DEBATE Leda Maria Paulani, Yoshiaki Nakano e Marcos Fernandes Gonçalves da Silva Que horas são? Se não podemos determinar com exatidão o que nos espera no futuro, é tempo de refletir sobre os desafios que o país enfrentará para acertar os ponteiros com o relógio do mundo P Por Leandro Silveira Pereira e Carlos Costa Fotos Gustavo Scatena ensar caminhos e propostas para o Brasil consolidar o atual momento de crescimento. E mais: fazer uma reflexão sobre os desafios a enfrentar nessa trajetória. Esse foi o mote do debate que você começa a ler nas próximas páginas de Getulio. A convite da revista, três professores doutores se encontraram no auditório da Escola de Direito de São Paulo, a Direito GV, na capital paulista, para recuperar alguns momentos históricos do país e discutir as perspectivas de futuro. Yoshiaki Nakano é formado em Administração de Empresas pela Fundação Getulio Vargas, com doutorado na Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, professor e diretor da Escola de Economia de São Paulo da FGV, tendo ocupado cargos públicos e privados ao longo da carreira, além de ter sido consultor do Banco Mundial. Leda Maria Paulani é doutora em Teoria Econômica pelo Instituto de Pesquisas Econômicas da Universidade de São Paulo, professora titular da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP, além de pesquisadora sênior da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE). A outra prata da casa é Marcos Fernandes Gonçalves da Silva, doutor em economia pela FEA-USP, com pós-doutorado pela University of London, e leciona na Escola de Economia de São Paulo. É consultor do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). A seguir, um condensado dessa conversa. 22 getulio maio 2010 DEBATE maio 2010 getulio 23 Geralmente começamos com uma breve apresentação, por favor. Leda Maria Paulani Sou professora do departamento de economia da FEAUSP há mais de 20 anos, fui presidenta da Sociedade Brasileira de Economia Política-SEP, durante quatro anos, e tenho alguns livros publicados na área. Marcos Fernandes Gonçalves da Silva Fiz a graduação, o mestrado e o doutorado na FEA-USP. Sou professor da FGV, comecei lecionando Administração Pública e Governo no mestrado da EAESP, depois microeconomia na graduação, e hoje leciono na EESP. E como essas trajetórias se depararam com o estudo do desenvolvimento do Brasil? Yoshiaki Nakano No meu caso, sou um macroeconomista frustrado há praticamente 40 anos [risos]. Isso porque nas últimas décadas, depois de um processo de crescimento fantástico, o Brasil parou de crescer. Do final do século XIX até 1980, havíamos crescido enormemente. Leda Paulani Foi o país que mais cresceu no período. Durante muito tempo, fomos a China do mundo. Yoshiaki Nakano A taxa média de crescimento decenal, que era de 7%, despencou nos anos 1980 [veja infográfico à pág. 32]. Eu já era economista. Essa é a história brasileira. A história da minha geração, que viu isso acontecer. Então só agora, pela primeira vez, sou um otimista. Marcos Gonçalves É verdade: pela primeira vez. Em geral ele nunca é otimista [risos]. Leda Paulani Quando se fazem gráficos do PIB por decênio, a queda é realmente espantosa. Só agora é que começa a mostrar um começo de recuperação, mas ainda leve. Marcos Gonçalves Para muitos alunos de especialização e mestrado, ou de até 30 anos, a informação de que o Brasil foi o país que mais cresceu no período é uma coisa inacreditável. São totalmente desiludidos. É uma geração que ficou cética – não à toa. 24 getulio maio 2010 Yoshiaki Nakano A geração criada antes de 80 respirava o que hoje se chama de “catch up”, ou seja, a palavra que bilhões de pessoas na China respiram diariamente: “alcançar” o padrão desenvolvido. Esse era o grande sonho, o grande projeto pelo qual a sociedade se mobilizava nas décadas de 1950, 60 e 70 no Brasil. Depois veio a frustração da década de 1980. O que aconteceu? Yoshiaki Nakano Esse é um longo diagnóstico, mas basicamente perdemos o rumo. Até os anos 80 o Brasil tinha um projeto de construção de país. O endividamento nos anos 70 gerou a crise dos 80 e aí perdemos o projeto de desenvolvimento. E, em vez de retomá- O humor geral do empresariado era só reclamação. Aos poucos o horizonte mudou e permitiu olhar as potencialidades de crescimento e expansão para o país (Yoshiaki Nakano) lo, imaginamos que o crescimento viria se nos subordinássemos aos irmãos ricos do Norte. A idéia era abrir a economia, liberalizar tudo, porque dando aos estrangeiros o acesso aos ativos nacionais o país iria crescer. Foi a primeira grande reforma do Governo Fernando Henrique Cardoso, Consenso de Washington etc. Leda Paulani O que FHC fez como presidente foi altamente coerente com o diagnóstico que ele próprio fez da relação entre as burguesias centrais e latino-americanas. Yoshiaki Nakano E isso é não acreditar num projeto nacional. É pegar o nosso histórico e... Na verdade esse processo de construção começa em meados do século XIX, reforçado com a imigração, para reformular toda uma sociedade rural, agrária, escravocrata, torná-la urbana, moderna. Ali é que começou uma série de movimentos para mudar esse quadro. larmente América Latina e África, com complexo de inferioridade, em vez de se construir uma estrutura produtiva, como vínhamos fazendo, embarcou-se na ideia errônea de que “somos pobres, atrasados; eles são os desenvolvidos”. Leda Paulani E no começo havia uma resistência forte. Leda Paulani “E sempre seremos subordinados”. Yoshiaki Nakano Em 1930 houve um grande impulso na industrialização. E esse projeto veio até 1980. A partir daí, em função de um processo que se deu lá fora, o setor financeiro passou a assumir uma hegemonia cada vez maior. E assim passamos a fazer parte de um sistema em que, digamos, a especulação financeira domina tudo. Hoje toda a dinâmica da economia é comandada pelo financeiro. Só que lá fora, como são competentes, os países conseguiram crescer, e aqui... A história recente da economia brasileira é só oscilação: recuperação, queda, recuperação, queda. Ficamos na dependência do fluxo de capital, que aqui vem para capturar diferencial de juros, no curto prazo, e a qualquer sinal de problema foge. Chega, recuperação; foge, crise. Ora, historicamente, o caminho encontrado pelos países que cresceram no período pós-guerra, começando pela reconstrução dos destruídos, Alemanha e Japão, depois os Tigres Asiáticos e mais recentemente China e Índia, foi o caminho do projeto nacional, a construção de uma estrutura produtiva competitiva internamente. O catch up. A estratégia básica desses países foi se integrar via comércio. E o componente nacionalista é fundamental. Veja, Japão e Alemanha tinham a economia destruída. Os americanos então se abriram para o comércio – era estrategicamente interessante para criar um conflito com o bloco soviético –, depreciaram o câmbio, expandiram o crédito, fizeram ajuste fiscal e por aí cresceram. O comércio estimula fortemente o sentimento de nação (é quando no Brasil, por exemplo, a Embraer briga com a canadense Bombardier pela construção dos melhores aviões). É como no futebol, é torcida no país inteiro. Por aí se deu o catch up em outros países. Já nos países de herança colonial muito forte, particu- Marcos Gonçalves A nossa elite é incompetente. DEBATE Yoshiaki Nakano Aqui não existe burguesia nacional forte e o Estado está subordinado. mos discutindo a imagem que o Centro Celso Furtado deveria ter, porque ainda está indefinido do ponto de vista institucional. Então, quando o Nakano fala em economista velho, dinossauro, me veio essa história. “Imagina, você acredita em Estado desenvolvimentista?” [risos]. E o nosso grande economista, Celso Furtado? Rasgamos tudo e jogamos fora? Yoshiaki Nakano Acho que estamos vivendo um momento único, pelo menos na minha visão dos últimos 40 anos. E esse é um fenômeno inesperado, porque a visão que ainda se tem é a de que um presidente ou um grupo Marcos Gonçalves O fim do Estado nação é uma invenção dos anos 1990. No Brasil hoje não são poucas as coisas que estão sendo discutidas, ainda que timidamente. O Estado brasileiro, por exemplo, precisa ser controlado. A burocracia com o brasileiro precisa ser controlada. Isso é controle gerencial, mas envolve também incentivos meritocráticos e positivos. Isso também é accountability. Isso é capacitar as pessoas para fiscalizar o governo, as pessoas comuns. É dar empowerment, é dar poder para as pessoas comuns. Yoshiaki Nakano Bem, em função daquela ideia errônea ficamos totalmente dependentes da especulação financeira. A ideia central dessa estratégia é a de que precisamos de poupança externa, de financiamento dos países desenvolvidos. É basicamente copiar os padrões de consumo, em vez de construir uma estrutura produtiva. Ora, nesse modelo o Estado não pode fazer nada. E desenvolvimento e desenvolvimentismo ficam sendo coisa de economista desocupado, acadêmicos que não têm o que fazer [risos]. Leda Paulani [risos] Em uma reunião no Centro Celso Furtado, o economista Antonio Barros de Castro disse assim: “Olha, acho que os ventos estão mudando... Porque quando fundaram a Casa das Garças [Instituto de Estudos de Política Econômica], no Rio de Janeiro, aquilo me dava uma raiva, ficava pensando que a gente precisava fundar um instituto igual, a Casa dos Dinossauros, a Casa Qualquer Coisa...” [risos] Estáva- DEBATE ra. Esse impulso trouxe a mudança e me deixa otimista. Além disso, houve um deslocamento de expectativas. Antes o humor geral do empresariado industrial paulista, por exemplo, era reclamação, eles se preocupavam com a semana seguinte para saber se o Copom ia subir juros ou não... Aos poucos eles começaram a pensar em investimentos. E não porque os juros tenham caído ou o câmbio melhorado, mas porque o horizonte temporal mudou: investimentos de longo prazo, projetos de 10, 20 anos. E essa mudança de humor permitiu olhar as potencialidades de crescimento e expansão do país. Não sou petista, mas no último governo a política macroeconômica, de um jeito ou de outro, incorporou sim o objetivo de crescimento. Leda Paulani Mesmo com o Henrique Meirelles [presidente do BC] querendo dar uma paulada nos juros? Não sei, não... Yoshiaki Nakano Mas a política do Ministério da Fazenda, por exemplo, mudou. E pequenas mudanças sempre ajudam um pouquinho, o projeto da habitação, o BNDES funcionando, redução de juros. E assim houve mudança no humor dos empresários. Em 2008 a taxa de crescimento começou a subir fortemente, mas aí tivemos uma grande freada com a crise. Marcos Gonçalves Sim, mas hoje já recuperamos essa capacidade. de intelectuais esclarecidos, capazes de pensar o Brasil, vão projetar e realizar. E não é desse jeito. Fizemos sim a estabilização econômica, um passo muito importante, porque com hiperinflação caótica não se faz nada, mas aí há um primeiro fator relevante a considerar: o choque do preço de commodity. Leda Paulani O efeito China, que começa em 2001 e tem impacto no Brasil em 2004. Yoshiaki Nakano Primeiro houve a crise cambial, dois anos depois o setor de manufaturados começou a exportar, isso deu impulso à economia brasilei- Yoshiaki Nakano Estamos começando a recuperar. Na minha percepção, a primeira transição ocorre quando existe esse fenômeno de percepção ao nível micro, quando uma massa crítica de empresários olha para a frente, para oportunidades de investimento. Quando há otimismo do empresariado, então se desperta o chamado “espírito animal”, quer dizer, as coisas começam a mudar porque essa força será tão avassaladora que promoverá reformas. E estamos nesse processo de transição. Se mudarmos coisas básicas na política macro, destravando o processo, o Brasil tem potencial para crescer durante décadas, retomando o catch up do século passado, inter- maio 2010 getulio 25 rompido nos anos 80. É claro que há desafios, mas numa faixa de economia dominada pela especulação financeira a crise veio ajudar também para uma nova dinâmica, produtiva, desenvolvimentista – embora não tenha se consolidado ainda. Marcos Gonçalves Do ponto de vista macroeconômico, o Brasil tem condições de crescer por três décadas. Teremos problemas de percurso, o déficit de contas correntes está crescendo por causa do câmbio, mas estou pensando no longo prazo. A gente tem pela frente trinta anos de crescimento. E pelo menos quinze anos para colocar esse país na rota de um país de renda per capita alta. E a nova classe média não vai querer perder esse embalo. Leda Paulani Pensando na proposta deste debate, sobre caminhos e propostas para o Brasil consolidar o atual momento: existe uma metáfora usada nessas discussões que é a pergunta “Que horas são?” Quer dizer, no relógio do mundo em que momento estamos? Essa expressão foi usada pelo professor Roberto Schwarz em textos, mas o embaixador Rubens Ricupero, num evento na FEA em 2000, justamente sobre desenvolvimento, fez essa pergunta e disse: “Hoje ninguém sabe a resposta”. Essa discussão sobre desenvolvimento saiu tão de cena que nem se colocava mais a pergunta. Então, o primeiro otimismo que podemos ter é: agora, pelo menos, a pergunta voltou a ter sentido. Não sabemos a resposta, mas faz sentido refletir, inclusive sobre o que é desenvolvimento. E retomo essa questão justamente num texto chamado Que horas são? Será que é apenas crescimento do PIB? Todos os grandes pensadores brasileiros, que pensaram a nação, disseram que o país podia crescer muito e continuar subdesenvolvido, porque subdesenvolvimento não é uma etapa em direção ao desenvolvimento. Ao contrário, é um tipo específico de desenvolvimento capitalista. Essa foi uma das grandes descobertas do Celso Furtado. No sentido mais progressista, o desenvolvimento tem raízes iluministas, visa a criação de condições para o desenvolvimento do “espírito humano”, se podemos dizer assim. O Celso 26 getulio maio 2010 Furtado, por exemplo, nos anos 1960 confiava na capacidade das elites brasileiras de criar homens de Estado que alavancassem o país. Morreu frustrado, mas dizia que as elites tinham que: 1) preservar o país das forças cegas do mercado; 2) industrializar o país; 3) planejar a redução das desigualdades regionais e de renda; e 4) fortalecer a sociedade civil para consolidar a democracia. Tirando a industrialização, que bem ou mal foi pensada, o resto não foi feito. Não se planejou a redução das desigualdades, impuseram-nos 20 anos de ditadura militar, o que enfraqueceu a sociedade civil, e, quando a democracia foi recuperada, o país foi entregue às forças cegas do mercado, às quais o Nakano já se referiu. O Celso Furtado, por exemplo, nos anos 1960, confiava na capacidade das elites brasileiras de criar homens de Estado que alavancassem o país. Morreu frustrado (Leda Paulani) Marcos Gonçalves E a palavra desenvolvimento saiu de moda, só se fala em crescimento. Leda Paulani Exato. E nossa situação ficou ruim porque nem sequer conseguíamos crescer, menos ainda pensar em crescimento com qualidade e desenvolvimento do espírito humano... Acho que esse esquecimento da ideia de desenvolvimento, essa frustração a que o Nakano se referiu e que todos nós passamos, foi também resultado de um pensamento liberal que veio com muita força no Brasil. E precisamos perguntar, por que pegou com tanta força? Pegou na América Latina, em geral, mas no Brasil, dado seu histórico e a quase realização do processo de catch up, essa questão é ainda mais espantosa. Talvez tenha a ver com a natureza das nossas elites, mas essa é uma discussão que não cabe aqui, envolve elementos culturais, históricos... Yoshiaki Nakano Bom, posso falar porque não acredito na elite nem no seu papel [risos]. Leda Paulani Então, no atacado, concordo com o diagnóstico do professor Nakano. Mas não acredito que a macroeconomia do Governo Lula tenha mudado muito. Bem ou mal, incorporou alguma preocupação com crescimento, mas do ponto de vista da política monetária e cambial continua fazendo exatamente a mesma coisa. O fato é que hoje há mais desenvolvimentistas em postos-chaves do governo – o que antes não havia. O Guido Mantega está na Fazenda, Paulo Nogueira no FMI, Márcio Pochman no IPEA, Luciano Coutinho no BNDES. Então o espírito e a comunidade de economistas dentro do Governo Lula se alteraram nesta segunda gestão. Na primeira, os liberais nadaram de braçadas em todos os aspectos, em todos os ministérios. Enfim, não concordo com muita coisa do que se está fazendo lá, mas houve uma mudança para melhor. O ruim é que os três principais candidatos à presidência [Dilma Rousseff, José Serra e Marina Silva] dizem que não irão mudar nada... Marcos Gonçalves Mas aí existe uma racionalidade política para falarem a mesma coisa. Leda Paulani Pode ser, mas acho que se criou aí uma espécie de consenso que desce até a chamada opinião pública média, porque o discurso liberal cola fácil, traduz o senso comum. “Ah, o governo precisa ser austero!” Ora, também acho que o governo tem de ser eficiente e racional. Ninguém em sã consciência é contra a ideia, mas é preciso deixar claro que num país e numa casa de família as relações entre despesa e receita não se dão da mesma forma. Essa coisa até mudou um pouquinho por causa da crise e dos trilhões de dólares saídos da cartola de Barack Obama para salvar a economia deles, mas estou muito cética em relação à DEBATE possibilidade de haver uma mudança grande nesse espírito de época, para usar um termo weberiano. Marcos Gonçalves Quero colocar a discussão sobre a emergência dessa nova classe média, que do ponto de vista político é conservadora. E o é porque quer emprego, renda e trabalho. Os salários e as rendas dos mais pobres estão crescendo mais do que o salário e a renda dos mais ricos. Mesmo porque o Brasil está deixando de ser um país rentista. Vivia-se de financiar a dívida pública a juros excessivamente elevados. Essa nova classe média cultua o trabalho, a poupança e o enriquecimento, é conservadora porque quer consumir bens e serviços públicos, nesse sentido é conservadora. E vai demandar do Estado. Quando se gosta de um docinho, não se quer largá-lo [risos]. Veja, a Argentina foi o país mais rico na virada do século XIX para o século XX. O problema é que os argentinos são sebastianistas. É como Portugal. Estão em busca do sonho perdido. Por que falo isso? Porque o Brasil nunca foi rico. Uma coisa é ter sido rico e perder. É melancólico. Agora, quando nunca se foi rico e começa a ficar, aí toma gosto. Essa nova classe média vai demandar crescimento econômico. E do ponto de vista político esse fato tem implicações. Será que serão aceitos governos que não tiverem a proposta de fazer o Brasil crescer? Yoshiaki Nakano Na verdade a grande mudança que ocorreu no Brasil foi demográfica. Começou lá na década de 70, quando a taxa de natalidade começou a se desacelerar. Ou seja, a população brasileira jovem, de 15 a 24 anos, exatamente a que está chegando ao mercado de trabalho e precisa encontrar o primeiro emprego (e nessa faixa a taxa de desemprego sempre foi absurdamente alta no Brasil), começa a cair, enquanto o restante da população envelhece. Esse processo demográfico gerou duas coisas importantes. A partir de 2004, essa população jovem atinge 35 milhões e começa a cair. Hoje a estimativa do IBGE deve ser de 33 milhões. Esse fato tem impacto forte no mercado de trabalho, porque a DEBATE massa de gente que chegava passa a encolher, toda a dinâmica muda. E quando aquela superabundância de mão de obra começa a diminuir, os empregos mudam de qualidade. Em 2003, 90% dos empregos gerados eram informais, na margem, não na média. Depois se inverteu, e hoje praticamente 80% são formais. O salário na base começa a subir e a produtividade também, porque as empresas introduzem pequenas inovações e tem até mais margem de lucro em certos períodos, não cai necessariamente. No meu entender, esse processo cria uma dinâmica nova na economia brasileira. faceta é social e política. Passamos de uma situação em que 70% da população estavam na classe D e E para um cenário em que a classe C é quase 50% (a população que ganha entre 1,2 mil e 5 mil reais). Nas grandes empresas brasileiras, representa de 70% a 80% dos funcionários. Essa chamada classe C possui emprego e tem uma série de demandas. Quando, de repente, se torna maioria, então toda a política brasileira muda. O discurso populista que atraía as classes D e E, o do paraíso prometido após a eleição, não é mais o discurso que pega. Hoje o discurso tem que pegar essa nova classe média. E como funciona esse discurso? Por que os projetos do passado não se completaram? Yoshiaki Nakano Porque implantamos indústria, mas não tínhamos dinamismo interno próprio. Era uma economia subdesenvolvida, longe da fronteira tecnológica. Agora vem essa força fundamental, que é o novo mecanismo endógeno brasileiro de expansão do mercado, e caminhamos, então, naquela fase do sistema capitalista de criação de mercado de consumo de massa. Ou seja, a mudança estrutural na dinâmica da economia brasileira ocorre a partir desse fenômeno demográfico. Esse é o grande trunfo. A outra Yoshiaki Nakano A classe média tem pavor de perder o emprego, faz o sacrifício possível para ter acesso aos bens de consumo etc. É a grande demanda dessa população. Tem medo de mudança, portanto. É conservadora, como disse o Marcos. A importância disso, num país como o Brasil, presidencialista, é vital. Se o candidato à presidência da República não convencer que irá gerar emprego para os jovens e manter o acesso aos bens de consumo, ele não se elege. Toda a lógica política no Brasil, de uma hora para outra, está mudando. O discurso, a agenda, o foco. Essa mudança é fundamental. No Brasil, por vício de formação intelectual, a gente achava que uma elite esclarecida faria um projeto de grande mudança. Não aconteceu. Por outro lado, o Estado brasileiro é predador: a estrutura que os portugueses implantaram permanece praticamente intacta. Qual a dinâmica desse Estado predador? Yoshiaki Nakano É uma longa discussão. De onde ele, o Estado, se apropria aproximadamente 40% do PIB entre impostos e outras receitas? Ora, do Sudeste. São Paulo paga mais da metade de todos os impostos arrecadados no país. E o governo central transfere para onde? Segundo Bolívar Lamounier essa é a cultura da transgressão. Ou seja, a burocracia se apropria de uma boa parte dos recursos e a transfere para seus aliados políticos, que são as elites das regiões pobres, as que hoje maio 2010 getulio 27 dominam o Congresso por sistema não proporcional. Não tem sentido. Então, o Estado brasileiro tem essa lógica de se apropriar de quem produz e transferir para esse “conjunto de atividades não produtivas”, para ser menos agressivo [risos]. Então, acredito que a força transformadora desse cenário é a classe média. Não são as classes A e B nem D e E que farão as mudanças neste país. É a classe C que trará uma mudança fundamental para a política brasileira. Marcos Gonçalves As classes A e B querem viver de renda e viajar para Miami [risos]. A verdade é que o Brasil está mais uma vez num período de transição. Como esteve em 1930, como esteve em 1950, e agora, nesses anos 2000, iniciando a segunda década do século XXI. Ora, pegando os livros de história econômica e social, observa-se que as grandes mazelas do país são a concentração de riqueza, de renda, e um Estado baseado num estamento burocrático que, de uma forma ou de outra, sempre caça a renda para si mesmo. Um Estado que tributou sempre excessivamente. Desde o Estado colonial, a única razão de ser da economia era gerar algum tipo de renda para o próprio Estado, para seus agregados, direta ou indiretamente, fosse a burguesia, o miliciano, enfim, está internalizado. As Memórias de um Sargento de Milícias, por exemplo, do Manuel Antônio de Almeida, trata muito bem dessa cooptação até os baixos níveis da sociedade. O Estado brasileiro foi o único meio de ascensão, o único meio de conseguir poder econômico e político. E esse Estado não foi capaz durante muito tempo de promover a franquia de direitos, que é a universalização da educação, acesso a um sistema de saúde razoável, com qualidade de gestão e saúde preventiva, acesso à habitação e a bens primários básicos, a bens fundamentais. Esse Estado, até agora, fracassou. Yoshiaki Nakano Hoje toda a dinâmica da economia brasileira terá de mudar porque essa classe média é fundamental. Desenvolvimento significa também construir um Estado moderno. Estado no qual haja plenos direitos políticos, representação pra valer, direitos civis e sociais. Além disso, 28 getulio maio 2010 existe uma grande mudança na dinâmica da economia global. O efetivo fim do sistema Breton Woods, o fim do império americano da forma como era exercido. Eu diria que agora é a vez dos emergentes. Um artigo recente da The Economist, inclusive, diz que quando existe uma classe média desse tipo emergindo há a chamada inovação reversa, ou seja, em vez de a indústria se sofisticar para as classes A e B, ela produz os mesmos bens simplificados: em vez de um automóvel de R$ 25 mil, produz um de R$ 10 mil. Essa é a lógica da inovação chinesa e indiana, por exemplo, voltada para essa população. E o Brasil pode tirar proveito disso. Outro fator a considerar é a armadilha juros e câmbio. Um Estado que absorve O Estado brasileiro era o único meio de ascensão, o único meio de conseguir poder econômico e político. Esse Estado, até agora, fracassou (Marcos Gonçalves) quase 40% do PIB não dá espaço para mais investimentos. Enquanto a média do Brasil é de 17%, a dos emergentes é de 30% de investimentos. Se o Estado continua abocanhando, não há espaço para crescimento. É preciso mexer com o custo corrente. Marços Gonçalves A renda no Brasil sempre foi muito concentrada, e o nosso mercado cresceu com base em quem tinha renda. Havia uma ligação, uma lógica nociva entre concentração de renda, uma indústria que produz mercadorias com alto valor agregado e um mercado interno que só funcionaria com concentração de renda. Leda Paulani É interessante essa questão da mudança do perfil etário da população, mas acho que há outro fator para explicar essa mudança de uma parcela significativa da população da classe D para a C: o aumento real do salário mínimo. Temos 16,6 milhões de benefícios da Previdência Social, incluindo aposentados urbanos, rurais e beneficiários do chamado BPC, Benefício de Prestação Continuada (idosos de baixa renda e deficientes). Multiplicando isso por 3,7 (o tamanho médio da família brasileira nos últimos tempos), temos mais de 60 milhões de pessoas das classes C e D que tiveram aumento real de renda de 53%. O salário mínimo cresceu em termos reais, descontada a inflação, de 2003 para cá. Já vinha crescendo no Governo FHC, mas menos do que no Governo Lula. Aumento de 53% é a verdadeira política distributiva. Veja, não é Bolsa Família, que em termos de volume gasta R$ 13 bilhões por ano. Com benefícios previdenciários de um salário mínimo, a Previdência gasta R$ 9 bi por mês! Então, é verdade que o Estado retém 38% do PIB, mas devolve uma parte disso. E parte dessa devolução também ajuda a formar essa classe média, não tenho a menor dúvida. O INSS é gigantesco e transfere uma quantidade enorme de recursos para a população. Marcos Gonçalves Mas é possível fazer essas políticas mantendo o quadro e aumentando a eficiência da gestão. A Previdência transfere até mais, a questão é a eficácia do gasto. Leda Paulani Nenhum economista seria contrário a políticas mais eficientes, é ponto pacífico. Mas outras questões precisam ser levadas em consideração. Não acho que haveria um impacto tão grande sem esse aumento real do salário mínimo. Yoshiaki Nakano Outros economistas mediram. E o grosso do impacto é pequeno. Leda Paulani Ah, sim, porque aí houve a retomada do emprego. Yoshiaki Nakano O Bolsa Família teve efeito no Nordeste e o salário mínimo teve efeito, não desprezível, na economia. Mas estou me referindo a DEBATE uma mudança estrutural na dinâmica da economia. Aumento do mínimo não traz mudança na dinâmica do mercado de trabalho nem na dinâmica da economia. Na minha percepção, essa nova classe média mudou radicalmente. O que caracteriza fortemente essa nova classe como conservadora é que ela acumulou ativos. Não tem todos os eletrodomésticos em casa, mas boa parte, por incrível que pareça, tem sua casinha, pode ser até na favela, mas tem. Por isso disse que a mudança demográfica é que traz emergência de uma nova classe, porque ao longo dos anos, por menor que fosse o salário, conseguiram acumular ativos. E hoje estão em situação bem diferente da classe anterior. Ora, quanto mais perto de zero, mais equitativo, e quanto mais próximo de um, mais concentrado. O nosso índice de renda hoje está na faixa de 0,57 a 0,58, um dos mais elevados do mundo. Quer dizer, a concentração ainda é grande. A mudança na distribuição de renda é absolutamente desejável e necessária. O problema é que o país tem uma estrutura regressiva do ponto de vista da riqueza. E para alterá-la, só com um projeto de nação. Infelizmente, nenhum dos projetos que estão aí colocados pelas vozes dos candidatos pretende alterar essa situação de estarmos constantemente na dependência Marcos Gonçalves Mas para isso acontecer é preciso um projeto de desenvolvimento. Leda Paulani Justamente. Além disso, é preciso distribuição de riqueza – e estamos falando de estoque, não mais de fluxo. Conheço um estudo sobre o coeficiente de Gini [desenvolvido pelo estatístico Conrado Gini, mede a desigualdade de riquezas] do Rodolfo Hoffmann, que pegou a estrutura fundiária e encontrou um índice de Gini de nada mais, nada menos, que 0,94. Quase 1! É uma concentração brutal. DEBATE Leda Paulani Não sabem que está embutido no preço dos produtos e serviços... Yoshiaki Nakano Essa é a nossa realidade. De favorável existe uma mudança acontecendo na economia global. Qual era o modelo anterior? Os Estados Unidos como centro: países que cresciam atrelados comercialmente aos EUA, e países que não se atrelavam, não cresciam e ficavam dependentes. Acho que esse círculo financeiro vai se romper. Mesmo que aprovem o pacote de regulação proposto pelo Obama, se não abraçarem essa regulação haverá uma nova crise. Marcos Gonçalves A questão é que a economia brasileira esboçou um início de crescimento até a crise, e o salário real cresceu mais. O mínimo é indexador também. De uma forma ou de outra, essa classe média existe. Então, qual o impacto dela no futuro da economia brasileira? Existe razão para sermos otimistas? Leda Paulani Eu só ficaria otimista de fato se houvesse, em função de todo esse processo, uma queda cavalar da violência urbana, porque é decorrente de desigualdade social e de falta de perspectiva, não tem outra explicação. Isso vai melhorar? A expectativa é a de que sim. Mas enquanto essa mudança no perfil demográfico e de renda não provocar uma redução brutal nos índices de violência urbana, não consigo ser otimista. queno conjunto de mudanças e forças irá promover pequenas reformas para destravar o país. Agora, não acredito que o Brasil tenha uma elite ou um Estado capaz de fazer as grandes reformas que a Leda está levantando, levaria séculos para mudar essa estrutura de riqueza, e a nossa tradição não é fazer revolução, nem temos uma classe esclarecida suficientemente para comandar esse processo. A classe média que paga o grosso do imposto, por exemplo, não sabe disso: 70% da população diz que não paga nada de imposto. Leda Paulani A questão é que é uma crise só, sendo abafada debaixo do tapete. De 1980 para cá, não se passaram quatro anos sem uma grande crise financeira. dos humores do que acontece no mercado internacional de capitais. Yoshiaki Nakano Temos razões para otimismo e para ficarmos preocupados. Essas mudanças já começaram: de um lado, uma nova classe média deve promover mais mudanças e comandar a democratização. A franquia de direitos é a classe média que conquista. Do lado do empresariado, na dinâmica econômica, há uma mudança positiva de perspectiva, de humor. Olhar adiante, descobrir potencial de crescimento e oportunidades. A armadilha é o provável recuo do Banco Central. Mas se for superado, vamos embora. Esse pe- Yoshiaki Nakano Essa crise só irá se resolver com uma enorme contração de crédito, fim da liquidez, elevação da taxa de juros, que já está despontando nos EUA, então o mundo terá uma configuração muito diferente. Hoje o FMI fala de controle de capitais, uma recomendação. A mudança mais importante, porém, é que nessa crise a dinâmica do crescimento especulativo acabou. A nova situação é de crescimento bem menor nos países desenvolvidos. A hegemonia absoluta americana declinou. Então, a governança global mudou totalmente. Bem ou mal, isso abre espaço político para os países emergentes como o Brasil terem voz ativa. Porém, quando se participa de um grupo como o G20 é maio 2010 getulio 29 preciso, no mínimo, saber qual é o seu interesse. Pela primeira vez, depois de muitos anos, o pessoal do Ministério da Fazenda e do Governo tem que pensar o que interessa ao Brasil. Outra mudança é o crescimento mais ou menos consolidado da China, e estamos caminhando para esse mesmo lado. Se tivermos uma política e uma estratégia autônomas, poderemos aproveitar esse crescimento e avançar lá com a nossa indústria. A própria dinâmica de inovação está mudando. Não é mais só copiar os americanos, sofisticar e diversificar o consumo, mas olhar aquela grande massa de população e mudar a dinâmica das renovações tecnológicas que não vem mais da Europa e dos EUA, mas da Índia e da própria China. E o Brasil ainda nem descobriu isso. Leda Paulani É claro que esse aumento de importância da China e dos chamados BRICs muda um pouco o tabuleiro internacional, não há dúvida, até porque a China carrega trilhões de ativos americanos e, por isso, de alguma maneira, os EUA têm que respeitar a China. Portanto, acredito que isso abre novas possibilidades. É senso comum que a China terá uma importância muito grande por um bom tempo. É um país enorme, com quase um quarto do planeta, e de repente entrou no sistema capitalista. Na minha perspectiva há duas coisas acontecendo na economia mundial que não temos ideia de como vão ficar. Primeiro é a continuidade da crise, resultado de um crescimento da riqueza financeira que vem se dando numa velocidade de quatro vezes o PIB mundial desde os anos 80. Esse gap continua aumentando, apesar das crises que vão queimando parte desse capital financeiro. Uma economia estruturada dessa forma faz com que a dinâmica mundial seja frágil financeiramente, o que temos visto. Há 30 anos temos crise atrás de crise, que no fundo é uma só: existe um descompasso na economia mundial. E ninguém sabe como esse desequilíbrio será resolvido. se, ora maiores, ora menores. Outra grande incógnita é o que acontecerá com o sistema monetário internacional. O Robert Triffin, um economista belga radicado nos EUA, apontou o seguinte paradoxo no sistema de Breton Woods: a moeda mundial é produzida por um determinado país, que precisa inundar o mundo da moeda nacional porque é também a moeda mundial; mas para isso precisa ter déficit de transações correntes; e, tendo déficit de transações correntes, a moeda se fragiliza; aí o paradoxo. Quer dizer, a moeda mundial, para cumprir seu papel de meio internacional de pagamento, acaba sendo fraca. Hoje estamos exatamente nesse ponto. O dólar vem se enfraquecendo há tempos. E os EUA vêm pilotando essa gangorra dólar forte, dólar fraco conforme seus interesses. O que irá acontecer? O euro será o substituto? Mas a Europa é um caleidoscópio de países diferentes... Quanto ao Yuan, os chineses não querem que seja a moeda mundial, pelo menos não agora. Não se sabe como será resolvido esse impasse. Então, são essas as incógnitas. O Brasil deveria colocar as barbas de molho, tendo clareza dessa situação, e tomar as medidas necessárias para preservar o seu espaço de autonomia. Isso implica sair da armadilha câmbio/juros e controlar 0 fluxo de capitais, se preservar como têm feito os outros países da chamada semiperiferia. Sem essas medidas, o país fica vulnerável, distante, inclusive, de pensar em qualquer proposta para consolidar o desenvolvimento. Yoshiaki Nakano Nós ainda estamos na mesma armadilha que gerou todo aquele processo de recuperação e crise, recuperação e crise. E estamos na véspera, talvez, de repetir mais uma. O Banco Central já sinalizou que vai aumentar os juros. Haverá apreciação do câmbio. Se olharmos crises passadas, exatamente quando se eleva a taxa de juros, o crédito continua expandindo igual ou até mais forte. Então, o efeito declarado não existe. O efeito que terá na economia é que com a apreciação maior no câmbio haverá queda na inflação. O quadro pode ser complicado no seguinte sentido: se aprecia demais o câmbio, o déficit de transações correntes aumenta, já está crescendo explosivamente, baterá mais de 50 bilhões este ano e certamente de 80 a 100 bilhões no próximo. A partir de 2012 corre-se o risco de nova crise. Marcos Gonçalves Está crescendo por causa dos serviços? Yoshiaki Nakano Mais do que isso, a taxa de câmbio responde fundamentalmente ao fluxo de capital, e não à importação e exportação. De todas as transações feitas no mundo hoje, apenas 1% está atrelada à importação e exportação; 99% é operação financeira. É troca de moedas. Compra-se moeda estrangeira para aplicar em ativo, para aplicar em outro ativo e ganhar nas transações. O câmbio é 99% determinado pelo financeiro. Então, pelo menos nos próximos dois anos, o FED [Federal Reserve] vai manter essa política de expansão maluca, e não tem outra palavra, de crédito com juros praticamente zero. No final é negativo, porque tem a inflação de 1,2%. Por isso, existe o risco de a depreciação do Real continuar por um período prolongado. E, só quando o problema do passivo externo se tornar grave, o déficit de transações correntes se tornar enorme, uma parte do mercado que olha os fundamentos da economia vai dizer “Não dá mais”. E, de repente, há a reviravolta, com a saída de capital. Há como evitar esse processo? Yoshiaki Nakano Tem que mudar a política cambial. Já andamos em alguma direção para a mudança. O Leda Paulani A que estaremos sujeitos a soluços sistemáticos dessa cri- maio 2010 Qual seria a política correta neste momento? Yoshiaki Nakano Já disse aqui que seria impossível pegar o investimento de 17% do PIB e elevar para, no mínimo, 25%. Se emergentes, em média, investem 30%, temos que chegar lá. Mas com o governo se apropriando de 40%, entre carga tributária e receita, não tem espaço. Veja, não é juro alto que dá dinamismo na economia, é retorno elevado sobre investimento produtivo. Isso se faz exonerando e aumentando a competitividade dos exportadores. Assim, coloca-se à economia na trajetória clássica de crescimento. Esse ajuste é Quando se participa do G20 é preciso saber qual seu interesse. E pela primeira vez, o pessoal da Fazenda e do Governo tem que pensar o que interessa para o Brasil (Yoshiaki Nakano) E a que isso nos leva? 30 getulio Ministério da Fazenda criou o Fundo Soberano, por exemplo. Em todos os países moeda nacional é interesse prioritário. Não se brinca com moeda. E por que é uma armadilha? Porque, quando a economia começa a se recuperar, vêm os economistas de banco dizendo que é inflação. O problema é que só a recuperação da economia leva o empresário a investir. Nunca permitimos o investimento bater em um ponto em que a capacidade começa a crescer mais rapidamente que a demanda, porque se corta antes. Essa é a nossa armadilha. DEBATE DEBATE fundamental. Neste momento, o ajuste correto é, em vez de aumentar os juros, segurar a despesa corrente do governo, o consumo crescente, por exemplo, e abrir espaço com juro menor para aumentar a taxa de investimento. A mudança de juros e câmbio é um ajuste estrutural na economia. É possível de ser feito? Yoshiaki Nakano Infelizmente temos caído nessa armadilha sistematicamente. Se a gente não tivesse caído na armadilha de 2008, a essa altura do campeonato o país seria outro, positivo, porque teria muito mais gente pensando em investimento. A grande mudança que para mim é o sinal de termos feito a transição é ter essa massa crítica de empresários investindo pra valer e essa classe média consumindo cada vez mais, gerando demanda por um tipo de política muito mais pragmática – e deixará de ser política ideológica. A propósito, como educação e identidade entram nessa perspectiva de futuro? Yoshiaki Nakano Olhando para experiências de outros países, hoje desenvolvidos, vemos um processo em que, num certo momento, se constrói um Estado Moderno e, de outro lado, se constrói uma máquina capitalista completa e eficiente. Para essa máquina funcionar é preciso uma organicidade em que a população tenha direitos políticos, participação nas decisões, representação e faça seus interesses prevalecerem. Nesse processo, a educação sempre foi fundamental. O que é o sistema educacional? Nesses países, num certo momento, gera-se um movimento nacionalista, exatamente o movimento de catch up. Esse movimento só acontece quando se cria um sistema educacional nacional, porque é preciso convergência de interesses, é preciso introduzir valores na sociedade, cooperação, mecanismos para evitar conflitos, a pessoa saber que está em um barco comum, com um destino comum e que pertence a uma nação. O fundamental do sistema educacional não é só dar qualificação, mas socializar o indivíduo, introduzindo valores que dão identidade a uma nação. maio 2010 getulio 31