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A ilusão do radicalismo
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JOÃO CARLOS ESPADA
DIRETOR DO INSTITUTO DE ESTDOS POLÍTICOS DA UNIVERSIDADE
CATÓLICA PORTUGUESA, LISBOA.
[email protected]
A radicalização da esquerda não será apenas prejudicial para si própria. Será
prejudicial para todos.
Agora que a crise grega obteve um interregno e agora que o interregno de
Agosto se aproxima, os analistas especulam sobre as marés políticas que nos
esperam no Outono. O tom geral não é propriamente optimista.
No sábado, um longo artigo no Telegraph de Londres previa uma “vasta
reacção esquerdista na Europa contra a humilhação de Atenas.” As eleições em
Portugal, Espanha e Irlanda são citadas como próximos testes às tendências
europeias. Mas o artigo deixa correctamente em aberto o efectivo alcance dessa
previsível “vasta reacção esquerdista na Europa”.
Esse é o ponto que merece ser enfatizado. Parece estar a ocorrer uma
radicalização do discurso da esquerda em vários países europeus. Mas resta
saber qual é o alcance dessa radicalização: irão os eleitores acompanhá-la? Ou
vão os radicais obter uma supresa semelhante à que o Partido Trabalhista
britânico enfrentou nas eleições de Maio passado — quando os Conservadores
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Artigo publicano no jornal O Público, Lisboa, 27-07-2015.
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obtiveram uma confortável vitória, que lhes era peremptoriamente negada
pelas sondagens?
O caso britânico continua aliás a ser sugestivo. Após a derrota de Maio,
era de esperar uma recentragem dos trabalhistas. Mas a tendência parece ser a
oposta. A corrida para a liderança do Partido Trabalhista está agora a ser
liderada por um tal Jeremy Corbyn. Trata-se de um socialista da velha guarda
colectivista que ataca o mercado e as multinacionais, promete re-nacionalizar
sectores estratégicos, exige desnuclearizar o Reino Unido e faz de Israel o seu
principal inimigo externo.
Uma declaração oficial do Syriza grego já anunciou ao mundo que Corbyn
era a melhor esperança do Reino Unido e da Europa. Em contrapartida, Tony
Blair já veio a público denunciar o esquerdismo do sr. Corbyn. E não esteve com
meias-palavras. Aos que dizem ter o coração com Corbyn, Blair simplesmente
aconselhou… “um transplante”.
Mas Tony Blair — que simplesmente conseguiu três vitórias consecutivas
para o Partido Trabalhista, depois das três vitórias consecutivas da Sra.
Thatcher — parece ser agora o principal inimigo do seu próprio partido. Este
parece agora preferir o sr. Corbyn.
O fenómeno está a gerar grande felicidade entre os conservadores.
George Osborne, o Ministro das Finanças, já escreve artigos no Guardian,
argumentando que os verdadeiros progressistas devem apoiar as reformas
propostas pelo Governo conservador. Ao mesmo tempo, líderes trabalhistas
moderados multiplicam alertas públicos contra o erro fatal (para os
trabalhistas) da opção Corbyn.
O que estes desenvolvimentos revelam é relativamente simples, embora
seja muitas vezes ignorado e frequentemente negado: os partidos políticos não
são donos do eleitorado, nem mesmo do seu próprio eleitorado tradicional. E
isso significa, entre outras coisas, que uma tendência de evolução na opinião
interna de um partido pode não ter correspondência com a evolução da opinião
maioritária entre o eleitorado. Esse foi certamente o caso das eleições de Maio
no Reino Unido — quando o eleitor comum surpreendeu o vanguardismo
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dominante nos partidos da esquerda e na própria opinião publicada (que deve
ser distinguida da opinião pública).
Tudo isto pode ajudar a reflectir sobre a previsão do Telegraph de
Londres sobre uma “vasta reacção esquerdista na Europa contra a humilhação
de Atenas.” Que essa reacção está a ocorrer em vários partidos de esquerda na
Europa é indesmentível. Que ela também se manifesta em muitos analistas nos
jornais e televisões parece igualmente ser um facto. Mas será essa reacção
acompanhada pelo eleitorado?
Pessoalmente, tenho sérias dúvidas. Nada no comportamento do Syriza
inspira confiança. Há uma sucessão de ziguezagues que deixa perplexo o senso
comum. A própria expressão “humilhação de Atenas” é ambígua. Refere-se ela
às condições impostas pelos credores a Atenas, ou à negação do resultado do
referendo pelo próprio Syriza?
Julgo, por isso, que Tony Blair tem razão — e não só no caso britânico. A
radicalização do discurso dos partidos à esquerda opera em circuito fechado. O
eleitorado central não tem qualquer motivo sensato para acompanhar esse
radicalismo.
Mas essa radicalização da esquerda não será apenas prejudicial para si
própria. Será prejudicial para todos. Vai empobrecer o debate político global. A
direita deixará de ter um estímulo para ultrapassar o mero discurso da
estabilidade e da continuidade. E, embora estas sejam certamente preferíveis ao
radicalismo aventureiro, dificilmente constituem uma política inspiradora.
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