SEMINÁRIO INTERNACIONAL:
“O papel dos governos locais nos países federais”
Observatório dos Consórcios Públicos e do Federalismo
São Paulo, 9.9.2014
/MEMÓRIA DO EVENTO/
O Seminário Internacional “O papel dos governos locais nos países federais”, co-organizado
pela Subchefia de Assuntos Federativos da Presidência da República (SAF/PR), Frente
Nacional de Prefeitos (FNP), FONARI, Observatório dos Consórcios Públicos e do Federalismo
e pelo Curso de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC) teve lugar
na sede do Observatório, em São Paulo, na tarde de 9.9.2014. Paula Ravanelli Losada,
representando a SAF/PR, conduziu a abertura do evento, com a presença na mesa de Rupak
Chattopadhyay, presidente e CEO do Fórum das Federações (FoF); Georg Milbradt,
ex-governador do Estado da Saxônia (Alemanha) e Presidente do Conselho Estratégico do
FoF; Debebe Barud, Secretário Geral da “House of Federation” da Etiópia; e Vinod Aggarwal,
conselheiro e secretário do Secretariado do Conselho Inter-estadual da Índia.
Na abertura, Paula Losada afirmou que o tema escolhido para o seminário foi "O papel dos
governos locais nos países federais" devido à peculiaridade de o Brasil ser um dos poucos
países que confere status constitucional aos municípios como unidade federativa e
reconhece a autonomia dos governos locais. Segundo Losada, o intuito do evento foi o de
compartilhar as experiências federativas visando o aperfeiçoamento dos governos locais
em países federais de diferentes continentes.
Na sequência, Rupak Chattopadhyay apresentou o Fórum das Federações (FoF), que é uma
organização internacional com sede em Ottawa, Canadá, criada em 1999, que, com seus
parceiros, forma uma rede global sobre o federalismo. São dez países membros (Alemanha,
Austrália, Brasil, Canadá, Etiópia, India, México, Nigéria, Paquistão, Suíça) que compõem
uma rede de representantes eleitos, funcionários públicos e especialistas em federalismo
de cerca de 20 países. É uma rede de aprendizagem relacionada à promoção dos estudos
intergovernamentais sobre desafios de governança nas democracias multiníveis.
Rupak destacou a importância que os governos locais tem ganhado e que a partir disso
surgem questões como o financiamento dessas regiões. Sublinhou que a população urbana
já superou a população rural, concentrando nas cidades os principais e maiores desafios,
como segurança, habitação e desigualdade social. Esses problemas demandam maior
atenção às cidades. Enfatizou também a questão de os países ainda tratarem áreas urbanas
como rurais, e que isto é um grande problema, pois atualmente há mais áreas urbanas do
que rurais no mundo e que em grande parte são os motores das economias nacionais.
Essa atenção ao poder local no Brasil é representada pelo reconhecimento, via Constituição
Federal, dos municípios como entidades federativas, sendo um dos primeiros países a
reconhecer como tal. Para fazer um contraponto, Chattopadhyay compara o Brasil com o
Canadá, país que ele habita e é a sede do FoF, onde não há muita interação entre governo
federal e os governos locais. Concluiu dizendo que o Seminário é de suma importância pelas
experiências que podem inspirar e ensinar. Após a explanação de Rupak, foram apresentadas
as experiências da Alemanha, Etiópia e Índia.
Sobre a Alemanha, Georg Milbrat, ex-governador do Estado da Saxônia, iniciou com uma
imagem mostrando como é a estrutura política do país. Há três cidades-estados e 11.116
municípios. Na Alemanha, o nível local é competência dos estados e não há interferência
do governo federal. A federação é responsável em transferir recursos para os estados e
estes encaminham o dinheiro para os municípios, que também podem recolher impostos.
Desse modo, as cidades não se tornam endividadas pois recebem dinheiro suficiente para
cobrir os gastos da administração pública. Outra característica dos municípios é que estes
são os maiores investidores na Alemanha.
O sistema de auto-governo municipal presente na Alemanha ocorre desde os tempos
medievais, antes mesmo da unificação alemã. Esse modelo político é também um modelo
de desenvolvimento, pois as cidades conseguem identificar as principais áreas de atenção,
é uma forma de governo de muito sucesso, presente também nos países do Leste Europeu.
Há a garantia de autogoverno na Constituição Federal Alemã – os impostos de renda e valor
agregado são divididos nas três instâncias: Federal, Estadual e Municipal. Os municípios tem
presença e voz ativa nas ações legislativas, e eles são os maiores investidores no país.
Na segunda exposição, Debebe Barud destacou que na Etiópia o Federalismo não foi uma
opção, foi a única saída para que as etnias pudessem expressar sua cultura, uma vez que o
governo anterior era muito centralizado e tentava homogeneizar a sociedade. Barud traçou
um breve panorama sobre a história da Etiópia, país que tem mais de 75 etnias, unidas de
forma artificial a partir da Conferência de Berlim, e para que os direitos de todos fossem
atendidos, o federalismo mostrou-se como a única opção viável, após sofrerem durante
anos com um governo centralizado preocupado com as minorias mais ricas do país.
Em 1991, as etnias lutaram pelo seu direito a um governo próprio, o que está expresso no
art. 50 da Constituição da Etiópia de 1995. Esse direito garante que cada etnia é auto-governável,
sendo a diversidade uma questão muito crítica, visto que no regime anterior essas etnias
perderam parte dessa cultura, “substituída” por uma cultura “única”, principalmente no
período imperial.
O governo etíope é representado pelos âmbitos federal e regional, sendo que o poder de
estabelecer as unidades de governo local é determinado pelo governo regional. Para o
especialista, o conceito de federalismo precisa ser revisto, pois, por ser muito novo, resulta
numa infraestrutura local imprópria, visto que até os grupos étnicos minoritários têm
representantes, há uma demanda por recursos cada vez maior para que os direitos da
população sejam atendidos, e o país ainda não tem condições para prover todos os
recursos necessários. Por fim, Debeb afirma que o reconhecimento da autonomia dos
governos locais permite às etnias seguir vivendo pacificamente segundo este modelo de
federalismo, e tal modelo pode diminuir os conflitos nos países do chifre da África, assim
como aconteceu na Etiópia.
Na terceira e última exposição, Vinod Aggarwal explica que a Índia tem 29 estados, com
governos locais rurais e urbanos. É um país muito diverso, seja entre etnias ou dialetos.
Após anos de estados muito fortes, com a aprovação da constituição federal houve uma
diminuição dos poderes dos estados, priorizando os governos locais.
A experiência dos poderes locais foi um pouco diferente, pois somente após diversas
mudanças na Constituição houve alguma influência nos municipios. A mudança na
Constituição de 1992-93 levou à criação dos três poderes para atuar no governo, e deu
poder aos governos locais – municipais e estaduais. Uma emenda constitucional criou um
nível de governo abaixo do estado, na ordem hierárquica, os Panchayats (espécie de região
rural), importantes unidades em relação à identidade cultural local.
Além disso, os Panchayats recebem recursos do governo central a partir de avaliação de
desempenho medida por indicadores com valor normativo – podendo receber mais ou
menos verbas de acordo com o seu ranking gerado pelos indicadores. Outro ponto
destacado foi o de que 1/3 da representação das Câmaras (City Councils) dos Panchayats
são reservados às mulheres no Congresso.
A segunda parte do evento foi dedicada a comentários de especialistas e a perguntas da
plateia. Em seus comentários, o Professor Gilberto M. A. Rodrigues (UFABC) enfatizou aspectos
relacionados às relações internacionais e ao federalismo, como a modelagem federativa, a
globalização e a integração. Destacou que esses vetores geram demandas muito novas nos
municípios como os Objetivos do Milênio (ODMs) da Organização das Nações Unidas (ONU)
e os novos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) onde o papel dos governos
locais é chave; outro exemplo são o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento
que estão investindo em municípios, pois estes estão impactando as relações internacionais.
Os processos de integração, como União Européia e seu Comitê de Regiões que dá voz ao
poder local e o Foro Consultivo (FCCR) do Mercosul, que também reconhece a legitimidade
da voz dos poderes locais, foram outros pontos destacados. Apontou que após a Guerra Fria
as cidades fronteiriças começaram a ser vistas como zonas de cooperação e não mais de
confronto. Destacou a constitucionalização das competências, funções, dos direitos dos
municípios, no Brasil, que tornou os municípios entes da Federação, e nenhuma Constituição
é tão contundente nesse sentido.
Por fim destacou que arrecadação direta é mais desejável, pois gera maior independência
dos governos federais, e questões políticas como as eleições diretas, que são um avanço.
Destacou no caso brasileiro os conselhos municipais, que não são entes federativos, mas
complementam os trabalhos das Câmaras Municipais, e nesse sentido a Índia tem algumas
similaridades com o Brasil. Concluiu dizendo que é necessário ter cuidado com a transferência
ou cópia de modelos, mas que podem servir de inspiração, e também que as identidades
culturais de certas unidades federativas, como Índia e Etiópia, devem ser observadas e
devemos aprender com isso, e que a preservação dessas identidades trazem coesão e
diversidade na unidade federativa e pode reduzir conflitos locais.
Na última parte do Seminário, em resposta a diversas perguntas, Georg Milbrat destacou a
importância do princípio da subsidiariedade (quando o poder local faz as vezes do nacional)
na Alemanha e que essa ideia germânica inspirou a própria evolução da União Europeia.
Dabeb, da Etiópia, destacou que o respeito à diversidade, incorporado no modelo federativo,
pode prevenir conflitos étnicos na Africa. Vinod sublinhou que o empoderamento das
mulheres, por meio de ação afirmativa de um terço, se dá apenas no nível local, não havendo
política semelhante ao nível nacional, como no caso da lei eleitoral brasileira que estipula
25% de preenchimento de mulheres na lista de candidatos. Vinod também explicou que os
partidos não recebem verba governamental na India, devendo buscar seus próprios recursos.
Marcela Cherubine, representando o Observatório dos Consórcios Públicos e do Federalismo,
encerrou os trabalhos exaltando a importância do Seminário para o debate federativo no
Brasil.
(A Memória do Seminário foi elaborada pelas estudantes do Curso de Relações internacionais
da UFABC, Carolina Gusmão e Stefanie Prandi Mendes, sob a supervisão dos Profs. Gilberto
M. A. Rodrigues e José Blanes Sala).
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