos (EJA), articulando três campos teóricos a saber: EJA, memória e Teoria das
Representações Sociais (TRS) e realizando uma interface entre memórias e representações
sociais de estudantes do Programa de Educação de Jovens e Adultos (PEJA) da Secretaria
Municipal de Educação do Rio de Janeiro (SME/RJ)i.
Os principais referenciais que contribuem com esse delineamento são, no campo da TRS, Serge
Moscovici, Denise Jodelet, Jean-Claude Abric. A fundamentação da pesquisa nesse campo
conceitual pretendeu, também, identificar a relevância da TRS para a pesquisa no campo da
educação. Recorrendo, por sua vez, à Análise de Conteúdo (AC), buscamos dialogar com
Laurence Bardin, Martin Bauer e Maria Laura Puglisi Franco.
A pesquisa em tela teve por objetivo geral investigar, conhecer e analisar as lembranças e
memórias individuais dos estudantes da modalidade EJA em nível fundamentalii e as
representações que formularam sobre a escola da infância, relacionando com as vivências
escolares atuais.
Os jovens e adultos pesquisados são estudantes com idade compreendida entre 14 e 85 anos.
Estudam em turmas do PEJA I ou do PEJA II, em dez escolas cariocas, distribuídas
geograficamente pelo município. Esse movimento de rememoração potencializa não só
repensar a relação estabelecida com a escola dos tempos de outrora, mas também a relação
que estabelecem com a escola de agora, da EJA, e suas expectativas.
1. A ESCOLARIZAÇÃO PARA JOVENS E ADULTOS NAS ESCOLAS PÚBLICAS
MUNICIPAIS DO RIO DE JANEIRO E OS SUJEITOS DA PESQUISA
A proposta que originou o PEJA nasce, em 1985, com a denominação de Projeto de Educação
Juvenil (PEJ). Visava alfabetizar adolescentes e jovens com idade entre 14 e 20 anos, e que
apresentavam defasagem idade-série. Com o passar dos anos, a demanda pelo projeto foi
dando indícios de que se precisava ir além... não só no que se refere à faixa etária, como
também em relação à etapa de escolarização atendida, ampliando-se o atendimento à
sociedade que dele demandava. De um projeto que tinha como foco a alfabetização, ampliouse para a oferta de escolarização correspondente aos anos iniciais do Ensino Fundamental e,
posteriormente, aos anos finais. O PEJ passou, então, a se denominar Projeto de Educação de
Jovens e Adultos e, a partir de 2005, por meio do Parecer CME/CEB nº 06/2005, Programa de
Educação de Jovens e Adultos e se constitui como a oferta da modalidade EJA pela SME/RJ.
Considerando-se à organização espacial e administrativa da SME/RJ, à época da pesquisa, em
dez Coordenadorias Regionais de Educação (CRE), foram escolhidas as escolas de EJA que
participariam da pesquisa, bem como seus estudantes. Sobre os estudantes, o primeiro critério
foi desenvolver a pesquisa com sujeitos que tinham vivido a experiência escolar da infância em
instituição pública, saído da escola e retornado na modalidade EJA. Esses jovens e adultos
também precisavam morar no bairro de localização da escola ou em seu entorno. Logo, a
escolha dos participantes da pesquisa esteve atrelada à escolha das dez escolas participantes,
655
sendo uma em cada CRE, desde que atendessem a sua vizinhança, ou seja, contemplassem o
critério de moradia dos estudantes matriculados. Em cada uma dessas escolas foi selecionada
uma turma composta, majoritariamente, por estudantes oriundos de escola pública.
A primeira etapa da pesquisa foi composta de aplicação de questionário a 207 estudantes.
Descartados os questionários dos jovens e adultos que não haviam estudado antes do PEJA ou
daqueles que migraram diretamente da escola regular para a EJA, a amostra ficou definida em
138 sujeitos, compondo-se, então, o grupo com o qual trabalhamos para a análise dos dados
que permitiram, por meio da TRS, conhecer as expectativas desses sujeitos no retorno à
escola, os motivos que provocaram tal movimento e, também, as lembranças que têm da
escola de outrora e os motivos de saída daquela escola.
2. A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E A PESQUISA EM EDUCAÇÃO
2.1. O QUE É TRS?
O campo de estudos das Representações Sociais (RS) considera a articulação de saberes
constituídos socialmente. Permite estabelecer ligações ou campo de relações que produzam
novos saberes a partir do que se conhece ou do que se deseja conhecer.
Para compreender como determinados saberes transcendem os espaçostempos de seus
grupos e são ressignificados por outros grupos, Moscovici dedicou-se a estudar como se
constituem os processos pelos quais as formas de manifestação do pensamento cognitivo são
consensuados por esses grupos, considerando as possibilidades de conceitos científicos serem
transformados em saberes do senso comum.
De acordo com Franco (2004), para se estudar e pesquisar RS é essencial conhecer os
contextos dos quais os indivíduos participam. É necessário, então, realizar “análise
contextual”. Nas palavras de Franco (2004: 170), tal necessidade se apresenta por que
[...] as representações sociais são historicamente construídas e estão estreitamente vinculadas
aos diferentes grupos socioeconômicos, culturais e étnicos que as expressam por meio de
mensagens, e que se refletem nos diferentes atos e nas diversificadas práticas sociais.
Considerando toda relação como social e percebendo que essa relação se estabelece entre
sujeitos e com o mundo, concordamos com Jodelet (2001: 22) ao destacar que as RS como
sistemas de orientação “orientam e organizam as condutas e as comunicações sociais”, sendo,
portanto, uma forma de conhecimento de si e do outro (sujeito ou objeto) e, por sua vez, do
mundo e dos contextos societários nos quais esses sujeitos e objetos se inserem.
De acordo com as análises de Moscovici, a relação indivíduos – saberes – objetos – mundo
provoca nas representações um movimento de mudança que pode variar entre os grupos, de
tempos em tempos e, ainda, de um modelo de civilização para outro. Para Moscovici, esse
movimento que é relacional reconhece “que as representações são ao mesmo tempo
construídas e adquiridas. [...]. Não são os substratos, mas as interações que contam”
(Moscovici, 2001: 62).
656
2.2. A TRS NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO
Compreendendo-se a RS como pensamento do senso comum, é importante considerar que
esse pensamento projeta o sujeito pesquisado à posição de quem constrói teorias a respeito
desse senso comum para lidar com a escola, sua complexidade e compreendê-la. Para essa
investigação que tem como eixo a pesquisa em educação para pessoas jovens e adultas, a
contribuição da TRS possibilita reconhecer como os sujeitos estudantes tecem seus
movimentos em relação à escola, sendo possível mapear os sentidos que esses estudantes
atribuem aos movimentos de idas e vindas para a escola.
Nessa perspectiva, a educação se articula à condição humana e aos movimentos desenvolvidos
pelos sujeitos no qual o potencial de educar se faz presente, considerando diferentes culturas
e contextos sociais, saberes e possibilitando que cada ser humano seja, permanentemente,
ensinante e aprendiz. As situações vividas refletem as experiências de sucesso e de fracasso
nas relações entre os estudantes e a instituição escolar.
A articulação entre ensinar e aprender como um movimento contínuo, de compartilhamento
constante remete-nos a dialogar com Paulo Freire que considera o ensinar-aprender através
das trocas estabelecidas entre os sujeitos e, assim, por meio do diálogo com os saberes de si e
dos outros, respeitando esses saberes e valorizando-os. No movimento dialógico de ensinaraprender
[...] o educador já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em diálogo
com o educando que, ao ser educado, também educa. Ambos, assim, se tornam sujeitos do
processo em que crescem juntos e em que os “argumentos de autoridade” já não valem. Em que
para ser-se, funcionalmente, autoridade, se necessita de estar sendo com as liberdades e não
iii
contra elas (Freire, 1987: 68).
Nesse movimento de ser ensinante-aprendiz os sujeitos vão se fazendo críticos, manifestando
seus interesses, saberes e leituras de mundo. Tais leituras permitem elaborar representações
dos estudantes da EJA sobre o que valorizam em suas práticas discentes e em relação à escola.
2.3. REFERENCIAIS E CORRENTES
Dialogamos com duas correntes do campo da TRS: a processual e a estrutural. Para tanto, os
instrumentos metodológicos construídos foram elaborados considerando essa amplitude.
A abordagem processual proposta por Jodelet se constitui como importante fundamentação
ao possibilitar atribuir à TRS um caráter mais qualitativo a partir da compreensão do fenômeno
estudado. A relação estabelecida entre os sujeitos pesquisados e o objeto da representação
precisa ser considerada por meio das subjetividades, dos discursos construídos pelos
indivíduos sobre as suas práticas e vivências escolares, incluindo-se as relações que
estabelecem com o processo de aprendizagem e os sentidos atribuídos ao aprender para suas
vidas. São aparentes as interpretações, leituras e representações que esses sujeitos elaboram
sobre suas trajetórias escolares. Assim, “procura conhecer os processos de formação de uma
representação social com o objetivo de buscar suas condições sociais de produção, assim
como as práticas sociais que as geram e as justificam” (Maia, Alves-Mazzotti, Magalhães, 2010:
5).
657
Em outra linha e considerando-se também a abordagem teóricaiv criada por Moscovici,
ressalta-se a referência de Abric e demais autores que têm contribuído com a abordagem
estrutural. No decorrer da análise da pesquisa fundamentada prioritariamente neste último
referencial, analisamos as representações que estudantes captam sobre a escola pública, além
da organização da representação sobre a mesma a partir de dois sistemas – central e
periférico. Esta abordagem, entretanto, permite a elaboração da teoria do núcleo central que,
segundo Sá (1998: 76), “se ocupa mais especificamente do conteúdo cognitivo das
representações, mas concebendo-o como um conjunto organizado ou estruturado, não como
uma simples coleção de idéias e valores”, sendo essa a mais relevante contribuição da
abordagem estrutural.
Segundo Abric (2000: 30), “uma representação é constituída de um conjunto de informações,
crenças, de opiniões e de atitudes a propósito de um dado objeto social”, que, no caso desta
pesquisa, materializa-se pela escola. A existência de um sistema duplo de representação que
reúna características básicas das representações que, embora aparentemente contraditórias,
sejam complementares entre si, possibilita que tais representações apresentem marcas de
consensualidade, por um lado, mas também de diferenças individuais, por outro.
3. CAMINHOS METODOLÓGICOS
Ao se definirem as trilhas durante o percurso da caminhada pela TRS, as abordagens
qualitativas se associaram às quantitativas. Não há, claramente, um limite entre um modelo e
outro de abordagem para a pesquisa, pois, em RS, ambas podem ser complementares,
permitindo “um olhar processual sobre uma dada representação ou uma visão estrutural da
mesma” (Oliveira, 2005: 88), ou seja, uma flexibilidade metodológica, além de alguns trajetos
poderem ser definidos no percurso.
A construção da metodologia, deste ponto de vista, não tem o propósito de estabelecer fórmulas
aplicáveis indistintamente, mas se torna, ao lidarmos com RS, como na antropologia ou na
história, um trabalho artesanal, que não se inicia nem se encerra na coleta de dados, mas começa
antes, nas condições de produção das representações, prossegue longamente na sua
interpretação e ainda provoca o pesquisador ao final da pesquisa com a incessante pergunta: E
agora, José? (Arruda, 2003: 20).
A interpretação dos dados da pesquisa considera os contextos sociais, culturais, históricos,
econômicos, políticos em que as representações foram produzidas, povoadas pelos sentidos
que os sujeitos participantes atribuem, nesse caso, à escola pública e as suas trajetórias
trilhadas.
Para analisar as representações e os sentidos atribuídos pelos estudantes às suas trajetórias
escolares a partir dos movimentos de saída e de retorno à escola, consideramos basicamente
duas abordagens metodológicas: a técnica de evocação livre de palavras (TELP), apoiada em
Abric (2000), e de análise de conteúdo, apoiada em Bardin (2011), Bauer (2008) e Franco
(2008).
A representação sobre os acontecimentos do passado que se materializa pelas lembranças que
os jovens e adultos pesquisados têm sobre a escola da infância aparece tanto em parte das
perguntas abertas, como na pergunta “o que vem à sua mente quando você ouve falar em
658
escola pública?”. A TELP ao buscar reconhecer os sentidos atribuídos à escola pública pelos
estudantes possibilita o levantamento de elementos centrais e periféricos das representações.
As análises decorrentes da aplicação dessa técnica possibilitam dialogar com as lembranças
que esses jovens e adultos têm da escola da infância, bem como com as expectativas que têm
na escola de agora.
O trabalho com a AC se aproxima da ação do garimpeiro, do artesão ou do arqueólogo, sendo
necessário ao pesquisador enveredar por trilhas que sejam reveladoras de matérias primas ou
de vestígios que contribuam para constatações esclarecedoras para a construção da análise
dos dados empíricos. A esse movimento de garimpar, associa-se a classificação de elementos
textuais em gavetas metafóricas, de acordo com critérios que produzam sentidos. Ao organizar
em gavetas os conteúdos manifestados pelas/nas entrevistas ou pelos questionários
respondidos, revela-se a necessidade de se construírem categorias que produzam
agrupamentos desses conteúdos a partir de critérios de classificação previamente
estabelecidos e que permitam compreender os sentidos atribuídos às respostas emitidas pelos
sujeitos e às significações surgidas pela mensagem emitida.
A “leitura flutuante” ou exaustiva do material possibilita a percepção dos caminhos para
formulação de hipóteses sobre o revelado em relação à pergunta feita ou ao roteiro da
entrevista, de forma a reconhecer as representações sociais e os sentidos produzidos sobre a
temática. As questões balizadoras referem-se à lembrança da escola da infância, motivo de
saída, de retorno e o que esperam da escola da EJA, na sequência em que apareceram e,
assim, foram extraídas as unidades de registrosv (palavras, frases ou expressões) e criadas
categorias temáticas que foram construídas durante o processo de análise, emergindo dos
conteúdos das respostas. Foram consideradas também as frequências de ocorrências e a
proximidade semântica dos enunciados revelados, delineando-se núcleos de sentidos.
4. ANÁLISE DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DOS ESTUDANTES DA EJA
Considerando a abordagem estrutural das RS, com a TELP, a partir do termo indutor “escola
pública” 137 estudantes participantes responderam à pergunta “O que vem a sua mente
quando você ouve falar em escola pública?”.
Após a tabulação das respostas e constituição do corpus considerando-se aproximações de
forma a transformar frases, expressões e palavras utilizadas em maior grau possível de
homogeneização, foi realizado o tratamento dos dados pelo software EVOC, que possibilitou a
seguinte distribuição das evocações, considerando-se a ordem média da evocação (OME) e a
sua frequência, com o termo indutor “escola pública” (Quadro 1).
QUADRO 1
DISTRIBUIÇÃO DAS EVOCAÇÕES SEGUNDO A ORDEM MÉDIA DE EVOCAÇÃO (OME)
E SEGUNDO A FREQUÊNCIA DE EVOCAÇÕES, COM O TERMO “ESCOLA PÚBLICA”
Frequência >= 12
Frequência >= 12
OME < 2,8
OME >= 2,8
659
Aprender ler e escrever
Aprender
Boa
Ensino
Estudar
Professor
12
32
24
15
31
48
1,917
2,156
1,625
1,733
2,097
2,792
Frequência < 12
OME < 2,8
Direito
Educação
Escola gratuita
Escrever
Indisciplina
Ler
Oportunidade
Organização
Perda
Ruim
Ser melhor
Amigos
Brincar
Direção
Escola
Merenda
Superação
28
14
14
16
14
14
3,429
3,000
3,571
3,188
3,071
3,143
Frequência < 12
OME >= 2,8
6
10
5
9
8
10
6
5
5
5
7
2,667
2,600
2,400
2,222
2,250
2,300
2,333
2,400
2,000
2,400
1,571
Afetividade
Alegria
Alunos
Convivência
Emprego
Força de vontade
Frequência
Limpeza
Matemática
Nada
PEJA
Provas
Recreio
Respeito
5
5
11
9
7
5
5
6
11
5
5
5
7
9
4,800
3,600
3,273
3,111
4,286
3,000
3,800
3,833
3,091
3,000
3,400
3,600
3,143
3,333
Ao analisarmos as palavras evocadas pelos estudantes, percebe-se a representatividade da
palavra professor, articulada ao aprender, como um ato em si, ao aprender a ler e escrever, a
ensino, a estudar. Palavras que se apresentam no primeiro quadrante, compondo o possível
núcleo central da representação, com alta frequência e mais prontamente evocadas.
Percepções positivadas da escola pública são visíveis em diferentes palavras ou expressões que
compõem cada quadrante. No primeiro quadrante, todas apresentam positividades. Centramse na objetivação da funcionalidade da escola pública, de seus processos e atores. A palavra
evocada mais vezes, professor, reúne aspectos de positividade e de negatividade, mas que,
independente desses aspectos, garantem centralidade à figura do professor no contexto da
escola pública.
No segundo quadrante (primeira periferia), identificamos a escola como lugar de superação,
embora esta palavra reúna uma baixa frequência. Outra palavra frequente neste quadrante é
amigos e apresenta a ideia de socialização. Os sujeitos que frequentam o PEJA trazem, tanto a
expectativa de superação dos desafios que a vida lhes impôs, como o identificam como espaço
de convivência; lugar onde se faz amigos. Ambos, superação e amigos, são ancoragens aos
processos escolares que, no quadrante anterior, fizeram-se centrais.
A zona de contraste (segunda periferia) da representação ou terceiro quadrante apresenta a
escola pública como lugar de múltiplas possibilidades. É o lugar de escrever, ler, da educação,
da oportunidade e do direito. Escola é, portanto, um direito e uma oportunidade para esses
jovens e adultos. Ao relacionar com os princípios que constituem a educação e a EJA no Brasil,
a palavra educação pode ser compreendida na perspectiva do direito público subjetivo e
escola pode ter o sentido de espaço de implementação desse direito. Logo, interpretamos que
se ancoram neste quadrante perspectivas em processo de conquista, uma vez que o acesso a
660
EJA é um direito que ainda revela uma novidade em incorporação e consolidação no cenário
educacional brasileiro. Esses sujeitos começam a se apropriar disso e a se utilizarem dessa
ferramenta cidadã.
No quarto quadrante, mesmo destacando-se as palavras matemática e alunos, privilegiando a
ideia de escola como espaço do aprender, há uma profusão de elementos que revelam
esquemas e preocupações individuais em suas vidas cotidianas. Essas preocupações podem ser
somadas àquelas registradas no quadrante periférico anterior. A ideia de preocupação não traz
sentido necessariamente negativo, pois algumas expressões deste quadrante periférico
reforçam positividades, voltadas às relações de convívio e sociabilidade (afetividade, alegria,
convivência, recreio e frequência). Tais expressões ampliam os papéis escolares citados no
segundo quadrante, relacionados aos processos de socialização cada vez mais requeridos
nas/das escolas públicas.
Outras palavras se sobressaem pelo sentido de negatividade da escola: indisciplina, perda e
ruim no terceiro quadrante e limpeza e respeito, no quarto. Essa existência corrobora o fato de
que os esquemas periféricos comportam, na organização e na estrutura das representações,
contradições e críticas ao que se apresenta como idealizado em seus núcleos. Reafirmamos
que os sujeitos revelam preocupações sobre a escola e registram apreensões sobre situações
vividas em seu cotidiano e para além de seus “muros”, o que exige força de vontade para
superar desafios.
Ainda como preocupação está o emprego; algo concreto para aqueles que possuem carteira
assinada ou mesmo que têm “trabalho certo”, mas não vivido e incerto para muitos que,
inclusive, não sabem se a escola poderá significar, de fato, a condição necessária para
consegui-lo. Há emaranhados de ancoragens que se entrecruzam reforçando ou questionando
o núcleo centrado na valorização dos processos escolares voltados ao aprendizado, ao ensino,
ao estudo e aos professores da escola vistos positivamente.
As análises consideraram também quatro perguntas que faziam referência às lembranças da
escola de outrora e motivos da saída e às expectativas em relação à escola de agora e os
motivos do retorno. Para essas questões utilizamos a AC, conforme anteriormente explicitado.
Considerando-se as leituras dos estudantes sobre a escola, aplicando-se a metodologia da AC,
identificamos as categorias temáticas: trabalho, aprender, socialização, professores, escola,
questões familiares, projeção no futuro e, por fim, nada lembra. Essas trazem como
subcategorias a manifestação presente nos registros dos sujeitos sobre a relação passada com
a escola e, também, sobre a presente-futuro. O trabalho de categorização pautou-se nas bases
da análise categorial-temática considerando as dez palavras ou termos mais frequentes em
cada conjunto de perguntas respondidas.
Entre as expressões que retratavam pela AC as lembranças da escola da infância e os motivos
de saída, destacamos para esse trabalho a categoria trabalho. Nesse caminho, a organização
da subcategoria “para trabalhar” ocupa posição de maior destaque ao revelar expressiva
menção feita pelos estudantes nas respostas aos questionários, servindo para confirmar a
hipótese ou inferência de que o trabalho é um eixo temático significativo para o grupo
pesquisado, permitindo refletir sobre os motivos da saída da escola. É significativa a referência
à necessidade de sobrevivência como motivo de saída da escola, ou seja, a necessidade de
661
terem algum rendimento para contribuir financeiramente com a família, o que gera a
demanda por trabalhar. O que para a maioria se constitui como necessidade, o trabalho na
roça como meio de subsistência familiar ou mesmo na cidade grande para os migrantes do
meio rural é fortemente demarcado nas respostas. Apresenta-se ainda como opção para que
outros irmãos estudem, trazendo para essa categoria reflexos da condição de vida e do
contexto de pobreza em que vivem.
Os motivos de saída da escola expressos pelas respostas trazem à tona situações em que os
sistemas de ensino e as políticas públicas para a educação precisam continuar se ocupando em
busca de respostas. A saída da escola da infância ou adolescência por “mudança/migração
para a cidade grande” e por “falta de escola/concluiu o primário”, embora não apresente
frequências altas se considerarmos o total de sujeitos e apontem uma situação de passado,
são relevantes para que se continue propondo investigações outras que se somem a esta e
que busquem respostas substanciais para tais motivos; seja a partir de olhar mais interno, feito
pelo próprio sistema de ensino, que se permita (re)pensar as causas de tais contextos.
A categoria trabalho também foi manifestada com relação à escola de agora, relacionando-se
ao retorno à escola e às expectativas dos estudantes. Revelam as razões de retorno ao espaço
escolar e às expectativas com a escola de agora. Nesse contexto, as subcategorias
“emprego/emprego melhor”, associadas ao retorno à escola são confirmadas como ação
importante para conseguir um emprego ou outro melhor. Junto à expressão “atualizar-se”,
revelam-se representativas do motivo de retorno à escola e interessam para pensar este como
um dos elementos principais de motivação do retorno dos jovens e adultos aos espaços
escolares e, neste caso, à escola pública. A categoria trabalho e suas subcategorias simbolizam
as razões pelas quais procuram a escola da EJA e voltam a se matricular. Trazem em seus
sentidos a necessidade do retorno à escola para que se efetive a conquista de uma
necessidade de emprego ou a ascensão naquele em que se encontram. Quase
metaforicamente no sonho da escola se projeta outra esperança – a de entrada/ascensão no
mundo do trabalho.
5. O OUTRORA E O AGORA: CONSIDERAÇÕES SOBRE ESSES MOMENTOS
RELACIONAIS
A análise da resposta atribuída pelos estudantes do PEJA quando perguntados sobre os
motivos que os levam a sair e a retornar à sala de aula e à escola da EJA confirma o trabalho
como um eixo temático muito forte e significativo neste aspecto ao apresentá-lo em um
patamar relevante. Nesse eixo aparecem e são fortemente marcadas a necessidade de
trabalhar para esses jovens e adultos e, por sua vez, a escola como locus que viabilizará, no
futuro desses jovens e adultos estudantes, o sonho de inserção no mundo do trabalho.
Embora a permanência na escola e a necessária conclusão dos estudos na sociedade do século
XXI não garanta a empregabilidade, ambas se constituem como fortes elementos/aspectos
para a reflexão sobre a “projeção no futuro” como outro eixo temático que articula o olhar
que os sujeitos pesquisados têm sobre os motivos de retorno à escola e, ainda, a respeito das
perspectivas desse retorno.
662
Dessa forma, o eixo trabalho é, sem dúvida, expressivo no cotidiano desses sujeitos,
encontrando-se, inclusive, no sistema periférico da estrutura da escola pública. É, por sua vez,
o lugar onde se ancoram as representações e consideram as trajetórias de idas e vindas desses
sujeitos à escola pública.
Em meio à dualidade estrutural que historicamente se apresenta na educação brasileira, a
escola para as massas precisa se ver como meio eficaz para viabilizar a formação humana
necessária aos estudantes de forma a lhes permitir melhor se inserirem no mundo do trabalho,
articulando-se os mundos do trabalho formal e informal que, muitas vezes, no cenário de crise
da empregabilidade, apresenta-se como possibilidade de garantia do sustento dos sujeitos que
dele necessitam e de suas famílias. Por outro lado, a escola aparece como potencializadora do
futuro, ou seja, projetando-se como percurso para a entrada ou melhoria desses sujeitos no
mundo do trabalho. Nesse contexto, as idas e vindas aos espaços escolares trazem a
possibilidade de “ser alguém na vida / futuro melhor”. Reflete, por sua vez, as motivações no
retorno à escola como situação real e potencial para ascender social e economicamente e
realizar o sonho individual. Os discursos produzidos revelam movimentos que contribuem para
a compreensão do “outrora” e do “agora” como momentos relacionais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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663
Paulo: Rede de Estudos do Trabalho/UNESP. Acesso em setembro, 25, de 2013 em:
http://www.estudosdotrabalho.org/anais-vii-7-seminario-trabalho-ret2010/Helenice_Alda_Edith_REP_SOCIAIS_TRAB_DOC_SIGNIFICADOS_ATRIBUIDOS_A_DEDICAC
AO_POR_PROF_DAS_SERIES_INICIAIS_E_SEUS_FORMADORES.pdf
Moscovici, S. (2001). Das representações coletivas às representações sociais. In: Jodelet, D.
(org.), As representações sociais. (pp. 45-66). Rio de Janeiro: EdUERJ.
Oliveira, D. (2005). Pontuando ideias sobre o desenvolvimento metodológico dos estudos de
representações sociais nas pesquisas brasileiras, Revista Brasileira de Enfermagem, 58 (1), 8690.
Sá, C. (1998). A construção do objeto de pesquisa em representações sociais. Rio de Janeiro:
EdUERJ.
i
O Programa de Educação de Jovens e Adultos (PEJA) da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro (SME/RJ) se organiza
em PEJA I (correspondente aos anos iniciais do Ensino Fundamental) e PEJA II (correspondente aos anos finais do Ensino
Fundamental). Cada um deles se estrutura em dois blocos (I e II) com duração de um ano letivo cada. No PEJA II, além dessa
subdivisão, há as Unidades de Progressão (UP). Cada bloco compreende três UP que são ministradas ao longo de um ano. O tempo
de aprendizagem em cada UP ou bloco está condicionado ao desenvolvimento cognitivo do estudante, podendo ser acelerado ou
mais demorado.
ii
O Ensino Fundamental se constitui como etapa da Educação Básica e, de acordo com a legislação educacional brasileira,
compreende 9 anos. Na modalidade EJA esse tempo pode ser abreviado de acordo com cada sistema de ensino ou proposta de
ação.
iii
- Grifos do autor.
iv
- De acordo com Sá (1998, p. 65), “a grande teoria das representações sociais – como chamamos (Sá, 1996) as proposições
originais básicas de Moscovici – desdobra-se em três correntes teóricas complementares: uma mais fiel à teoria original, liderada
por Denise Jodelet, em Paris; uma que procura articulá-la com uma perspectiva mais sociológica, liderada por Willem Doise, em
Genebra; uma que enfatiza a dimensão cognitivo-estrutural das representações, liderada por Jean-Claude Abric, em Aix-enProvence. É possível ainda que se esteja configurando uma quarta alternativa complementar, através das recentes releituras
teóricas que estão fazendo alguns autores sensíveis às críticas pós-modernistas às representações, como ilustra o posicionamento
de Wolfgang Wagner”.
v
- Segundo Bardin (2011, p. 134), a unidade de registro “é a unidade de significação codificada e correspondente ao segmento de
conteúdo considerado unidade de base, visando à categorização e a contagem frequencial. A unidade de registro pode ser de
natureza e de dimensões muito variáveis. Reina certa ambiguidade no que diz respeito aos critérios de distinção das unidades de
registro. Efetivamente, excetuam-se certos recortes a nível semântico, por exemplo, o ‘tema’, enquanto que outros são feitos a
um nível aparentemente linguístico, como a ‘palavra’ ou a ‘frase’.”
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