701 bilhões, 762 milhões e 100 mil Reais
Claudio Monteiro Considera*
Este é o valor da dívida do atual governo para com os brasileiros. O título deste artigo
poderia ser, alternativamente, um outro número caro ao PT: “3 milhões, 726 mil empregos
jogados no ralo”. Ou, ainda, duas declarações recentes: “Bravatas, só na oposição” (Presidente
Lula); ou, “Éramos contra as reformas de FHC por estarmos disputando o poder político” (João
Paulo Cunha, Deputado Federal do PT, Presidente da Câmara). Mas, o título escolhido acima, o
valor da herança oposicionista do PT, é mais objetivo e adequado.
Os resultados das políticas econômicas geralmente duram até muito tempo após estas
terem sido implementadas. E, infelizmente, por esses desígnios da economia, os erros de política
econômica geralmente demoram muito mais tempo para aparecerem do que os acertos; e, mais
desgraçadamente ainda, seus efeitos deletérios também permanecem por tempo mais longo do
que os efeitos de uma boa política.
De fato, é muito mais fácil e rápido estragar uma situação de equilíbrio econômico do que
corrigir esse estrago. Pior ainda, poucos estão habilitados a perceber com clareza as diferenças
entre os resultados imediatos de uma política ou da falta dela, e o que virá a ser seu legado. Ainda
assim, raramente essa percepção consegue ganhar status de um alerta desapaixonado e
politicamente neutro, capaz de lhe conceder credibilidade. Geralmente, a sociedade está mais
disposta a saudar bons resultados ou criticar pretensas falhas imediatas do que se preocupar com
incertos resultados futuros. E, para o bem ou para o mal, uma análise isenta e correta só é
possível muitos anos depois do bem ou do mal estar feito.
A história econômica mundial, e do Brasil em particular, está cheia de exemplos do que se
afirmou acima. Revisitá-los pode ser útil para o saudável exercício de se procurar ver como
história, não apenas o passado, mas também o presente e o futuro. No que se refere à avaliação
de algumas das políticas econômicas de FHC, ou a falta delas, o futuro, as vezes distante, foi
antecipado pelas declarações sinceras de outrora oposicionistas, acima citadas. Pode-se, assim,
avaliar o custo de o PT ter impedido a realização das reformas pretendidas por FHC e os
benefícios daquelas realizadas mesmo contra a oposição do PT.
O governo FHC foi sistematicamente atacado pelas reformas estruturais, ditas neoliberais,
algumas das quais, a duras penas implementadas. As privatizações foram alvos de algumas
batalhas campais, promovidas pela oposição, liderada pelo PT, na Praça Quinze, no Rio de
Janeiro. O fim da intervenção do governo nas tarifas e no controle de preços em geral e a criação
das agências reguladoras foram alvos de sistemáticas batalhas parlamentares. Até hoje, as
agências reguladoras não têm um quadro de pessoal concursado e regulamentado devido às ações
de bloqueio do PT. A reforma da previdência plena foi impedida pelos que agora a pregam com
veemência. Um projeto de reforma tributária (inclusive com a unificação das 27 legislações do
ICMS, como propugnava o Ministro Malan) foi abortado sistematicamente, devido à própria
impossibilidade de se começar a discuti-lo, constatada nos primeiros contatos políticos.
*
Professor de economia do IBMEC e da UFF. Foi Secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da
Fazenda no segundo mandato do governo FHC.
Ah..., Ia esquecendo o outrora satânico e excessivo equilíbrio fiscal, imposto pelo FMI. O
Ministro da Fazenda da ditadura militar e atual deputado federal, Delfim Neto, em artigo de
jornal afirmou que o aumento de 0,5 ponto de percentagem de superávit primário (de 3,75 para
4,25), anunciado com “total independência” pelo novo governo, era a expressão definitiva da
notável diferença da antiga política econômica para a atual (e não estava ironizando).
Governar o Brasil, ao contrário do que FHC disse inicialmente, não lhe foi fácil.
Principalmente, enfrentando uma oposição que bloqueou as reformas com bravatas, não para
defender o Brasil e melhorar a vida de seu povo, mas para impedir que um governo (apelidado de
neoliberal e entreguista) que desejava realizá-las, obtivesse sucesso, com o torpe objetivo de
vencê-lo em próximas eleições. Governar o Brasil contra mesquinharias é muito difícil.
O atual governo prega, com ênfase, a necessidade das reformas inacabadas para promover
a retomada de um crescimento econômico maior. O governo FHC também pregava a necessidade
das reformas, conjugadas ao equilíbrio fiscal, para garantir um crescimento sustentado de 4% ao
ano. A oposição atacava tudo: as reformas, o equilíbrio fiscal e os medíocres 4% de crescimento
e pregava aumentos irrealistas de salário mínimo e para o funcionalismo, no patamar demagógico
entre 60% e 70%, e concedido, agora que é governo, em base humilhante.
Ao reconhecer que para reduzir a taxa de juros e crescer mais é necessário implementar
tudo que atacava (quando se dizia, “contra isso tudo que está aí”), o governo atual assume que é
responsável pelo o que o Brasil deixou de crescer no passado. Deixando de lado as bravatas de
crescimentos milagrosos que o PT já prometeu caso fosse responsável pela política econômica, e
considerando o modesto crescimento de 4% prometido pelo Ministro Malan caso se fizessem as
reformas, é possível calcular o valor dessa (ir)responsabilidade.
O Brasil cresceu 19,82% nos 8 anos de FHC, cerca de 2,29% ao ano. Nos únicos 2 anos
em que as crises internacionais não nos abalaram, mesmo com reformas inacabadas, crescemos
um pouco acima de 4%. Nos demais anos, faltou crescimento para completar os 4%. Fazendo a
conta dessas diferenças ano a ano, e acumulando-as a preços de 2002, este valor alcança a
expressiva soma de 701 bilhões, 762 milhões e 100 mil reais, quantia mais do que suficiente para
pagar a dívida pública.
Caso houvéssemos contado com a colaboração patriótica e não com bravatas da oposição
e tivéssemos crescido a 4% ao ano durante a era FHC, o PIB brasileiro de 2002 teria sido de R$
1,52 trilhões, e não os R$ 1,32 trilhões recentemente anunciados pelo IBGE. Considerando a
relação emprego por produto de 2001, estaríamos gerando mais 3 milhões, 726 mil empregos,
com os 200 bilhões desperdiçados apenas neste último ano.
Como tem obrigação de reconhecer conhecido colunista, crítico da ekipeconômica: foi o
PT, e não o Ministro Malan, quem tungou o povo brasileiro. Mas, antes tarde do que nunca, os
atuais governantes reconheceram o quanto estiveram enganando o povo brasileiro. Como disse,
em recente artigo, o ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco, execrado pela oposição:
Santa (e Bendita) Incoerência. Que os partidos, outrora base do governo FHC, não sejam
incoerentes com o que apoiavam no passado e dêm suporte as reformas que sempre pregaram,
permitindo que o novo governo salde sua dívida com o povo brasileiro.
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