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Empresa pode ser protegida pelo CDC?
O questionamento do título pode parecer descabido aos mais desavisados, pois existe consenso no sentido de que o CDC – Código de Defesa do
Consumidor – Lei nº 8.078/90 – encontra ampla aplicação no campo das relações entre empresas e pessoas físicas, estas como consumidoras de
produtos e serviços. No entanto, se mudarmos de contexto, alterando a presença da pessoa física consumidora para empresa consumidora, surge a
dúvida que fundamenta o epígrafe.
De fato, analisando a estrutura jurídica que fundamenta o sistema de relações contratuais, é possível entendermos pela aplicação do CDC ainda
quando se tem uma organização comercial enquanto consumidor dos produtos ou serviços fornecidos por outra organização empresarial. Até mesmo
o CDC, em sua estrutura normativa conceitual, aponta para essa conclusão, bastando análise do artigo 2º da referida lei para percebermos que
“consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”.
Como se vê, o texto legislativo não trouxe nenhuma causa excludente, de modo a afastar a caracterização de empresa como consumidora. Aliás,
exatamente ao contrário laborou o legislador, quando menciona “toda pessoa física ou jurídica”, e ainda quando arremata “como destinatário final”.
Desses trechos, podemos de antemão concluir que para a caracterização da relação de consumo albergada pelo CDC é necessária análise do caso
concreto, aferindo se a operação é a última na cadeia das relações comerciais havidas, isto é, se este “elo” é o final no desenrolar das sucessivas
operações.
Exemplo claro da aplicação do CDC em favor de empresa, seja de que porte for, é a aquisição de veículos por indústria, para fins de utilização dos
automóveis no deslocamento de seus colaboradores. Ressaltemos que os automóveis não serão utilizados como insumo nas atividades de tal
indústria, mas sim como veículos para transporte de pessoas. Esta situação revela que a indústria, neste caso, ocupou a condição de consumidora,
em verdadeira relação de consumo, por ser a aquisição dos veículos o último “elo” na corrente sucessiva de operações comerciais, iniciadas desde a
aquisição de insumos e industrialização para a produção dos carros. Para confirmar, poderíamos exemplificar na mesma cadeia comercial, quando
do momento da aquisição, pela montadora de veículos, de aço para usinagem e montagem dos carros, sendo que nessa ocorrência não temos a
operação final mercadológica, mas sim aquisição de insumo para que possa ser produzido o veículo, o mesmo que após será vendido finalmente
para o consumidor. Vale ressaltar que nesse exemplo esse consumidor é uma empresa, e que inclusive pode ter grande porte. Em verdade isso é
irrelevante para aferir se o CDC se aplica ou não.
Agora, não se pode é querer aplicar todas as regras de proteção do CDC em favor das empresas quando estas não efetivamente comprovarem a
hipossuficiência na relação de consumo, pois pode ocorrer que de fato a empresa adquirente possua maior envergadura do que a fornecedora, em
situações que não fundamentariam em absoluto as medidas protetivas do CDC, como, por exemplo, a inversão de ônus probatório ou outro elemento
legislativo criado para equiparar formalmente partes desiguais.
A conclusão é que o CDC se aplica entre empresas, mas somente com todas as suas funções de proteção em favor da empresa consumidora se
esta efetivamente se revelar mais fraca – seja sob o ponto de vista jurídico, técnico ou financeiro – perante a fornecedora, confirmando a
vulnerabilidade presumida no texto do Código de Defesa do Consumidor.
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