TEMAS PERTINENTES À ALFABETIZAÇÃO NA REVISTA DE EDUCAÇÃO (19331943)
Márcia Cristina de Oliveira Mello - Unesp/Marília
Carlos Monarcha - Unesp/Marília
No Brasil, no âmbito acadêmico, tivemos nas últimas décadas um aumento
considerável pelo interesse de pesquisadores que privilegiam como fonte a imprensa periódica
educacional, por meio da incorporação dos pressupostos teóricos de autores vinculados à
Nova História Cultural. No âmbito da pesquisa em Educação, também é crescente tal interesse
pela imprensa periódica especializada em questões de educação e ensino (MONARCHA,
2002).
Com o objetivo de compreender um passado recente da história da
alfabetização no Brasil, articuladamente a formação do professor alfabetizador, elegi como
corpus para análise o módulo da Revista de Educação publicado entre os anos de 1933 e
1943, cuja série completa consta do acervo do Centro de Referência para Pesquisa Histórica
em Educação (CRPHE), localizado na Faculdade de Filosofia e Ciências – Universidade
Estadual Paulista – Campus de Marília.
Apresento resultados parciais de pesquisa de doutorado em andamento, com
bolsa CAPES, sob a orientação do Prof. Dr. Carlos Monarcha, no âmbito do Grupo de
Pesquisa “História da Educação no Brasil" (GPHEB) e do Projeto Integrado de Pesquisa
“Revistas de educação e ensino. São Paulo: 1892-1944” (PIPREE) (Apoio CNPq/FAPESP),
ambos coordenados pelo professor Carlos Monarcha. Trata-se de pesquisa documental e
bibliográfica desenvolvida mediante procedimentos de localização, reunião, ordenação e
análise de fontes documentais e da bibliografia sobre a imprensa periódica especializada em
questões de educação e ensino.
O recorte cronológico que delimita minha pesquisa está inserido no âmbito do
terceiro momento da constituição da alfabetização como objeto de estudo, que segundo
Mortatti (2000), tem início na década de 1920 e vai até meados da década de 1970.
CARACTERÍSTICAS GERAIS DA REVISTA DE EDUCAÇÃO (SÃO PAULO: 19331943)
A partir dos estudos de Carlos da Silveira (1929) e Antonio do Amaral (1968)
é possível encontrar informações sobre o surgimento das primeiras revistas pedagógicas1 e
das revistas de cultura2 publicadas em São Paulo. Os textos de Silveira e Amaral oferecem um
ponto de partida para se estabelecer a cronologia da produção e circulação da imprensa
periódica especializada em educação e ensino.
A Revista de Educação, Órgão do Departamento de Educação do Estado de
São Paulo; essa denominação muda no tempo3; foi editada no estado de São Paulo entre 1933
e 1944, no formato brochura, tamanho 23 x 16, texto a uma coluna, com exceção de algumas
seções compostas a duas colunas, totalizando 19 exemplares.
A análise preliminar realizada no âmbito do GPHEB e do PIPREE possibilitou a
elaboração de um instrumento de pesquisa (Silva; Monarcha, 2003) que sistematiza um
representativo conjunto de dados sobre Revista de Educação. Para sistematização dos dados
foram considerados três períodos, a saber: o primeiro de março de 1933 a junho de 1935; o
segundo de setembro de 1935 a dezembro de 1937; e o terceiro de março/junho de 1938 a
julho/dezembro de 1943.
No período de 1933 a 1935, o cargo de Diretor Geral do Ensino do Estado de
São Paulo, foi ocupado por quatro professores, a saber: Fernando de Azevedo, Sud Mennucci,
Francisco Azzi e Luiz da Motta Mercier.
De acordo com o levantamento, a revista além de publicar um extenso de
artigos especializados contém ainda seções especializadas de grande potencial informativo
para a pesquisa em Educação, são elas: “Fatos e iniciativas”, “Bibliografia”, “Através de
Revistas” e “Legislação Escolar”.
Nesse período 98 autores colaboraram com a revista, dentre eles 24 mulheres e
oito autores estrangeiros. Os autores brasileiros eram, em sua maioria, inspetores de ensino,
diretores da instrução, ex-diretores da instrução e professores normalistas.
No período de 1935 a 1937, Antonio Ferreira de Almeida Junior ocupou o
cargo de Diretor do Ensino do Estado de São Paulo. Nessa segunda fase, a revista foi
impressa na cidade de São Paulo pela Tipografia Garraux.
Nessa fase, a revista foi distribuída gratuitamente aos professores públicos
paulistas e vendida aos demais interessados por meio de assinatura anual, no valor de 15$000,
ou vendida em números avulsos pelo valor de 5$000.
Quanto as seções especializadas, nessa fase a revista publicava: “Através de
Revistas”, “Bibliografia”, “Fatos e iniciativas”, “Legislação escolar”, “Diretoria do Ensino” e
“Publicações”.
Os artigos veiculados nessa fase tinham características oficiais, informativas e
didático-metodológicas, assinados por 47 autores colaboradores, dentre eles 32 homens e 15
mulheres. Os autores brasileiros, em sua maioria, eram delegados de ensino, diretores e
inspetores de ensino e professores pertencentes aos grupos escolares e escolas normais.
No período de 1938 a 1943, constatou-se que ocorreram várias mudanças
relacionadas a ocupação do cargo da Diretoria Geral do Ensino de São Paulo. Ocuparam o
cargo de Diretor Geral do Ensino, nesse período, sete representantes do meio educacional, a
saber: A. Meirelles Reis Filho, Joaquim Álvares Cruz, Aluízio Lopes de Oliveira, Dario Dias
de Moura, O . Barros, Israel Alves dos Santos e Sud Mennucci.
Nessa fase a revista foi editada pela Imprensa Oficial do Estado e teve sua
publicação paralisada entre março de 1941 a junho de 1943, devido a problemas como falta de
verbas para sua edição normal, já que era distribuída gratuitamente entre o professorado
paulista.
Nessa terceira fase as seções especializadas da revista eram as seguintes:
“Departamento de Educação – Circulares”; “Fatos e iniciativas”; “Legislação Escolar”;
“Através das Revistas”; “Publicações”; “Livros recebidos”; “Metodologia”; “Seção musical”;
“Bibliografia”; “Música e Poesia escolar”; “Centro do Professorado Paulista”; e “História da
Educação no Brasil”.
Ainda nessa fase 48 autores colaboraram com a revista, dentre eles 37 homens,
sendo um deles estrangeiro, e 11 mulheres. Esses autores eram, em sua maioria diretores e
delegados regionais de ensino, inspetores de ensino, professores de escolas normais e
professores-adjuntos em grupos escolares.
Ficou concluído, pelos membros do GPHEB e do PIPREE, que a preocupação
da revista, nesse módulo analisado, estava em publicar assuntos relacionados a metodologia,
ou seja, ao “como ensinar” e ao “como elaborar” planos de aulas para as variadas disciplinas,
fornecer informações sabre o panorama educacional brasileiro e internacional, além da
preocupação com os problemas relacionados a moral, ao civismo, a higiene e a saúde e
sobretudo legislação escolar.
Esses dados, ora obtidos e organizados pelos membros do GPHEB e do
PIPREE, ajudam a dimensionar a relevância da Revista de Educação no cenário educacional
brasileiro e paulista e contribuem para preservar as revistas de educação e ensino além de
potencializar a pesquisa em Educação.
ABORDAGEM SOBRE ALFABETIZAÇÃO NA REVISTA DE EDUCAÇÃO (SÂO
PAULO: 1933-1943)
A fim de propiciar uma visão de conjunto dos artigos que abordam
especificamente a alfabetização, publicados na revista entre os anos de 1933 e 1943, apresento
no Quadro 1, essa produção distribuída por autor e título.
QUADRO 1 – Artigos sobre alfabetização publicados na Revista de Educação (São
Paulo: 1933-1943)
AUTOR
Abel de Faria Sodré
Adauto de Oliveira Serra
Altamiro Nunes Ribeiro
Anna Nogueira Ferraz e Olga
Bolliger
Antenor Erveu Bettarello e
Lázaro Ferraz de Camargo
Bathazar de Godoy Moreira
Bruno Vollet
“Comissão de estudos dos
Serviços das Instituições
Auxiliares da Escola (SIAE) do
Departamento de Educação”
“Comunicados do Ministério
da Educação e da Saúde
Pública”
Francisco E. de Aquino Leite
Francisco E. de Aquino Leite
Francisco E. de Aquino Leite
Francisco E. de Aquino Leite
Hernrique Ricchetti
J.B. Damasceno Penna
José Ribeiro de Meneses Filho
Leontina Silva Busch
Leontina Silva Busch
Leontina Silva Busch
Lourenço Filho
Luiz Gonzaga Fleury
Maria Angelica Uhalde de
Barrenechea
Maria de Lourdes Vieira
Maria Helena Prestes Barra
Maximo de Moura Santos
TÍTULO
Alfabetização rápida
Método ideo-visual para o ensino da leitura, segundo Decroly
A língua e sua pedagogia
O descalabro no ensino da linguagem
Organização de classes selecionadas e aplicação do testes ABC
Leitura
Método analítico-sintético
Método de Decroly (adaptação)
A leitura nas classes do segundo, terceiro e quarto graus
Bibliografia
Combate ao analfabetismo
As classes seletivas do 1º grau e os testes ABC
Testes
Alfabetização e educação
O ensino da leitura
Linguagem, leitura e escrita
Alfabetização rápida
O ensino da leitura e o método analítico
A escrita na escola primaria: síntese do livro da professora
Orminda I. Marques
Roberto Dottrens; Emilia Margairaz, El aprendizage de la lectura
por el método global. Madrid: Espasa-Calpe, 1933 (Colección de
Actualidades Pedagógicas) 1933. Resenha crítica
A associação no ensino da leitura
Sugestões e planos para o ensino de leitura
Sugestões e planos para o ensino de leitura
O ensino da linguagem escrita planos e sugestões
O problema da maturidade para a leitura e a escrita
Sugestões para aulas de leitura
Valor didático da cópia
O ensino da leitura nas classes adiantadas
O ensino da linguagem no curso primário
O método analítico
Maximo de Moura Santos
Onofre Penteado Junior
Sud Mennucci
Vicente Peixoto
William S. Gray
Ensinar a ler
Os testes ABC como meio de seleção de classes
Método analítico
O ensino da linguagem nos dois primeiros anos da Escola Primária
Principais reformas modernas no ensino da leitura
Fonte: Revista de Educação (São Paulo: 1933-1943)
De acordo com os dados apresentados no Quadro 1, podemos considerar que a
revista destinava um espaço privilegiado ao tema da alfabetização já que o número de artigos
encontrados sobre o tema é significativo: 30 artigos publicados entre os anos de 1933 e 1943.
Esses artigos foram escritos por autores de renome nacional e internacional, entre eles
Lourenço Filho e Sud Mennucci; e autores que ganhavam projeção estadual: Onofre Penteado
Junior, Leontina Silva Busch, Luiz Gonzaga Fleury e Maximo de Moura Santos.
Para melhor compreensão dos dados citados, apresento, no Quadro 2, somente
os autores, com a respectiva freqüência de colaboração.
QUADRO 2 – Autores que escreveram sobre alfabetização na Revista de Educação (São
Paulo: 1933-1943) e freqüência de colaboração
AUTOR
FREQÜÊNCIA
Abel de Faria Sodré
Adauto de Oliveira Serra
Altamiro Nunes Ribeiro
Anna Nogueira Ferraz e Olga Bolliger
Antenor Erveu Bettarello e Lázaro Ferraz de Camargo
Bathazar de Godoy Moreira
Bruno Vollet
“Comissão de estudos dos Serviços das Instituições
Auxiliares da Escola (SIAE) do Departamento de
Educação”
“Comunicados do Ministério da Educação e da Saúde
Pública”
Francisco E. de Aquino Leite
Hernrique Ricchetti
J.B. Damasceno Penna
José Ribeiro de Meneses Filho
Leontina Silva Busch
Lourenço Filho
Luiz Gonzaga Fleury
Maria Angelica Uhalde de Barrenechea
Maria de Lourdes Vieira
Maria Helena Prestes Barra
Maximo de Moura Santos
Onofre Penteado Junior
1
1
1
1
1
1
1
1
1
4
1
1
1
3
1
1
1
1
1
2
1
Sud Mennucci
Vicente Peixoto
William S. Gray
TOTAL
1
1
1
30
Fonte: Revista de Educação (São Paulo: 1933-1943)
Como se observa no Quadro 2, Francisco E. de Aquino Leite4 foi o autor que
mais colaborou: são quatro artigos escritos por ele do total dos 30 artigos sobre alfabetização
publicados no período. Em seguida, por ordem de freqüência, tem-se a contribuição de
Leontina Silva Busch5 : três artigos. Maximo de Moura Santos6: dois artigos. Os demais
autores colaboraram com um artigo apenas.
Esses artigos focalizam as metodologias de ensino da leitura e da escrita – o
“como fazer” –, assim como as questões relacionadas com as práticas de medida de nível de
maturidade necessária para a aprendizagem da leitura e escrita que desencadearam uma nova
tradição – “alfabetização sob medida” (MORTATTI, 2000). Esse discurso tematiza e orienta
as práticas pedagógicas dos professores paulistas, já que existia à época, a necessidade de se
difundir novas concepções pedagógicas entre o professorado, centradas nos aspectos
psicológicos da aprendizagem da leitura e da escrita e nas condições individuais de
aprendizagem do aluno, sob a influência do pensamento escolanovista de Lourenço Filho.
Essas concepções pedagógicas que tematizam e orientam as práticas docentes,
estão concretizadas, principalmente nos discursos encontrados na seção de “Metodologia”,
uma das seções especializadas, citadas no tópico anterior, que se relacionava diretamente a
prática docente, apresentando aos professores alfabetizadores planos de aulas, esquemas,
esboços de trabalhos e modelos de exercícios, com o objetivo de disponibilizar meios eficazes
para o ensino.
Essas questões possibilitam compreender, entre outros aspectos, como foram
divulgadas as idéias escolanovistas para o aprendizado da leitura e da escrita entre o
professorado paulista.
De acordo com as informações obtidas até o momento, foi possível concluir
que encontramos na Revista de Educação, publicada entre os anos de 1933 e 1943, um espaço
privilegiado para as reflexões acerca do tema da alfabetização.
Dos 30 volumes da revista publicados no período, não encontramos artigos
relacionados ao tema da alfabetização apenas nos volumes 13/14 publicado em 1936, 17/18
publicado em 1937 e 19/20 publicado, também, no ano de 1937. Esses artigos escritos por
autores de prestígio político e intelectual, contêm concepções pedagógicas baseadas nas idéias
escolanovistas.
O estudo sistemático desses artigos pode auxiliar na compreensão da
mentalidade e das estratégias de divulgação das idéias escolanovistas para o aprendizado da
leitura e da escrita, o que possibilitará encontrar elementos de constituição do discurso sobre a
alfabetização, permitindo uma avaliação das propostas de alfabetização veiculadas na revista.
NOTAS
1
Na literatura especializada em publicações periódicas encontramos ora a expressão “revistas pedagógicas”, ora
a expressão “revistas educacionais”. No âmbito do GPHEB e do PIPREE elas são nomeadas como “revistas de
educação e ensino”.
2
Essa expressão é utilizada por Antonio Barreto do Amaral (1968) para se referir às revistas que se dedicavam
as múltiplas especializações: literatura, arte, filosofia, história, música, teatro, filatelia, cinema, geografia,
numismática, genealogia e heráldica.
3
Em decorrência das diversas reformas de ensino concretizadas no Estado de São Paulo no transcorrer das
décadas de 1930 e 1940 a Diretoria Geral da Instrução Pública passou a ser nomeada Diretoria Geral do Ensino e
Departamento de Educação, a partir de 1931 e 1938 respectivamente.
4
De acordo com informação encontrada na Revista de Educação, v. 8 de dezembro de 1934, Francisco E. de
Aquino Leite ocupava o cargo de “lente do Ginásio do Estado, de Ribeirão Preto”.
5
Leontina Silva Busch era professora da Escola Normal de Pirassununga (REVISTA DE EDUCAÇÃO, 1934).
6
Maximo de Moura Santos ocupava o cargo de “chefe de serviço da Directoria do Ensino de São Paulo”
(REVISTA DE EDUCAÇÃO, 1934).
REFERÊNCIAS
AMARAL, Antonio Barreto do. Nossas revistas de cultura: ensaio histórico-literário. Revista do
Arquivo Municipal, São Paulo, v. 174, p. 127-171, jul./set. 1968.
MONARCHA, Carlos. Revistas de educação e ensino: São Paulo – 1892-1940. Marília, 2002. Projeto
Integrado de Pesquisa. Faculdade de Filosofia e Ciências – Universidade Estadual Paulista.
(CNPq/FAPESP ).
MORTATTI, Maria do Rosário Longo. Os sentidos da alfabetização (São Paulo - 1876/1994). São
Paulo: Ed. UNESP; Brasília: MEC/INEP/COMPED, 2000.
SILVA, Aldine Nogueira da. MONARCHA, Carlos. Levantamento da Revista de Educação (2ª Fase:
1935-1937) Marilia, 2003. Faculdade de Filosofia e Ciências – Universidade Estadual Paulista.
SILVEIRA, Carlos. Apontamentos para uma história do ensino público em São Paulo: revistas de
ensino. Educação, São Paulo, n. 3. v. 7, p.323-332, jun. 1929.
REVISTA DE EDUCAÇÃO, São Paulo, Órgão da Diretoria Geral do Ensino do Estado de São
Paulo/Departamento de Educação do Estado de São Paulo/ Tipografia Garraux. (1933-1943).
Download

temas pertinentes à alfabetização na revista de educação