V FÓRUM IDENTIDADES E ALTERIDADES
I CONGRESSO NACIONAL EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE
08 a 10 de setembro de 2011
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IGUALDADE DE GENERO NAS POLITICAS EDUCACIONAIS: UMA BREVE
REFLEXÃO
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Sanadia Gama dos Santos (UFS)
INTRODUÇÃO
A década de 1990 foi palco de forte movimentação das políticas educacionais
brasileiras, à luz da Constituição de 1988. Essas movimentações propõem reformas que levam ao
enfrentamento da melhoria da educação básica, surgimento de novos sujeitos que passam a
protagonizar a efetivação das políticas, aos acordos firmados no diálogo travado entre o governo
brasileiro e os movimentos e às diversas manifestações públicas que culmina em leis que dão
suporte a proposta de avanço e efetivação das políticas educacionais. Nisto destacam-se: a
promulgação da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, Lei nº 9.394,
aprovada em dezembro de 1996); a formulação de Parâmetros ou Referenciais Curriculares
Nacionais para os diferentes níveis de ensino; a introdução de Sistemas Nacionais de Avaliação
da educação básica (SAEB e ENEM) e superior (ENC); a política da avaliação e distribuição do
livro didático; as regras de financiamento da educação, especialmente através da lei que criou o
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de valorização do
Magistério (FUNDEF)
Neste processo de consolidação das políticas educacionais, podemos ressaltar a agenda
dos movimentos sociais, com destaque para os movimentos feministas que contribuíram para a
efetivação dessas políticas. Isto porque as discussões relacionadas a relações de gênero ainda não
estavam inclusas no entorno inicial dessas discussões. O debate sobre educação no começo da
década de 90 estava mais voltado num sentido mais geral de política pública de educacional, sem
destacar os sujeitos que nela estão presentes. Somente no momento em que as mulheres
trazem para o auge do debate a importância de incorporar as questões de natureza emancipatória
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Licenciada em Letras Português pela Universidade Tiradentes. Especialista em Ensino de Literaturas Brasileira e Portuguesa pela
Faculdade Pio Décimo. É aluna especial da disciplina Política Pública para a área de Educação do Núcleo de Pós-graduação em
ensino de ciências da Natureza e Matemática da Universidade Federal de Sergipe.
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em relação ao entendimento das particularidades entre os sujeitos dentro dessas políticas, as
discussão não somente de gênero, mas também de classe, etnia, orientação sexual, dentre outras
começam a surgir. Na agenda dos movimentos feministas é preciso destacar que existem
percepções de ordem ideológica, como também proposições acerca do projeto de sociedade que
queremos. Para isto é necessário compreender que o movimento feminista é um movimento
político que se contrapõe radicalmente ao poder patriarcal e questiona a forma que a sociedade
está estruturada cultural e socialmente. Reflete sobre as relações de poder, a opressão e a
exploração de grupos de pessoas sobre outras. Propõe uma transformação social, econômica,
política e ideológica da sociedade, que promova a igualdade de oportunidade para as mulheres. É
aí que vemos que os movimentos feministas e sociais tiveram papel fundamental para a
implementação das legislações, pois suas contribuições enfatizam que a democracia envolve
questões de gênero. Segundo (PATEMAN, 1998; PREECE, 2002) o cidadão pleno tende a ser
um homem, pois este usufrui a ordem doméstica e o tempo necessários para agir na esfera
pública. Isto é uma reflexão tradicional e que precisam ser questionadas partindo do pressuposto
histórico e cultural que a sociedade compreendia as atribuições entre homens e mulheres na
sociedade. Se as escolas não abordam essas questões, não se pode esperar mudança de posturas
ou o desenvolvimento de mentes abertas e propensas à transformação em alunos e alunas e,
subseqüentemente, nas pessoas adultas cidadãs.
Aqui vamos destacar que uma das grandes ações dos movimentos feministas no Brasil
são as manifestações ocorridas ao longo das duas últimas décadas a exemplo das Conferências
Nacionais de Políticas para as Mulheres, Marcha das Margaridas que discute as políticas para as
mulheres do campo e a Marcha mundial de Mulheres para todas as mulheres em todos os
contextos da sociedade. As duas últimas são ações estratégicas que dão visibilidade as propostas
de igualdade de gênero que culmina com uma proposição reivindicatória, em caráter de
visibilidade e efetividade da política pública que garanta equidade de gênero.
Nestes espaços reivindicatórios dos movimentos o debate em torno de uma educação
não sexista engloba uma série proposições que refletem a educação formal que reproduz os
padrões de gênero, a desigualdade e o preconceito, amplamente presentes, sejam nas práticas com
alunos e alunas, nos currículos escolares, nos livros didáticos e nas políticas educacionais. Os
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livros didáticos concorrem para manutenção das mulheres na invisibilidade e disseminam os
padrões de gênero, de modo a reproduzir as desigualdades fundadas nas diferenças entre os
sexos. Em torno da agenda da Marcha das Margaridas, o foco para a política de educação se dá
numa esfera que proponha uma educação do campo não sexista, como elemento estruturador e
articulador de um projeto de desenvolvimento que assegure, especialmente às mulheres
trabalhadoras rurais, condições dignas de vida no campo e na floresta. Nessa perspectiva o
Governo Federal deve dirigir sua ação para a construção de diretrizes que orientem as políticas
públicas de educação do campo, assegurando a negociação e pactuação dessas diretrizes nas
instâncias de gestão das políticas e dos entes federados (estados e municípios).
É no cerne do debate que os movimentos propõem ao governo combater o caráter sexista
da educação, com vigorosa atuação na formação de professores e professoras, na revisão dos
currículos escolares e dos livros didáticos. Esta efetivação das políticas educacionais se dá numa
relação dialógica de reivindicação da sociedade para o governo, estabelecendo proposituras que
avancem na qualidade educacional em todas as dimensões da vida humana como: assegurar na
construção das orientações das políticas nacional de educação do campo, princípios e diretrizes
metodológicas, curriculares e pedagógicas que busquem assegurar relações igualitárias de gênero,
que não reforcem a homofobia, lesbofobia, o racismo e qualquer preconceito e discriminação
contra as mulheres.
É imperativa a prioridade e garantia no orçamento da União de recursos para que as
políticas de educação do campo tenham efetividade na dinâmica democrática do país.
Cabe destacar que o Plano Nacional de Políticas para Mulheres propõe a inclusão das
temáticas de gênero, raça, etnia e orientação sexual nos currículos do Ensino Superior em 2007
(BRASIL, 2004).
Os Parâmetros Curriculares da Educação entendem equidade como "a necessária atenção
às diferenças para a real garantia de igualdade de direitos, oportunidades e acesso aos bens
sociais, em todos os campos" (BRASIL, 1998, p. 322). Para os movimentos a equidade é a
garantia de igualdade de oportunidades educacionais para meninas e meninos, inclusive
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oportunidades de aprender de modo a construir novos padrões e culturas; propor novos
comportamentos, regras e hierarquias construídas ao longo da história.
A situação de invisibilidade e discriminação das mulheres é agravada pelo uso da língua
e da gramática oficiais, ao adotarem o gênero masculino para referir a grupos mistos. Como
exemplo, podemos citar o modo de se referir a um grupo composto por homens e mulheres, que
se dá sempre no masculino: os alunos do curso tal, ou os participantes da reunião tal. Desse modo
nunca se sabe da participação das mulheres.
Segundo Antônio Flávio B.Moreira e Vera Maria Candau (2006, p.86) existem várias
concepções de currículo, as quais refletem variados posicionamentos, compromissos e pontos de
vista teóricos. As discussões sobre currículo incorporam, com maior ou menor ênfase, debates
sobre os conhecimentos escolares, os procedimentos pedagógicos, as relações sociais, os valores
e as identidades dos nossos alunos e alunas. Os autores se apóiam em Silva (1999), ao afirmarem
que, em resumo, as questões curriculares são marcadas pelas discussões sobre conhecimento,
verdade, poder e identidade.
Os livros didáticos concorrem para manutenção das mulheres na invisibilidade e
disseminam os padrões de gênero, de modo a reproduzir as desigualdades fundadas nas
diferenças entre os sexos. A educação sexista reforça a submissão das mulheres, reproduz o
machismo, o racismo e concorre para a manutenção da violência, da homofobia e lesbofobia.
Pierre Bourdieu (1999), explica que as relações de dominação (de gênero e outras) se
inscrevem no corpo e na subjetividade de educadoras, educadores e alunos e alunas, como um
habitus ou identidade estável. Desse modo, passa despercebida a imposição dos padrões de
gênero – masculino e feminino, e se reproduz as desigualdades entre os sexos, apoiadas nas
diferenças biológicas. Assim, as mulheres são consideradas naturalmente responsáveis, pela
reprodução e pelo espaço privado, e enquanto tal, sua obrigação é lavar, passar, arrumar a casa e
cuidar dos filhos, o que é ensinado desde cedo às meninas, por meio de brinquedos considerados
de uso exclusivamente feminino (bonecas, fogõezinhos, panelinhas, etc). Aos homens, em
contraposição, têm sido atribuídas as condições à vida pública e ao reconhecimento nas grandes
coisas que incentivam o poder e a dominação.
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Sabemos que nas primeiras décadas do século XIX, as mulheres brasileiras, em sua
enorme maioria, viviam enclausuradas em preconceitos e imersas em uma indigência cultural
inacreditável. A herança moura trazida nas caravelas resistia e impunha uma vida de reclusão,
ignorância e submissão. A maioria das pessoas achava que bastava a menina saber bordar,
cozinhar, tocar piano. E foram as primeiras “mulheres educadas” de então que tomaram para si a
tarefa de estender as benesses do conhecimento às demais companheiras, abrindo escolas,
publicando livros, enfrentando a opinião corrente que insistia em dizer que mulher não
necessitava aprender ler e muito menos escrever. (DUARTE, 2007)
Freire, (1997, p.11) diz que a educação é ideológica, mas dialogante a atentativa, para
que se possa estabelecer a autêntica comunicação à aprendizagem, entre gente, com alma,
sentimentos e emoções, desejos e sonhos. Sendo assim, é importante perceber que o processo
educativo se dá numa mudança de mentalidades, e tem início no berço da família que deve educar
seus filhos e filhas, levando em consideração todas as dimensões da vida humana. Assim também
é na escola, onde o processo educativo deve priorizar currículos e conceitos que garantam a
formação do e da cidadão/a numa perspectiva de criticidade e autonomia de opção para uma vida
de qualidade com igualdade.
A qualidade, então, propõe tratamento de igualdade do professor e a professora para
meninos e meninas na sala de aula, respeitando cada aluno e cada aluna na sua condição social e
capaz de adquirir saberes; conteúdo curricular que proponha uma nova metodologia capaz de
incluir sentido que mude as mentalidades das novas gerações com base na igualdade entre
homens e mulheres; educação sexual; discussões sobre autonomia que questione a maternidade e
o casamento; práticas escolares que promovam o desenvolvimento de personalidades seguras,
autoestima e respeito pelas atitudes democráticas na escola e na sociedade. É crucial incorporar
esses elementos na definição da qualidade, caso contrário, o espaço para lidar-se com o conteúdo
e a prática estará perdido. Enquanto a participação das mulheres é crescente na escola, o currículo
e a experiência escolares ainda estão distantes de criar formas de promover a iniciativa, a
autoestima e a confiança das mulheres.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A qualidade educacional é um conceito abrangente, pois exige uma definição que
transcenda o espaço estrutural, mas que aponte caminhos de âmbito ideológico, político e social
para uma mudança de comportamento e desconstrução do modelo patriarcal. Isto é, ela propõe
reconstrução de valores e práticas que transformem as noções de gênero na sociedade. A
qualidade, então, propõe tratamento de igualdade do professor e a professora para meninos e
meninas na sala de aula, de modo respeitando cada aluno e cada aluna na sua condição social e
capaz de adquirir saberes; conteúdo curricular que proponha uma nova metodologia capaz de
incluir sentido que mude as mentalidades das novas gerações com base na igualdade entre
homens e mulheres; educação sexual; discussões sobre autonomia que questione a maternidade e
o casamento; práticas escolares que promovam o desenvolvimento de personalidades seguras,
autoestima e respeito pelas atitudes democráticas na escola e na sociedade. É crucial incorporar
esses elementos na definição da qualidade, caso contrário, o espaço para lidar-se com o conteúdo
e a prática estará perdido. Enquanto a participação das mulheres é crescente na escola, o currículo
e a experiência escolares ainda estão distantes de criar formas de promover a iniciativa, a
autoestima e a confiança das mesmas. Portanto, a formação educacional apresenta desafios em
relação à formação docente, no sentido de formar os professores e as professoras reflexivas e
criticas sensíveis as injustiças sociais e comprometidas com a equidade de gênero. É necessário
engajar o professor e a professora na autoeducação permanente para contribuir numa sociedade
justa e igualitária.
Para isto, ainda temos um longo caminho a percorrer. Os debates devem continuar e as
organizações dos movimentos sociais precisam cada vez estar mais firmes para o diálogo em
torno das políticas. É preciso ampliar a rede e os espaços de diálogos entre as pessoas, a escola
para garantirmos mudança de ordem social, ideológica e estrutural para a superação de todas as
formas de discriminação e preconceito entre homens e mulheres na sociedade. O caminho a ser
percorrido se dá através dos processos formativos. Portanto, a socialização dos novos padrões de
comportamento, crenças e normas que compõem a cultura se dá por meio da educação, repassada
de pessoa a pessoa, de geração a geração. Isso precisa estar efetivado cada vez mais nas políticas
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públicas, orientado pelas diretrizes operacionais que levem o ser humano à liberdade e a
qualidade de vida plena.
REFERÊNCIAS
BOURDIEU, Pierre. A Dominação Masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999.
BRASIL. Plano Nacional de Políticas para as Mulheres. Brasília: Presidência da República.
Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, 2004.
BRASIL. Parámetros Curriculares Nacionais: Terceiro e Quarto Ciclos do Ensino
Fundamental: Temas Transversais. Brasilia: MEC/SEF, 1998.
BRASIL, LDB. Lei 9394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
Disponível em <www.planalto.gov.br >. Acesso em: 25 Jun 2003.
CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO. Diretrizes Curriculares Nacionais para o
Ensino Fundamental. Relatora: Regina Alcántara Assis. Parecer CNE/CED no 04/98. Brasília,
2001.
DUARTE, Constância Lima. Pequena História do Feminismo no Brasil. Do imaginário às
Representações na Literatura. São Cristóvão. Ed UFS, 2007.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia- Saberes necessários a pratica educativa. São Paulo,
Brasil: paz e Terra. São Paulo, 1997.
MOREIRA, Antonio Flávio Barbosa e CANDAU, Vera Maria. “Currículo, conhecimento e
cultura”. In: MOREIRA, Antonio Flávio e ARROYO, Miguel. Indagações sobre currículo.
Brasília: Departamento de Políticas de Educação Infantil e Ensino Fundamental, nov. 2006, p.83111.
PATEMAN, C. The sexual contract. Stanford: Stanford University Press, 1988.
PREECE, J. Feminist perspectives on the learning of citizenship and governance. Compare, v.
32, n. 1, 2002, p. 21-33.
SILVA, Tomaz Tadeu da. “Currículo e identidade social: territórios contestados”. In: SILVA,
Tomaz Tadeu da (Org.). Alienígenas na sala de aula. Petrópolis: Vozes, 1995. p. 190-207.
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