E-mail recebido da jornalista Maria Clara Angeiras, a quem enviamos o artigo “Alfabetização
na idade errada”, publicado no jornal Folha de S. Paulo, em 12/07/2012:
“De: Maria Clara Angeiras
Enviada em: sexta-feira, 20 de julho de 2012 00:16
Para: Horácio Almendra
Assunto: RE: "Alfabetização na idade errada"
Caro Horácio,
Prefiro pensar que não existe "idade certa"... e provo com uma breve e verídica
historinha...
Era uma vez uma menininha de 2 anos que ganhou um conjunto de forminhas de plástico,
daquelas para brincar na praia, que tinham 20cm e o formato das letras do alfabeto.
Como morava no litoral, devido a problemas respiratórios, diariamente estava na praia e
levava as forminhas, á tarde brincava com sua mãe uma espécie de joguinho formando
palavras conhecidas do seu pequenino universo, usando as letras de plástico.
Um dia sua mãe acordou e encontrou a pequenina na sala toda orgulhosa, com um sorriso
matreiro que ia até os olhos e o dedinho esticado... "olha mãe... ma-mãe" e apontou para
o sofá onde estavam dispostas as letras formando a palavra.
Dias depois, mãe e filha foram visitar uma antiga mestra, dos tempos de escola, que na
época estava numa missão no Vaticano e de visita ao Brasil, marcou encontro com a exaluna... mãe da pequenina.
Durante a conversa no gabinete da madre superiora, a pequenina começou a apontar as
letras das manchetes do jornal que se encontrava sobre o birô e gritava toda feliz: '"M de
mamãe, J de Juju e G de Gabi, olha mãinha!" Foi um espanto geral até para a pedagoga
que disse: " você alfabetizou esta criança com 2 anos?!!! Bem na verdade eu estava
brincando com as palavras e letras, e ela absorveu tudo, como uma esponja, durante a
brincadeira, " respondeu a mãe.
A pequeninha chama-se Vanessa, quando entrou na escola com 2 anos e meio, sabia ler
algumas palavras, escrever e conhecer as vogais e algumas consoantes, também sabia
escrever, ler, contar e relacionar quantidades até 10. Pulou duas séries. Concluiu o ensino
médio aos 16.
Adora ler e vai se formar no final deste ano (porque passou um período estudando no
Canadá) em jornalismo.
É minha filha.
E eu a mãe louca que brincava com as letras ...e quando ela estava maior antes de sair
para o trabalho, eu deixava Vanessa com uma missão secreta cada dia... quem foi e o que
vc sabe sobre a Princesa Isabel? Maurício de Nassau? e tantos outros da nossa história... e
cada dia a minha espiã tinha uma história nova para me contar á noite, que ela mesma
tinha pesquisado e registrado sua descoberta na máquina de escrever (que era a parte
divertida da brincadeira) kkkkkk Ainda tenho a velha olivetti portátil no seu estojo
laranjado! kkkkkkk
Como dizia minha Avó: saber não ocupa espaço!
Clara Angeiras
Jornalista - Publicitária
Especialista em Marketing Estratégico”
From: [email protected]
Date: Wed, 18 Jul 2012 11:13:38 -0300
Subject: "Alfabetização na idade errada"
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12/07/2012 – Folha de S. Paulo
JOÃO BATISTA ARAUJO E OLIVEIRA
Alfabetização na idade errada
Patrulho-pedagogos de nossas faculdades criam termos como 'letramento', ignoram a
ciência. O aluno é Champollion com sua pedra de Roseta, diz a ideologia
Quem tem filho em escola particular sabe que a idade certa para alfabetizar é aos seis
anos. Por que o MEC propõe que isso possa ocorrer aos oito anos na escola pública?
Há vários critérios para balizar uma resposta: a experiência nacional, a experiência
internacional e a evidência científica.
No Brasil, escolas privadas e centenas de escolas públicas alfabetizam aos seis anos -antes
no terceiro período da pré-escola, agora no primeiro ano do ensino fundamental. No plano
internacional, todos os países com o sistema alfabético de escrita alfabetizam seus alunos
no primeiro ano da escola formal.
Há duas exceções. Os de língua inglesa, que levam mais tempo (três anos) pela quantidade
de fonemas e pela complexidade do seu código ortográfico, e os de língua francesa, que
ensinam a ler no primeiro ano, mas muitas crianças ainda apresentam dificuldades no
processamento ortográfico até o fim do segundo -uma palavra com o som "ô" pode se
escrever o, ô, ot, au, eau, eaux...
O sistema de escrita da língua portuguesa tem complexidade média, pode ser aprendido
em quase sua totalidade ao final de um ano.
E a evidência científica: a ciência cognitiva da leitura -ignorada pelas faculdades de
educação e pelas autoridades educacionais, mas reconhecida como paradigma científico da
área- tem suas respostas.
A Academia Brasileira de Ciências publicou um relatório sobre o tema em 2011, que valeria
ser lido e levado a sério. Mas essas evidências não são levadas em conta no Brasil. É mais
cômodo bater claque para tudo que vem do Planalto ou que agrada a certos ouvidos.
Por que empacamos no assunto? Porque as autoridades colocaram a raposa para cuidar do
galinheiro.
Bastam poucos exemplos para ilustrar como estamos amassando barro em discussões fúteis
e políticas equivocadas, que seriam superadas se a ideologia e o corporativismo cedessem
lugar ao diálogo e ao debate embasado em evidências.
É bom que as autoridades políticas falem em alfabetização na idade certa. Pelo menos
começam a falar do problema, depois de ter torrado bilhões em programas ineficazes de
alfabetização de adultos.
Mas o gigante desperta de mau humor e se levanta com o pé esquerdo. O programa não
define o que seja alfabetização e erra na idade em que se deve alfabetizar. Trata-se de
inaceitável hipocrisia, pois só é aplicável aos alunos da rede pública e não aos filhos e
netos dos que advogam essas políticas.
Inventam-se termos melífluos e indefinidos como "letramento" para confundir as mentes e
sugerir que a aprendizagem do código alfabético é algo de segunda classe, que sequer
merece ser tratado pelo próprio nome. A tal Provinha Brasil é um testemunho vivo dessa
visão equivocada do que seja alfabetizar e da confusão reinante no país entre leitura e
compreensão.
A inexistência de um programa de ensino onde as competências da alfabetização sejam
bem definidas é o atestado da renúncia oficial em enfrentar os problemas de frente.
Até o termo "cartilha", adotado em todas as áreas pelos que desejam iniciar alguém em
algum assunto, é tido como anacronismo pelos patrulho-pedagogos de plantão.
No Brasil, a pedagogia da alfabetização ficou paralisada desde a década de 1970. Jogamos
fora o bebê e a água do banho. Paramos de formar professores alfabetizadores, paramos de
alfabetizar as crianças, tudo em nome de uma ideologia que afirma que o aluno é um
Champollion diante da pedra de Roseta, capaz de descobrir por si mesmo o código
alfabético.
Tornamo-nos prisioneiros de ideias requentadas de autores há muito falecidos e que só
fazem sucesso nos trópicos.
A paralisia intelectual de nossos ideo-pedagogos e a opção preferencial do MEC pelo
corporativismo nos trazem vultosos prejuízos.
Para avançar em educação, o Brasil precisa romper o círculo vicioso de consultar sempre as
mesmas pessoas e grupos escolhidos por critérios ideológicos, sem compromisso com
evidências e resultados.
O país deve ouvir o que a ciência tem a dizer sobre o que é alfabetizar, como alfabetizar,
quando alfabetizar e como saber se o aluno sabe ler e escrever. Até lá, vamos continuar a
sacrificar os alunos da escola pública no altar das ideologias.
JOÃO BATISTA ARAUJO E OLIVEIRA, 65, doutor em educação, é presidente do Instituto Alfa e Beto. Foi
secretário-executivo do Ministério da Educação (1995, gestão FHC)
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Caro Horácio, Prefiro pensar que não existe "idade certa"... e