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UM OLHAR SOBRE A HISTÓRIA E CULTURA AFRICANA A PARTIR DE
LITERATURAS AFRICANAS DE LINGUA PORTUGUESA E A IMPLEMENTAÇÃO
DA LEI 10639/2003 NA ESCOLA ESTADUAL 29 DE JULHO EM CONFRESA/MT
Maria Aparecida Martins Souza1
Willian Silva de Paula (orientador)2
Resumo
Entendemos que estudar, compreender e dialogar com as literaturas africanas de língua
portuguesa, nos permite pensar o tempo, o espaço e a cultura dos povos africanos uma,
multiplicidades de eventos e condições de um continente em movimento e um dialogo
constante com várias Áfricas. Tivemos como objetivo da pesquisa apresentar algumas
reflexões a cerca da implementação da Lei 10.639/2003, na Escola Estadual 29 de Julho
em Confresa/MT e as possibilidades de trabalhar com literaturas africanas em sala de
aula. Numa perspectiva interdisciplinar para compreender um pouco mais da história e
Cultura da África. É esse continente em movimento que podemos perceber nas literaturas
de autores de língua portuguesa como: Luandino Vieira, Mia Couto, Ondjaki, Viriato da
Cruz, Boaventura Cardoso, Pepetela, Luis Honwana, José Eduardo Agualusa, entre
outros. São literários que têm suas histórias marcadas pela transformação social,
econômica e cultural de seus países. Verificamos a partir de entrevistas com professores
e alunos que as literaturas africanas configuram-se num eficaz instrumento de atuação
pedagógica, que através da leitura dos contos, estórias, poesias e romances podemos
analisar a sociedade, seus posicionamentos ideológico e as situações históricas que se
constroem no seu interior.
PPALAVRAS-CHAVE: Literatura Africana, reflexão, possibilidades e implementação.
A África é um amplo continente, em que viveram, vivem desde os princípios da
humanidade, grupos humanos diferentes, com línguas, costumes, tradições, crenças e
maneiras de ser próprias, construídas ao longo de sua História. A África não se trata de
um todo homogênea e, sim de uma ideia genérica que inclui alguns indivíduos, em
situações muito específicas. Segundo Hernandez (2008) é muito importante pensar a
1
Aluna do curso de graduação Segunda Licenciatura Letras/Ingles PARFOR/UNEMAT e-mail
[email protected].
2
Professor Mestre do Instituto Federal de Mato Grosso Campus Confrea-MT
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África em sua diversidade e tentar nos aproximar ao máximo das perspectivas que os
africanos imprimiram à sua própria história. No tempo e no espaço, ir ao encontro das
muitas Áfricas.
É preciso descortinar a história de uma África baseada no eurocentrismo. Ir além
do que os europeus quiseram e querem falar sobre a África. Compreender o movimento
de um grande continente que desde a antiguidade relaciona-se com diferentes povos das
mais diversas formas. Trabalhar com as literaturas africanas nos possibilita essa
dimensão.
Os povos africanos desenvolveram-se em diferentes tempos e de formas diversas.
O que para os europeus ao ocuparem o continente era de difícil compreensão, pois
queriam uma África homogênea em que tudo acontecia ao mesmo tempo. Os
acontecimentos para as sociedades africanas em relação ao “desenvolvimento”
econômico, social e cultural não foi de forma homogênea e não é em nenhum continente.
A África é um espaço de diversidades econômicas, sociais, políticas e culturais.
Um território economicamente subdesenvolvido, que foi ocupado e explorado pelos
europeus ao longo de vários séculos. Tendo os seus recursos naturais saqueados e
contrabandeados das mais diversas formas. Um continente que depois de ser explorado e
ter suas estruturas políticas desestruturadas, foi largado à própria sorte. Um lugar que
economicamente não interessa mais aos países ricos e ao grande capital.
Vários países, sobretudo o Brasil possui uma forte influência da cultura africana,
devemos a estes povos muito das comidas, das danças, das musicas, entre outros que
conhecemos e palavras que foram incorporadas ao português. Estes povos possuem uma
cultura riquíssima em diversidade e formas.
Estudar a África através da literatura é descortinar um passado inventado por
outros, e que através da literatura de autores africanos estão reescrevendo sua própria
história. Como considera Couto (2008, p.11):
A África vive uma tripla condição restritiva: prisioneira de um
passado inventado por outros, amarrada a um presente imposta pelo
exterior. [...] São as dinâmicas próprias e os conflitos particulares que
definem identidades plurais, complexas e contraditórias. O rosto do
3
continente só existe em movimento, no conflito entre o retrato e a
moldura.
É esse continente em movimento que podemos perceber nas literaturas de autores
de língua portuguesa como: Luandino Vieira, Mia Couto, Ondjaki, Viriato da Cruz,
Boaventura Cardoso, Pepetela, Luis Honwana, José Eduardo Agualusa, entre outros. São
literários que tem suas histórias marcadas pela transformação social, econômica e cultural
de seus países. Podemos perceber em suas obras uma valorização do passado, que
possibilita reescrever um presente a partir das marcas profundas das guerras e conflitos
que marcaram as independências desses países, como também o período de guerras civis
no pós-independência.
Esses escritores africanos produzem uma literatura de afirmação como destaca
Chaves (2004, p. 154) “Instrumento de afirmação da nacionalidade, a literatura será
também uma forma de conhecer o país, mergulhar num mundo de histórias não contadas,
ou mal contadas.” É nesse mundo de histórias e culturas de países africanos com toda
complexidade e diversidade de um continente em movimento, a África, somos
convidados a mergulhar.
Dessa forma podemos inserir no currículo da escola a história da África de uma
maneira menos dolorida e mais prazerosa, partindo das literaturas africanas de países de
língua portuguesa. Estabelecendo um dialogo entre o passado e presente, desconstruindo
estereótipos a respeito das populações africanas. E inserindo no cotidiano da escola as
questões sobre África, construindo saberes de um continente híbrido, utilizando para
tanto a literatura. Como considera Couto (2007, p. 116) “[...] nós vivemos ainda o
momento de criar um espaço que seja nosso, não por tomada de posse, mas porque nele
podemos encarnar a ficção de nós mesmos, enquanto criaturas portadoras de histórias e
fazedoras de futuro”. É possível estudar uma África a partir das literaturas que contam e
recontam a história de um povo de uma forma lírica, mas que não deixa de retratar o
cotidiano de um povo.
Nesse sentido, trabalhar com as literaturas africanas de língua portuguesa,
oportunizará aos estudantes conhecer a cultura desses povos, ao qual o Brasil tem fortes
traços na sua cultura. Um entrelaçar de tempos e espaços de povos que tiveram em
comum o seu passado colonial, tendo Portugal como colonizador. Na literatura desses
países os autores procuram afirmar a sua nacionalidade, nos possibilitando conhecer a
suas histórias através da literatura. Como também estudar essas literaturas atende ao
dispositivo da Lei 10.639/2003, que traz a obrigatoriedade de estudar a cultura dos povos
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africanos. E propomos que através das literaturas é possível o estudo das culturas desses
povos de forma prazerosa.
Esta pesquisa foi desenvolvida na Escola Estadual 29 de Julho, localizada em
Confresa/MT, esta escola atende alunos em três turnos, no período matutino e vespertino:
Ensino Médio, Ensino Fundamental (somente 7º, 8º e 9º) e no período noturno somente o
Ensino Médio. A escola oferece também Ensino Médio Profissionalizante Integrado a
Informática e as aulas acontecem tanto no período matutino como vespertino.
Para a realização da pesquisa contamos com a participação de alunos e professores
que trabalham com história e português no Ensino Médio. O objetivo desse trabalho foi
compreender como está sendo trabalhada a literatura e a história da África nesta escola.
Para tanto ouvimos sete professores, sendo quatro de português e três de história. Como
também foram ouvidos 50 alunos do ensino Médio do período matutino. O período
matutino foi escolhido porque é o período que trabalho na escola e os alunos que
responderam ao questionário são dos primeiros, segundos e terceiros anos desse período,
não foram ouvido os alunos do noturno. Já os professores que responderam os
questionários trabalham nos três turnos na escola com as referidas disciplinas.
As entrevistas foram realizadas com professores e alunos do período matutino da
Escola estadual 29 de Julho. Para a realização desta foram utilizados questionários semi
estruturados, como também conversas não formal (gravadas ou registradas). As respostas
tanto de alunos como professores nos possibilitaram compreender melhor como está
sendo discutido e ou estudado as questões sobre África nesta escola. Não tivemos
dificuldades quanto aos professores e alunos a responderem os questionários, todos foram
bem receptíveis.
Para melhor compreender como está sendo discutida e estudada a literatura e
história de África na escola, este trabalho trazemos o algumas reflexões a partir de
entrevistas dos alunos e professores, fazendo uma discussão sobre a exigência da Lei
10.639/2003 e como ela esta sendo implementada nas escolas.
A Lei n. 10.639/2003, pode ser considerada um ponto de chegada de uma luta
histórica da população negra, que nunca foi retratada com o mesmo valor dos outros
povos que aqui vieram para o Brasil, e ao mesmo tempo pode ser um ponto de partida
para uma mudança social. Sobretudo na política educacional, na prática implementação
da Lei n. 10.639/2003 significa rupturas profundas com um tipo de atitude pedagógica,
que durante um longo período, não reconheceu as diferenças resultantes do processo
de formação nacional.
5
No entanto, esta lei parte da organização de movimentos negros, as inúmeras
lutas sociais por uma efetiva integração dessas populações. Entre as lutas podemos
destacar a luta pelo acesso à educação escolar formal como bandeira histórica da
população negra que muitas vezes lhe são negadas . E com a Lei 10.639/2003 é
retomada não mais no plano da denúncia ou de iniciativas isoladas, mas com o
propósito de questionar a própria atuação do Estado, em seus diferentes níveis, a partir
de uma revisão ampla da forma como os negros apareciam e, ainda hoje, aparecem
retratados na História do Brasil.
Trabalha com as literaturas africanas de língua portuguesa em sala de aula traz
possibilidades de apresentar uma outra África com cheiros, sabores e cores,
traz um
dialogo com as diferentes culturas. Nos reporta também a história do Brasil que tem
muito da cultura de diversos povos africanos. Mas as literaturas africanas ainda não são
conhecidas no interior das escolas públicas brasileiras. Neste trabalho entrevistei
professores e alunos da Escola Estadual 29 de Julho em Confresa/MT sobre a utilização
de literaturas africanas como metodologias de trabalho e como forma de conhecer a
história, a cultura e a diversidade africana.
Vejamos algumas repostas de professores e alunos, os professores, trabalham
com história e português. Os alunos são do primeiro, segundo e terceiro anos do Ensino
Médio matutino. Quando perguntado a uma professora de história se já trabalhou com
literaturas africanas ela responde: “[...] já trabalhei com história da África Antiga e o
período da vinda dos africanos para o Brasil; africanos no Brasil: dominação e
resistência e as influencias na cultura brasileira.”3 Os conteúdos que a professora
relacionam são do livro didático do primeiro ano do Ensino Médio, e quase nunca estão
relacionados as literaturas africanas. Na entrevista com a professora é possível perceber
que ela não conhece literaturas africanas.
O governo federal através do Fundo Nacional de Desenvolvimento
Educacional -FNDE, tem enviado através do Programa Nacional Biblioteca na Escola PNBE ás escolas públicas vários livros de literaturas africanas de língua portuguesa e
que na maioria das escolas não são conhecidos pelos professores de língua portuguesa
e história. E como traz a lei essas disciplinas tem a obrigatoriedade de trabalhar as
questões da cultura dos Africanos e Afro-brasileira como preconiza a LDBN, que foi
alterada com a Lei 10.639/2003:
3
Entrevista realizada com a professora A da Escola Estadual 29 de Julho de Confresa em junho de 2014.
6
Art.26-A- Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio,
oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre história
e Cultura AfroBrasileira.
Parágrafo Primeiro - O conteúdo programático a que se refere o caput
deste artigo incluirá o estudo da África e dos Africanos, a luta dos
negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação
da sociedade nacional,resgatando a contribuição do povo negro
nas áreas social, econômica e
política, pertinentes à História do Brasil.
Parágrafo segundo - Os conteúdos referentes à História e Cultura
AfroBrasileira serão ministrados no âmbito de todo currículo escolar
em especial, nas áreas de Educação Artística e de Literatura e
Histórias Brasileiras.
Trabalhar com as literaturas africanas em sala de aula, destacando os contos, é
uma oportunidade de estar atendendo aos dispositivos da Lei 10.639/2003, e
conhecendo uma cultura tão rica como a africana. Uma outra professora de português
até conhece as literaturas africanas mas nunca trabalhou como relata: “[...] nunca
trabalhei com literaturas africanas. Para os alunos a cultura da África ainda é muito
distante, geralmente ligado a religião e a capoeira.”4.
A partir do que a professora relata podemos considerar que a inserção das
literaturas africanas na sala de aula, de fato na escola pesquisada ainda não aconteceu. É
um grande desafio aos professores que foi lançado a partir da Lei 10.639/2003.
Podemos trazer alguns questionamento quanto a não inserção dessas literaturas nas
aulas por parte dos professores. Falta conhecimento sobre estas? Falta formação? A
matriz curricular das escolas ainda não estão organizadas de forma a atender os
dispositivos da Lei? Os professores não conhecem o material disponibilizados às
bibliotecas das escolas e sites, sobretudo governamentais?
A resposta para tais questionamentos ainda não
pode ser de forma
definitiva, mas, é possível apontar alguns caminhos a partir das respostas dos
professores ou seja, ao considerar que há resistência para o efetivo ensino das
literaturas africanas de língua portuguesa. Como relata um professor: “[...] não vejo
interesse na história e cultura da África, porque falta incentivo.”5 O incentivo que o
4
5
Professora B da Escola estadual 29 de Julho, entrevista realizada em junho de 2014.
Professora C da Escola estadual 29 de Julho, entrevista realizada em junho de 2014.
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professor se refere pode ser a falta de formação continuada nessa área, por parte das
instituições formadoras. Como também o próprio interesse dos professores de história e
língua portuguesa
em buscar conhecimento sobre a história e cultura de África.
Algumas vezes os próprios professores não tem conhecimento dessas literaturas.
Ao ouvir os alunos se gostariam de conhecer e ou estudar sobre as literatura
africanas, foi possível perceber um grande interesse pela história e cultura de África
como relatam:
[...] sim gostaria muito de estudar sobre África para poder aprender
sobre a cultura africana6. [...] sim, porque acho muito bom o
assunto7.[...] sim, eu gosto de saber de suas culturas8. [...] sim, por
mais que eu não gosto de ler, gostaria de ler algo sobre a África, acho
que seria importante”9.
A partir dos relatos dos alunos podemos perceber que há um interesse por parte
destes em estudar sobre África. Nessa perspectiva, pode tornar mais fácil o trabalho dos
professores com literaturas africanas, uma vez que há o interesse por parte dos alunos.
Mas, então o que falta para que se concretize esse trabalho se há a lei que determina, o
governo envia as literaturas e os alunos tem interesse?
É preciso pensar também quais as condições que estes professores tem para
desenvolverem seu trabalho. É sabido que nas escolas há uma carência de tempo e
espaços para que os professores possam amplia o seu trabalho. Temos que levar em
conta também que em geral, os professores nunca tiveram, em suas graduações, contato
com disciplinas específicas sobre a História da África, além do que a maior parte dos
livros didáticos de História utilizada no ensino fundamental e médio não reserva para a
África espaço tempo e lugar
adequado, os alunos passam a construir apenas
estereótipos sobre a África e suas populações a partir do que é representado por um
determinador autor.
Se tratando de África é preciso trazer um ensino que deforma, ou seja
aquele que investe na desmontagem dos sujeitos, dos modelos de subjetividades,
das identidades dos que chegam à escola, tanto de professores, como de alunos.
6
Aluno A do primeiro ano do ensino Médio Escola Estadual 29 de julho, entrevista realizada em junho de
2014.
7
Aluno B do segundo ano do ensino Médio Escola Estadual 29 de julho, entrevista realizada em junho de
2014.
8
Aluno C do terceiro ano do ensino Médio Escola Estadual 29 de julho, entrevista realizada em junho de
2014.
9
Aluno D do terceiro ano do ensino Médio Escola Estadual 29 de julho, entrevista realizada em junho de
2014.
8
Tornar-se um sujeito que questiona, descontinua os valores que formam a sociedade
colonizadora. Um ensino que problematiza as verdades que constituem nossa realidade,
que põe em questão as verdades que articulam as imagens de sujeito que cada um tem
de si mesmo. É um ensino que desorienta, que desmonta, que torna problemática as
verdades construídas por uma sociedade europeizada.
De uma certa forma, para os professores a escola esta implementando a Lei
10.639/2003, como relatam:
[...] está sim, embora há necessidade de ser melhor discutida e
trabalhada com mais intensidade no âmbito escolar10. [...] sim, mas o
processo ainda esta lento. Os livros didáticos implementaram alguns
conteúdos relacionados à historia africana. Mas, nós professores temos
que acrescentar, trabalhando projetos que possam abordar de forma
mais ampla suas histórias e culturas, seja africanas ou afrobrasileiras11.
[...] sim, parcialmente, quando esse trabalho é realizado por aqueles
que já trabalhava esse tipo de literatura. Bem como os que passaram a
adotar a idéia após a criação da lei12.
Portanto, pode-se consideram que já iniciou o processo de implementação da
Lei 10.639/2003, na Escola 29 de Julho, mas que precisa avançar mais e que para
efetivar a lei, não é tarefa só dos professores, mas sim de toda a escola, de todas as
disciplinas, não apenas como um projeto, em datas comemorativas, como foi
mencionado por vários professores, mas sim em todo o decorrer do ano letivo,
pois
é
preciso
reconstruir a história dos povos africanos com dignidade. E
desenvolver nos alunos o orgulho de ser negro, de se buscar uma pedagogia de autoestima. Devem os professores, ao tratar a história da África e da presença negra
no Brasil, fazer abordagens positivas, claro que não deixando de mostrar todo o
sofrimento dos negros, mas principalmente trazendo as várias lutas de resistências
empreendidas por eles. E uma boa forma de trabalhar isso é trazer as literaturas
africanas para a sala de aula. Nelas podemos perceber como os próprios africanos se
vêem e escrevem sobre si. Um bom exemplo é os contos de Mia Couto e Ondjaki. Que
10
Professora C, com graduação em letras da Escola estadual 29 de Julho, entrevista realizada em junho
de 2014.
11
Professora D , com graduação em letras da Escola estadual 29 de Julho, entrevista realizada em junho
de 2014.
12
Professora E, com graduação em letras da Escola estadual 29 de Julho, entrevista realizada em junho de
2014.
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através de seus textos pintam uma África cheia de cores, sabores, uma multiplicidade de
vida. Traz uma riqueza de detalhes em seus texto capaz de nos transportar para um
nova África . Podendo assim, oferecer aos alunos outras maneiras de conhecer a
história e a cultura africana.
Precisamos
desconstruir
estereótipos criado pelo eurocentrismo, onde
culturalmente nos foi inculcado que o negro é feio, e aprender a ver a beleza sobre uma
nova ótica. Não mais a do julgamento, mas da busca pela compreensão de modos de
vidas diferentes. Compreender que as culturas são hibridas e que não há uma melhor
que a outra, são diferentes, múltiplas. E a escola torna-se um lugar de produzir novos
olhares sobre o outro.
O trabalho com as Literaturas Africanas de Língua Portuguesa em sala de aula,
infelizmente, ainda não são uma realidade nas escolas do país. Machado (2010, p. 50)
destaca que
“em meio a tantos problemas relacionados à
prática
de
ensino,
deparamo-nos com a dificuldade de proporcionar ao educando o conhecimento da
riqueza cultural africana”. Sendo assim, muitos caminhos podem ser trilhados, como
por exemplo, começar a abordagem a partir de um viés histórico, que, por sua vez,
oferece possibilidades diversas.
Como bem considerou Muniz (2010, p, 03)
A literatura moderna é uma maquinaria pedagógica onde se
constroem rostos, personagens como modelos para serem
subjetivados; onde se constroem paisagens, dando à natureza
um aspecto
ordenado,
uma
natureza
humanizada,
subordinada e dominada pelo olhar humano . A literatura é
um dispositivo pedagógico, mescla de saber e forças, que
propõe todo o tempo o estabelecimento de fronteiras, o
esquadrinhamento dos corpos e da natureza: ensina, educa,
forma as subjetividades e os corpos para respeitarem certas
demarcações sociais e culturais, para não ultrapassarem
certos limites, para não entrarem em certas zonas, para não se
aproximarem de certos espaços e daqueles que aí habitam.
É com esse olhar pedagógico, sobre aas literaturas africanas que acreditamos que
é possível sim estabelecer um dialogo com a história e cultura dos povos africanos,
trazendo para a sala de aula novas metodologias pedagógicas.
Neste trabalho tecemos algumas considerações que buscou trazer um dialogo
com a história e a cultura dos povos africanos através das literaturas africanas de língua
portuguesa. Almejou-se discutir a viabilidade de utilizar em sala de aula os textos de
literatura africana de língua portuguesa e a necessidade de que sejam abordados na
escola. É preciso pensar que trazer esses textos para a sala de aula não é só para se fazer
10
cumprir a lei, mas porque são textos ricos, e que desconstrói estereótipo seculares. No
entanto, com esses textos os alunos se deparam com história, cultura e conhecem
os problemas de outros países que, embora com contextos diferentes, de alguma forma
compartilham da mesma realidade brasileira: foram formados a partir de um processo
de colonização portuguesa. E que a população local foi subjugada e tratada como
inferior. De certa forma, temos
contiguidades com os países africanos.
Portanto, uma das primeiras ações que devemos realizar em sala de aula é retirar
qualquer sentimento de superioridade de um povo sobre outro e revestir o aluno de
entendimento para que receba os textos despidos de qualquer juízo de valor. Pois as
suas histórias merecem ser ouvidas. E esses textos (contos) trazem indícios de
uma história, que foi construída com muita luta e sangue.
Para compreendermos a diversidade, tempo espaço e cultura na África é preciso
nos despir de velhos preconceitos que está arraigado em nossa sociedade eurocêntrica.
E entender que os povos africanos tem e constroem a sua própria história é olhá-los a
partir dos seu próprio continente, e as literaturas africanas nos possibilitam isso. Uma
África em várias Áfricas um amálgama de culturas, povos línguas, que por vários
séculos foram subjugados e considerados inferiores, e que nas suas diversidades
sabiamente empreenderam diversas formas de resistências. Apesar de tudo isso
conseguiram manter suas tradições culturais.
É importante observarmos que já se passaram onze anos da promulgação da Lei
10.639/2003, e esta ainda não esta implementada nas escolas, na maioria das vezes em
processo de implantação. Que muitas vezes é tratada como um “projetinho da escola”.
Que o preconceito, o desconhecimento sobre a cultura, a história e a vida dos povos
africanos, ainda permanece em nossa sociedade e o que é pior ainda nas escolas. É
preciso compreender que a história do povo brasileiro perpassa pela história e cultura
africana. Na verdade não precisaríamos de uma lei para trazer a obrigatoriedade de
trabalhar a história e a cultura dos povos africanos, uma vez que a nossa raiz cultural faz
parte dos povos africanos.
Acreditamos que as literaturas africanas configura num eficaz instrumento de
atuação pedagógica, que através da leitura dos contos, estórias, poesias e romances
podemos analisar a sociedade, seus posicionamentos ideológico e as situações históricas
que se constroem no seu interior. Percebendo as denuncias de miséria, injustiças,
descriminações que ao longo do tempo foram produzidas nos países africanos.
11
Apreender a importância das civilizações africanas e que elas contribuem para o
desenvolvimento da humanidade.
A partir do que foi possível ouvir dos alunos e professores da Escola Estadual 29
de Julho podemos perceber que a implementação da Lei 10.639/2003, já foi iniciada
mas precisamos avançar mais, e que é preciso juntar esforços tanto de professores como
da equipe gestora para que oportunizem aos alunos a garantia desse direito de conhecer
mais sobre a cultura e a historias dos povos africanos são parte da cultura do povo
brasileiro.
Contudo, fica evidente que estudar história da África, mesmo não sendo uma
tarefa tão simples, é algo imprescindível e urgente, as limitações surgem, o preconceito
existente na sociedade brasileira, o despreparo dos professores, o desinteresse por parte
dos gestores escolares, tudo isso faz com que nossos questionamentos fique ainda um
bom tempo sem resposta. Ou ainda, nos instigue a buscar mais questionamento e, nessa
busca procuramos conhecer mais sobre a história, a cultura e a vida dos povos africanos.
Buscar novas possibilidades pedagógicas, pensar a escola também como um espaço de
desconstrução e reconstrução de novos saberes. Aprender a ver a beleza nas
diversidades e subjetividade do outro.
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