ÉTICA, CRISE DO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL Curso de Versão, ISEG-UTL Lisboa, 10 e 11 de Julho de 2008 Viriato Soromenho-Marques (Universidade de Lisboa) www.viriatosoromenhomarques.com 1 ÍNDICE DAS MATÉRIAS • 1. De onde partimos. • 2. O que é o domínio ético? • 3. O que é a crise ambiental? • 4. O desenvolvimento sustentável: interrogações em torno de um projecto. • 5. Que obstáculos éticos ao desenvolvimento sustentável? • 6. O princípios para a sustentabilidade. www.viriatosoromenhomarques.com 2 De onde partimos? (1) >A sombra da “falha de engenho” (ingenuity gap). Declínio do prometeísmo. >Uma Era Palimpsesto? Sobreposição, simultânea e contraditória, de representações. >Fragmentação dos grandes modelos éticos: A “valsa das éticas” (C. Beckert). www.viriatosoromenhomarques.com 3 De onde partimos? (2) >Niilismo experimentado como “neutralização” de valores e normas. >Declínio políticas públicas: “governar para o mercado” (M. Foucault). >”Anarquia madura” sistema internacional (A. Moreira). www.viriatosoromenhomarques.com 4 O axioma do prometeísmo… “(…) A humanidade só se coloca tarefas que está em condições de solucionar…” (…) stellt sich die Menschheit nur Aufgaben, die sie lösen kann…), K. Marx, Zur Kritik der politischen Ökonomie, 1859 www.viriatosoromenhomarques.com 5 …ou uma tarefa excessiva? • “Nós estamos , de facto, a disputar uma corrida entre o mais tenaz pensamento imaginativo – ou aquilo que eu chamo engenho – e as crescentemente expansivas complicações do nosso mundo. E em demasiado sítios e assuntos críticos nós estamos a perder a corrida.”, Thomas HomerDixon, “Ingenuity Theory: Can Humankind create a Sustainable Civilization?”, 2003 www.viriatosoromenhomarques.com 6 O que é o domínio ético? (1) • A ética no quadro da racionalidade prática. Relações com Direito e Política. Gesinnungsethik versus Verantwortungsethik (Weber, 1919). • A ética como poder mundano. A “eficácia invisível”. www.viriatosoromenhomarques.com 7 O que é o domínio ético? (2) • "A ética, enquanto doutrina do homem, torna-se no centro da filosofia" (Die Ethik, als die Lehre vom Menschen, wird das Zentrum der Philosophie) (H. Cohen, 1904: 1). • "A unidade do homem consiste e realiza-se na unidade da acção" (In der Einheit der Handlung vollzieht sich und besteht die Einheit des Menschen) (H. Cohen, 1904: 80). www.viriatosoromenhomarques.com 8 Caracterização do domínio ético (1) • Ética como deliberação racional. • Ética como problematização do agir. • Ética visa Grund, forma geral do agir. www.viriatosoromenhomarques.com 9 Caracterização do domínio ético (2) • Ética, decisões difíceis, conflitos internos. • Ética: dever-ser<>lógica do consenso. • Ética: inclusão em comunidade universal. www.viriatosoromenhomarques.com 10 Exemplos de princípios éticos • A maximização dos bens para o maior número, J. Bentham. • “Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal”, Kant GzMS, Ak.IV, 421. • Verantwortungsprinzip, Hans Jonas (1979) www.viriatosoromenhomarques.com 11 Ética e liberdade • “Estas leis da liberdade designam-se, para distinção relativamente às leis da Natureza, como morais. Na media em que elas não vão além das acções meramente exteriores e da sua conformidade à lei, elas chamam-se jurídicas; mas se exigem também que elas próprias (as leis) devam ser o princípio de determinação das acções, então elas são éticas (….)” Kant, MS-RL, VI, 214. www.viriatosoromenhomarques.com 12 A ética como “poder invisível” no mundo • A ética como proposta de mundo (Sein/Sollen). • A ética como alargamento de uma comunidade de agentes. • A ética como construção da identidade pessoal. • A ética como demanda da habitação humana, Heimat, Chez-soi. www.viriatosoromenhomarques.com 13 Ética e Natureza • "Ela [a filosofia] sempre se preocupou com a acção humana enquanto ela foi uma acção do homem para com o homem, mas muito pouco com o homem como uma força actuante na Natureza" (Sie hat sich seit je mit dem menschlichen Handeln befasst, soweit es ein Handeln von Mensch zu Mensch war, aber kaum je mit dem Menschen als einer handelnden Kraft in der Natur) (Jonas, 1993: 36). www.viriatosoromenhomarques.com 14 Ética da Terra (1) • "A ética da terra alarga simplesmente as fronteiras da comunidade [onde as relações éticas têm lugar] para [nela] incluir solos, águas, plantas e animais, ou colectivamente: a terra." (The land ethic simply enlarges the boundaries of the community to include soils, waters, plants, and animals, or collectively: the land) (Leopold, 1949: 239-240). www.viriatosoromenhomarques.com 15 Ética da Terra (2) • "Em resumo, a ética da terra modifica o papel do homo sapiens, de conquistador da comunidade-da-terra para simples membro e cidadão da mesma. Isso implica respeito pelos seus co-membros, e igualmente respeito pela comunidade como tal."(In short, a land ethic changes the role of homo sapiens from conqueror of the land-community to plain member and citizen of it. It implies respect for his fellow-members, and also respect for the community as such) (Leopold, 1949: 240). www.viriatosoromenhomarques.com 16 Ética da Terra (3) • • • • • • A ética envolve uma noção de limite, voltada para a necessidade de cooperação e simbiose • O paradigma de Ulisses: Privilégios, sem obrigações • A comunidade como premissa e projecto da ética • A land ethic como alargamento e democratização da comunidade ética • Valor ecológico e valor económico. As imagens da 'casa' www.viriatosoromenhomarques.com 17 Uma ética biocêntrica • "[...] biocêntrico e não simplesmente antropocêntrico; A ética no Ocidente moderno consistiu quase inteiramente numa ética interhumana [...] e ignorou como os seres humanos se integram no mundo natural [...]. Nós necessitamos de uma ética ambiental, uma ética que possa encontrar uma integração satisfatória dos humanos nas mais largas comunidades da fauna e da flora" ([...] biocentric and not simply anthropocentric: Ethics in the modern West has consisted almost entirely of interhuman ethics [...] and has ignored how humans fit into the natural world. [...] We need an environmental ethics, one that can find a satisfactory fit for humans in the larger communities of fauna and flora) (Rolston, III, 1993: 252). www.viriatosoromenhomarques.com 18 Contra o primado da espécie (1) • "O especieismo, por analogia com o racismo, deve ser igualmente condenado [...] é um preconceito ou uma inclinação para os interesses da sua própria espécie, contra os interesses dos membros de outras espécies" (Speciesism, by analogy with racism, must also be condemned [...] is a prejudice or attitude of bias toward the interests of members of one's own species and against those of members of other species) (Singer, 1975: 7). www.viriatosoromenhomarques.com 19 Contra o primado da espécie (2) • "Assim o limite da [qualidade de] "sentiente" (usando o termo como uma conveniente embora não estritamente precisa estenografia para a capacidade de sofrer ou experimentar prazer) é a única fronteira defensável relativamente à preocupação pelos interesses dos outros. Marcar essa fronteira através de algumas outras características, tais como inteligência ou racionalidade, seria traçá-la de um modo arbitrário" (So the limit of sentience (using the term as a convenient if not strictly accurate shorthand for the capacity to suffer and/or experience enjoyment) is the only defensible boundary of concern for the interests of others. To mark this boundary by some other characteristics like intelligence or rationality would be to mark it in an arbitrary manner) (Singer, 1975: 8-9). www.viriatosoromenhomarques.com 20 Para uma viragem da ética • • O pressuposto indiscutido de que a ética era um assunto entre humanos, ou entre seres racionais parece não resistir à emergêcia da destruição da Natureza pela acção humana. • • Os paradigmas, ou para-paradigmas ecocêntrico, zoocêntrico e biocêntrico colocam a questão: será que teremos de alargar os titulares da categoria de agente ético, os quais, até agora, se confundiam com a condição humana e racional? • • Nas nossas relações com o mundo natural -- no mundo natural de que fazemos parte -- existe uma assimetria entre o saber e o poder, entre o défice de sabedoria e o excesso de poder. www.viriatosoromenhomarques.com 21 O que é a crise ambiental? • Dimensão planetária • Irreversibilidade • Aceleração acumulativa • Descontrolo crescente • Entre a entropia e a complexidade. • Natureza ontológica e estrutural www.viriatosoromenhomarques.com 22 O que torna a crise ambiental invisível? • Valores para além da ética: “querer que assim • • • • seja”… Esfera antepredicativa. Concepções e valores de Natureza: Lynn White, Jr., 1967. Ciência como ideologia: o debate em torno do “princípio da precaução” (The Atlantic divide). Entre “cost-benefit” e prudência face à “lack of full scientific certainty” (Decl. Rio, 1992) “Não há factos, só interpretações…” (Nietzsche). www.viriatosoromenhomarques.com 23 Exemplos recentes do “choque de valores”… • O debate sobre OGM na UE e nos EUA • Crise das cheias na Alemanha, Agosto/Setembro 2002. • Crise do “Katrina”, EUA, Agosto/Setembro 2005. www.viriatosoromenhomarques.com 24 Conflito de Valores e Crise ambiental? • O debate incompleto: “O princípio da esperança”, Ernst Bloch (1959). Versus “O princípio da responsabilidade”, Hans Jonas (1979). www.viriatosoromenhomarques.com 25 As raízes da crise ambiental em H. Arendt (1) A acção sobre a natureza substitui a fabricação: “The moment we started natural processes of our own – and splitting the atom is precisely such a man-made natural process – we not only incresead our power over nature (..) but for the first time have taken into the human world as such and obliterated the defensive boundaries between natural elements and the human artifice by which all previous civilizations were hedged in.” (Co.Hi., 60). www.viriatosoromenhomarques.com 26 As raízes da crise ambiental em H. Arendt (2) • A acção (num marco humano) transporta a • irreversibilidade – que se corrige pelo perdão – e a imprevisibilidade, que se suaviza pela promessa. A acção num marco natural não tem rede protectora: “To act into nature, to carry human unpredictability into a realm where we are confronted with elemental forces which we shall perhaps never be able to control reliably, is dangerous enough. Even more dangerous would it be to ignore that for the first time in our history the human capacity for action has begun to dominate all others.” (Co.Hi., 62). www.viriatosoromenhomarques.com 27 Défice ético da tecnociência • O triângulo da tecnociência: • Parcelização dos saberes. • Fragmentação das competências. • Irresponsabilidade nas decisões. • O sindroma da Liga Hanseática: “navegar é preciso, viver não é preciso…” www.viriatosoromenhomarques.com 28 Crise ambiental e sociedade de risco • Para além do risco como cálculo, passamos para • a: ”MANUFACTURED UNCERTAINTY. Here the production of risks is the consequence of scientific and political efforts to control or minimize them.”, U. Beck, 1998. Ninguém ao comando: bureaucracies are suddently unmasked and the alarmed public becomes aware of what they really are: FORMS OF ORGANIZED IRRESPONSIBILITY.” U. Beck, 1998. www.viriatosoromenhomarques.com 29 Entre o risco e a incerteza >O risco comensurável: conhecimento da distribuição das probabilidades (ex: acidentes de viação). Risco incomensurável ou incerteza (ex: OGM; alterações climáticas; resíduos e instalações nucleares). Risco exógeno (“catástrofes naturais” como sismos, vulcões, tsunamis…). Risco endógeno (catástrofes tecnológicas). Riscos visíveis e invisíveis: as cortinas ideológicas… www.viriatosoromenhomarques.com 30 Pensar o impensável… O experimentum mundi tecnológico que conduziu à Crise global do Ambiente. O experimentum humanum: a pós-humanidade (convergência: biotecnologias, nanotecnologias, robótica, ciberciências…). Trans-humanismo (Nick Bolstrom), A vitória do princípio da plenitude tecnológica sobre a plenitude da vida. H. Martins, “Genetic Jacobinism…”(2003). www.viriatosoromenhomarques.com 31 Valores do desenvolvimento sustentável • Risco de ser “buzz word”. • Tensão “dialéctica”, ou contradição nos termos? • Disciplinar o progresso? Diferente do “estado estacionário” (J.S. Mill) ou “zero growth”. • Justiça entre gerações. • Necessidades, limites e mercado. www.viriatosoromenhomarques.com 32 O desenvolvimento sustentável como projecto • Social: causa final • Ambiente: causa formal • Economia: causa material • Política e institucional: causa eficiente. Aristóteles, Metafísica, I, 3, 983a www.viriatosoromenhomarques.com 33 Que obstáculos éticos ao desenvolvimento sustentável? • Egoísmo (“lenho retorcido”). • O império dos bens transaccionáveis. Será possível um “natural capitalism”? • Hedonismo reactivo: a grande descompressão. “A liberdade dos modernos”. • Antropocentrismo predatório: “o silêncio dos inocentes”. www.viriatosoromenhomarques.com 34 O Princípio da comunidade inclusiva (1). • A universalidade como construção está no centro da ética: exemplo de Kant. • A “ética da Terra”: Victor Hugo e Aldo Leopold. O sindroma de Ulisses. www.viriatosoromenhomarques.com 35 O Princípio da comunidade inclusiva (2). • "Na relação dos seres humanos com os animais, com as flores, com os objectos da criação existe um grande vazio ético, mas que eventualmente romperá, surgindo como um complemento da ética humana [...] Sem dúvida foi primeiro necessário civilizar os homens nas suas relações com os outros homens. Deve-se começar por aqui e os vários legisladores do espírito humano tiveram razão em sacrificar a esta todas as outras preocupações [...] Mas é igualmente necessário civilizar as relações dos seres humanos com a Natureza. Neste domínio está tudo por fazer." Victor Hugo, En Voyage. Alpes et Pyrénées, Paris, J. Hetzel, 1890, pp. 180-181 (entrada de 11 de Agosto de 1843). www.viriatosoromenhomarques.com 36 O princípio da solidariedade entre gerações. • O tema de justiça entre gerações: Burke (o ideal “clássico”), Jefferson e Madison. • Da dívida pública à dívida ontológica. • A externalização temporal: a guerra contra o futuro. www.viriatosoromenhomarques.com 37 Princípio da responsabilidade • Ao princípio da esperança opomos nós o princípio princípio da responsabilidade, do medo." [Dem não o Prinzip Hoffnung stellen wir das Prinzip Verantwortung gegenüber, nicht das Prinzip Furcht] (Hans Jonas, 390).“ • Consciência da vulnerabilidade [Verletzlichkeit] da condição humana. www.viriatosoromenhomarques.com 38 O princípio da natalidade • “ (…) the new beginning inherent in birth can make itself felt in the world only because the newcomers possess the capacity of beginning something anew, that is, of acting.In this sense of initiative, an element of action, and therefore of natality, is inherent in all human activities. Moreover, since action is the political activity par excellence, natality, and not mortality, may be the central category of political, as distinguished from metaphysical thought.” (H. Arendt, HC, 1011). www.viriatosoromenhomarques.com 39 Valores para a sustentabilidade • Recusa da ideologia do progresso. • Crítica do “technological fix”. • Reconstrução da esfera pública: do Estado e da Cidadania. • Cultura da “cooperação compulsiva”. www.viriatosoromenhomarques.com 40 Sugestões bibliográficas Algumas obras de V. Soromenho-Marques: • Regressar à Terra, Lx, Fim de Século, 1994. • O Futuro Frágil, M.Martins, Pub. EuropaAmérica, 1998. • Metamorfoses. Entre o Colapso e o Desenvolvimento Sustentável, M.Martins, Pub. • Europa-América, 2005. Mais info: www.viriatosoromenho-marques.com www.viriatosoromenhomarques.com 41