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Em torno deste conceito, organiza-se uma malha de
quatro pressupostos:
1.1. Existência como conhecimento;
1.2. Conhecimento como hermenêutica;
1.3. Hermenêutica como discurso narrativo;
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1.4. Discurso narrativo como cultura.
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Psicólogos  conhecimento = processo de construção ativa =
indissociável da existência (conhecimento = experiência).
Objeto da psicologia  contexto da experiência do indivíduo (não
no sentido das representações do mundo “lá fora” mas como um
processo contínuo de construção do mundo através da própria vida)
Todos os seres conhecem, reconhecem, transformam e
transformam-se no decurso de sua existência.
Visão Intrapsíquica  visão existencial.
Subjetividade hermenêutica  necessidade psicológica de dar
ordem, sentido e coerência.
Vivemos hoje, não no UNIVERSO mas num MULTIVERSO =
MULTIRREALIDADE
Assim, compreender o comportamento humano é
compreender os sistemas interpretativos utilizados pelos
sujeitos no sentido de expandir e dar significado às suas
experiências.
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Todo conhecimento (e por implicação, toda existência) tem uma
natureza inerentemente hermenêutica.
Hermenêutica  interpretação textos sagrados (leis).
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O conhecimento é indissociável da existência.
Existênciaconhecimento  processo hermenêutico de
construção de significados (LINGUAGEM).
A multiplicidade de significados só é possível graças ao poder
criativo e múltiplo da linguagem.
Linguagem  fenômeno psicológico de 1ª ordem = elemento
fundacional da experiência.
Narrativa = não escolhemos = algo que somos.
Tal como a vida, a narrativa é inerentemente aberta e
multipotencial, abrindo-nos para uma multirrealidade e
multirracionalidade.
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Discurso Narrativo  narrativa não é um ato mental individual
= produção discursiva de natureza interpessoal.
Toda narrativa = todo conhecimento  localizada = contexto.
Significados = só fazem sentido quando localizados no
espaço/tempo = contexto interpessoal que os enquadra.
Narrativas = formas de significação = contexto dialógico,
situando-se no espaço da interindividualidade.
Dão sentido à existência, tornando a experiência comum = dar
sentido é sobretudo tornar comum.
Sou tanto mais autor quanto menos idêntico.
Os pressupostos põe em questão:
1) A crença na existência de elementos de uma realidade interna essencial.
2) A existência de um ser humano completamente individualizado e autônomo.
O indivíduo isolado transformar-se-á num espaço relacional de
interlinguagem.
2º) Uma psicoterapia que deixará de metaforizar o terapeuta
como doutor da interioridade e da individualidade, e que
procurará criar condições, no contexto da realidade
conversacional que é a terapia, para um desenvolvimento da
coerência, complexidade e multiplicidade do cliente.
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Decorrem implicações clínicas em 2 níveis:
1º) Uma nova concepção de psicopatologia, equacionando a
fenomenologia da perturbação, não como o reflexo de uma
disfunção interna, seja ela “mental” ou “neurobiológica”, mas
como um disfuncionamento do próprio discurso narrativo.
A psicopatologia, como processo de significação, é o produto da
interação entre sistemas de significação de paciente e especialista 
caracterização da psicopatologia = existência, e não a sua essência.
A psicoterapia  ouvir as narrativas do cliente como uma forma
de compreender os seus sistemas de significação = expandir estas
formas de significação  Não há pois psicopatologia sem
interlocutor, e outra eventualmente seria a patologia, se outro fosse
o interlocutor.
As significações do cliente existem numa realidade conversacional
com as significações discursivas do próprio terapeuta.
Mas... Como as significações se organizam na matriz narrativa do
indivíduo?
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A psicopatologia é uma produção discursiva de organização de
significados, indissociável de uma contextualização conversacional e
sociocultural  as psicopatologias mudam, quando mudam os
pacientes, os tempos, as culturas e os especialistas.
Há 3 dimensões centrais da matriz narrativa:
(1) coerência, (2) complexidade e (3) multiplicidade.
“Viver narrativamente é ser capaz de explorar múltiplas
narrativas do passado, presente e futuro
(multiplicidade narrativa),
(complexidade narrativa)
e construir um sentido de conexão
intra e inter-narrativas
(coerência narrativa)”
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enriquecer estas narrativas por uma variedade de
processos e atitudes que nos dêem conta da
multipotencialidade de cada instante episódico
da nossa existência
Processo terapêutico: 5 fases
(1) recordação: identificar elementos episódicos da experiência;
(2) objetivação: explorar a multiplicidade do mundo sensorial;
(3) subjetivação: identificar a variedade de experiências internas,
emocionais e cognitivas;
(4) metaforização: diferenciação de significações da experiência;
(5) projeção: elaboração de possibilidades alternativas para
narrativas de futuro.
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Psicoterapia Cognitiva Narrativa  narrativas = elemento central
da construção do conhecimento.
Objetivo levar o cliente a construir uma realidade múltipla de
experiências sensoriais, emocionais, cognitivas e de significação.
Nesta perspectiva  a perturbação psicológica é provocada
pela incapacidade de dar conta da diversidade e potencialidade da
experiência através da organização de um discurso narrativo que
seja simultaneamente diversificado, complexo e coerente.
(1) recordação
 No final desta fase espera-se que o cliente esteja mais
consciente do sentido de autoria que tem construído à
medida que se vai abrindo à exploração dos episódios da
sua vida diária, como condição de diferenciação da sua
própria narrativa e, por conseguinte, do respectivo autor
que a escreve.
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Revisão episódica de vida = cada ano da vida.
É a capacidade de singularizar episódios significativos da
vida que faz de cada indivíduo um autor da sua própria
narrativa.
É uma atitude não só voltada ao passado, mas
igualmente voltada para o futuro = narrativa prototípica.
(2) objetivação
A objetivação = elemento essencial para uma atitude
de construção narrativa = A realidade constitui um
incomensurável menu de que o cliente em situação de
perturbação raramente desfruta.
O objetivo = a cada momento = o cliente se aperceba
da complexidade e versatilidade das experiências na sua
riqueza sensorial – aquilo que vê, que ouve, os odores e sabores que
ele é capaz de identificar, bem como a multitude de experiências táteis e
cenestésicas que a experiência lhe proporciona.
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O cliente é levado a experienciar a multiplicidade de
realidades externas, através de toda a dinâmica =
capacidades sensoriais.
(3) subjetivação
Exercícios de ativação emocional  o cliente vai
alargando o leque da sua experiência emocional = dar
conta de emoções que antes não reconhecia.
 Só através de uma flexibilidade da sua experiência
emocional e cognitiva, poderá o cliente estar capacitado
para assegurar a viabilidade dos seus mecanismos de
adaptação.
Viver uma realidade múltipla é ser capaz de construir
múltiplas versões dessa realidade.
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Na subjetivação o trabalho de construção múltipla
prossegue  variedade de exp. emocionais e cognitivas.
(4) metaforização
As metáforas = condensadores de significado = damos
sentido a cada uma das recordações que vamos
experimentando sensorial, emocional e cognitivamente.
METÁFORA RAIZ forma prototípica idiossincrática
de organização dos significados de sua vida, realizada
clinicamente através do processo de metaforização da
própria narrativa-protótipo.
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Na metaforização = produzir múltiplos significados para
cada memória episódica, que vive ou intencionaliza =
enriquecer intencionalmente a experiência.
(5) projeção
Projeção  indivíduo em constante movimento espaço
/tempo = intencionalizar as experiências do futuro.
Cliente crie suas próprias memórias do futuro 
novas metáforas de si próprio = atualizar novos significados, novas
emoções, novas cognições, novas sensações.
 nova revisão da história de vida = encontrar e fundamentar =
no seu passado histórico, episódios caracterizadores desta nova
forma de significação.
O cliente aprende também a reconhecer que o passado é um
espaço aberto a múltiplas significações = dependendo do ponto
metafórico de partida = podemos construir não só diversos futuros,
mas também múltiplos passados.
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METÁFORA ALTERNATIVA (no lugar da METÁFORA RAIZ)
A diferença, no fundo, entre ter ou não ter uma atitude
narrativa, é um pouco como a diferença que Watzlawick
(1984) introduz entre o suicida e o que procura a vida.
Enquanto o 1º (o suicida) introduz o zero na equação
existencial, ao constatar que não consegue
encontrar aquilo que procura,
o 2º (o que procura a vida) percebe que a criatividade
inerente ao processo de existir, resulta da existência
de uma infinidade de locais de procura.
E, acrescentaríamos nós, o reconhecimento de que
é a incerteza quanto àquilo que se vai encontrar,
que faz do ato da procura um verdadeiro ato criativo.
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Uma atitude narrativa?
Grandesso, M. A. Sobre a reconstrução do significado: uma análise epistemológica...SP: Casa do Psicólogo,2000.
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“...Cada cliente é considerado único nas suas
circunstâncias...
Cada sistema terapêutico e cada relação terapeutacliente são também idiossincráticos...
Portanto,
se uma depressão não é igual a outra depressão,
a experiência que o terapeuta acumula é
a habilidade de desconstruir sua escuta fechada,
estar em diálogo, de criar um contexto conversacional
gerador de novos significados mais libertadores,
o que implica, necessariamente,
uma atitude de respeito e humildade “
Para manter a primeira chama vacilante acesa,
necessita-se colocar pequenos gravetos
no tempo adequado.
Se for colocado apenas um,
ele rapidamente será consumido e o fogo apagar-se-á;
se forem muitos de uma só vez,
ou lenha muito pesada, a chama será sufocada...
Assim, gentil e habilmente cuidada,
a chama pode ser alimentada pelo oxigênio,
até que, estabelecida,
a fogueira possa receber a lenha mais pesada
e seguir por si mesma sua vida.
Grandesso, M. A. Sobre a reconstrução do significado: uma análise epistemológica...SP: Casa do Psicólogo,2000.
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Metáfora da Fogueira
Entrevista com Prof. Óscar Gonçalves (Presidente da Escola de Psicologia da UM)
OG: Eu fui treinado como terapeuta comportamental... quando comecei a fazer prática clínica... fui fazer o
meu estágio no hospital psiquiátrico no Porto ... meu primeiro estágio de facto...eu era um fervoroso crente
da ciência psicológica e para mim na altura a tradução da ciência psicológica na prática psicoterapêutica
era o comportamentalismo...
Eu podia tratar tudo... Era tudo pequenas variantes a partir deste processo de aprendizagem... Às vezes as
grandes revoluções epistemológicas que nós temos são os nossos próprios pacientes que nos trazem.
Eu lembro-me de um paciente meu que me ajudou, foi talvez um dos primeiros pacientes que me ajudou a
perceber as potencialidades e os limites da crença que eu trazia numa ciência que dava os seus passos
mas que tinha ainda muito caminho para andar...Este paciente era um paciente – sorte de principiante que me apareceu à consulta, na altura nós chamávamos-lhe mais uma claustrofobia, hoje chamar-lhe-ia
uma perturbação de pânico com agorafobia, era um mecânico que me apareceu à consulta, tinha medo de
entrar dentro do carro, trabalhar dentro da mala do carro, andar debaixo do carro…Locais confinados, o
típico ataque de pânico, eu lembro-me que terei passado a primeira consulta a fazer uma avaliação
cuidadosa de todo aquilo que… das contingências, tudo ali.
Mandei-o vir na semana seguinte – não que não o pudesse ver no dia seguinte mas tinha aprendido que
era na semana seguinte, portanto mandei-o vir na semana seguinte. Não tinha muitos pacientes portanto
preparei cuidadosamente a análise funcional, desenhei o meu modelo terapêutico todo para o processo
terapêutico e percebi “eu com x sessões resolvo o problema… faço isto, vou-lhe ensinar aquilo…” na altura sabia a dessensibilização sistemática, que preparei.
E o paciente apareceu-me na consulta seguinte com um ar muito animado e simpático, eu julgo que tinha
desenvolvido uma boa aliança terapêutica com ele na primeira consulta, e disse-me “bom eu nem estava
a pensar vir aqui à consulta hoje mas resolvi vir para lhe agradecer porque estou curado”.
E eu costumo dizer que na altura terei pensado que a psicoterapia comportamental sabia que era rápida
mas não sabia é que era tão rápida, não é? Isto simultaneamente para um jovem que se inicia nas artes
psicoterapêuticas é gratificante e inquietante.
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Gratificante porque “uau, aqui está!”, logo à primeira, uma consulta e este já está curado. Inquietante
porque “o que é que eu fiz?”, não é?
Sobretudo o que é que eu não fiz, porque eu não fiz aquilo que era suposto fazer, e como é que ele muda
sem eu fazer aquilo que deveria ter feito.
Bom, o homem lá me explicou o que é que fez, fez aliás uma coisa curiosa, saiu da consulta… e diz ele
que na consulta foi particularmente importante aquilo que eu lhe disse – e eu não sabia bem o que é que
lhe tinha dito que tinha sido tão importante – e ele disse “mesmo aquilo que o Sr. Dr. me disse no final
da consulta”.
E eu não me lembrava especificamente o que é que de tão importante lhe tinha dito no final da consulta e
ele lá me confessou que aquilo que eu disse foi – quando estava já quase a acabar a consulta, ele
desesperado a ver que a consulta tinha passado e eu não lhe tinha dado nenhuma prescrição específica –
ele disse “ah, sabe, tenho medo que um dia destes eu morra de uma coisa destas, tenha um ataque
cardíaco e morra” e eu ter-lhe-ei dito, em jeito de o descansar, “não se preocupe que ninguém morre
de ansiedade, a ansiedade sobe, sobe, sobe e a partir de uma altura não sobe mais”.
E ele foi a pensar nisso e chegou a casa à oficina e pediu ao funcionário que trabalhava com ele, que ia
trabalhar para dentro da mala do carro, que fechasse a mala e que ele nem que tocasse que não o
deixasse sair de lá, porque ele ia sentir-se muito mal mas não ia morrer daquilo. E portanto eu lembro-me
que tive claramente a consciência nesse momento que havia um conjunto de outras coisas que não as
aprendizagens específicas, e comportamento, e o pensamento, e as crenças das pessoas que são
elementos também muito importantes no processo terapêutico e que se calhar eu não dava muita atenção
até a esse ponto. Portanto, isto para te dizer que na altura os modelos comportamentais eram para mim a
forma de traduzir aquilo que era o conhecimento da ciência na prática psicoterapêutica, da mesma forma
que os modelos cognitivos o foram (particularmente a partir dos anos 60, da grande revolução cognitiva)...
Eu vi o Construtivismo um pouco como uma forma de utilizar esses processos para abrir o indivíduo
potencialmente aos processos de construção, numa perspectiva de que nós somos capazes de construir o
nosso próprio cérebro, de uma forma pró-activa e de uma forma intencional. Confesso... mas desagradou20
me rapidamente o Construtivismo se transformar numa nova ideologia, numa nova capela conceptual...
GONÇALVES, O. Psicoterapia Cognitiva Narrativa: Manual de Terapia Breve.
Campinas:Editorial Psy. 1998
GONÇALVES, M.M. e GONÇALVES, O.F. (coordenação) Psicoterapia, Discurso e
Narrativa: A construção conversacional da mudança Coimbra: Quarteto, 2007
Constructivism in the Human Sciences Vol. 4 Nº 1, 1999
http://www.sppc.org.pt/multimedia/dialogicamente_orientadas_-_part_iiiiii
http://www.sppc.org.pt/especializa%C3%A7%C3%A3o/terapias_narrativas
Profª Lina Sue – [email protected] – celular (11) 9866.01234
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