CARLOS DRUMMOND
DE ANDRADE
Vida
• Nasceu em Itabira do Mato Dentro, Minas
Gerais em 1902.
• Morreu no Rio de Janeiro em 17 de agosto
de 1987.
• Veio de uma família ligada às tradições dos
povoadores, mineradores e fazendeiros de
sua região.
PRIMEIRA OBRA: ALGUMA
POESIA
- Publicada em 1930 ( alguns críticos
conservadores questionavam o valor artístico
de alguns poemas, dentre eles, “No meio do
caminho”, um poema reflexivo, construído a
partir de repetições, o qual causou escândalo
e divergência entre os intelectuais da época.
No meio do caminho
No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.
A relação eu x mundo
• Eu maior que o mundo : presença do humor,
da ironia, dos poemas-piada em textos objetivos
e versos curtos.
• Eu menor que o mundo: poesia social, temas
políticos, a guerra e o sofrimento do homem,
sua impotência diante de um mundo frio e
mecânico.
• Eu igual ao mundo: investigação do real,
interrogações e negações, o vazio e a
existência, a palavra trabalhada no espaço da
página.
Aspectos centrais da obra
• Percorre a obra de CDA uma contínua
interrogação do ser e do mundo.
• O poeta revê a infância, a família, o amor
e a solidão.
• Seu olhar sobre o mundo reclama da
ausência da solidariedade social, da perda
dos valores éticos, da violência e da
guerra.
O poema a seguir abre o
livro Alguma Poesia e revela
um “eu retorcido”, traço da
personalidade do poeta.
Poema de sete faces
Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.
O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta
/meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.
O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos , raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.
Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.
Mundo mundo vasto mundo
se eu me chamasse Raimundo,
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.
Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.
REGISTRO POÉTICO DO
PASSADO
Uma das presenças temáticas
mais fortes no poeta é o passado.
Sem
idealizações
românticas,
Drummond percorre as suas
lembranças à procura de um
explicação para si mesmo.
O passado ilumina o presente,
melhora a compreensão do mundo que
o artista procura entender. As
recordações de Itabira, a estrutura
patriarcal daquela sociedade, o pai, a
mãe, os parentes vão compondo a
biografia poética do autor.
Infância
Meu pai montava a cavalo, ia para o campo.
Minha mãe ficava sentada cosendo.
Meu irmão pequeno dormia.
Eu sozinho menino entre mangueiras
Lia a história de Robinson Crusoé
Comprida história que não acaba mais.
No meio-dia branco de luz uma voz que
/aprendeu
A ninar nos longes da senzala – e nunca se
/esqueceu
Chamava para o café.
Café preto que nem a preta velha
Café gostoso.
Café bom.
Lá longe meu pai campeava
No mato sem fim da fazenda.
E eu não sabia que minha história
Era mais bonita que a de Robinson Crusoé.
Confidência do Itabirano
Alguns anos vivi em Itabira.
Principalmente nasci em Itabira.
Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro.
Noventa por cento de ferro nas calçadas.
Oitenta por cento de ferro nas almas.
E esse alheamento do que na vida é
/porosidade e
comunicação.
(…)
De Itabira trouxe prendas diversas que ora te ofereço:
este São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval;
este couto de anta, estendido no sofá da sala de
/visitas;
este orgulho, esta cabeça baixa...
Tive ouro, tive gado, tive fazendas.
Hoje sou funcionário público.
Itabira é apenas uma fotografia na parede.
Mas como dói.
AMAR: UMA POSSIBILIDADE
A lírica amorosa do poeta
mineiro, antes de definir ou
descrever o amor, preocupa-se em
questioná-lo. Em seus poemas, a
interrogação a respeito do amor ou
o desencontro amoroso são
destacados.
Observe como o humor e a
ironia traduzem o sentimento do
poeta:
Quadrilha
João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para o Estados Unidos, Teresa para o
convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto
Fernandes
que não tinha entrado na história.
Amar
Que pode uma criatura
/senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos
vidrados, amar?
Que pode, pergunto, o ser
amoroso,
sozinho, em rotação universal,
senão
rodar também, e amar?
amar o que o amar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na
brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou
simples ânsia?
Amar solenemente as palmas do
deserto,
o que é entrega ou adoração
expectante,
e amar o inóspito, o áspero,
um vaso sem flor, um chão de
ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em
sonho,
e uma ave de rapina.
Este o nosso destino: amor sem
conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou
nulas,
doação ilimitada a uma completa
ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura
medrosa,
paciente, de mais e mais amor.
Amar a nossa falta mesma de amor,
e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo
tácito, e a sede infinita.
Os temas do mundo: um poeta
solidário
As notícias da eclosão da Segunda
Guerra Mundial deixaram o poeta
perplexo diante dessa realidade. Então,
ele assume um compromisso com o
presente,
abandonando
o
seu
individualismo e seus mitos do passado. A
descoberta da humanidade sofredora faz
o poeta transportar a dor, o medo e a
morte em poesia:
Mãos dadas
Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considere a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história.
Não direi suspiros ao anoitecer, a paisagem vista
/na janela.
Não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida.
Não fugirei para ilhas nem serei raptado por
/serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os
/ homens presentes,a vida presente.
O poeta da solidão humana
O engajamento do poeta às causas
sociais, aos poucos, vai cedendo lugar a
uma busca existencial, à procura de um
sentido para a vida. A palavra registra as
perdas cotidianas, o anonimato da
existência de indivíduos imersos na
solidão. Alguns disfarces poéticos, em sua
obra, exploram esse motivo: Chaplin,
Carlitos, Raimundo, Carlos e, o mais
conhecido deles, José.
José
E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, Você?
Você que é sem nome,
que zomba dos outros,
Você que faz versos,
que ama, proptesta?
e agora, José?
Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?
E agora, José?
sua doce palavra,
seu instante de
febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio, - e agora?
Com a chave na
mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse,
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você consasse,
se você morresse....
Mas você não morre,
você é duro, José!
Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja do galope,
você marcha, José!
José, para onde?
Um poeta à procura da poesia
Para entendermos o processo criativo
da poesia de Drummond, precisaremos
compreender a palavra como origem da
relação do homem consigo mesmo e com
o mundo. Nesse aspecto, a metapoesia (
a poesia sobre poesia) refletirá a dinâmica
entre o “im-presso” e o “ex-presso”,
interpretando,
filosoficamente,
nossa
permanência neste mundo, representada
pelas palavras:
Procura da poesia
Não faças versos sobre os acontecimentos.
Não há criação nem morte perante a poesia.
Diante delas, a vida é uma sol estático,
Não aquece nem ilumina.
As afinidades, os aniversários, os incidentes
/pessoais não contam.
(…)
O que pensas e sentes, isso ainda não é
/poesia....
13- E Deus?
Responde, por favor: Deus é quem sabe?
Sabe Deus o que faz?
Deus dá o pão, não amassa a farinha?
Deus o dá, Deus o leva?
Pertence-lhe o futuro?
Deus te dá saúde? Deus ajuda
a quem cedo madruga?
Será que Deus não dorme?
E é Deus por todos, cada um por si?
Deus consente, mas nem sempre? Deus
Perdoa, Deus castiga?
Deus me livra ou salva?
Deus vê o que o Diabo esconde?
De hora em hora Deus melhora?
Mas é se Deus quiser?
E Deus quer?
Deus está em nós? E nós,
responde, estamos nele?
(“Rifoneiro divino”)
Drummond prosador
A obra em prosa abrange contos, ensaios
e crônicas, sendo este último o gênero
que o tornou mais conhecido como
prosador.
Os temas de suas crônicas ligam-se ao
cotidiano que ele focaliza com ironia e
humor.
SER POETA
Em autobiografia feita para a Revista acadêmica,
Drummond fala um pouco do fazer poético: “Entendo que
poesia é negócio de grande responsabilidade, e não
considero honesto rotular-se de poeta quem apenas
verseje por dor-de-cotovelo, falta de dinheiro ou
momentânea tomada de contato com as forças líricas do
mundo, sem se entregar aos trabalhos cotidianos e
secretos da técnica, da leitura, da contemplação e mesmo
da ação. Até os poetas se armam, e um poeta desarmado
é, mesmo, um ser à mercê de inspirações fáceis, dócil às
modas e compromissos”.
Reflexão sobre os homens
Um boi vê os homens
Tão delicados ( mais que um arbusto) e correm
e correm de um para outro lado, sempre /esquecidos
de alguma coisa. Certamente, falta-lhes
não sei que atributo essencial, posto se /apresentarem
nobres
e graves, por vezes. Ah, espantosamente graves,
até sinistros. Coitados, dir-se-ia não escutam
Nem o canto do ar nem os segredos do feno,
Como também parecem não enxergar o que é visível
E comum a cada um de nós, no espaço. E ficam tristes
E no rasto da tristeza chegam à crueldade.
(...) Têm, talvez,
Certa graça melancólica ( um minuto) e com isto se fazem
Perdoar a agitação incômoda e o translúcido
Vazio interior que os torna tão pobres e carecidos
De emitir sons absurdos e agônicos: desejo, amor, ciúme
(que sabemos nós), sons que se despedaçam e tombam
no campo
Como pedras aflitas e queimam a erva e a água,
E difícil, depois disto, é ruminarmos nossa verdade.
(CDA Claro enigma)
Curiosidades e fotos
•
SONETILHO DO FALSO FERNANDO PESSOA
Onde nasci, morri.
Onde morri, existo.
E das peles que visto
muitas há que não vi.
Sem mim como sem ti
posso durar. Desisto
de tudo quanto é misto
e que odiei ou senti.
Nem Fausto nem Mefisto,
à deusa que se ri
deste nosso oaristo,
eis-me a dizer: assisto
além, nenhum, aqui,
mas não sou eu, nem isto.
Media in via
Media in via erat lapis
erat lapis media in via
erat lapis
media in via erat lapis.
Non ero unquam immemor illius eventus
pervivi tam míhi in retinis defatigatis.
Non ero unquam immemor quod media in via
erat lapis
erat lapis media in via
media in via erat lapis.
Sejam felizes!
Um abraço enorme!
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Carlos Drummond de Andrade