9
LUIZ MARCOS DA SILVA
SEGURANÇA PÚBLICA:
a (não) privatização do sistema prisional brasileiro
Trabalho de Conclusão de Curso - Monografia
apresentada ao Departamento de Estudos da
Escola Superior de Guerra como requisito à
obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de
Política e Estratégia (CAEPE).
Orientador: Coronel Jorge Calvario dos Santos
Rio de Janeiro
2013
10
C2013 ESG
Este trabalho, nos termos da legislação que
resguarda os direitos autorais, é considerado
propriedade da ESCOLA SUPERIOR DE
GUERRA (ESG). É permitida a transcrição parcial
de textos do trabalho, ou mencioná-los, para
comentários e citações, desde que sem propósitos
comerciais e que seja feita a referência
bibliográfica completa.
Os conceitos expressos neste trabalho são de
responsabilidade do autor e não expressam
qualquer orientação institucional da ESG
_________________________
Assinatura do autor
Biblioteca General Cordeiro de Farias
Silva, Luiz Marcos da.
Segurança pública: a (não) privatização do sistema prisional
brasileiro / Promotor de Justiça. Luiz Marcos da Silva. Rio de
Janeiro. ESG, 2013.
32 f.
Orientador: Coronel Jorge Calvario dos Santos
Trabalho de Conclusão de Curso – Monografia apresentada ao
Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como
requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de
Política e Estratégia. (CAEPE), 2013.
1 Presídios privatizados. 2. Constitucionalidade. 3 Sistema
Carcerário. 4. Reabilitação do detento. I Título
11
A toda minha família: mãe, pai (in
memoriam) e irmãos, que durante o meu
período de formação contribuíram com
ensinamentos e incentivos, sem me
olvidar de meus amigos mais próximos.
A minha gratidão, em especial à minha
esposa Val, pela sua extrema confiança e
a
meus
filhos
Bárbara
Ludmila,
e
Bellinha,
pela
Marquinhos
compreensão,
como
resposta
aos
momentos de minhas ausências, em
dedicação às atividades da ESG.
12
AGRADECIMENTOS
Aos meus professores de todas as épocas por terem sido responsáveis por
parte considerável da minha formação e do meu aprendizado.
Aos estagiários da turma do CAEPE 2013 “FORÇA BRASIL” pelo convívio
harmonioso de todas as horas.
Ao Corpo Permanente da ESG (Escola Superior de Guerra) pelos
ensinamentos e orientações que me fizeram refletir, cada vez mais, sobre a
importância de se estudar o Brasil com a responsabilidade implícita de ter que
melhorar.
13
“O
nada
não
pode
ser o
derradeiro anfitrião de tudo”
Ayres Britto
14
RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo abordar as discussões que a privatização do
Sistema Penitenciário Brasileiro vem causando. Faz uma breve explanação sobre a
síntese do sistema penitenciário em geral e no Brasil. Aborda também, o quadro
situacional do sistema penitenciário brasileiro vivido hoje. Faz um apanhado acerca
dos aspectos jurídicos e dos modelos de prisões brasileiras já privatizadas. Mostra
algumas discussões que são levantadas acerca da constitucionalidade da
privatização do sistema carcerário, tendo em vista ser a execução da pena
atribuição do Estado. O estudo também focaliza a deficiência da política aplicada
pelo governo no que tange às consequências resultantes dela, bem como a
dificuldade de ressocializar e reintegrar o apenado à sociedade. Na situação atual da
realidade carcerária do sistema penitenciário brasileiro, onde sua estrutura de
gestão é ineficaz e combalida, surge o fato de privatizar os presídios, como meio
para minimizar significativamente a superlotação e a reincidência. O método
utilizado foi a pesquisa doutrinária, e concluindo que o sistema de cogestão não vai
de encontro a ordem constitucional vigente e pode ser utilizado como forma de
contornar as atividades-meio prestadas durante a execução da pena, sem que se
afronte a competência privativa do Estado para a execução penal.
PALAVRAS-CHAVE: Presídios privatizados. Sistema carcerário. Reabilitação do
detento. Constitucionalidade.
15
ABSTRACT
This work aims to address the arguments that privatization of the Brazilian prison
system is causing. A brief explanation of the history of the prison system in general and
in Brazil. It also approaches the situational context of the Brazilian prison system
experienced today. Provides an overview about the legal aspects and models of
Brazilian prisons already privatized. Shows some discussions that are raised about the
constitutionality of the privatization of the prison system in order to be the sentence of
the State award. The study also focuses on disability policy applied by the government
regarding the consequences of it, as well as the difficulty of re-socialize and reintegrate
the convict to society. In the current situation, the reality of prison Brazilian penitentiary
system, where its management structure is inefficient and battered, the fact appears to
privatize prisons, with the means to significantly minimize overcrowding and recidivism.
The method used was the doctrinal research, and concluded that the system of comanagement is not going against the current constitutional order and can be used to
circumvent the activities provided for through the sentence without that affront the
exclusive competence State for criminal enforcement.
KEY-WORDS: Privatized prisions. Prision system. Rehabilitation of the inmate.
Constitutionality.
16
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO ......................................................................................................................... 9
2
AS BASES DA PRISÃO ..........................................................................................................10
2.1
2.2
3
3.1
SÍNTESE ........................................................................................................ 10
NO BRASIL..................................................................................................... 13
DO SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO ............................................. 14
DIREITOS DO PRESO ................................................................................... 17
3.2
3.3
3.3.1
3.3.2
4
4.1
4.2
DIREITOS DO PRESO VIOLADOS NO CÁRCERE ....................................... 19
FALÊNCIA DA PENA PRIVATIVA DA LIBERDADE ....................................... 20
Superpopulação carcerária .......................................................................... 22
Impossibilidade de individualização da pena ............................................ 24
A (NÃO) PRIVATIZAÇÃO DO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO. .......... 26
SÍNTESE ........................................................................................................ 26
ASPECTOS JURÍDICOS DA PRIVATIZAÇÃO DO SISTEMA PRISIONAL
BRASILEIRO .................................................................................................. 28
MODELOS DE PRISÕES BRASILEIRAS PRIVATIZADAS ............................ 29
4.3
4.3.1
4.3.2
4.3.3
5
6
Penitenciária Industrial de Guarapuava...................................................... 30
Penitenciária Industrial de Joinville ............................................................ 31
Complexo Prisional Público-Privado (CPPP) ............................................. 32
CONSIDERAÇÕES SOBRE A PRIVATIZAÇÃO DO
SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO X SEGURANÇA COMO
DEFESA NACIONAL......................................................................................33
CONCLUSÃO.................................................................................................37
REFERÊNCIAS .............................................................................................. 41
17
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho pretende instigar uma discussão acerca da privatização
do sistema penitenciário brasileiro.
A discussão que se trava a respeito da privatização dos presídios vem
despertando no Brasil manifestações díspares por fatores e setores dos mais
diversos, principalmente no último decênio, com efeito a nível Internacional. Assim,
percebe-se a privatização do sistema penitenciário não somente a partir do próprio
sistema ou da “crise”.
O estudo será apresentado em dois capítulos: primeiro abordaremos o
Sistema Penitenciário Brasileiro a partir de uma explanação resumística (síntese) do
sistema penitenciário, fazendo um apanhado de sua evolução, desde os tempos
remotos até a realidade penitenciária atual; segundo apresentaremos as
circunstâncias em que ocorreram as iniciativas de privatização do Sistema
Penitenciário Brasileiro. Neste item vamos situar historicamente o surgimento da
prisão para colaborar com a discussão acerca de seus fundamentos.
Frente à falha do sistema penitenciário atual, não se pode deixar de enraizar
este tema buscando, com o auxílio da doutrina, principalmente, por estar engajada
na busca contínua e incansável para soluções efetivas aos problemas carcerários do
Brasil, uma porta aceitável e possível que respeite os direitos dos presos e,
concomitantemente, devolva a credibilidade da população à justiça.
Com a certeza de que a prisão é uma “exigência amarga, mas
imprescindível” (BITTENCOURT, 1993, p.11), pelo menos em alguns casos, foi
escolhida para esse trabalho a técnica de pesquisa bibliográfica, as propostas
concretas oferecidas que variam entre o projeto de privatização das prisões e a
progressiva humanização e liberação interior, como via para uma permanente
reforma da prisão, acompanhando a evolução da mente humana.
O sistema carcerário atual nos apresenta muitas falhas em sua gestão. O
Estado não consegue controlar a demanda de carcerários que aumenta cada vez
mais, apresentando assim uma má administração com visível desleixo ao seu
cidadão, cuja liberdade foi privada, obrigado a se submeter a padrões
desproporcionais para qualquer pessoa, não sendo recomendável nem para animais.
18
Destarte, a discussão eleva-se ao patamar da privatização como meio de
minorar a situação porque passam os presídios brasileiros.
Afinal, há necessidade de privatizar esse sistema que hoje apresenta-se
num caos? Existe possibilidade legal para que isso ocorra?
Daí que inúmeros jurisconsultos opinam, uns a favor outros contra, e uma
terceira via admite a privatização em parte, vez que a fiscalização do cumprimento
da pena recai na esfera jurídica, cabendo, pois, ao Estado. Já a fiscalização
administrativa da pena pode recair sobre o particular que se incumbirá de cumprir
com a legislação em vigor, mormente a Constituição Federal e a Lei de Execução
Penal.
19
2 AS BASES DA PRISÃO
2.1 SÍNTESE
A prisão surge no início do século XIX como instituição de fato, sem
justificação teórica, distanciando-se da legislação penal no que esta determinou
como “utilidade social”. O seu objetivo, sem máscaras (proposital), era o castigo.
Não era naquele tempo intenção de punir como retribuição da infração
cometida. Era sim um modo de castigar aquele que transgredia, tanto que, em
tempos idos, vigorou o castigo do “olho por olho, dente por dente”. Ou seja, aquele
que decepava a mão direita de seu oponente, tinha a sua própria mão direita
decepada pela vítima ou por algum parente próximo.
Tal punição, mais a título de vingança do que propriamente pena, ainda é
usada em tempos atuais nos países islâmicos, em que a punição para determinados
infratores da lei é a amputação de membros. Assim o é para os afegãos, sauditas e
iranianos, onde existe também a pena por apedrejamento.
Durante toda a Idade Média não existia a noção de penalidade na prisão, ou
seja, através dela se fazia alguém pagar por algo. Neste período a prisão apenas
servira para tutelar o condenado até sua execução. Esta custódia era feita por um
representante da comunidade (xerife) que poderia lucrar ao exibir o condenado
como um “troféu”, ficando também com os encargos desta custódia. No entanto, nos
séculos XVI e XVII assistiram ao empobrecimento radical das classes populares na
Europa. As penas, que até então eram em geral mortes por enforcamento,
mutilações e suplícios (torturas, sofrimento físico), tornaram-se problemáticas, visto
que não estariam surtindo um efeito de legitimação da autoridade do príncipe, uma
vez que, economicamente, não era mais viável que uma quarta parte da população
tivesse tal destino.
Este foi o “momento em que se percebeu, segundo a economia do poder,
mais eficaz e mais rentável vigiar e punir. Pela ameaça de se dizimar parte da
população mantendo-se a condenação de pena de morte, surgem ideias a respeito
de outros tipos de penas que substituíssem a morte, porém em paralelo começaram
a surgir problemas com relação à responsabilidade e ao local onde estes
condenados seriam guardados”. (FOUCAUT,1986 apud BREDOW, 2007).
20
Daí surge a ideia de lucratividade com os condenados dando origem à
concepção de prisões, inicialmente administradas pela iniciativa privada, como forma
de exploração da mão-de-obra prisional e para disciplinar determinados grupos
sociais. Constituem-se, assim, as “Casas de Correção”.
A super-exploração do trabalho prisional foi legitimada a partir da ideologia
de reabilitação pelo trabalho, fundada na necessidade de domesticar à força do
trabalho, no âmbito inicial da primeira Revolução Industrial.
Podemos vincular o surgimento destes modelos de prisão ao surgimento do
Estado Capital, criado como parte do sistema repressivo penal e como instrumento
de controle social, formulando-se, assim, verdadeiros aparatos destinados a
punições estatais gerando lucros para a iniciativa privada.
Chegou-se ao século XX com o sistema prisional progressivo, o qual teve
sua origem na Inglaterra, estabelecendo que a pena privativa de liberdade deveria
ser cumprida por etapas, incorporando o discurso e racionalização nas suas bases
ideológicas. Este é o modelo atualmente adotado no Brasil.
Deve-se abrir um parêntese para mencionar a Lei dos Crimes Hediondos
(8072/90) que criou o instituto da não progressão de pena para os crimes em que
ela definia como tal e aos assemelhados. Assim, com o surgimento desta norma de
caráter penal, o sentenciado deveria cumprir toda a pena em regime fechado, ou
seja, o mais gravoso, sem progredir para os menos gravosos, semiaberto e aberto.
Todavia, ainda que o Supremo Tribunal Federal tenha mantido a
constitucionalidade de tal instituto, somente perdurou por dezesseis anos, até que
em 2006 o órgão máximo da justiça brasileira reposicionou o seu entendimento e
declarou a inconstitucionalidade da não progressão de regime prisional para os
crime definidos na Lei 8072/90, de forma que, a partir da decisão do Supremo
Tribunal Federal em 2006, extinguiu-se este instituto e as progressões passaram a
ocorrer como antes.
Todavia a mesma norma jurídica trouxe alterações importantes de caráter
executório penal, como se verá adiante.
21
2.2 NO BRASIL
A prisão, como cárcere, era aplicada apenas aos acusados que estavam à
espera de julgamento. Essa situação perdurou durante as Ordenações Afonsinas,
Manuelinas e Filipinas, as quais tinham por base um direito penal baseado na
brutalidade das sanções corporais e na violação dos direitos do acusado. Esta
situação perdurou até a introdução do Código Criminal do Império, em 1830.
As leis penais sofreram sensíveis mudanças ao final do século XIX em razão
da Abolição da Escravatura e da Proclamação da República. O Código Penal da
República de 1890, já previa diversas modalidades de prisão, como a prisão celular,
a reclusão, a prisão com trabalho forçado e a prisão disciplinar, sendo que cada
modalidade era cumprida em estabelecimento penal específico.
Já no início do século XX as prisões brasileiras já apresentavam
precariedade de condições, superlotação e o problema da não-separação entre
presos condenados e aqueles que eram mantidos sob custódia durante a instrução
criminal, ou como hodiernamente são chamados, presos provisórios.
Em 1940 é publicado através do Decreto-Lei 2848 o atual Código Penal, o
qual trazia várias inovações e tinha por princípio a moderação por parte do poder
punitivo do Estado. No entanto, a situação prisional já era tratada com descaso pelo
Poder Público e já era observado àquela época o problema das superlotações das
prisões, da promiscuidade entre os detentos, do desrespeito aos princípios de
relacionamento humano e da falta de aconselhamento e orientação do preso
visando sua regeneração.
22
3 SITUAÇÃO DO SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO
O sistema penitenciário é a organização criada pelo Estado para a execução
das sanções penais que importem privação ou restrição da liberdade individual.
(MUAKAD, 1996).
Em tese, o sistema penitenciário visa assegurar aos cidadãos que os
indivíduos descumpridores da lei sejam punidos em estabelecimento adequado, a
fim de se ressocializar e recuperar, ou seja, uma finalidade educativa de natureza
jurídica.
Na definição de Kuehne (2009, p. 80), “o sistema penitenciário brasileiro foi
idealizado de maneira a significar não apenas a retribuição pelo mal causado, mas
principalmente, propiciar condições de recuperação do sentenciado e de plena
capacidade de reinserção no meio social [...]”.
Lamentavelmente, a situação atual no Brasil é outra: são penitenciárias
lotadas de presos que viraram depósitos humanos, sem condições mínimas
necessárias para a ressocialização do apenado, exigidas pela Constituição Federal,
a
começar
pela
dignidade
da
pessoa
humana,
restando-lhes
apenas e
exclusivamente o seu caráter retributivo. O preso tende a virar objeto e o pior, a ser
tratado como tal.
Fala-se em “falência do sistema de reintegração social do preso”, mas ele, o
dito “sistema”, em verdade, nunca funcionou a contento, vejamos um trecho da
matéria intitulada “A VERGONHA DE SER POBRE”, do genial italiano Contardo
Calliggaris, que tratou do tema em 23 de fevereiro de 2006, (CALLIGARIS, 2006, p.
483 apud COUTINHO, 2009):
[...] a maioria dos atos criminosos encontra sua motivação no sentimento de
humilhação. A perda da dignidade ameaça o sujeito com a perspectiva de
uma morte mais cruel do que a morte de seu corpo: uma morte simbólica,
que torna vergonhosa sua simples existência.
Um sistema penal humilhante, que desacate a humanidade de seus
condenados, só produz neles a necessidade de voltar a impor respeito pela violência
de seus atos, tendo como resultado uma sociedade amedrontada pelo medo da
violência de seus excluídos.
Conforme afirma D’Urso (1997, p.33), “quando se fala em violência e em
segurança, sempre destaca-se, como ´pano de fundo´, a questão penitenciária [...]”.
23
Desta forma, a imagem do Sistema Penitenciário Brasileiro é a de uma crise
sem precedentes, de colapsos iminentes.
Assim, depreende-se que o sistema penitenciário não cumpre seu papel de
ressocialização. É um elemento potencializador da capacidade criminosa do
indivíduo, apresentando inúmeros problemas, dentre eles: ausência de respeito aos
presos, superlotação das celas, ausência de atividades laborais dentro dos presídios,
ambiente hostil e insalubre.
Dados do Ministério da Justiça, através do Infopen (Sistema de Informações
Penitenciárias) indicam que o crescimento da população carcerária tem sofrido uma
retração nos últimos quatro anos.
Entre 1995 e 2005 a população carcerária do Brasil saltou de pouco mais de
148 mil presos para 361.402, o que representou um crescimento de 143,91% em
uma década. A taxa anual de crescimento oscilava entre 10 e 12%. Neste período,
as informações ainda eram consolidadas de forma lenta, já que não havia um
mecanismo padrão para consolidação dos dados, que eram recebidos via fax, ofício
ou telefone.
A partir de 2005, já com padrões de indicadores e informatização do
processo de coleta de informações, período pós InfoPen, a taxa de crescimento
anual caiu para cerca de 5 a 7% ao ano. Entre dezembro de 2005 e dezembro de
2009, a população carcerária aumentou de 361.402 para 473.626, o que
representou um crescimento, em quatro anos de 31,05%.
Segundo análise do Depen (Departamento Penitenciário), muitos fatores
podem ser atribuídos a essa redução do encarceramento. A expansão da aplicação,
por parte do Poder Judiciário, de medidas e penas alternativas; a realização de
mutirões carcerários pelo Conselho Nacional de Justiça; a melhoria no aparato
preventivo das corporações policiais e a melhoria das condições sociais da
população, todos são fatores significativos na diminuição da taxa.
Apesar da redução da taxa anual de encarceramento, o Brasil ainda
apresenta um déficit de vagas de 194.650. Este número relaciona-se aos presos
excedentes, vale dizer, as cadeias estão acima do número de preso em 194.650.
Isto porque, há um outro dado ainda mais alarmante que é aquele que se refere aos
mandados à espera de cumprimento.
24
Matéria intitulada “no Brasil há mais de 500 (quinhentos) mil mandados de
prisão não cumpridos” (RIBEIRO, 2012)) nos dá a verdadeira situação de como há
um déficit nessa área. Na mesma matéria consta que este número deve ser ainda
maior porque apenas dezessete Estados mais o Distrito Federal forneceram os
dados.
Parte da matéria está assim redigida:
SÃO PAULO - Levantamento no banco de dados de 17 Estados e do
Distrito Federal mostra que há cerca de 500 mil mandados de prisão
aguardando cumprimento nessas regiões, acumulados ao longo dos anos,
sendo aproximadamente 360 mil só no Sudeste. Não se sabe, porém, a
quantos criminosos eles se referem; contra um mesmo procurado pode
haver várias ordens de captura. Para se ter uma ideia, contra o traficante
Fabiano Atanázio da Silva, o “FB”, preso no fim de janeiro e considerado um
dos mais procurados pela polícia do Rio, havia 27 mandados de prisão.
(RIBEIRO, 2012).
3.1 DIREITOS DO PRESO
Os direitos humanos do preso estão previstos em diversos estatutos legais,
em nível mundial, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Declaração
Americana de Direitos e Deveres do Homem e a Resolução da ONU (Organização
das Nações Unidas) que preveem as regras mínimas para o tratamento de preso.
Em nível nacional, a Constituição da República Federativa do Brasil, em seu
artigo 5º, incisos III e XLIX, asseguram: “ninguém será submetido a tratamento
degradante” e “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”,
respectivamente.
Jesus (2007) ressalta que“os artigos em referência tratam das garantias
fundamentais do cidadão destinados à proteção das garantias do homem preso,
condenados a perder a liberdade, e somente ela, a Constituição Federal, permite
aos presos a motivação necessária para lutar a fim de conseguir aquilo que
nenhuma sentença pode lhes tirar: a dignidade”.
A LEP (Lei de Execução Penal) impedindo o excesso ou o desvio da
execução que possa comprometer a dignidade e a humanidade da execução, torna
expressa a extensão de direitos constitucionais aos presos e internos (estes
cumpridores de medida de segurança, ou seja, aos que tiveram absolvição no
processo criminal mas lhes foi aplicada a MS - Medida de Segurança -, ocasionando
assim o que em direito penal chama-se de sentença penal absolutória imprópria),
25
assegurando ainda condições para que os mesmos, em decorrência de sua situação
particular, possam desenvolver-se no sentido da reinserção social.
Assim, são reconhecidos e assegurados direitos de índole constitucional,
previstos no artigo 5º e seus diversos incisos, iniciando-se com a garantia de
respeito devido por todas as autoridades à integridade física dos condenados e
presos provisórios (art. 40 da LEP – Lei de Execução Penal).
Segue o artigo 41 da LEP estabelecendo desde direitos elementares que
devem ser assegurados aos que estão sob a responsabilidade do Estado, como
direito à alimentação, vestuário, educação, instalações higiênicas, assistência
médica, farmacêutica e odontológica; como direitos que têm por finalidade tornar a
vida no cárcere tão igual quanto possível a vida em liberdade.
Entre estes direitos estão a continuidade do exercício das atividades
profissionais, artísticas e desportivas anteriores à prisão, desde que compatível; a
assistência social e religiosa; o trabalho remunerado e previdência social, a
proporcionalidade entre o tempo de trabalho, de descanso e de recreação; a visita
do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados, o contato
com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura, e de outros
meios de informação.
Não se pode olvidar que a visita de filhos menores depende da Vara da
Infância e da Juventude de cada Estado, uma vez que, em face da promiscuidade
dos presídios, magistrados têm proscrito a entrada destas pessoas nos
estabelecimentos penais.
Ainda, no mesmo artigo estão descritos direitos que visam assegurar a defesa
dos interesses do preso em razão da prisão. Entre eles podemos citar a proteção
contra qualquer forma de sensacionalismo; assistência jurídica; entrevista pessoal e
reservada com o advogado; chamamento nominal (não pode ser chamado por
número, por exemplo); igualdade de tratamento; audiência especial com o diretor do
estabelecimento; representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de
direito.
O referido rol é meramente exemplificativo, pois não se esgota em absoluto
os direitos da pessoa humana, mesmo daquele que se encontra preso. No Estado
Democrático de Direito, deve-se observar estritamente os limites da lei e do
26
necessário ao cumprimento da pena e da medida de segurança, pois tudo que
excede os limites contraria o direito.
3.2 DIREITOS DO PRESO VIOLADOS NO CÁRCERE
Nos termos do artigo 144 da Constituição Federal, a segurança pública é
dever do Estado e a dignidade da pessoa humana é a garantia única fundamental
discutida na Constituição Federal e, dentro do confinamento do cárcere, a dignidade
da pessoa humana não pode ser desrespeitada.
Num Estado Democrático de Direito, a segurança da sociedade e do Estado
não pode sobrepor ao princípio da dignidade da pessoa humana (Constituição da
República, artigo 1º).
Nas rebeliões de presos as denúncias mais comuns são: a superlotação dos
cárceres e a violação de direitos fundamentais. Desta forma, se o direito de punir for
de encontro aos princípios que protegem os presos, caracteriza abuso e não justiça.
De certo que o sistema carcerário brasileiro não se ajustou à programação
visada pela Lei de Execução Penal, e a dignidade do preso é afetada ante a
carência absoluta nos presídios das condições mínimas, tais como: alimentação,
trabalho, assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa,
dentre outras.
A realidade carcerária demonstra em todo o Brasil a usurpação dos direitos
do preso, em flagrante desrespeito à Constituição e à Lei de Execução Penal.
É preciso garantir os direitos fundamentais da pessoa, para que haja
respostas eficazes para que se alcancem os objetivos da paz social, da ordem e da
justiça, baseados numa política de combate à exclusão social.
3.3 FALÊNCIA DA PENA PRIVATIVA DA LIBERDADE
A imposição da pena privativa de liberdade sem um sistema penitenciário
adequado gera a superlotação carcerária, de gravíssimas consequências, com
sucessivas rebeliões de presos, e não reduzem a criminalidade, impossibilitando
ainda o cumprimento da Lei de Execução Penal.
Quando se afirma que as prisões estão em declínio não devemos supor que
seus males sejam recentes. Nos tempos passados as prisões não eram
27
melhores que as atuais, ao contrário as condições eram piores. Mas na
realidade não foram as prisões que pioraram, mas sim o homem que
progrediu e na sua mentalidade atual percebeu as deficiências dos lugares
destinados à segregação do criminoso, lugares estes que nada ou bem
pouco auxiliam na recuperação do delinquente, levando-se em conta que
hoje não se atribui valor à punição do que à correção do preso.
(CASTIGLIONE, 1959, p. 7 apud MUAKAD, 1998, p. 19).
Nesse norte, para Figueira (2008), a prevenção especial (ressocialização),
que em tese seria a reeducação e posterior reinserção social do encarcerado, é
impraticável no âmbito prisional, em razão de duas premissas, apontadas por
Bitencourt (2001, p. 154-157 apud FIGUEIRA, 2008, p, 86), a saber:
1) Sob o ponto de vista da própria natureza da prisão, considera-se o
ambiente carcerário um meio antinatural, que não permite a realização de
nenhum trabalho reabilitador sobre os encarcerados, haja vista a antítese
entre prisão e a comunidade livre, ou seja, não há como uma pessoa presa
se reabilite, caso o ambiente em que ela se encontra seja diferente do
restante da sociedade. Igualmente, parece um contrassenso querer que a
prisão proporcione condições para a harmônica integração social do
condenado em um ambiente de instituição total, que se caracteriza pelos
obstáculos que se opõem à interação social com o exterior, assim como ao
êxodo de seus membros;
2) Sob o ponto de vista mais empírico do que o teórico, levam-se em
consideração as condições materiais e humanas em que se desenvolve a
execução da pena privativa de liberdade, de forma que é forçoso concluir
que o objeto reabilitador é inatingível diante da realidade. Como exemplos
das deficiências prisionais, podem-se citar: a) maus tratos; b) torturas; c)
superlotação carcerária; d) falta de higiene; e) condições deficientes de
trabalho; f) insuficiência dos serviços médicos; g) regime alimentar
deficiente; h) elevado consumo de drogas; i) abusos sexuais; j) ambiente
propício à violência; entre outros.
Todos esses fatores levam o preso a um estado deplorável, fazendo com
que a pena perca o caráter ressocializador. E o principal escopo da pena é
justamente o retributivo, vale dizer, pagar pelo que fez dentro da normalidade do
Estado Democrático de Direito. E para isso o preso deve estar pronto para se
ressociabilizar dentro da sociedade. Mas não é o que ocorre. O carimbo de “expresidiário” percorrerá a vida do homem, malgrado ter cumprido totalmente com a
pena que lhe foi imposta.
Há um grande questionamento em torno da pena privativa de liberdade,
levando a crer que “o problema da prisão é a própria prisão”.(BITENCOURT, 2006).
Em matéria publicada na Revista da Escola do Serviço Penitenciário do Rio
Grande do Sul afirmou-se que:
A não-realização da tarefa reeducadora e ressocializadora do sistema
penitenciário constitui, por isso, grave ameaça ao direito do cidadão e da
sociedade pelo retorno ao meio social de pessoas embrutecidas e
aperfeiçoadas no crime pela atual situação prisional.
28
Do exposto, podemos concluir que a prisão, tal como se apresenta, constitui
um dos mais graves problemas que afligem nosso país.
Salienta-se, outrossim, que o tratamento carcerário não atinge o objetivo de
recuperação e readaptação social do condenado por inúmeros fatores, como dito
alhures.
Tudo isso sem se esquecer que o sistema prisional brasileiro, e aqui invocase a Lei de Execução Penal, determina regramentos que também estão contidos no
Código Penal, sobre o início do cumprimento da pena. Assim, para o apenado que
tem a reprimenda não superior a 4 (quatro) anos de prisão (seja detenção ou
reclusão), o início da pena é, geralmente, no regime mais brando, o aberto.
Para aqueles cuja pena varia de 4 (anos) anos e 1 (um) dia até 8 (oito) anos,
o regime inicial é, geralmente, o semiaberto. E finalmente para penas superiores a 8
(oito) anos, o regime é o fechado.
Dispõe ainda a legislação em vigor que, cumprido 1/6 (um sexto) da pena,
abre-se a possibilidade de progressão para o regime sucessivamente mais brando.
Portanto, do regime fechado progride-se para o semiaberto e deste para o aberto.
Como advertimos em linha retro, convém ressaltar que, para apenados com
base na Lei 8072/90, que trata dos crimes hediondos e assemelhados, a progressão
far-se-á na base de 2/5 (dois quintos) ou 3/5 (três quintos) conforme seja o
condenado primário ou reincidente. O mesmo se dá para aqueles que são
reincidentes nos demais crimes: a progressão deixa de ser de 1/6 (um sexto) para
1/3 (um terço).
Tais normas têm o condão de fazer com que o preso possa progredir de
regime até alcançar aquele mais brando, o aberto, e poder dormir em casa, depois
da jornada de trabalho diário.
Mesmo com estas normas em vigor, a superlotação é corriqueira nos
presídios, como se verá adiante.
29
3.3.1 Superpopulação carcerária
É necessária uma mudança de mentalidade dos operadores do direito, com
relação a imposição indiscriminada das prisões, o que gera superpopulação
carcerária, motivo de tantos problemas.
A prisão, que deveria ser uma solução, constitui-se num problema, pois não
colabora na recuperação dos presos e ainda concorre para degenerá-los.
(MONTEIRO, 1973 apud MUAKAD, 1998, p. 31).
Há de se observar que a mistura dos presos facilita o aprendizado do crime,
daí dizer que as prisões são as faculdades do crime.
A superlotação carcerária torna impossível o tratamento dispensado aos
presos, não havendo qualquer possibilidade de recuperação e sim reincidência, pois,
além de não recuperar concorre para degenerar.
A realidade mostra que dificilmente o sistema público conseguirá reverter
este quadro.
O que tem acontecido em alguns Estados da Federação são decisões
judiciais que, a princípio afrontam a lei, mas que têm trazido, como fundamento, a
dignidade da pessoa humana. Assim, determinadas decisões judiciais têm colocado
pessoas condenadas em regime semiaberto para dormir em seus domicílios, posto
que não há infraestrutura mínima para que se cumpra a pena nesse regime, como a
falta de escola nas cadeias; ausência de colônias agrícolas, em que o preso deveria
trabalhar durante o dia, mas fica ele encarcerado todo o tempo, aviltando a Lei de
Execução Penal.
Recentemente o juízo da Execução Penal da comarca de Macapá/AP
determinou o não recebimento de qualquer preso no Iapen (Instituto de
Administração Penitenciária do Amapá), ainda que provisório, em face da
superlotação daquele que é o único presídio do Estado amapaense. Claro que tal
decisão foi reformada em grau superior, mas demonstra a situação porque passam
os presídios públicos.
Se se falar em superlotação carcerária somente porque existem 30 (trinta),
40 (quarenta) ou mais presos dentro de uma mesma cela, sendo esta de 20 (vinte)
metros quadrados, seria ignorar o que a lei impõe para cumprimento de pessoas
num mesmo compartimento.
30
Assim, ao se deparar com a legislação atual, chega-se à conclusão que, em
espaços desse tamanho, ou dessa área, mais de 2 (dois) homens nela encarcerados
é forçar a privacidade de cada um.
Ao ser preso, ou ao ser definitivamente condenado e ter de cumprir com a
sua pena, o homem perde a sua liberdade, mas continua a preservar sua dignidade
humana, e com ela sua privacidade, sua religiosidade, sua intimidade etc.
3.3.2 Impossibilidade de individualização da pena
A superpopulação carcerária impede a classificação do condenado e a
individualização da pena, conforme determina o artigo 5º da Lei de Execução
Penais, que os condenados serão classificados segundo seus antecedentes e
periculosidades, para orientar a individualização da execução penal.
Na execução, conforme as condições pessoais de cada um, deve-se dar a
cada preso as oportunidades e elementos necessários para lograr sua reinserção
social, sem se olvidar do exame criminológico realizado no momento em que o preso
dá entrada na cadeia. Tal exame tem o condão de avaliá-lo não só na questão física,
mas principalmente na mental e psicológica, a dar um norte à administração do
presídio de como deverá ser acompanhado aquele preso. Infelizmente este exame
criminológico foi retirado das exigências legais, ficando facultativa sua realização
pelo presídio, ou por determinação judicial.
Como dito alhures, de acordo com a pena há um determinado regime
(BRASIL, 2012), vejamos:
Art. 33 - A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado,
semiaberto ou aberto. A de detenção, em regime semiaberto, ou aberto,
salvo necessidade de transferência a regime fechado.
§ 1º - Considera-se:
a) regime fechado a execução da pena em estabelecimento de segurança
máxima ou média;
b) regime semiaberto a execução da pena em colônia agrícola, industrial ou
estabelecimento similar;
c) regime aberto a execução da pena em casa de albergado ou
estabelecimento adequado.
§ 2º - As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma
progressiva, segundo o mérito do condenado, observados os seguintes
critérios e ressalvadas as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso:
a) o condenado a pena superior a 8 (oito) anos deverá começar a cumpri-la
em regime fechado;
b) o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e
não exceda a 8 (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime
semiaberto;
31
c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro)
anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto.
§ 3º - A determinação do regime inicial de cumprimento da pena far-se-á
com observância dos critérios previstos no art. 59 deste Código.
§ 4o O condenado por crime contra a administração pública terá a
progressão de regime do cumprimento da pena condicionada à reparação
do dano que causou, ou à devolução do produto do ilícito praticado, com os
acréscimos legais.
A individualização da pena é direito subjetivo do preso, pois ele tem essa
garantia constitucional de saber o quantum deverá cumprir, como cumprir, e onde
cumprir. Ocorre que, em face do superlotamento vivido em todas as cadeias do país,
essa individualização passa à margem da lei, isto porque ela existe de direito, mas
não de fato.
Dispõe a Constituição Federal em seu artigo 5°, inciso XLVI:
A lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as
seguintes:
a) privação ou restrição da liberdade;
b) perda de bens;
c) multa;
d) prestação social alternativa;
e) suspensão ou interdição de direito. (BRASIL, 2012).
A individualização da pena é direito subjetivo do homem preso. Após sua
condenação em definitivo (trânsito em julgado) receberá ele a GR (Guia de
Recolhimento), onde estarão todos os dados sobre sua condenação: quantum da
pena; regime inicial; data do início e do fim; data da primeira progressão; enfim, tudo
que interessa ao condenado, individualizando a sua conduta carcerária.
É contumaz presos do regime semiaberto estar junto daqueles de regime
fechado, em total desvio de execução.
Tudo isso gera faltas cometidas dentro dos presídios e que, por força de lei,
são julgadas pelo juízo da execução penal, e não raro, há a regressão do regime. Se
um preso, por exemplo, agride um companheiro de cela, ou participa de motim, ou
qualquer das faltas graves previstas na legislação, terá ele o seu regime regredido,
podendo até, haver a regressão do regime aberto diretamente para o fechado. É o
que se chama regressão por salto. E muita das vezes essas faltas são cometidas
em locais da prisão onde o preso não deveria estar. Imagine-se o preso de regime
semiaberto que está encarcerado com outros do regime fechado? Qualquer falta ali
praticada deve ser sopesada à luz do seu regime e onde cumpria naquele momento
a sua pena. Ainda assim as varas de execução penal pelo país não têm agido com a
32
devida equidade, e se aplica a regressão, com fundamento de que o preso, esteja
cumprindo pena onde estiver, deve zelar pela ordem e pela lei.
E quando o preso, em seu regime mais severo, comete uma falta grave e vem
a ser julgado pela Vara de Execução Penal, pode ter o tempo de concessão para
benefício reiniciado. O exemplo se dá quando, cumprindo pena de 10 (dez) anos de
reclusão em regime fechado, o preso comete motim, e já estava a poucos dias de ter
seu regime abrandado para o menos rigoroso, no caso o semiaberto, terá aquele
tempo cassado, e deverá começar a contar o prazo novamente para alcançar tal
benefício.
Pior se esse mesmo preso foi condenado por crime hediondo e era
reincidente. Aí o tempo de progressão seria de 3/5 (três quintos) de 10 (dez) anos, o
que dariam 6 (seis) anos. Ou seja: perderia todo esse tempo para progredir de
regime. Claro que haveria a detração, ou seja, abater-se-ia esse tempo de 6 (seis)
anos no total da pena, mas do restante, deveria cumprir outros 3/5 (três quintos), o
que equivaleria a pouco mais de 2 (dois) anos.
Nem se fala, e isto é recentíssimo, que o Congresso pretende ampliar a pena
para o crime de homicídio, o chamado homicídio simples.
Hoje, a pena cominada em abstrato é de 6 (seis) a 20 (vinte) anos de
reclusão. Com a mudança pretendida no parlamento, a pena mínima que hoje é de 6
(seis) anos, subiria para 10 (dez) anos, o que, sem muito esforço de matemática,
elevaria o tempo de cumprimento de pena, obviamente para aqueles que
praticassem o crime com a nova pena.
Muito se fala sobre o princípio da individualização da pena, bem assim
daquele que a pena não pode passar da pessoa do condenado. Em simples
palavras, a família não pode sofrer a reprimenda que deve recair, tão-somente, na
pessoa do condenado.
Contudo, sabe-se que não é bem assim. Geralmente o chefe da família é
quem cumpre a pena privativa de liberdade. E com ele preso, a família passa a ter
uma piora no ritmo de vida. A qualidade cai assustadoramente, mais ainda porque
ninguém passa a custear aquela família. Daí que, como consequência natural, e
hoje tida como famigerado, é o salário-reclusão, chamado pejorativamente de “bolsa
prisão”.
33
Ora. Se o alicerce da família para de trabalhar, as consequências são claras.
Se o crime praticado, por exemplo, era o de tráfico de droga, por certo que a esposa
ou companheira assumirá essa posição. E aí: a pena não está passando da pessoa
do condenado?
Porém, tal fato é de difícil solução, posto que não há, ainda, pena alternativa à
de prisão. Esperemos o futuro...
34
4 A (NÃO) PRIVATIZAÇÃO DO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO
4.1 SÍNTESE
A experiência da privatização dos presídios brasileiros é bastante recente,
data de janeiro de 1992, quando o Conselho Nacional de Política Criminal e
Penitenciária (CNPCP), órgão subordinado ao Ministério da Justiça, encarregado da
formulação de linhas diretrizes para a área, propõe formalmente a adoção das
prisões privadas no Brasil.
De acordo com Minhoto (2002 apud FRANZ, 2010) surge:
[...] oriunda de reflexões sobre as modernas experiências, que vêm sendo
colocadas em prática em estabelecimentos prisionais dos Estados Unidos,
da França, da Inglaterra e da Austrália, representaria, entre outras coisas, a
(i) atender aos preceitos constitucionais da individualização da pena e de
respeito à integridade física e moral do preso; (ii) lançar uma política
ambiciosa de reinserção social e moral do detento, destinada a confiar nos
efeitos da reabilitação e a refrear a reincidência; (iii) introduzir, no sistema
penitenciário, um modelo administrativo de gestão moderna; (iv) reduzir os
encargos e gastos públicos; (v) favorecer o desenvolvimento de salutar
política de prevenção da criminalidade, mediante a participação organizada
da comunidade nas tarefas de execução da pena privativa de liberdade; (vi)
aliviar, enfim, a dramática situação de superpovoamento no conjunto do
parque penitenciário nacional. (MINHOTO, 2002, p. 148).
Referida proposta recebeu o repúdio da Ordem dos Advogados do Brasil –
OAB, em razão dessas pressões, a referida proposta foi arquivada. Contudo, de
acordo com Kuehne (2002):
Foi editada a Resolução de nº 01 de 24/03/93, atinente à proposta do Prof.
Edmundo, que decidiu:
I - submeter a proposta a amplo debate nacional pelos diversos segmentos
da sociedade;
II - deixar que os Governos Estaduais avaliem a iniciativa de adotar ou não a
experiência, em conformidade com as peculiaridades regionais.
O Ministério da Justiça, preocupado com as questões carcerárias no país,
ressuscitou a discussão sobre as Parcerias Público-Privadas - PPP, manifestandose através do Novo Plano Nacional de Política Penitenciária e recomendando,
dentre outras questões:
Instituir incentivos fiscais que encorajem o ingresso nas prisões de
empresas particulares aptas a oferecerem trabalho aos internos; melhorar
as condições humanas nos cárceres, nos planos médico, educacional e
laborativo, com o concurso de empresários e da comunidade; repudiar as
propostas de privatização plena dos estabelecimentos penais,
individualização da execução penal, assim compreendidos os relativos à
assistência jurídica, médica, psicológica e social, por se inserirem em
35
atividades administrativas destinadas a instruir decisões judiciais,
ressalvando-se que, sob nenhuma hipótese ou pretexto deverão ser
realizadas por empresas privadas, de forma direta ou delegada, uma vez
que compõem requisitos da avaliação do mérito dos condenados.(FRANZ,
2010, p. 37)
4.2 ASPECTOS JURÍDICOS DA PRIVATIZAÇÃO DO SISTEMA PRISIONAL
BRASILEIRO
A discussão jurídica sobre a possibilidade de se privatizar ou não o sistema
prisional não está pacificada. Schelp (2009), em reportagem sobre presídios
privados no Brasil, aponta muito bem a controvérsia:
O argumento mais sério contra a terceirização e, por consequência, contra
as PPP (Parcerias Público-Privadas) em presídio é a aparente
inconstitucionalidade de entregar à iniciativa privada o papel de aplicar a
pena a um condenado. O argumento nesse sentido é que, como se trata de
uma atribuição do Estado, seria impróprio contratar agentes particulares
para fazê-lo.
A lei não proíbe textualmente a terceirização, por conta disso, as
interpretações variam. No entendimento de alguns juristas, a administração privada
é constitucional, desde que os agentes penitenciários trabalhem sob as ordens de
uma autoridade estatal. Assim, o estado não abdica de seu monopólio do uso da
força.
Segundo Schelp (2009), nas penitenciárias terceirizadas costumam
trabalhar três ou mais funcionários públicos, em geral diretores e chefes de
segurança, cuja obrigação é controlar e fiscalizar a atuação da empresa
concessionária e de seus empregados.
Segundo Kuehne (2007) o magistrado Mauro Bley Pereira Júnior, advoga a
privatização. Em propostas à crise penitenciária assevera que consoante o
ordenamento atual, há possibilidade legal de intervenção privada nos presídios.
Assim, não haveria qualquer necessidade de mudança legislativa, mesmo porque a
situação dos reclusos estaria resguardada, posto que a questão relacionada à
disciplina, segurança e os aspectos de índole jurisdicional não estariam a sofrer
qualquer ingerência, pois a empresa é que estaria sujeita à fiscalização do juiz da
execução e demais órgãos conforme dispõe a Lei de Execução Penal.
36
Acerca do tema, aduz D’Urso:
Não se está transferindo a função jurisdicional do Estado para o
empreendedor privado, que cuidará exclusivamente da função material da
execução penal, vale dizer, o administrador particular será responsável pela
comida, pela limpeza, pelas roupas, pela chamada hotelaria, enfim, por
serviços que são indispensáveis num presídio.
Já a função jurisdicional, indelegável, permanece nas mãos do Estado que,
por meio de seu órgão-juiz, determinará quando o homem poderá ser preso,
quanto tempo assim ficará, quando e como ocorrerá a punição e quando o
homem poderá sair da cadeia, numa preservação do poder de império do
Estado, que é o único legitimado para o uso da força, dentro da observância
da lei. (D´URSO, apud KUEHNE, 2007).
Assim, a administração do sistema prisional obedeceria à Constituição
Federal de 1998 e à Lei de Execução Penal, onde se determina como dever do
Estado administrar a execução da pena. A Constituição Federal em seu artigo 24,
inciso I e parágrafo 2º assim dispõe:
Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar
concorrentemente sobre:
I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico.
§ 2° - A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui
a competência suplementar dos Estados. (BRASIL, 2012).
Portanto, nada impede que os Estados Federados legislem sobre o direito
penitenciário e destarte possam implementar meios que busquem a satisfação
destas atividades com a iniciativa privada. Da mesma forma, não há que se falar,
assim, em afronta à função jurisdicional indelegável do Estado.
4.3 MODELOS DE PRISÕES BRASILEIRAS PRIVATIZADAS
No Brasil a privatização foi pensada visando a redução de gastos públicos e
melhorias nas condições de cumprimento da pena, garantindo os direitos dos
apenados e respeitando aos preceitos constitucionais de respeito à integridade física
e moral do preso e ainda, controlar a superlotação do sistema penitenciário nacional,
através de um rigoroso sistema de vigilância.
A privatização de presídios no Brasil é questão de controvérsia entre juristas
renomados, mas perpassa pela vontade política, ou melhor dizendo, pela não
vontade política. Se preso não dá voto, questões que envolvam presídios e sua
população não é de interesse da classe política. Aliás, são poucos os presídios
brasileiros que, na época das eleições, têm seção eleitoral no seu interior. Claro que
37
apenas para os presos provisórios que ainda não tiveram os seus direitos políticos
suspensos.
O que ocorre é o esquecimento de que ali, nos presídios e nas cadeias
públicas, existem pessoas aptas a votar, mas como isso não é do interesse público,
e os votos de lá pouco influenciam, não se colhem esses votos.
Vejamos sucintamente alguns modelos de privatização no Brasil:
4.3.1 Penitenciária industrial de Guarapuava
A primeira experiência de privatização de estabelecimento prisional no Brasil
deu-se no Paraná, com a construção da Penitenciária Industrial de Guarapuava no
ano de 1999, pela empresa Humanitas – Administração Prisional Privada Ltda.
No bojo da segurança pública nacional tratou-se de uma parceria entre o
setor público e privado, ficando a administração do presídio sob a responsabilidade
do Governo Estadual e a prestação de serviços, que inclui a segurança interna,
assistência social, médica e psicológica entre outras, a cargo da empresa privada,
permanecendo o Estado com a tutela do Estabelecimento (Penitenciária Industrial
de Guarapuava), nos aspectos relacionados à Direção, segurança e controle da
disciplina. Em momento algum as atividades jurisdicionais ou as de cunho
administrativo judiciário foram delegadas, adotando a classificação proposta por
kuehne que:
Separa as atividades inerentes à execução, destacando as atividades
administrativas em sentido amplo, classificadas na divisão que propõe:
atividades administrativas em sentido estrito (judiciárias) e atividades de
execução material, podendo estas, em seu modo de pensar, serem
atribuídas a entidades privadas. Afasta, pois, em termos legais, qualquer
tentativa de privatizar as atividades jurisdicionais, bem como a atividade
administrativa judiciária, exercidas estas últimas, v.g. pelo Ministério Público,
Conselho Penitenciário. (KUEHNE apud MIRABETE, 1993).
De igual forma, criaram-se canteiros de trabalho junto à penitenciária referida,
possibilitando a atividade laborativa dos presos, mediante remuneração, viabilizados
os instrumentos de locação de serviços dos internos, com o Fundo Penitenciário do
Estado.
Sistema pioneiro na recuperação de presos, Guarapuava trouxe inúmeras
vantagens que, podem e devem ser copiadas para melhorar a conduta do homem
dentro dos presídios.
38
Ter o que fazer e retirando de si a ociosidade, o trabalho interno ativa a
criatividade e retira do interno a capacidade de ficar criando meios de fuga, e até
mesmo os atritos entre presos.
Infelizmente, os Estados membros não copiaram a ideia, com raríssimas
exceções, como veremos adiante, preferindo continuar com o sistema antigo a ter de
inovar.
4.3.2 Penitenciária industrial de Joinville
A Penitenciária Industrial de Joinville serve de modelo para todos os
Estados, onde o êxito reflete diretamente na sociedade, atingindo o escopo,
revolucionando e evoluindo beneficamente esse problema que é de interesse público,
com objetivo de reabilitar o detento, fazendo com que ele próprio seja protagonista
desta inovação, atuando de forma direta para o seu desenvolvimento intelectual,
social e profissional, onde os mesmos são estimulados a estudar e a trabalhar,
podendo realizar cursos técnicos fora da penitenciária conforme seu rendimento
escolar interno.
Vejamos o que diz a matéria da Revista Veja:
Os presídios brasileiros habitados por 450 000 sentenciados, têm cheiro de
creolina. O produto químico é usado para disfarçar outro odor, o de esgoto,
que sai das celas imundas e impregna corredores e pátios. (...) No extremo
oposto, figura a Penitenciária Industrial de Joinville, em Santa Catarina. Ela
não cheira a prisão brasileira. Os pavilhões são limpos, não há superlotação
e o ar é salubre, pois os presos são proibidos até de fumar. Muitos deles
trabalham, e um quarto de seu salário é usado para melhorar as instalações
do estabelecimento. Nada que lembre o espetáculo de horrores que se vê
nas outras carceragens, onde a maioria dos presos vive espremida em
condições sub-humanas, boa parte faz o que quer e os chefões continuam a
comandar o crime nas ruas a partir de seus celulares. (RICARDO, 2009).
No período de julho/2005 a julho/2010 dos 643 (seiscentos e quarenta e três)
internos que foram liberados pela Penitenciária Industrial Jucemar Cesconetto,
apenas 65 (sessenta e cinco) retornaram pelo cometimento de novos delitos,
perfazendo um percentual de 10,10% (dez vírgula dez por cento) como índice de
reincidência. (SANTOS, 2010).
39
4.3.3 Complexo prisional público-privado - (cppp)
É a primeira penitenciária construída e gerida pela iniciativa privada no Brasil,
de acordo com matéria publicada 05/03/2013 na Revista Fórum, o primeiro presídio
privatizado do Brasil, fica situado em Ribeirão das Neves, região metropolitana de
Belo Horizonte (Minas Gerais), o Complexo Prisional Público-Privado (CPPP) foi
inaugurado oficialmente no dia 28 de janeiro deste ano e oferece atividades
educativas e de formação profissional, salas de aula, oficinas e atividades de lazer,
conta com cinco unidades prisionais além do novo complexo. Ao todo Ribeirão das
Neves abriga 10% de toda população carcerária do Estado de Minas Gerais, de
acordo com dados do Infopen do Ministério da Justiça.
O novo complexo será composto por cinco unidades – três de regime fechado
e duas de regime semiaberto –, com 3.040 (três mil e quarenta) vagas. O governo
estadual pagará às empresas administradoras R$ 2.700,00 (dois mil e setecentos
reais) por preso, mais que os R$ 2.100,00 (dois mil e cem reais) que gasta
atualmente com cada detento do sistema público.
Cada unidade do regime semiaberto contará com oito salas de aula, seis
galpões de trabalho e um centro de atendimento de saúde. Já as unidades do
regime fechado são compostas pelos mesmos equipamentos, além de um centro de
convivência para os familiares dos presos.
A GESTORES PRISIONAIS ASSOCIADOS (GPA) será a administradora do
CPPP (Complexo Prisional Público Privado). O consórcio que administrará o presídio
é formado por cinco empresas que terão 380 (trezentos e oitenta) metas para
cumprir. O contrato de concessão prevê a exploração da atividade por um prazo de
27 (vinte e sete) anos.
Assim, como se pode aferir da recente experiência brasileira em torno da
privatização, o Brasil vem adotando a cogestão entre o Poder Público e a iniciativa
privada, nos moldes da Lei 11.079/04 (parcerias público-privadas).
40
5 CONSIDERAÇÕES SOBRE A PRIVATIZAÇÃO DO SISTEMA PENITENCIÁRIO
BRASILEIRO X SEGURANÇA COMO DEFESA NACIONAL
Com a privatização do sistema penitenciário busca-se a sua melhoria, com a
terceirização de serviços, ou implementação de medidas que visem reverter o
quadro atual do sistema penitenciário brasileiro. Sabemos que nossa sociedade é
atingida pela falta de interesse político em desfigurar o modelo de justiça criminal
que hoje temos. Modelo esse anacrônico, defasado, retrógrado e devastador da
condição humana.
Torna-se inadmissível as condições que os brasileiros cumprem suas penas
privativas de liberdade, podendo ser caracterizadas até como um tratamento
desumano.
Vale ressaltar que não pode ser ignorado o fato de que o direito penal
tornar-se-á muito mais ativo e eficaz sempre que se aproximar das garantias
constitucionais, assegurando cada vez mais os direitos dos mais fracos.
Ao cumprir sua pena o preso deve apenas perder a sua liberdade, e nada
mais, evitando todas as outras crueldades sofridas, e que são de responsabilidade
do Estado.
A maioria das penitenciárias brasileiras dá aos apenados uma vivência
desumana seja pela superlotação ou pelas precárias condições de infraestrutura,
alimentação e higiene que fere os direitos humanos do apenado previstos na
Constituição Federal.
Ante os contextos proporcionados evidencia-se a falta de competência do
governo em conduzir essas instituições. Desta forma é vivedoura a privatização com
o fim de estruturar, modernizar as penitenciárias como forma de combater e reprimir
os crimes cometidos dentro das mesmas, além de oferecer aos presos condições de
vida condizentes com o que está previsto na Constituição Brasileira.
Muitos autores acreditam que o sistema privatizado é a melhor opção para
solucionar a crise pela qual o sistema penitenciário brasileiro vem passando, tendo
em vista que as penitenciárias conduzidas pela iniciativa privada são as que
possuem as melhores condições para os detentos. A favor desse posicionamento,
corroboram-se a opinião de alguns especialistas:
41
Luiz Flávio Borges D’Urso (2003), advogado criminalista, que presidiu o
Conselho Estadual de Política Criminal e Penitenciária de São Paulo e é membro do
Conselho Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça:
Registro que sou amplamente favorável à privatização no modelo francês e
as duas experiências brasileiras, uma no Paraná há um ano e outra no
Ceará, há dois meses. Há de se reconhecer que são um sucesso, não
registram uma rebelião ou fuga e todos que orbitam em torno dessas
unidades revelam que a ‘utopia’ de tratar o preso adequadamente pode se
transformar em realidade no Brasil. [...] Das modalidades que o mundo
conhece, a aplicada pela França é a que tem obtido melhores resultados e
testemunho que, em visita oficial aos estabelecimentos franceses, o que vi
foi animador. Trata-se de verdadeira terceirização, na qual o administrador
privado, juntamente com o Estado faz parceria administrativa, inovando o
sistema prisional. Já o modelo americano, o qual também visitei, tal seria
inaplicável ao Brasil, porquanto a entrega do homem preso ao particular é
total, fato que afrontaria a Constituição brasileira. [...]De minha parte não me
acomodo e continuo a defender essa experiência no Brasil, até porque não
admito que a situação atual se perpetue, gerando mais criminalidade,
sugando nossos preciosos recursos, para piorar o homem preso que
retornará, para nos dar o troco. (D´URSO, 2003)
Ainda nessa linha também se posicionou a ex-secretária nacional de Justiça
Elizabeth Sussekind (2007):
Um agente penitenciário corrupto, se for público, no máximo é transferido.
Se for privado, é demitido na hora. Há quem diga que custam mais, mas
isso só acontece porque oferecem mais. Fui secretária e cansei de entregar
alvará de soltura a quem ficou preso por quatro anos e saiu da cadeia sem
saber assinar o nome. Eles colocavam a digital no alvará porque o Estado
foi incapaz de alfabetizá-los. (SUSSEKIND, 2007).
Declara Fernando Capez:
É melhor que esse lixo que existe hoje. Nós temos depósitos humanos,
escolas de crime, fábrica de rebeliões. O estado não tem recursos para gerir,
para construir os presídios. A privatização deve ser enfrentada não do ponto
de vista ideológico ou jurídico, se sou a favor ou contra. Tem que ser
enfrentada como uma necessidade absolutamente insuperável. Ou
privatizamos os presídios; aumentamos o número de presídios; melhoramos
as condições de vida e da readaptação social do preso sem necessidade do
investimento do Estado, ou vamos continuar assistindo essas cenas que
envergonham nossa nação perante o mundo. Portanto, a privatização não é
a questão de escolha, mas uma necessidade indiscutível, é um fato.
(CAPEZ,2007).
42
Os professores Sandro Cabral e Sérgio Lazarini (2007):
Nossos resultados apontam que as formas híbridas de provisão de serviços
prisionais apresentam não apenas melhores custos, mas também melhores
indicadores de qualidade em termos de segurança, ordem e nível de serviço
oferecido aos detentos. A chave está na presença do supervisor público,
cujo papel é garantir um nível adequado de serviço. Nesse caso, a
supervisão pública exercida pelos diretores do presídio inibe eventuais
condutas auto interessadas dos operadores privados, evitando a redução
dos padrões de qualidade dos serviços acordados.
Mas estas posições não são unânimes. Alguns especialistas se posicionam
contra a privatização alegando que se fosse algo bom os Estados Unidos não teriam
tão poucas unidades privatizadas, haja vista ser a nação mais privativa do planeta.
O Professor Laurindo Minhoto (2012), em entrevista ao jornal "A Tribuna" de
Santos/SP, salienta que a privatização do sistema carcerário brasileiro não é o
caminho mais indicado:
A grande promessa dos advogados da privatização no Brasil é justamente
essa (diminuir custos). A ideia é de que a iniciativa privada mais eficiente
adote programas de qualidade e de gestão. Dizem que ela já teria sido, em
tese, comprovada nos países onde houve implementação do sistema. Digo
sinceramente: não há qualquer estudo que comprove isso, aqui ou lá.
Reduções de custo, quando existem, são mínimas se comparadas aos
gastos dos estabelecimentos públicos. E, em muitas situações, o que
parece é que essa diminuição do preço por detento aparece devido à piora
na qualidade dos serviços penitenciários. Justamente no que seria o
diferencial
na
ressocialização,
educação,
trabalho,
saúde
e
acompanhamento do preso. São tarefas que sofrem piora em função do
corte de custos. Os presídios privados são a Gol (empresa de aviação
brasileira que barateia passagens e oferece serviço de bordo mais modesto)
do setor. (MINHOTO, 2007).
Fazendo uma análise no sistema de Defesa Nacional, podemos proferir que
se faz uma questão tanto quanto ampla, tendo a sua política como um documento
com objetivos fixados para serem cumpridos, o que se funde com o pensamento da
ESG - Escola Superior de Guerra: “Política Nacional é o conjunto de Objetivos
Fundamentais bem como a orientação para o emprego do Poder Nacional, atuando
em conformidade com a Vontade Nacional.” (2013).
Isto posto é possível concluir que a nação é reconhecida pela doutrina como
dever de todos e que não se aplica apenas ao campo militar.
Isso nos força pensar que a nação para ter segurança (sensação), necessita
entre outras coisas gozar da plena percepção de liberdade cogente a concretização
de seus interesses, livres de quaisquer pressões e ameaças, sejam elas internas ou
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externas e as garantias de direitos e deveres constitucionais que, em regra, tem tudo
a ver com as atividades de Segurança Pública.
No mesmo modo, no conceito de defesa (ação), ao afirmar medidas e ações
do Estado, fica evidente que, sendo as ações de Estado lato sensu, englobando
todos os seus entes (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), além de se
referir aos interesses nacionais, temos que agregar os interesses de toda a nação.
São pois, interesses que derivam dos valores axiológicos, os quais embasam os
Objetivos Fundamentais.
Diante tudo o que foi apresentado é aceitável findar que o sistema
privatizado que já vem sendo aplicado nos Estados do Paraná, Santa Catarina e
também de Minas Gerais, vem se mostrando uma boa opção, destinando-se a
acatar aos princípios constitucionais antevistos para a dignidade da pessoa humana,
assim como reabilitar o condenado.
Existe uma direção com gestão de ponta, com diminuição apreciável do
dinheiro público e com uma eficaz ressocialização do criminoso, resolvendo o
problema da superlotação no conjunto penitenciário nacional.
Para que a solução deste problema seja alcançada, ainda que a longo prazo,
necessário se faz uma atitude eficiente por parte do Estado para que se chegue a tal
solução.
Como bem disse Capez (2007) e já citado, esse lixo que está aí é pior do
que qualquer coisa se se imponha. Acima de tudo, a dignidade da pessoa humana.
Às vezes deve-se deixar a formalidade de lado para que prevaleça a forma, e nesse
caso, a forma mais salutar que se apresenta, ao menos nesse momento, é partir
para um consórcio público-privado, como melhor maneira de, se não possível
resolver, dirimir a questão caótica do Sistema Prisional Brasileiro.
Se ainda não existe uma pena alternativa à prisão, deve ser aprimorada, ou
melhor dizendo, bem aplicada, para que não sirvam nossas cadeias como
universidades do crime.
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6 CONCLUSÃO
Embora a proposta de privatização das penitenciárias seja novo, deve ser
viabilizada para solução da atual crise que afeta o sistema prisional, visto que o
modelo tradicional já demonstrou seu fracasso para com a ressocialização do
interno, bem como total desrespeito com os direitos humanos.
Para romper com a crise atual, a privatização do sistema penitenciário tem o
objetivo de fazer cumprir a obrigação estatal e estabelecer uma política de
segurança eficaz, atingindo um modelo de execução penal adequado a legislação
vigente e de acordo com as diretrizes da política criminal de humanização, controle
da criminalidade e de reabilitação social do detento, com a observação do princípio
constitucional da dignidade da pessoa humana.
O sistema de que foi adotado na penitenciária de Guarapuava/PR confirma
que a adoção desse tipo de gestão procedeu em aspectos efetivamente positivos. O
índice de reincidência diminuiu significativamente, assim como a questão de fugas e
rebeliões também é positiva, incluindo o ensino e a profissionalização do apenado,
tudo isso resultado de um tratamento digno proporcionado ao presidiário.
Essa nova opção de realidade pode nos trazer benefícios no sentido de que
é possível:
I- aumentar a capacidade de vagas no sistema prisional (hoje superlotado);
II- proporcionar ao presidiário um cumprimento de pena de modo digno;
III- criar e estabelecer parcerias com a sociedade, no sentido de dar ao
apenado a chance de trabalhar;
IV- facilitar ao preso o seu retorno a sociedade;
V- desonerar o Estado no tocante a investimentos em curto prazo (verbas
para construção de unidades prisionais); dentre outros benefícios.
A fundação do sistema de privatização na gestão de estabelecimentos
prisionais, diante da realidade carcerária hoje vivida pelo nosso país, enseja, em
nosso entendimento, aspectos profundamente positivos.
Torna-se óbvio que o Poder Público deve estar presente na fiscalização,
tanto da implantação quanto no decorrer da gestão modelo de parcerias, com o fim
de que seja evitado o que hoje acontece.
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Acreditamos que, com o fido cumprimento das obrigações impostas a ambos
os lados da parceria, tendo em vista como principal objetivo, recepcionar, em uma
determinada comunidade, um ex-detento ressocializado, esse novo modelo de
gestão prisional, que está tendo o seu processo de implantação iniciado, trará
muitos benefícios para a nossa sociedade, principalmente se comparado com o
atual modelo vigorante.
Dar prioridade a redução de reincidência é certeza de que o crescimento da
demanda vai significativamente a longo e médio prazo. Mais investimento em
qualidade de vida para o apenado o afastará de ambiente de risco e trará
oportunidades de estudo e refinamento profissional, garantindo assim, a redução da
violência.
Oportuno que se se diga que, acabar com a violência, mesmo que intestina
nos presídios públicos brasileiros, é algo quase inatingível. Contudo, pode-se
amainar essa situação caótica. Pode-se amenizar a conjuntura atual, posto que, pior
do que está, difícil ficar, como disseram os mais renomados juristas mencionados ao
longo deste trabalho.
Quanto mais o tempo passa, mais intolerável ficará o sistema prisional, o
que trará, como já ocorre nos dias de hoje, opiniões de que a cadeia deva ser
extirpada das modalidades de pena. Em assim ocorrendo, o que não tá difícil de
acontecer, a opinião pública de vez deixa de crer na justiça.
Palestras e conferências nesse sentido já foram ministradas por autoridades
até mesmo de dentro do governo federal, e pelos membros dos Direitos Humanos,
como o já prefalado D´Urso (2007).
Conclui-se ainda, que a jurisprudência caminha na direção contrária à pena
de prisão, salvo nos casos horrendos e que não se tem outra medida alternativa.
Por fim, não se pode olvidar que, o submundo das cadeias públicas
brasileiras, para quem já as habitou, é pior que o submundo do crime do lado de fora
delas. Vale dizer: melhor ter de enfrentar o perigo sempre iminente externamente às
prisões a ter que estar dentro delas e correr o risco, não raro, de enfrentar facções
criminosas impregnadas nos seios dos presídios.
Enquanto a discussão não chega a um termo; enquanto juristas se
digladiam; enquanto a formalidade se sobrepõe à essência, o Brasil continua com a
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faculdade da delinquência forjada dentro das instituições que deveriam, a priori,
ressocializar o homem que feriu a lei.
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SILVA, Luiz Marcos da. Segurança pública