Boaventura de Sousa Santos
Visão 13 Nov. 2014
Podemos.pt
Os países do Sul da Europa são diferentes mas estão a sofrer o impacto da
mesma política equivocada imposta pela Europa Central e do Norte, via UE, com
resultados desiguais mas convergentes. Trata-se, em geral, de congelar a posição
periférica destes países no continente, sujeitando-os a um individamento injusto na
sua desproporção, provocando activamente a incapacitação do Estado e dos
serviços públicos, causando o empobrecimento abupto das classes médias,
privando-os dos jovens e do investimento na educação e na investigação, sem os
quais não é possível sair do estatuto periférico. Espanha, Grécia e Portugal são
tragédias paradigmáticas.
Apesar de todas as sondagens revelarem um alto nível de insatisfação e até
revolta perante este estado de coisas (muitas vezes expressadas nas ruas e nas
praças), a resposta política tem sido difícil de formular. Os partidos de esquerda
tradicionais não oferecem soluções: os partidos comunistas propõem a saída da
UE, mas os riscos que tal saída envolve afasta as maiorias; os partidos socialistas
desacreditaram-se, em maior ou menor grau, por terem sido executores da política
austeritária. Criou-se um vazio que só lentamente se vai preenchendo. Na Grécia,
Syriza, nascido como frente em 2004, reinventou-se como partido em 2012 para
responder à crise e preencheu o vazio. Pode ganhar as próximas eleições. Em
Portugal, o BE, nascido quatro anos antes do Syriza, não se soube reinventar para
responder à crise e o vazio permanece. Na Espanha, o novo partido Podemos
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constitui a maior inovação política na Europa desde o fim da Guerra Fria e, ao
contrário do Syriza e do BE, não são visíveis nele traços da Guerra Fria.
Para entender Podemos, é preciso recuar ao Foro Social Mundial, aos
governos progressistas que emergiram na America Latina na década de 2000, aos
movimentos sociais e aos processos constituintes que levaram esses governos ao
poder, às experiências de democracia participativa, sobretudo a nível local, em
muitas cidades latino-americanas a partir da experiência pioneira de Porto Alegre
e, finalmente, à Primavera Árabe. Em suma, Podemos é o resultado de uma
aprendizagem a partir do Sul que permitiu canalizar criativamente a indignação nas
ruas de Espanha. É um partido de tipo novo, um partido-movimento assente nas
seguintes ideias: as pessoas não estão fartas da política, mas sim desta política; a
esmagadora maioria dos cidadãos não se mobliliza politicamente nem sai à rua
para se manifestar, mas está cheia de raiva em casa e simpatiza com quem se
manifesta; o activismo político é importante, mas a política tem de ser feita com a
participação dos cidadãos; ser membro da classe política é algo sempre transitório
e tal qualidade não permite que se ganhe mais que o salário médio do país; a
internet permite formas de interacção que não existiam antes; os membros eleitos
para os parlamentos não inventam temas ou posições, veiculam os que provêm das
discussões nas estruturas de base; a política partidária tem de ter rostos, mas não é
feita de rostos; a transparência e a prestação de contas têm de ser totais; o partido é
um serviço dos cidadãos para os cidadãos e por isso deve ser financiado por estes e
não por empresas interessadas em capturar o Estado e esvaziar a democracia; ser
de esquerda é um ponto de chegada e não um ponto de partida e, portanto, prova-se
nos factos. Exemplo: quem na Europa é a favor da Parceria Transatlântica para o
Investimento e Comércio não é de esquerda, mesmo que militante de um partido de
esquerda.
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É possível que surja um Podemos em Portugal? É bem necessário, dado o
vazio. Portugal não tem a mesma tradição de activismo que a Espanha. Será um
partido diferente e, neste momento, terá pouca repercussão. Portugal vive o
momento Costa. As primárias do PS mostraram o que disse atrás: o enfado é só
com a política do costume. Mas é preciso preparar o futuro: para colaborar com o
PS, caso este esteja interessado numa política de esquerda; ou para ter uma
alternativa, no momento de descrédito do PS, que ocorrerá fatalmente se ele se
aliar à direita. Por agora, a segunda alternativa é a mais provável.
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