Superior Tribunal de Justiça
HABEAS CORPUS Nº 175.639 - AC (2010/0104883-8)
RELATORA
IMPETRANTE
ADVOGADO
IMPETRADO
PACIENTE
PACIENTE
: MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA
: DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO ACRE
: JOSÉ CARLOS RODRIGUES DOS SANTOS - DEFENSOR
PÚBLICO
: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ACRE
: SEBASTIÃO MOREIRA DE CARVALHO
: JOSÉ SOUZA MENDES
RELATÓRIO
MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA (Relatora):
Cuida-se de habeas corpus impetrado pela DEFENSORIA PÚBLICA DO
ESTADO DO ACRE, em favor de SEBASTIÃO MOREIRA DE CARVALHO e JOSÉ
SOUZA MENDES, contra acórdão do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO
ACRE que, em sede recurso em sentido estrito ministerial, determinou a recebimento da
denúncia em desfavor dos pacientes, pela suposta prática de roubo circunstanciado e
quadrilha (RSE 20090012772).
Ressuma dos autos que o Ministério Público do Estado do Acre denunciou
Nelinho Ferreira Lima como incurso nas penas dos artigos 157, § 2º, inciso I, e artigo 288,
caput , ambos do Código Penal; Gualberto Gonçalves de Queiroz e os pacientes, como
incursos nas penas do 157, § 2º, inciso I, e artigo 288, c/c artigo 29, caput , todos do
aludido estatuto repressor; e Aroldo Ishii como incurso nas sanções do artigo 288, da
legislação penal vigente.
Segundo a denúncia, no dia 26 de janeiro de 2005, o denunciado Nelinho
Ferreira Lima, agindo em comunhão de desígnios e ações com o paciente Sebastião
Moreira de Carvalho, conhecido por Bá, subtraiu, para Gualberto Gonçalves de Queiroz e
o paciente José de Souza Mendes, o “Donizete” , 01 (um) cofre contendo diversas jóias,
avaliadas aproximadamente em R$ 400.000,00 (quatrocentos mil reais), de propriedade
das vítimas Valmir Barbosa do Santos e Ana Cláudia Nobre de Souza .
Também segundo a incoativa, o paciente Sebastião Moreira de Carvalho,
conhecido por Bá, foi o responsável por fazer um levantamento do local em que ocorreria
o assalto, assim como do objeto que seria o alvo da empreitada criminosa. Consta ainda
que o paciente Sebastião foi quem levou Nelinho Ferreira Lima até a residência das
vítimas para que pudesse dar cabo ao crime. Prossegue a denúncia, apontando que no dia
dos fatos Nelinho Ferreira Lima, armado com um revolver, invadiu as dependências do
imóvel mencionado e, após render os empregados, subtraiu a res e um automóvel
Volkswagen Pólo, que foi utilizado para lhe dar fuga. Extrai-se, ainda, da exordial que
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minutos após a prática criminosa, Nelinho e o paciente Sebastião se encontraram, em um
lugar previamente determinado, ocasião em que abriram o cofre e retiraram as jóias, que
foram, em seguida, repassadas a Gualberto Gonçalves de Queiroz para que se procedesse
com o desmanche e posterior divisão com o paciente José de Souza Mendes, o “Donizete” .
Por fim, restou consignado na inicial que os denunciados faziam parte de
uma associação criminosa que se prestava à prática de vários delitos contra o patrimônio
(roubo, receptação etc). Segundo consta, o paciente Sebastião Moreira de Carvalho, o
“Bá”, encarregava-se de fazer o levantamento sobre as vítimas e bens a serem subtraídos,
dando preferência às jóias e dólares, enquanto Nelinho Ferreira Lima era quem executava
materialmente os delitos. Já o denunciado Gualberto Gonçalves de Queiroz e o paciente
José de Souza Mendes, o “Donizete” , comerciantes do ramo de joalerias, receptavam as
jóias subtraídas, que eram derretidas e enviadas para fora do Estado na forma de barras,
retornando, posteriormente, em forma de novas jóias, diversas das originais, dividindo
entre eles o lucro auferido com a posterior revenda das mesmas. Aroldo Ishii receptava os
dólares eventualmente subtraídos nos crimes.
O magistrado de primeiro grau recebeu parcialmente a denúncia para
processar somente Nelinho Ferreira Lima pelos delitos que lhes foram imputados,
rejeitando-a, porém, quanto aos demais, ao argumento de que as provas em que se
escudava a acusação seriam contraditórias quanto ao seu envolvimento no crime de roubo
circunstanciado, verbis :
(...)
Deixa-se, no entanto, de receber a denúncia quanto aos acusados
Sebastião Moreira de Carvalho, conhecido como "BA", Gualberto
Gonçalves de Queiroz, Aroldo Ishii e José Souza Mendes, conhecido como
"Donizete", haja vista que as declarações de Nelinho Ferreira Lima não se
mantiveram estáveis, pois mesmo tendo anunciado a co-autoria com as
pessoas supra identificadas, nos autos do Processo n. ° 001.06.002406-3, em
tramitação perante a 2.a Vara Criminal, retificara o que dissera, explicitando
(fls. 204/208):
"...Que se encontrava detido no interior da delegacia do GAPC,
ocasião em que o Dr. Silvano Rabelo, delegado de policia, passou a lhe
oferecer algumas coisas no intuito de incriminar outras pessoas: (...)
Que foi-lhe oferecido regalias e privilégios para que o interrogando
denunciasse algumas pessoas, pessoas essas que sequer conhecia: Que
as declarações em sede policial foram todas articuladas pelo delegado
de polícia, Dr. Silvano e o promotor Rodrigo; Que os fatos noticiados
na denúncia não são verdadeiros, posto que não os praticou, muito
menos as pessoas de Bá e Gualberto; Que assumiu vários assaltos sem
tê-los cometidos em razão das promessas feitas pelas autoridades ali
presentes, promessa essa que consistia em ficar em liberdade; (...) Que
o promotor Rodrigo lhe ofereceu algumas regalias, em contrapartida
pedia para que o interrogando denunciasse algumas pessoas, todavia, o
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interrogando deveria segurar essas acusações até o fim; Que acredita
que o delegado Silvano Rabelo tem alguma coisa contra o "Bá" e o
promotor não sabe se o mesmo tem algo contra o mesmo; Que nas
investigações não saiu o nome do "Bá", sendo isso coisa do delegado e
do promotor de Justiça, Dr. Rodrigo, sendo que esses toda hora
estavam na cela do interrogando lhe aperreando para denunciar os
outros. (...) Que acredita que a sua esposa foi pressionada a prestar as
referidas declarações, pelo delegado e o promotor de justiça; Que não
conhece o Donizete, o "Bá", Aroldo Ishii e Gualberto; (..) Que em um
processo, onde acusa um Gilberto que não conhece, foi a própria Dra
Sônia que fez o processo e o Gilberto pegou 09 (nove) anos sem ter
culpa de nada; Que por conta dessas promessas há em trâmite dezessete
processos, onde as pessoas denunciadas sequer as conhece: (...) Que as
promessas eram sempre de ganhar um salário, sair do Estado, mudar de
nome, isso tudo junto com sua família; Que aceitou esse "acordo" com
as autoridades por causa das promessas; (...) Que não vai ajudar o
Ministério Público, posto que tudo tá sobrando só para o interrogando,
posto que eles mandaram incriminar as pessoas e o interrogando não
sabe nem por que eles têm raiva dessas pessoas; (...) Que de todos os
dezessete processos que estão tramitando, não praticou os fatos, nem as
pessoas que também figuram como autores praticaram, tudo foi por
conta das pressões exercidas pelo delegado Silvano Rabelo e o
Promotor Rodrigo Curti; (...) Que a Dra. Salete Maia saiu dos seus
casos em razão de ter tomado conhecimento de que o Ministério
Público estava querendo que o interrogando denunciasse todo mundo
sem ser verdade, tendo lhe pedido para mais de mil vezes que não
fizesse isso, não acusasse ninguém sem ter culpa; (...) Que também não
são verdadeiras as declarações no tocante ao Japonês Aroldo Ishii
comprar dólares roubados, posto que não conhece a referida pessoa;
(...) Que as declarações que presta nesta data são verdadeiras, não
estando sendo coagido por ninguém, que a prova é tanto verdade que os
promotores estiveram à sua procura no Fórum e também tinha marcado
em irem à Penal para conversar com o interrogando; (...) Que quando
foi na delegacia do Ministério Público, o delegado Ermilson e o
Promotor de Justiça Rodrigo Curti lhe deram um gravador para que
fosse feito gravações de conversas feitas com o 'Bá", Gualberto. para
ver se pegava alguma declarações desses se incriminando: Que o
gravador se encontra em sua residência;(...) Que resolveu falar a
verdade em razão das promessas do Ministério Público não terem sido
cumpridas; Que as pessoas denunciadas por sua pessoa nada têm a ver
com isso, ou seja, com os roubos; Que em todos os processos que essas
pessoas figuram com o interrogando, são todos falsos, posto que não
cometeu nenhum assalto e nem sabe se eles cometeram, (fls.
2364/2369. grifos do juízo)"
Outras declarações de Nelinho Ferreira Lima, desta feita prestadas
perante este Juízo, no Processo n.º 001.05.008965-0, onde figura como
acusado Sebastião Moreira de Carvalho, cuja cópia deve ser juntada a estes
autos, revelam que:
"(...) Que somente declarou a participação ou envolvimento do
acusado nesse caso porque foi ameaçado, chegando inclusive a pegar
peia, para dizer que o acusado aqui presente estava envolvido na prática
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desse crime; (...) Que na verdade a autoridade policial queria pegar o
acusado aqui presente tendo utilizado ele declarante como cobaia,
através do qual incriminara o denunciado; Que a bem da verdade o
declarante só viu o acusado Bá no presídio, pois até então, sequer o
conhecia; (...) Que no época ele declarante foi procurado pelo Promotor
Rodrigo Curti, por 03 vezes, para que ele declarante mantivesse a
acusação contra o denunciado: Que não teve como desfazer essa
denúncia feita em sede de Delegacia de Policia porque o Ministério
Público queria que ele declarante mantivesse os termos de suas
declarações; Que somente nessa ocasião está tendo condição de repor a
verdade, pois não tem como manter a acusação contra o denunciado
porque não sabe se ele tem ou não algum envolvimento com o ocorrido
no Tribunal de Contas; Que nada sabe também sobre o envolvimento
do acusado acerca de outras acusações que rolam na Justiça, pois só
veio conhecer o acusado no presídio; Que numa certa audiência então
realizada na 2ª Vara Criminal foi ele declarante procurado pelos
promotores Leandro Portela e Rodrigo Curti os quais queriam falar
com ele declarante de forma isolada: Que essa conversa era para que
ele declarante mantivesse a sua palavra numa audiência envolvendo o
acusado aqui presente; Que naquele dia a Dra. Denise Bonfim
perguntou para os promotores o que eles queriam com ele declarante,
não permitindo que ele declarante conversasse de forma isolada com os
tais Promotores de Justiça; Que sabe que os promotores queriam tratar
do fato envolvendo a pessoa do acusado porque uns 10 dias antes
tinham procurado ele declarante acerca do acusado; Que a rigor a rigor
ele declarante nada sabe sobre a vida pregressa da pessoa do acusado"
(grifos do juízo)
Como pode ser observado, os indícios de oferecimento de denúncia contra
Sebastião Moreira de Carvalho, conhecido como "BA", Gualberto
Gonçalves de Queiroz, Arolfo Ishii e José Souza Mendes, conhecido como
"Donizete", não são razoáveis, isto porque o elemento Nelinho Ferreira
Lima terminara por demonstrar uma rede de interesses nada condizentes
com os objetivos da correta prestação jurisdicional, o que, aliás, não
raramente vem ocorrendo nesses últimos anos, tendo esse fato sido,
inclusive, objeto de comunicação a quem de dever.
A toda evidência, diante desse nebuloso quadro, marcado por
atitudes voltadas a um desserviço à justiça, difícil é acreditar onde se
inicia a mentira e termina a verdade, motivo por que não se tem certeza
se os indícios podem ou não ser assim denominados.
Como por todos sabido, a fragilidade ou inexistência de indícios de
prova, em matéria de direito penal, é motivo para a rejeição da denúncia,
tendo o Supremo Tribunal Federal, em diversas ocasiões, assim proclamado.
A falta de justa causa, por assim dizer, configura constrangimento
ilegal, razão por que o não recebimento da denúncia, em situação como esta,
é a solução que melhor se apresenta ao deslinde da pretensão
desfundamentada.
O Supremo Tribunal Federal, por reiteradas vezes, tem dito que:
(...)
O Tribunal de Justiça do Estado do Acre, em magistral decisão capitaneada
pelo voto do Desembargador Ciro Facundo de Almeida, na sessão plenária
do dia 10 de janeiro de 2007, nos autos (...), motivado por um entendimento
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do eminente Ministro Gilmar Mendes, decidira não receber uma denúncia
sob o seguinte fundamento:
(...)
Sem embargos da existência do crime de roubo em que foram vítimas
lzolina Pereira Rodrigues, José Gomas Zanateli, Valdemir Barbosa dos
Santos e Eliane Ribeiro de Oliveira, em relação aos acusados Sebastião
Moreira de Carvalho, Gualberto Gonçalves de Queiroz, Aroldo Ischii e José
de Souza Mendes (Donizete), a prova indiciaria é insubsistente a que se
possa receber a denúncia, motivo por que a sua rejeição é o melhor caminho
para que se evite constrangimento às pessoas denunciadas. (fls. 61-67).
Inconformado com a decisão, o Parquet interpôs recurso em sentido estrito,
que foi provido ao seguinte argumento:
O recorrente pretende a reforma da decisão guerreada, que recebeu
parcialmente a denúncia, a fim de que as pessoas de Gualberto Gonçalves
de Queiroz, Sebastião Moreira de Carvalho, conhecido por “Bá”, José de
Souza Mendes, o “Donizete” , e Aroldo Ishii sejam processadas, juntamente
com Nelinho Ferreira Lima, pelos crimes que lhes foram impingidos na
exordial acusatória.
Pois bem. Compulsando os autos, tenho que razão assiste ao Ministério
Público.
Com efeito, não é despiciendo salientar que o recebimento da denúncia
implica na satisfação dos requisitos previstos no artigo 41, do Código de
Processo Penal, onde dispõe que: “ a denúncia conterá a exposição do fato
criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou
esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime
e, quando necessário, o rol de testemunha”.
Exsurge, pois, dos autos, notadamente da cópia da denúncia acostada às
fls. 110/114, que o fato criminoso fora devidamente narrado, a ponto de
evidenciar a subsunção das condutas dos recorridos aos tipos capitulados na
denúncia.
Demais disso, cotejando as peças que instruem a presente insurgência,
dessume-se que há indícios de autoria de que Gualberto Gonçalves de
Queiroz, Sebastião Moreira de Carvalho, conhecido por “Bá”, José de
Souza Mendes, o “Donizete” , e Aroldo Ishii faziam parte, em tese, de uma
associação criminosa que visava a prática de delitos contra o patrimônio,
assim como de que estavam envolvidos nos crimes descritos na inicial.
Para tanto, basta analisar detidamente os depoimentos prestados por
Nelinho Ferreira Lima, em sede inquisitorial (fls. 10/14), onde se narrou
com riqueza de detalhes o modus operandi da suposta quadrilha, máxime
quando de sua atuação no delito cometido na residência das vítimas (fl. 13).
Em que pese o magistrado singular tenha confrontado as versões dos
fatos apresentadas por Nelinho , onde em um primeiro momento confessava
os crimes e atribuía também a co-autoria aos demais inculpados (fase
pré-processual) e em outro os eximia de qualquer culpa, aduzindo inclusive
que membros do Ministério Público o induziram a mentir (em juízo –
quando de outro processo que tramitou na 2ª Vara Criminal), entendo que,
de forma antecipada, o juiz a quo formou sua convicção quanto a não
participação dos recorridos no crime de roubo.
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Como bem registrou a Ilustre Subprocuradora de Justiça (fl. 107): “A
decisão que rejeitou a denúncia contra os recorridos precedeu o indevido
exame valorativo da prova indiciária, promulgando veredicto de que os
recorridos não praticaram o crime de roubo qualificado, absolvendo-os
sem o devido contraditório processual.”
Veja-se, portanto, que no juízo de admissibilidade da denúncia basta
que estejam presentes os indícios de autoria e materialidade, uma vez que a
discussão a respeitos da matéria fático-probatória deve ser oportunizada por
ocasião da instrução criminal, onde serão resguardados o contraditório e
ampla defesa.
Nesse diapasão, é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
“PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 1º, INCISO II
DO DECRETO-LEI 201/67. PREFEITO. RECEBIMENTO DA
DENÚNCIA.
TRANCAMENTO
DA
AÇÃO
PENAL.
IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO
VISUALIZAÇÃO. DILAÇÃO PROBATÓRIA. IMPROPRIEDADE.
I - Se a denúncia narra fato que permite adequação típica, ela não é,
formalmente, inepta (art. 41 do CPP).
II - No juízo de admissibilidade da demanda, quando a acusação indica
prova a ser colhida na instrução, não se pode exigir certeza acerca da
imputatio facti, sob pena de transformá-lo em injustificado iudicium causae
(art. 43 do CPP e art. 6º da Lei 8.038/90).
III - A improcedência da acusação só pode ocorrer, dada a sua
excepcionalidade, se a reconstituição fática estiver previamente exaurida e
tornar, indiscutivelmente, desnecessária a colheita de qualquer prova (art.
6º, in fine, da Lei 8.038/90).
IV - No processo penal, a exordial acusatória deve vir acompanhada de
um fundamento probatório mínimo apto a demonstrar, ainda que de modo
indiciário, a efetiva realização do ilícito penal por parte do denunciado.
V - No presente caso, o lastro probatório mínimo exigido para o
prosseguimento da persecução penal restou amplamente demonstrado. Com
relação à aplicação do princípio da insignificância, na espécie, esta Corte já
decidiu que: Deve ser afastada a aplicação do princípio da insignificância,
não obstante a pequena quantia desviada, diante da própria condição de
Prefeito do réu, de quem se exige um comportamento adequado, isto é,
dentro do que a sociedade considera correto, do ponto de vista ético e
moral." (REsp 769317/AL, 5ª Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ de
27/03/2006).
VI - Qualquer outro aprofundamento no tocante ao dolo da paciente ou
referente a matéria probatória escapa ao alcance da via eleita.
Ordem denegada.” (HC 100860/PR. Min. Rel. Félix Fischer. 5ªT. DJ
15/04/2008).
De mais a mais, a dúvida quanto a participação Gualberto Gonçalves de
Queiroz, Sebastião Moreira de Carvalho, conhecido por “Bá”, José de
Souza Mendes, o “Donizete”, e Aroldo Ishii no crime narrado na denúncia
não autoriza sua rejeição, no todo ou em parte, pois nesse caso o juiz deve
admitir a vestibular por vigorar, nesse momento processual, o princípio do
“in dubio pro societa ”.
À vista disso, voto pelo conhecimento e provimento do recurso, para
receber a denúncia na parte em que foi rejeitada e determinar a baixa dos
autos para o juízo de origem, a fim de que seja dado seguimento ao feito.
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Insurgiu-se, então, a Defensoria Pública, entendendo que o aresto atacado
contrapõe-se ao teor do art. 395, III, do Código de Processo Penal. Aponta que é gritante a
falta de justa causa, eis que a denúncia está baseada exclusivamente em palavra de delator,
que foi colhida na seara administrativa, e retratada perante os juízos da 1.ª e 2.ª Varas
Criminais da Comarca de Rio Branco, em dois processos distintos.
Pondera que as palavras do corréu, deduzidas na fase administrativa, seriam
altamente dubidativas, eis que teria ele, segundo sua própria retratação, mentido para
receber regalias e privilégios na Justiça.
Requer seja cassado o acórdão atacado.
As informações foram prestadas às fls. 192-211.
O Ministério Público Federal apresentou parecer, fls. 212-216, da lavra do
Subprocurador-Geral da República Pedro H. T. Niess, opinando pela denegação da ordem.
A Defensoria Pública da União requer preferência, fl. 219 e 224.
Segundo as últimas informações, a ação penal encontra-se na fase de
apresentação de memoriais pela Defesa.
É o relatório.
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EMENTA
PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS . ROUBO CIRCUNSTANCIADO
E QUADRILHA. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. AUSÊNCIA DE JUSTA
CAUSA. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. PROVIMENTO PELO
TRIBUNAL A QUO . REMISSÃO AO CHAMADO PRINCÍPIO IN
DUBIO PRO SOCIETATE . ILEGALIDADE. RECONHECIMENTO.
1. A acusação, no seio do Estado Democrático de Direito, deve ser edificada
em bases sólidas, corporificando a justa causa, sendo abominável a
concepção de um chamado princípio in dubio pro societate . In casu, não
tendo sido a denúncia amparada em hígida prova da materialidade e autoria,
mas em delação, posteriormente tida por viciada, é patente a carência de
justa causa. Encontrando-se os corréus Gualberto Gonçalves de Queiroz e
Aroldo Ishii em situação objetivamente assemelhada à dos pacientes, nos
termos do art. 580 do Código de Processo Penal, devem eles receber o
mesmo tratamento dispensado a estes.
2. Ordem concedida para cassar o acórdão atacado, restabelecendo a decisão
de primeiro grau, que rejeitou a denúncia em relação aos pacientes e os
corréus Gualberto Gonçalves de Queiroz e Aroldo Ishii, nos autos da ação
penal n. 0008955-43.2005.8.01.0001, da 1.ª Vara Criminal da Comarca de
Rio Branco/AC.
VOTO
MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA (Relatora):
O objeto da impetração cinge-se à verificação de existência de justa causa
para o recebimento da denúncia.
Pelo que dos autos se colhe, de um lado, o juízo de primeiro grau rejeitou a
denúncia, ao entendimento de que os elementos informativos colhidos no inquérito policial
seriam dubitativos e, portanto, inservíveis a justificar a inauguração da instância. Lado
outro, o Tribunal a quo, alicerçando-se na máxima in dubio pro societate , deu por
suficiente o relato de corréu, que posteriormente veio a se retratar.
O juiz de primeiro grau, quando rejeita a denúncia, fá-lo de maneira
alentada, externando preocupação com fatos graves que, segundo ele, o mais próximo dos
acontecimentos, tem revelado verdadeira mácula para o cumprimento do magistério
punitivo.
In casu, não tendo sido a denúncia amparada em hígida prova da
materialidade e autoria, mas em delação, posteriormente tida por viciada, é patente a
carência de justa causa.
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O Tribunal de origem, por outro lado, entendeu que, no limiar do processo,
vigiria o princípio in dubio pro societate e, então, que o mais prudente seria receber-se a
incoativa, esclarecendo quaisquer dúvidas no curso da instrução. Assentou-se, acolhendo o
parecer ministerial em segundo grau, que o juiz de primeiro grau teria promovido indevida
antecipação meritória do feito.
A meu sentir, a insurgência merece guarida.
Ao contrário do pontuado pela Corte Local, por mais que se queira propalar
a máxima de que, no átrio da ação penal, teria força a máxima in dubio pro societate , em
verdade, tal aforisma não possui amparo legal, nem decorre da lógica do nosso sistema
processual penal, constitucionalmente orientado.
A tão só sujeição ao juízo penal já representa, per se, um gravame, cuja
magnitude Carnelutti já dimensionava como verdadeira sanção.
Desta forma, é imperioso que haja razoável grau de convicção para a
submissão do indivíduo aos rigores persecutórios. Trata-se de uma das fases do
escalonamento da cognição, que se inicia pelo indiciamento, passa pelo recebimento da
acusação e se ultima com a sentença, recebendo a pá de cal com o trânsito em julgado.
Os argumentos sólidos lançados pelo magistrado de primeiro grau,
ancorados em fatos concretos, cifrados em preocupação republicana e sedimentada em
democrática orientação jurisprudencial do Pretório Excelso é de ser, nesta quadra,
prestigiada.
Em casos análogos, já deliberou esta colenda Sexta Turma:
PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. EXTORSÃO E CÁRCERE
PRIVADO. INQUÉRITO POLICIAL. ELEMENTOS INFORMATIVOS
CONTRADITÓRIOS. EMBASAMENTO FÁTICO PARA A AÇÃO
PENAL. AUSÊNCIA.
1. A princípio, o inquérito policial apenas fornece elementos
informativos, que se prestam para a formação da opinio delicti do órgão
acusador. Em um Estado de Direito que se pretende Democrático não há
espaço para a máxima in dubio pro societate . Pelo contrário, para a sujeição
do indivíduo aos rigores do processo penal é indispensável que a Polícia
amealhe elementos informativos suficientes e iluminados pela coerência sob pena de se iniciar uma ação penal iníqua e inócua, carente, pois, de justa
causa.
2. In casu, foi oferecida denúncia contra o paciente, calcando-se em
inquérito policial que, tendo tramitado por sete anos, não logrou estabelecer
o, minimamente seguro, liame entre o comportamento do paciente e as
imputações.
3. Ordem concedida para determinar o trancamento da ação penal
apenas em relação apenas ao paciente (processo controle n.º 297/2001, da
1.ª Vara do Foro Distrital de Paulínia, da Comarca de Campinas/SP), sem
prejuízo de oferecimento de nova denúncia, caso surjam novos e robustos
elementos para tanto.
(HC 147.105/SP, de minha relatoria, SEXTA TURMA, julgado em
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23/02/2010, DJe 15/03/2010)
PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 89, PAR. ÚNICO DA
LEI DE LICITAÇÕES. ESTELIONATO CIRCUNSTANCIADO.
DENÚNCIA.
FALTA
DE
JUSTA
CAUSA.
ATIPICIDADE.
RECONHECIMENTO.
1. A acusação, no seio do Estado Democrático de Direito, deve ser
edificada em bases sólidas, corporificando a justa causa, sendo abominável
a concepção de um chamado princípio in dubio pro societate . In casu, a
indicação do próprio domicílio como sede de pessoa jurídica, de que se é
despachante, indicando que seria o imputado próximo da empresa
beneficiada pela licitação inidônea e pelas fraudes perpetradas, per se, não
implica correspondência com os modelos incriminadores dos crimes do
parágrafo único do art. 89 da Lei de Licitações e de estelionato
circunstanciado.
2. Ordem concedida para trancar, apenas em relação ao paciente, a Ação
Penal n.º 2007.8300081-0, em curso na 13 Vara Seção Judiciária de
Recife/PE.
(HC 84.579/PI, de minha relatoria, SEXTA TURMA, julgado em
11/05/2010, DJe 31/05/2010)
Em igual direção, conferir os seguintes julgados do Pretório Excelso:
PROCESSO PENAL. CRIME DOLOSO CONTRA A VIDA.
COMPETÊNCIA DE ASSENTO CONSTITUCIONAL. TRIBUNAL DO
JÚRI. ABORTO SEM O CONSENTIMENTO DA GESTANTE.
ALEGADA DEMORA NA REALIZAÇÃO DO PARTO PELO MÉDICO.
QUADRO EMPÍRICO REVELADOR DA AUSÊNCIA DE AÇÃO
DOLOSA E DE OMISSÃO IGUALMENTE INTENCIONAL.
CAPITULAÇÃO JURÍDICA DA CONDUTA. ORDEM PARCIALMENTE
CONCEDIDA. 1. O Supremo Tribunal Federal distingue entre a capitulação
jurídica dos fatos (ou seja, o enquadramento típico da conduta) e o
revolvimento de matéria fático-probatória. Motivo pelo qual, fixado o
quadro empírico pelas instâncias competentes, pronunciamento desta
colenda Corte sobre o enquadramento jurídico da conduta não extrapola os
limites da via processualmente contida do habeas corpus. 2. Na concreta
situação dos autos, enquanto o Juízo da Vara do Júri de Sobral/CE rechaçou
a tese da materialidade delitiva, embasado no mais detido exame das
circunstâncias do caso, o voto condutor do acórdão do Tribunal de Justiça
do Estado do Ceará (acórdão que pronunciou o paciente contra até mesmo a
manifestação do Ministério Público Estadual) limitou-se a reproduzir, ipsis
literis, os termos da denúncia. Reprodução, essa, que assentou, de modo
totalmente alheio às contingências fáticas dos autos, a prevalência absoluta
da máxima in dubio pro societate. Desconsiderando, com isso, as premissas
que justificam a incidência da excepcional regra do § 2º do art. 13 do
Código Penal. 3. Premissas que não se fazem presentes no caso para
assentar a responsabilização do paciente por crime doloso, pois: a) o
paciente não se omitiu; ao contrário, atendeu a gestante nas oportunidades
em que ela esteve na Casa de Saúde; b) o paciente não esteve indiferente ao
resultado lesivo da falta de pronto atendimento à gestante; c) o paciente
agiu, dentro do possível, para minimizar os riscos que envolvem situações
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como a retratada no caso. 4. Ordem parcialmente concedida.
(HC 95068, Relator(a): Min. CARLOS BRITTO, Primeira Turma, julgado
em 17/03/2009, DJe-089 DIVULG 14-05-2009 PUBLIC 15-05-2009
EMENT VOL-02360-03 PP-00446 RSJADV jul., 2009, p. 52-57 RF v. 105,
n. 402, 2009, p. 513-524)
Habeas Corpus. 2. Pacientes, ex-prefeito e ex-secretária municipais,
denunciados pela suposta prática do crime previsto no art. 89, caput, da Lei
8.666/93. 3. Tribunal de Contas do Estado de São Paulo que, instado a
manifestar-se sobre a lisura do procedimento, entendeu regulares a
inexigibilidade de licitação e o contrato firmado. 4. Necessidade de o MP
reunir elementos concretos que atestem a real necessidade de iniciar a
persecução penal, mormente indicativos de que a Corte de contas, ao
apreciar o feito, equivocou-se em sua conclusão. 5. Ausência de justa causa
caracterizada. Trancamento da ação penal. 6. Ordem concedida de ofício.
(HC 107263, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma,
julgado em 21/06/2011, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-170 DIVULG
02-09-2011 PUBLIC 05-09-2011)
HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL.
ESTELIONATO, FORMAÇÃO DE QUADRILHA E FALSIDADE
IDEOLÓGICA. AUSÊNCIA DE DESCRIÇÃO FÁTICA. TRÁFICO DE
INFLUÊNCIA.
DENÚNCIA
LASTREADA
EM
PROVAS
POSTERIORMENTE INVALIDADAS. BANIMENTO DA PROVA
ILÍCITA. FALTA DE JUSTA CAUSA. TRANCAMENTO DA AÇÃO
PENAL. 1. Denúncia lastreada unicamente em escuta telefônica deferida em
outro procedimento, prova posteriormente invalidada em virtude da não
constituição definitiva do crédito tributário, condição sine qua non da
instauração da ação penal por crime tributário. Ausência de justa causa. 2.
Esta Corte, no julgamento do RHC n. 90.376, Relator o Ministro Celso de
Mello, DJ de 18.5.05, foi incisiva no sentido do banimento da prova ilícita
dos autos da ação penal. 3. Ainda que se admitisse tal prova a descrição
fática imputada ao paciente enquadrar-se-ia tão-somente no tipo relativo ao
crime de tráfico de influência. Ordem concedida a fim de trancar a Ação
Penal n. 425/ES, do STJ, por falta de justa causa.
(HC 90094, Relator(a): Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em
08/06/2010, DJe-145 DIVULG 05-08-2010 PUBLIC 06-08-2010 EMENT
VOL-02409-03 PP-00658 RT v. 99, n. 901, 2010, p. 495-502)
Percebe-se, portanto, que a decisão do magistrado de primeiro grau
mostrou-se apropriada e distanciada de iníqua precipitação meritória.
Consigne-se, por fim, que, encontrando-se os corréus Gualberto Gonçalves
de Queiroz e Aroldo Ishii em situação objetivamente assemelhada à dos pacientes, entendo
que, nos termos do art. 580 do Código de Processo Penal, devem eles receber o mesmo
tratamento dispensado a estes.
Ante o exposto, concedo a ordem para cassar o acórdão atacado,
restabelecendo a decisão de primeiro grau, que rejeitou a denúncia em relação aos
pacientes e os corréus Gualberto Gonçalves de Queiroz e Aroldo Ishii, nos autos da ação
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penal n. 0008955-43.2005.8.01.0001, da 1.ª Vara Criminal da Comarca de Rio Branco/AC.
É como voto.
Comunique-se, com urgência, o resultado do julgamento ao eminente
Ministro Enrique Ricardo Lewandowsky, relator do HC 112.347, impetrado no Supremo
Tribunal Federal.
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STJ - Habeas corpus 175639