A PRÁTICA PEDAGÓGICA QUE CHAMOU ATENÇÃO
Otilia Lizete de Oliveira Martins Heinig (FURB)
RESUMO
O presente artigo tem visa apresentar os resultados da pesquisa realizada junto a professores da rede municipal de ensino de um
município do Médio Vale do Itajaí – SC, os quais participaram de um curso de formação continuada promovido pela Furb e neste se
destacaram por apresentar uma prática pedagógica diferenciada. O objetivo principal foi verificar como o professor de língua materna
vem desenvolvendo o ensino e promovendo a aprendizagem principalmente no tocante à leitura e escrita. Além disso, buscou-se
traçar um perfil destes professores desvelando quais as condições de produção nas quais o processo de ensino-aprendizagem
ocorre. Para isso foi elaborada uma ficha de identificação acompanhada de questões discursivas e enviadas para os 18 participantes
do curso para que respondessem. Contudo, houve demora na devolução dos dados e apenas foram entregues três, o que não
invalida a pesquisa por ser de cunho qualitativo. Diante disso, um novo desafio se descortinou: compreender o silenciamento dos
professores. A análise dos dados revela um profissional ainda em formação (graduação), mas com quase vinte anos de exercício no
magistério, isso aponta para a relação que existe entre saberes, tempo e aprendizagem do trabalho do magistério. Quanto ao ensino
de língua materna, percebeu-se um professor atento às questões do letramento, ou seja, com uma compreensão de que a linguagem
acontece no social, o que se fez notar nas atividades e atitudes do professor que não trabalha as palavras de forma isolada,
sobretudo se se levar em conta que os sujeitos são professores das séries iniciais.
Palavras-chave: língua materna. professor. formação. linguagem.
1 PRIMEIRAS PALAVRAS
A realidade da sala de aula foi o objeto de investigação desse artigo que se voltou para os saberes docentes
e suas fontes sociais de aquisição.
Esse olhar teve um antecedente que foi a participação de um grupo de
professores em um curso de formação continuada promovido pela Universidade Regional de Blumenau. A prática
pedagógica aliada ao conhecimento teórico foi o que motivou a busca de respostas às questões de pesquisa: Como o
professor de língua materna pertencente vem desenvolvendo o ensino e promovendo a aprendizagem da leitura e da
escrita? Qual o diferencial deste grupo de professores quanto à proposta metodológica e fundamentação teórica que
ampara a prática docente? Diante dessas questões, buscamos verificar como o professor de língua materna vem
desenvolvendo o ensino da língua, especialmente no tocante à leitura e escritura de textos bem como desvelar o
diferencial na prática docente desses professores no que se refere à língua materna a fim de compreender a relação
prática pedagógica e base teórica no cotidiano escolar desses professores.
Os sujeitos da pesquisa são moradores de um pequeno município, com apenas 5 escolas, que teve seu
início em 1949, mas somente em 1988 teve seu desmembramento.
Dos 18 professores que participaram da
formação continuada, no segundo semestre de 2004, apenas 3 aceitaram o convite. Entretanto, atenta-se que a
pesquisa é qualitativa, preocupando-se exclusivamente com a discursividade, para tal, o estudo se limitará ao
funcionamento discursivo do dizer da prática do sujeito-professor de língua materna, pois é seu dizer que apontará
um caminho a ser percorrido num movimento ideológico e histórico. Como instrumento de coleta de dados, foram
elaboradas questões abertas, para serem respondidas por escrito, antecedidas de uma ficha de identificação,
acompanhados de carta convite explicando o objetivo da pesquisa.
Situada a parte inicial da pesquisa, passa-se agora a algumas discussões teóricas que sustentam a pesquisa.
2 BUSCANDO INTERLOCUTORES
A língua, sob um olhar dialógico, é o reflexo do convívio e da interação social de indivíduos e por isso é um
poderoso instrumento de expressão, através do qual o sujeito coloca em prática sua visão de mundo, seu saber
interior, torna-se criativo e singular. A língua materna (aqui compreendida como língua portuguesa) pode ser
apresentada ao aluno como algo embaraçoso e complexo, não levando em consideração toda a bagagem construída
em outras esferas pelo sujeito antes de ingressar no universo escolar. Entretanto, ainda é corrente que o ensino da
língua materna seja confundido com o ensino da metalinguagem, ou seja, da norma padrão de gramática normativa.
Diante desse conflito pelo qual o ensino da língua materna passa, surge a discussão sobre os focos da pesquisa: o que
é letramento? O que é alfabetização?
Na obra de Soares (2002), são apresentados dois conceitos e ainda suas diferenças. Alfabetização significa
a ação de ensinar/aprender a ler a escrever, já letramento é saber utilizar a leitura e a escrita a favor de práticas
sociais. Ainda sobre esses termos, assim se manifesta a autora: “Novas palavras são criadas (ou as velhas dá-se um
novo sentido) quando emergem novos fatos, novas idéias, novas maneiras de compreender os fenômenos.” (op. cit.,
p.16).
Antes apenas o termo alfabetização e seus derivados eram os mais conhecidos. Alfabetizar tornou-se quase
um ato mecânico de ensinar pessoas, crianças e adultos, a ler e a escrever. Sobre o surgimento do letramento, no
Brasil, e sua aproximação com o alfabetizar, Soares (2003, p. 4-5) explica que “os conceitos de alfabetização e
letramento se mesclam, se superpõem, freqüentemente se confundem. Esse enraizamento do conceito de letramento
no conceito de alfabetização pode ser detectado tomando-se para análise fontes como o Censo, a mídia, a produção
acadêmica”.
Pensar o letramento implica a compreensão de que não bastam apenas os conhecimentos sobre leitura e
escrita, se estes não apontarem para o uso social da escrita. Diante desse contexto, é possível pensar o ensino de
língua materna, nos anos iniciais, por dois vieses: apenas alfabetizar ou alfabetizar letrando. Na segunda perspectiva, a
alfabetização se dá em um contexto no qual se valoriza todo o material de leitura, escrita e oralidade que faz parte do
cotidiano da criança aprendiz da língua de forma sistematizada. Quanto a isso, Heinig (2004, p. 2) alerta:
Para pensar o ensino do sistema escrito é preciso primeiro ter clara uma concepção de linguagem e de
alfabetização, letramento. Sem estes elementos, torna-se improdutiva qualquer tentativa de propor
metodologias que norteiem um trabalho de aprendizagem do sistema escrito tanto quanto à leitura quanto
à escrita. Entretanto, têm se encontrado, no espaço educacional, professores que ensinam sem
compreender como é o processo de aprendizagem e o que implica o trabalho com o sistema escrito tendo
como ponto de partida o texto.
Da mesma forma Monteiro (2001) aponta que o domínio dos conteúdos pelo professor vai além do seu
conhecimento. Assim, se a proposta de ensino e aprendizagem do sistema escrito se der num foco de alfabetizar
letrando, há que se perceber uma coerência com a concepção de linguagem que norteia o trabalho pedagógico.
Neste aspecto, a base teórica deve se apoiar no dialogismo bakhtiniano. Heinig (2004, p. 2) retoma essa concepção
e reafirma que “a linguagem é fundamentalmente dialógica e isso aponta para sentidos que se constroem na interação
com o outro”. Para fundamentar tal pressuposto, recorre-se a Bakhtin (1992) que ressalta a importância da palavra
em função do interlocutor tendo em vista que esta comporta duas faces. Dessa forma, é na relação entre quem diz e
quem com ele faz a interlocução que os sentidos são construídos. Assim, pensar em pessoas em interação remete à
situação social que “mais imediata e o meio social mais amplo determinam completamente e, por assim dizer, a partir
do interior, a estrutura da enunciação” (op. cit., p. 113). A enunciação é, portanto, o produto da interação de dois
indivíduos socialmente organizados.
Dessa forma, o ensino de língua materna, no qual o outro é levado em consideração, pressupõe um
professor que ensina e aprende com o educando e este, por sua vez, é um sujeito que se constrói pela e na linguagem
que é, eminentemente, polissêmica. Diante desse viés, é que se pensa a formação do professor e sua prática
pedagógica. Pensar o processo de formação do professor é ter em vista que a formação não se restringe a um
momento específico como um curso de formação ou outras atividades do gênero.
Entretanto, o que vem se
proliferando no meio educacional é uma espécie de paliativo constituído por um projeto de curto prazo em que
professores que sabem ministram cursos a professores que querem aprender. Esta dicotomia entre saber e ensinar é
um dos grandes entraves, pois a formação é contínua e por isso qualquer educador está permanentemente em estado
de aprendizagem.
O que se percebe, no cotidiano da sala de aula, é um professor tomado por diferentes saberes como bem
aponta Tardif (2005, p. 63): estes são saberes pessoais, provenientes da formação escolar anterior, da formação
profissional para o magistério, dos programas, de livros didáticos usados no trabalho e finalmente da sua própria
experiência na profissão, na sala de aula e na escola. Para estes saberes, contribuem como fontes de aquisição, a
família, os ambientes de aprendizagem (escolas, universidades, estágios, cursos de reciclagem...), utilização de
material para professores (livros didáticos, cadernos...) e a prática do ofício na sala de aula, sua experiência.
Aproximando a base teórica de Tardif dos sujeitos da pesquisa, podemos perceber essencialmente dois
saberes um que diz respeito às experiências que focam o exercício do magistério e a prática docente do professor; e
outro que se refere aos disciplinares no qual está incorporada a formação contínua.
A formação continuada
proposta pelo programa da Furb se aproxima do que Marin (1995, p. 18) compreende ser a educação continuada:
“a formação (...) cuja função consciente é a de transmissão de saberes e de saber-fazer”.
Feita essa breve incursão pelas facetas teóricas que embasam a pesquisa aqui relatada e analisada,
passa-se, a seguir, à compreensão dos dizeres do professor.
3 COM A PALAVRA OS PROFESSORES
Inicialmente faz-se necessário apresentar uma definição de sujeito de discurso, aqui sob a ótica de
Charadeau; Maingueneau (2004, p.457):
... as relações que o sujeito mantém com os dados da situação de comunicação na qual ele se encontra,
os procedimentos de discursivização, assim como saberes, opiniões e crenças que possui e que supõe
serem compartilhados pelo seu interlocutor. Sua competência não é mais simplesmente lingüística, ela é
ao mesmo tempo comunicacional, discursiva e lingüística
Partindo dessa visão de sujeito, iniciaremos com a descrição dos participantes da pesquisa, lembrando
antes das condições de produção. São professores das séries iniciais, moradores do município no qual lecionam,
participaram do processo eleitoral que culminou com a mudança da equipe que administra a secretaria de Educação,
ou seja, há um fator histórico que determinou a participação ou não dos sujeitos na pesquisa, conforme relatou um
dos professores. Falam de um lugar: o de professor para um interlocutor que se encontra em outro espaço-tempo, o
da universidade, o que direciona o olhar sobre o objeto investigado. Mas quem são os sujeitos? Nasceram na
década de 60, estão com a graduação em Pedagogia em andamento e na modalidade de ensino a distância. Possuem
a mesma carga horária de trabalho, lecionando 20 horas semanais. A média de tempo de serviço no magistério é de
17 anos.
A interlocução entre os sujeitos, num viés bakhtianiano, é que favorece a constituição da linguagem, o que
implica a presença de locutor e ouvinte na situação comunicativa. Ainda, para completar esse aspecto, recorre-se à
noção de enunciação. A preocupação com o outro aparece nas falas iniciais dos sujeitos da pesquisa quando se
referem aos seus interlocutores que são denominados como crianças pelo S1: Meu maior objetivo é que as
crianças compreendam com facilidade... e como alunos: (...) despertar o interesse do aluno, fazendo com que
se sinta motivado para a leitura e para o desenvolvimento de suas produções, só assim o aprendizado
acontecerá de forma prazerosa (S2). Esses dizeres apontam para a presença do interlocutor que, na sua relação
com o outro, usa a palavra como ponte que estabelece a ligação entre ambos. Nessa perspectiva, “toda palavra
serve de expressão a um em relação ao outro. Através da palavra, defino-me em relação ao outro, isto é, em última
análise, em relação à coletividade.” (BAKHTIN,1992, p. 113). A coletividade, em nossa pesquisa, é compreendida
como a sala de aula e seus atores: alunos e professores que constroem conjuntamente partindo de interesses do
sujeito que aprende e do que ensina. Há dizeres que sinalizam para a presença dos desejos do aprendiz: Quando
trabalho a escrita, desenvolvo pequenos textos e procuro trabalhá-los com apresentações feitas pelos
próprios alunos. Como por exemplo: dramatizações, poesias, diálogos (S3). A escolha da modalidade de
apresentação dos resultados da produção escrita por parte do sujeito, que está se inserindo no universo escolar, vai
sinalizar a ele que a escola é um espaço de escolhas possíveis tanto quanto ao que se escreve como a forma de
socializar a escrita que não terá um único interlocutor.
Outro dizer que aponta para os gêneros discursivos que circulam no cotidiano: “... as crianças adoram
ouvir histórias...” (S1). Ao levar em conta o gosto e o conhecimento do aprendiz, o professor vai revelando sua
forma de compreensão da inserção no mundo das palavras, ou seja, alfabetizar pressupõe letrar também, e isso não
diz respeito apenas aos textos escritos. Ainda nesse aspecto, os sujeitos investigados se destacaram por mostrar uma
forma singular de trabalhar produção e leitura de textos, o que Geraldi valida: “Considero a produção de textos (orais
e escritos) como ponto de partida (e ponto de chegada) de todo o processo de ensino/aprendizagem da língua...”
(1997, p.135). Porém a escola, muitas vezes, se preocupa em delimitar temas e palavras, não permitindo a invenção
e muito menos utilização de palavras como fonte de textos sobre e para o cotidiano. Neste aspecto, um dos sujeitos,
atingido pelo discurso escolarizado, diz trabalhar a escrita: Do texto para a palavra, palavra sílaba,
sílaba-letra-som e vice-versa, utilizando o material disponível na escola e o que eles dispõe de casa.
Interpretando embalagens vazias lendo tudo o que encontram de escrito (S3). O que se percebe aqui é um
deslize da posição-sujeito que em um momento fala do lugar da escrita como matéria institucionalizada e de outro
como forma de circulação social. Ou seja, aqui coexistem as duas concepções possíveis de alfabetizar: apenas focar
o código ou alfabetizar letrando.
Um sujeito clivado por sua formação e sua experiência.
Uma construção
acadêmica e uma crença pessoal que levam a um posicionamento muito interessante de se analisar. Afinal, que
discursos atingiram esse sujeito? Que saberes ele realmente prioriza em seu fazer pedagógico? Esse é o sujeito em
processo, se formando e se revendo, atingido pelos saberes disciplinares.
Na construção da identidade do professor, o aluno é o principal interlocutor que aponta para a necessidade
de ampliação dos espaços de interlocução. Assim, as atividades de escrita alcançam um limite extra-sala de aula,
lançando vozes de convite aos que circulam no espaço escolar. Dessa forma, escreve-se para o outro ver, criticar,
comentar. Assim, se posicionam os professores quanto ao que fazem com a produção escrita: Confecção de um
livrinho através de desenhos e escrita (com nome do autor). Em seguida expor no mural para todos possam
ver. (S2); Após produzirem suas leituras e textos expomos os trabalhos para que todos possam apreciar e
apresentarem seus trabalhos, como cantos, poesias, teatros e brincadeiras (S3). Faraco (2003, p. 57) fazendo
uma leitura do Círculo diz que este “vê as vozes sociais como estando numa intrincada cadeia de responsividade: os
enunciados, ao mesmo tempo em que respondem ao já-dito (...) provocam continuamente as mais diversas
respostas”. Retomando a fala de S3: Confecção de um livrinho através de desenhos e escrita (com nome do
autor), percebe-se que o professor compreende a escrita não como uma mera atividade escolar, mas possibilita,
como aponta Coracini (1999), que o aluno assuma a sua identidade como autor, pois as múltiplas vozes não são
abafadas, permitindo a disseminação de sentidos e abrindo espaço para a alteridade.
As propostas de trabalho na área de produção de textos vão confirmando uma concepção de que o sujeito
que escreve tem o que dizer e que a sua construção da escrita vai se dando socialmente pelos gêneros discursivos
que circulam socialmente e que são levados em consideração pelo professor:
Para produzir textos trabalhamos com as historinhas infantis. (S1)
Essas produções são feitas a partir do momento em que as crianças conseguem formar palavras e
pequenas frases (alguns que dominam a leitura) peço para que leiam para os colegas e que
representam o mesmo através de história em quadrinhos. Escolham algumas palavras e formam um
novo texto. Mudar a versão da história. Confecção de um livrinho através de desenhos e escrita (com
nome do autor). Em seguida expor no mural para todos possam ver. (S2)
Os dizeres assinalam um educador que leva em conta a questão do letramento, partindo de gêneros como
historinhas infantis e história em quadrinhos para que as crianças produzam seus próprios textos. Mais do que isso, é
permitido ao educando fazer escolhas como assinala S2: Escolham algumas palavras e formam um novo texto.
Assim, retornando o olhar para os dados, percebe-se um espaço educacional no qual o sujeito aprendiz escolhe o
que quer dizer por suas próprias razões e elege seu interlocutor que não é, necessariamente, o seu professor como
aponta este dizer: peço para que leiam para os colegas.
Ainda analisando o dizer de S2, podemos depreender as formas utilizadas para que a produção de texto
seja desenvolvida o mais próximo possível da esfera não escolar. Nesse sentido, Brandão (2001), ao focar a relação
entre gêneros e produção escrita na escola, apresenta uma proposta muito interessante na qual sugere práticas de
transformação, de transposição de textos e construção interdiscursiva. Aproximando as sugestões de Brandão e os
fazeres pedagógicos de S2, percebe-se que, do ponto de vista didático, o professor trabalha com práticas de
transformação: mudar a versão da história; escolham algumas palavras e formam um novo texto; e com
práticas de construção: confecção de um livrinho através de desenhos e escrita. Embora os professores, em sua
formação ainda não tenham tido contato com saberes disciplinares que apontem para uma perspectiva de trabalho
com gêneros discursivos, há saberes que surgem da experiência, que revelam um fazer pedagógico muito próximo à
teoria que embasa os documentos oficiais de ensino de língua. É justamente esse aspecto que motivou a pesquisa,
buscar a compreensão desse fazer pedagógico que faz da sala de aula um espaço dialógico de aprendizagem.
Poderíamos ainda apresentar dados referentes à leitura, mas, para esse momento, nos concentramos na
produção escrita. Por fim, vale tomar mais um dizer: maior a vivência com materiais escritos maior será a
compreensão do mesmo, percebe-se aqui a relação entre leitura e escritura, que, se dialógica, permitirá a
compreensão da natureza da escrita até então não familiar para muitas crianças que ingressam no ensino fundamental.
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Os dados analisados permitiram observar que os sujeitos, enquanto professores e contínuos aprendizes,
podem utilizar diferentes tipos de saberes e novas formas de aquisição destes, para suprir as sempre existentes e
agora mais evidentes necessidades de trazer o aluno para o papel de seu interlocutor. Atentando a isso, retoma-se o
objetivo geral da pesquisa. Nesse aspecto, percebeu-se um professor atento às questões do letramento, ou seja, com
uma compreensão de que a linguagem acontece no social, o que se fez notar nas atividades e atitudes do professor
que não trabalha as palavras de forma isolada, sobretudo se se levar em conta que os sujeitos são professores das
séries iniciais.
Ao tentar desvelar o diferencial na prática docente desses professores no que se refere à língua materna e
compreender a relação prática pedagógica e base teórica no cotidiano escolar desses professores, podemos
aproximá-los e apontar para o que Tardif (2005) chama de saberes docentes. Primeiro, são professores com quase
vinte anos de exercício no magistério, isso aponta para a relação que existe entre saberes, tempo e aprendizagem do
trabalho do magistério. Quanto a isso, podem-se apontar alguns aspectos: a identidade do professor carrega marcas
de sua própria atividade; o trabalho pode modificar o trabalhador e sua identidade, então, o saber trabalhar, com o
passar do tempo, sofre mudanças e a formação teórica vai sendo completada pela prática. Vale ressaltar que “os
professores destacam a sua experiência na profissão como fonte primeira de sua competência, de seu
‘saber-ensinar’” (op. cit., p. 61). Assim, o saber do professor não tem apenas na universidade sua fonte, pois os
saberes são sociais, logo são adquiridos no contexto de socialização em que o profissional se insere. Assim, ao
longo da carreira, alimentado por diferentes fontes de saberes, o professor vive um processo de construção e
aprende a dominar seu ambiente de trabalho, o que explica a prática pedagógica com diferentes tempos de trabalho
no magistério.
Por fim, é importante dizer que esta pesquisa visou compreender um grupo de professores, pois, como
problematiza Tardif (2005, p. 259), as pesquisas em educação não podem abordar o estudo do ensino sob o ponto
de vista normativo, ou seja, parece “que os pesquisadores se interessam mais pelo que os professores deveriam ser,
fazer e saber do que pelo que eles são, fazem e sabem realmente” (grifo nosso). Entretanto, nosso olhar vai a
outra direção e por isso desejou ouvir os sujeitos professores falando sobre sua prática pedagógica e seus saberes.
Somente compreendendo-os é que a universidade pode repensar-se como fonte de saber.
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a prática pedagógica que chamou atenção