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A novidade das rebeliões indfgenas
Rompido o nexo entre
cidadania e representação
Legitimidade e
Radiografia da Crise
Roberto Amaral
ara além da crise política na qual todos
estamos enredados, vivemos grave crise
institucional, mais profunda e mais
ameaçadora, alimentada dia a dia, faz anos,
eleição após eleição, governo após governo,
legislatura após legislatura, pelo crescente
distanciamento entre cidadania e política, voto e
representação. Uma de suas manifestações é o
perigoso desencanto do cidadão com respeito a
suas instituições, nas quais não mais confia, com
as quais não mais se identifica, porque nelas não
pode identificar o instrumento adequado da
solução de seus problemas, dos problemas
individuais e coletivos, dos problemas da
sociedade e do país. A reiterada dissociação
entre a vontade eleitoral e a ação de seus
representantes eleitos rompe o nexo entre o
cidadão e o mandatário, cada vez mais
distanciado de seu próprio eleitorado, seja pelos
interesses que passa a representar após a eleição
(os interesses dos financiadores de campanha, os
interesses econõmicos, políticos ou corporativos
do segmento social que representa), seja pela
conduta muitas vezes questionável que passa a
adotar no exercfcio do mandato.
P
Esta crise da representação é também uma das
conseqüências da anarquia partidária, elemento
decisivo na desmoralização do processo
eleitoral. Isso também desorganiza a vontade
eleitoral e confunde a cidadania. Daí o voto por
interesse, que desqualifica o mandato e anula
qualquer tentativa de projeto colativo que vise ao
interesse do país.
Não está em questão a democracia, como
regime pelo qual optou a sociedade brasileira,
mas é inegável o desencanto geral em face da
forma como ela está sendo gerida. Em outras
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palavras, afirmamos que o modelo brasileiro de
democracia representativa está exaurido, como
exaurido está o sistema de partidos, como falido
está o processo eleitoral, ineficiente e trôpego,
ensejador de manipulações e distorções, como a
fraude e a compra de votos. A essa crise de
representatividade, soma-se grave crise ética
decorrente de perigosas relações entre os
poderes da República. Essa crise não é de agora,
mas agora está mais aguda na visão da opinião
pública, escandalizada pela imprensa.
O Congresso e os partidos, surpreendidos pela
crise por eles mesmo cevada, descobrem na
reforma política, que sempre rejeitaram, a tábua
de salvação para todos os males da República.
E dizem que esses males serão purgados
porque as campanhas eleitorais serão
financiadas pelo dinheiro público, porque será
exigida a fidelidade partidária, porque agora será
implantado o sistema de votação por listas.
Mantidas as estruturas carcomidas!
Ora, pensar que esta crise, que diz respeito à
funcionalidade das instituições da República, e
tem raiz na crise constituinte de que tanto fala
Paulo Bonavides, pode ser resolvida com a
aprovação, às carreiras, da chamada reforma
política que dormita no Congresso é, no
mínimo, insensatez.
Nenhum dos nossos graves problemas será
resolvido por decreto ou lei, porque não se
fazem partidos por decreto, nem por decreto se
restitui
a legitimidade
do Congresso.
Principalmente de um Congresso que sempre
desfrutou de imagem muito pouco favorável e
que agora é quase coletivamente acusado de
graves desvios de conduta.
pensarBrasil N"4 1 Maio-Junho 2005
ARTIGO EDITORIAL----
Não há modelo de democracia representativa
sem sistema de partidos, e a grande falência a ser
anunciada é a falência da ordem partidária. Pois,
no geral, os atuais, na sua maioria, são partidos
sem vida orgânica, sem fidelidade programática,
sem princípios ideológicos diferenciadores, de
sorte que a cada dia mais se difunde junto à
cidadania a certeza de que todos são iguais, os
partidos, os políticos, as lideranças, ou seja,
ninguém é confiável.
É a este sentimento, de profunda frustração e
tristeza cívica, que leva o espetáculo degradante
das denúncias e confissões envolvendo
parlamentares e políticos no plano nacional e em
quase todo o país.
Em nosso regime, a eleição do presidente da
República é plebiscitária (o que é natural no
sistema de dois turnos), desvinculada da
formação das bancadas, embora a renovação do
mandato presidencial e dos legislativos se dê no
mesmo processo. Dar resulta, sempre, que a base
partidária que elege o presidente raramente
consegue estabelecer maioria no Congresso,
donde a necessidade de negociações na Câmara
e no Senado. Mas negociações que não se fazem
a partir de programas de governo, pois se
desenvolvem no varejo, com parlamentares
individualmente e não com as direções partidárias
(pois essas nada mais lideram) e no casuísmo das
votações, ensejando toda a sorte de práticas
heterodoxas que aqui e acolá estouram na forma
de escândalo.
É exatamente à revelação pública dessas práticas
que estamos assistindo presentemente.
Qual é a agenda da vida pública brasileira de
hoje, quais aqueles temas candentes que
dividem a opinião publica, que põem em
confronto os partidos? Qual o debate que agita
o Congresso? Quais as polêmicas que dominam
os jornais?
Não, não há discussão política. Há negociações
entre representantes dos executivos e
parlamentares, para assegurar o controle dos
casos legislativos.
de seu voto. Esse vazio , em nosso subContinente, tem provocado traumas institucionais,
dos quais, felizmente, ainda estamos distantes.
Mas isso não deve significar que a insatisfação
permaneça indefinidamente congelada.
Não existem como fatos isolados representação
e institucionalidade. Uma alimenta a outra, como
vasos comunicantes. Dito de outra forma:
os vícios de uma, inevitavelmente vão
contaminar o conjunto.
O epicentro da crise está no Congresso . A
democracia convive com bons e maus
governantes, mas não sobrevive à desmoralização
das instituições. Um Congresso desmoralizado é
Congresso que não se impõe ao respeito da
sociedade. Nem o merece. Falece sem serventia.
Com essas considerações queremos afirmar que
não iremos a lugar nenhum se não enfrentarmos
a crise política na sua raiz: a depredação do
modelo constitucional de 1988, incapaz de
resolver a crise da democracia representativa
e do presidencialismo. Trata-se de ordem
constitucional descaracterizada pelas inumeráveis
reformas impostas pelo Congresso ordinário, uma
das quais foi a introdução da funesta emenda
permissiva da reeleição do presidente da
República, governadores e prefeitos, ao arrepio
da tradição republicana e de toda a estrutura
constitucional sobrevivente. Emenda, aliás, que
teve sua aprovação acoimada de graves vícios
jamais apurados. Urge revogá-la, tanto quanto o
instituto das Medidas Provisórias, mostrengo
parlamentarista numa estrutura presidencialista,
que transforma o Executivo no principal poder
legiferante da República e reduz ainda mais as
atividades de um Congresso pouco cioso da
defesa de suas atribuições.
É preciso construir mecanismos que assegurem
maior participação popular no processo legislativo
e maior transparência na vida parlamentar. É
preciso, fundamentalmente, restabelecer a
legitimidade dos mandatos. O Brasil não pode
continuar sujeito a crises dessa ordem. •
Do lado de fora, isto é, dentro do mundo real, um
eleitorado perplexo a se perguntar o que foi feito
pensarBrasll N"4 I Maio-Junho 2005
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Rompido o nexo entre cidadania e representação