Obras Públicas e a Sustentabilidade
Materiais ecológicos (sustentáveis) de determinadas
marcas podem ser indicados para as obras públicas?
C
onforme a Tsunami verde e amarela
(referimo-nos à onda verde[1]) avança
no Brasil, diversas práticas ligadas à sustentabilidade são anunciadas, criadas ou
aprimoradas.
Quando se fala em materiais ecológicos
(ecomateriais ou ecoprodutros), para incorporação em obras públicas se está fazendo
referência não apenas ao aspecto ambiental
propriamente dito, mas também a soluções que homenageiam, sobretudo, outras
dimensões como a econômica e a social.
Ou seja, a expressão material ecológico não
deve ser enxergada numa visão reducionista.
Até mesmo porque o princípio da sustentabilidade é sistêmico e, como tal, interdependente relacionando-se de modo dinâmico
com diversas realidades a um só tempo.
O que se quer em relação a materiais sustentáveis para obras públicas é o emprego de
produtos e componentes (de modo geral)
que impactem positivamente não apenas
na construção em si, mas também em todo
o seu ciclo de vida[2] (produção, consumo e
pós-consumo ou manutenção)[3].
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Sabe-se que a correta especificação dos materiais que serão agregados na obra pública
é algo fundamental para a boa qualificação
do empreendimento porque, no mínimo,
evitará desperdícios e resultados finais de
baixa qualidade. E o produto final imediato
da construção tenderá ao atendimento da
satisfação esperada.
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[1] Para melhor compreensão, veja a edição anterior desta
Coluna na Revista Negócios Públicos (A Tsunami verde e
Amarela – dezembro de 2008, p. 12).
[2] Não deixe de ler a excelente entrevista sobre avaliação
do ciclo de vida – ACV – e Sustentabilidade na Administração Pública - concedida pela engenheira ambiental
Danielle Maia de Souza na Revista Negócios Públicos
(outubro/2008, p. 5).
[3] A obra pública sustentável não tem nada a ver com as
construções ecológicas propriamente ditas. Estas, de
modo resumido, se envolvem mais diretamente com a natureza que as cercam e, por isso, são inviáveis na grande
maioria dos centros populacionais.
NEGÓCIOS PÚBLICOS . Fevereiro/2009
Jair Eduardo Santana
Assim, se especificar bem é fundamental, importa lembrar que tal atividade se destaca na fase
de planificação da obra. E falando em etapas das obras públicas, não será demais lembrar
como é o seu ciclo completo.
De maneira ideal, os pontos de partida e de chegada são superpostos (o programa de necessidades ou verificação de demandas). É dizer, a largada de uma obra pública se dá em
razão da existência de determinadas demandas. E, ao final, na chegada, é de se avaliar
(pela etapa do controle) em especial se os resultados esperados foram contemplados com o
respectivo investimento.
Vale conferir o esquema:
Naquilo que nos importa no momento, a legislação vigente já permite que se especifique e
escolha materiais ecológicos para as obras públicas. Melhor dizendo, as normas existentes na
atualidade impulsionam a Administração Pública para condutas tais.
E não é difícil chegar a tal conclusão. Basta olhar para a Constituição Federal de 1988 (artigos 37, 225 e 170, para não ir muito longe). A extraterritorialidade normativa igualmente
introjeta em nosso cenário diretrizes como as MDM’s (ou ODM’s – Metas do Milênio
ou Objetivos do Milênio) por força do que está escrito no art. 5º, § 2º, da Constituição
mencionada). A Lei de Licitações (n. 8.666/93) reforça tal quadro (art. 6º, IX, e 12 em
especial, sem prejuízo de outros). Idem no tocante a outras normas esparsas que impactam
as obras, quando o caso (Código de Trânsito Brasileiro, art. 95, Estatuto da Cidade, Planos
Diretores, etc.).
Bem, se é mesmo necessário privilegiar materiais e produtos sustentáveis (preferimos a expressão sustentáveis a ecológicos) como dissemos, e permitindo as leis vigentes a utilização
respectiva, de que tipo de bens ou artigos estamos falando?
Há no mercado uma extensa oferta de produtos que podem se encaixar no conceito. Encontraremos de tijolos a telhas, de assoalhos a aquecedor solar, de madeiras certificadas ou de
reflorestamento a demais materiais de fácil instalação e reparo, passando por vasos sanitários e
demais acessórios para banheiro (estes para minimizar efeitos negativos em relação ao consumo de água e da produção de efluentes). O rol é imenso e não caberia aqui prolongá-lo.
Obras Públicas e a Sustentabilidade
No entanto, a Administração Pública deve
se certificar que, de fato, as soluções apresentadas por determinados fabricantes/fornecedores atendem realmente aos propósitos a que se vinculam. Mas tal aspecto será
objeto de análise em outra oportunidade.
gas à vácuo, como aquelas que antigamente só se via em banheiros dos aviões) poderá indicar exatamente o produto que deseja.
São da marca Abcd [5], vasos sanitários a vácuo que podem ser encontrados na versão para
piso e para parede.
Possível, assim, a prévia especificação desses sanitários a vácuo de maneira detalhada, com
indicação de marca.
Importa saber que é sim possível especificar
materiais e produtos sustentáveis indicando
determinada marca.
A questão da indicação da marca no
domínio das licitações é tema dos
mais polêmicos.
Tem-se por correto que:
Todavia, de outra parte, igualmente é certo que em se tratando de obra pública a
indicação de marca não implica em violação ao disposto no art. 3º, § 1º, inc. I, da
Lei nº 8.666/93, ou tampouco ao inc. I,
§ 7º, do art. 14, dessa mesma norma
(que proíbe expressamente a indicação
da marca).
É que, no caso, todas as licitantes interessadas em participar do processo terão amplo
acesso a tais produtos, não se vislumbrando que tais indicações restrinjam o caráter
competitivo do certame.
Em termos práticos, se a Administração Pública – por exemplo – decidir por utilizar
uma determinada solução hidrossanitária
(em lugar do convencional utilizará descar[4]
Licitações e contratos : orientações básicas. Tribunal
de Contas da União. – 3. ed, rev. atual. e ampl. Brasília :
TCU, Secretaria de Controle Interno, 2006, p. 89.
A
Em lugar daquilo que tradicionalmente se faria.
A medida poderia causar estranheza. Mas é
fato que mesmo entre outros produtos da espécie
B poderia haver indicação de marca por parte
da Administração Pública, tomadas as devidas
cautelas. Ou seja, tomadas as devidas cautelas,
seria possível eleger até mesmo um determinado fabricante específico.
Foi nesse sentido que o Tribunal de Contas da
União – TCU decidiu pela legalidade de situação na qual a Unidade Administrativa especifiB cou a obra com a “indicação de marca do produto
para alguns itens relativos a acessórios do prédio a
ser construído (por exemplo: ‘8.3. Cerâmica Portobello (...)’ e ’16.24. Ducha Cromada da
DECA (...)’” (ACÓRDÃO N. 394/2002 TCU – Plenário).
O raciocínio é inteiramente válido para os materiais e produtos sustentáveis.
Uma observação final se faz imperiosa, embora a ela se chegue intuitivamente. É que toda
e qualquer solução construtiva (em termos gerais) demandará motivação técnica ou justificativa. Assim, se na concepção da obra apontou-se para determinado material essa será uma
informação que não poderá ser gratuita nos autos do procedimento.
E, quando o caso, pensamos que a Administração Pública deva mesmo tomar a indicação da
marca como parâmetro referencial qualitativo bem assim para tornar menos árida a função
de descrever o objeto.
Uma condicionante pode se fazer presente, no entanto. A referência a uma marca deve ser
seguida de expressões do tipo “ou equivalente”, “ou similar” e “ou de melhor qualidade”,
quando tal possibilidade existir. NP
[5]
Marca alterada. A descarga desses sanitários requer apenas um litro de água e a economia direta com tal consumo pode
ultrapassar 85%. Mas pode ter o inconveniente de demandar energia para a sucção.
Jair Eduardo Santana
É Mestre em Direito do Estado pela PUC/SP. Professor em cursos de pós-graduação, atua na capacitação de servidores públicos das três esferas de governo.
Autor de artigos publicados em revistas especializadas e de diversos livros. Foi Superintendente de Orçamento do Tribunal de Justiça de Minas Gerais onde,
além da judicatura de Entrância Especial, exerce atividades de assessoramento técnico.
Para saber mais, visite w w w.jairsantana.com.br
NEGÓCIOS PÚBLICOS . Fevereiro/2009
www.negociospublicos.com.br
“A experiência em licitações públicas tem
demonstrado que os licitantes necessitam,
para bem elaborar suas propostas, de especificações claras e precisas, que definam
o padrão de qualidade e o desempenho do
produto a ser adquirido. Se não for assim,
corre-se o risco de o licitante ofertar o que
tem de mais barato e não o que pode oferecer de melhor[4] .”
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