REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 Volume 11 - Número 1 - 1º Semestre 2011 Produção de substâncias envolvidas no fenômeno de antagonismo bacteriano Flávio Henrique Ferreira Barbosa1; Larissa Paula Jardim de Lima Barbosa2; Leandro Henrique Silva Bambirra3; Flávia Figueira Aburjaile4 RESUMO O termo “microbiota normal ou indígena” refere-se à população de microrganismos que habita a pele e as mucosas de pessoas normais e sadias. Em geral, os membros da microbiota transitória exercem pouco impacto no hospedeiro, enquanto a microbiota residente normal permanece intacta. Entretanto, se a microbiota residente for perturbada, os microrganismos transitórios podem colonizar e proliferar, produzindo doença. A utilização pelo homem de produtos naturalmente fermentados por bactérias ácido-láticas constitui um hábito alimentar milenar em algumas culturas. Estas bactérias, que têm papel fundamental na produção de alimentos fermentados, podem inibir o desenvolvimento de microrganismos patógenos e de microrganismos causadores de deterioração de alimentos. Esta inibição ou habilidade conservativa pode ocorrer através da competição entre os microrganismos ou por ação de metabólitos antimicrobianos, nos quais se incluem ácidos orgânicos, peróxido de hidrogênio, compostos de baixo peso molecular e bacteriocinas. Palavras-chave: Antagonismo, Lactobacillus, Bacteriocinas, Microbiota Indígena. Involved substance production in the phenomenon of bacterial antagonism ABSTRACT Normal or indigenous “microbiota” mentions the population of microorganisms that inhabits the skin and the mucosae of normal and healthy people. In general, the members of microbiota transitory exert little impact in the host, while microbiota resident normal remains unbroken. However, if microbiota resident will be disturbed, the transitory microorganisms can colonize and proliferate, producing illness. The use for the acid-lactic products constitutes a millenarian alimentary habit in some cultures. These bacteria, that have basic paper in the production of fermentation food, can inhibit the development of pathogens microorganisms and .causing microorganisms of food deterioration. This inhibition or conservative ability can occur through the competition between the microorganisms or for action of antimicrobial metabolic, in which if they include acid organic, hydrogen peroxide, bacteriocins composites of low molecular weight. Keywords: Antagonism, Lactobacillus, Bacteriocins, Indigenous Microbiota. 1 1 INTRODUÇÃO 1.1 Microbiota Indígena do Corpo Humano O termo “microbiota normal ou indígena” refere-se à população de microrganismos que habita a pele e as mucosas de pessoas normais e sadias. A existência de uma microbiota viral normal nos seres humanos é duvidosa. A pele e as mucosas sempre abrigam uma variedade de microrganismos que podem ser classificados em dois grupos: (1) a microbiota residente, que consiste em tipos relativamente fixos de microrganismos encontrados com regularidade em determinada área e em determinada idade; sendo que se perturbada, recompõe-se prontamente; e (2) a microbiota transitória, que consiste em microrganismos não patogênicos ou potencialmente patogênicos que permanece na pele ou nas mucosas por horas, dias ou semanas; provém do meio ambiente, pode ou não provocar doença e não se estabelece de forma permanente na superfície. Em geral, os membros da microbiota transitória exercem pouco impacto no hospedeiro, enquanto a microbiota residente normal permanece intacta. Entretanto, se a microbiota residente for perturbada, os microrganismos transitórios podem colonizar e proliferar, produzindo doença (TANNOCK, 1995; NICOLI & VIEIRA, 2004). 1.2 Funções da Microbiota Indígena Os microrganismos que estão constantemente presentes nas superfícies corporais são comensais. A colonização destes, em determinadas áreas depende de fatores fisiológicos, como temperatura, umidade e presença de certos nutrientes e substâncias inibitórias. Sua presença não é essencial à vida do hospedeiro, visto que os animais “livres de germes” podem ser criados na ausência completa de uma microbiota normal. Contudo, a microbiota residente de certas áreas desempenha um papel bem definido na manutenção da saúde do hospedeiro (TANNOCK, 1995; NICOLI & VIEIRA, 2004). Nas mucosas e na pele, a microbiota residente pode impedir a colonização por patógenos e o possível desenvolvimento de doença por meio de “interferência bacteriana”. O mecanismo da interferência bacteriana não está bem esclarecido. Pode envolver a competição por receptores ou sítios de ligação (adesão) nas células do hospedeiro, a competição por nutrientes, a inibição mútua por produtos metabólicos ou tóxicos, a inibição mútua por substâncias antibióticas ou bacteriocinas ou outros mecanismos. Além dos mecanismos já citados, pode-se observar também que a microbiota normal possui função imunomoduladora, fazendo com que o organismo do hospedeiro esteja preparado para o combate efetivo de patógenos. A supressão da microbiota normal cria claramente um local parcialmente vazio que tende a ser preenchido por microrganismos provenientes do ambiente ou de outras partes do corpo. Estes microrganismos comportam-se como oportunistas e podem tornarse patógenos (GIBSON & ROBERTFROID, 1995; NICOLI & VIEIRA, 2004). Por outro lado, os próprios membros da microbiota normal podem provocar doença em certas circunstâncias. Estes microrganismos estão adaptados ao modo de vida não-invasivo, definido pelas limitações do meio ambiente. Se forem retirados à força das restrições desse ambiente e introduzidos na corrente sanguínea ou em tecidos, esses microrganismos podem tornar-se patogênicos. De forma geral, os microrganismos da microbiota residente normal são inócuos e são benéficos na sua localização normal no hospedeiro e na ausência de anormalidades concomitantes (GORBACH & SIMON, 1987; NICOLI & VIEIRA, 2004). 1.3 O Fenômeno de Antagonismo Bacteriano São várias as evidências experimentais e clínicas, como citado anteriormente, demonstrando a produção de ácidos, peróxido de hidrogênio e bacteriocinas antagônicas ao crescimento de patógenos, por parte da microbiota residente. Sem dúvida, essas interações e os seus produtos contribuem para 2 evitar um crescimento exagerado da microbiota do hospedeiro. Os metabólitos produzidos por microrganismos que interferem no crescimento de outros microrganismos incluem: 1.3.1 Ácidos Orgânicos Ácidos graxos de cadeia curta não-voláteis e voláteis são encontrados no trato digestivo. Estes compostos são tóxicos para alguns tipos bacterianos alóctones que entram no trato gastrointestinal de mamíferos, especialmente em “habitats” do intestino grosso onde o potencial de óxido-redução é baixo. Além disso, tais ácidos podem ser importantes fatores na sucessão autogênica da microbiota de animais recémnascidos. Em camundongos, durante a sucessão que acontece na segunda semana após o nascimento, ácidos graxos voláteis produzidos por bactérias anaeróbias estritas podem reprimir os níveis populacionais das bactérias anaeróbias facultativas (SAVAGE, 1977, 1987, 1999; MCFARLAND, 2000). A fermentação dos carboidratos pelos microrganismos resulta na produção de ácidos orgânicos. A produção de ácidos, principalmente ácido láctico, torna o ambiente intestinal bastante desfavorável à proliferação de microrganismos patógenos ou putrefativos. O ácido lático inibe organismos transientes que colonizam “habitats” gástricos por diminuir o pH do estômago. O pH gástrico em suínos recém-nascidos é muito baixo logo após o nascimento, principalmente porque os Lactobacillus que colonizam superfícies epiteliais no estômago do animal produzem e liberam ácido lático no lúmen. Além disso, em mamíferos adultos de algumas espécies, o ácido lático microbiano produzido no estômago e ácidos graxos voláteis produzidos no ceco influenciam o pH do lúmen nestas áreas (SAVAGE, 1977; 1987). A atividade antimicrobiana destes ácidos é decorrente de vários fatores, entre os quais a drástica redução de pH do meio a valores incompatíveis com o crescimento da maioria dos microrganismos patogênicos, sendo que as bactérias láticas, por serem acidofílicas, resistem bem a estes baixos valores. A acidez do conteúdo intestinal parece ser também importante para favorecer o peristaltismo intestinal, combatendo assim a constipação intestinal. Ela é responsável pelo pequeno número de bactérias no intestino delgado proximal, sobrevivendo apenas os cocos e bacilos Gram-positivo mais tolerantes à acidez (NARDI et al., 1999). A atividade antimicrobiana dos ácidos lático e acético é, em parte, devido ao fato de que estes ácidos na forma não dissociada podem atravessar a membrana celular microbiana reduzindo o pH intracelular, o que irá interferir com importantes funções metabólicas como a translocação de substratos e a fosforilação oxidativa (NAIDU et al.,1999). Por outro lado, o ácido acético apesar de ser produzido em menores concentrações do que o ácido lático possui um efeito inibitório mais acentuado, uma vez que sua constante de dissociação é maior do que a do ácido lático (PIARD & DESMAZEAUD, 1992). 1.3.2 Peróxido de Hidrogênio O crescimento de alguns microrganismos (por exemplo, Lactobacillus spp.) em condições de aerobiose leva á formação de metabólitos do oxigênio como o ânion superóxido (O2-), o peróxido de hidrogênio (H202), e radicais hidroxila (OH-), que constituem os principais fatores responsáveis pela toxicidade do oxigênio. Como alguns destes microrganismos não sintetizam catalase, o H202 produzido acumularse-á, podendo, então, inibir os microrganismos que não possuem esta enzima. Embora a toxicidade seja um fato comprovado, os mecanismos de ação não foram claramente elucidados (PIARD & DESMAZEAUD, 1991). Algumas das possíveis ações deletérias podem incluir a oxidação dos compostos sulfidrílicos celulares, além da peroxidação dos lipídeos de membrana e injúrias nos ácidos nucléicos bacterianos (PIARD & DESMAZEAUD, 1991, VANDENBERG, 1993). 1.3.3 Substâncias Antimicrobianas de Natureza Não-Protéica 3 Os compostos de natureza protéica produzidos por alguns microrganismos que foram purificados e caracterizados compartilham algumas características comuns. Dentre estas, o pequeno tamanho com massa molecular menor do que 1 KDa e a estrutura química heterocíclica ou aromática, além do amplo espectro de ação antimicrobiana frente às bactérias Gram-positivo, Gram-negativo e fungos. ABDEL-BAR et al., em 1987, purificaram e caracterizaram um composto aromático de massa molecular menor do que 700 Da sintetizado por Lactobacillus bulgaricus, capaz de inibir Pseudomonas fragi e S. aureus. Das substâncias de natureza não-protéica descritas na literatura destaca-se a reuterina (hidroxipropanaldeído) produzida por Lactobacillus reuteri procedente do trato gastrointestinal de seres humanos e animais. Sua atividade antimicrobiana é ampla, sendo capaz de inibir diversos microrganismos de interesse em saúde pública, como Salmonella spp., Shigella spp., Clostridium spp. Staphylococcus spp., Listeria spp., leveduras, fungos filamentosos e protozoários (TALARICO et al., 1988; NARDI et al., 2005). 1.3.4 Bacteriocinas Certas substâncias macromoleculares são importantes fatores tóxicos que impedem a colonização de microrganismos transientes em “habitats” gastrointestinais. Estas substâncias, as bacteriocinas, são proteínas produzidas por linhagens bacterianas de um grupo taxonômico que pode matar ou inibir a multiplicação de outras linhagens sensíveis de um mesmo grupo taxonômico e, algumas vezes, de outros grupos, ou até mesmo controlar seu próprio crescimento de uma maneira auto-regulatória (SIMON GORBACH, 1982, 1984; SAVAGE, 1987). A sua atuação in vivo, contudo, parece ainda não ter sido definitivamente estabelecida. Existe uma extensa gama de substâncias inibidoras que podem ser produzidas por microrganismos Gram-positivo (como a nisina) e Gram-negativo (como as colicinas produzidas por E. coli). Dentre estas substâncias produzidas, as bacteriocinas são, atualmente, as mais estudadas, devido à grande potencialidade de sua aplicação biotecnológica na indústria de alimentos. As bacteriocinas constituem um grupo heterogêneo de peptídeos ou proteínas que variam muito quanto ao seu espectro antimicrobiano, propriedades bioquímicas, mecanismo de ação e características genéticas (JACK et al., 1995; PIARD & DESMAZEAUD, 1992; BONADÈ et al., 2001). As bacteriocinas produzidas por bactérias são sintetizadas pelo ribossomo bacteriano, e se distinguem dos antibióticos que possuem um largo espectro de atividade, por serem peptídeos e terem seus genes estruturais freqüentemente presentes em plasmídios e transposons. (JACK et al., 1995). Os antibióticos peptídicos de origem microbiana têm origem da condensação enzimática de aminoácidos livres, como a gramicidina S, bacitracina A e polimixina (KOLTER & MORENO, 1992). Considera-se, ainda que, para a caracterização das bacteriocinas produzidas por bactérias, é necessário seguir pelo menos dois critérios: o composto deve ser de natureza protéica e não deve ser letal a célula produtora (KONISKY, 1982). O espectro de atividade antimicrobiana das bacteriocinas varia. Algumas espécies produzem a bacteriocina contra linhagens da mesma espécie ou contra bactérias relacionadas, que competem pelo mesmo nicho ecológico, enquanto outras possuem um espectro de atividade antimicrobiano mais amplo incluindo bactérias de gêneros não tão próximos com relação a sua classificação filogenética (KLAENHAMMER, 1988, 1993; SCHILLINGER & LÜCKE, 1989). O mecanismo de ação das bacteriocinas, em geral, deve-se a desestabilização funcional da membrana citoplasmática das células sensíveis. Este processo é constituído por três etapas: interação e inserção na membrana, formação de poros e morte celular (JACK et al., 1995). A biossíntese de bacteriocinas ocorre durante ou no final da fase exponencial do crescimento bacteriano e é modulada de acordo com as condições ambientais (fatores nutricionais 4 e físico-químicos) (TAGG et al., 1976). A máxima produção é obtida suplementando-se o meio de cultura com fatores limitantes de crescimento, tais como: açucares vitaminas e fontes de nitrogênio (PARENTE & HILL, 1992). A amplitude do espectro de espécies e linhagens inibidas depende de cada bacteriocina e varia entre aquelas de um espectro muito restrito, limitado a certas linhagens taxonomicamente muito próximas (por exemplo, a lactocina A), e as que possuem um espectro de ação amplo, que incluem microrganismos deteriorantes de alimentos e patogênicos, como Listeria monocytogenes, S. aureus, Clostridium botulinum, e Clostridium perfringens (por exemplo, nisina e pediocina PA-1) (MAGRO et al., 2000 a). Geralmente as bacteriocinas possuem atividade contra um grande número de bactérias Gram-positivo. Já existem alguns trabalhos que descrevem o efeito antimicrobiano das bacteriocinas sobre Gram-negativo (JACK et al., 1995). As bactérias Gram-negativo, por possuírem uma membrana externa, têm maior proteção à ação das bacteriocinas (MAGRO et al., 2000 b). A produção de bacteriocina foi muito pouco estudada em bactérias anaeróbicas. Podemos citar, também, alguns estudos relevantes quanto à produção de bacteriocinas por microrganismos anaeróbios estritos, como o Ruminococcus gnavus. A habilidade de algumas linhagens de bactérias do grupo Bacteroides fragilis, isoladas da cavidade oral e intestino de pequenos primatas, para produzir bacteriorina foi demonstrada por FARIAS et al., em 1992. Nesta pesquisa, observou-se atividade antagonista em 52% dos isolados intestinais, sendo que três mostraram a atividade de auto-antagonismo. Uma atividade mais elevada, avaliada pelo tamanho do halo da inibição, foi observada no ágar BHI-S, e a inibição maior foi obtida após 72 horas de incubação (FARIAS et al., 1992). Outro estudo seria o de uma bacteriocina intracelular produzida por um Bacteroides ovatus, isolado da microbiota fecal humana. Esta bacteriocina se mostrou estável em uma escala de pH de 3-10, em 60 °C por 24 horas, e em -70 °C por 6 meses. Observou-se também, que a mesma era inativada por enzimas proteolíticas. Das cinqüenta linhagens do grupo Bacteroides fragilis que foram isoladas das amostras fecais, quarenta e um produziam uma substância antagonista (MIRANDA et al., 1993). FARIAS et al., em 1994, descreveu também, a produção de uma bacteriocina (fragilicina) produzida por uma linhagem de Bacteroides fragilis, isolada de um pequeno primata (Callithrix penicillata). Duas frações ativas (36 e 150 KDa) foram isoladas por cromatografia. A substância se apresentou estável entre pH 3 e 10 e em 60 °C por 24 horas. Testes de susceptibilidade a enzimas proteolíticas como a tripsina e proteinase-K mostraram-se efetivas na inativação da bacteriocina, dando a evidência de sua natureza protéica. Em uma pesquisa com Fusobacterium, OLIVEIRA et al. (1998), constataram que num total de 167 isolados de microrganismos deste gênero e que foram testados para a produção de bacteriocina (70 obtidos da cavidade oral dos pacientes com doença periodontal, 47 foram recuperados de cavidades orais saudáveis de humanos e 50 da cavidade oral de Callithrix penicillata), observou-se auto-antagonismo e o iso-antagonismo quando os mesmos foram testados contra si mesmo. Hetero-antagonismo foi detectado quando os isolados de Fusobacterium foram testados frente a 14 linhagens de referência e a duas linhagens de Actinobacillus actinomycetemcomitans. Estes fenômenos de hetero-antagonismo observados neste estudo sugeriram um papel ecológico importante na manutenção do ambiente oral. As bactérias produtoras de bacteriocinas são insensíveis a suas próprias bacteriocinas, devido à síntese concomitante de proteínas de imunidade (SARIS et al., 1996). As proteínas de imunidade da segunda classe são usualmente pequenas, compostas de 51 a 150 aminoácidos, que mostram um baixo grau de homologia entre si, particularmente quando as bacteriocinas correspondentes são intimamente relacionadas ou idênticas, o que sugere que elas não interagem diretamente com a bacteriocina (NES et al., 1996). 5 As bacteriocinas são geralmente estáveis no pH ácido ou neutro, indicando que são substâncias bem adaptadas ao ambiente de produção das mesmas. Existem algumas exceções como, a solubilidade e estabilidade da Nisina em pH 2 são máximas (57 mg/mL) e esses parâmetros vão decrescendo à medida que aumentamos o pH até 6 (1,5 mg/mL) (PIARD & DESMAZEAUD, 1992). A prova de difusão em ágar é, provavelmente, o bioensaio mais utilizado para a detecção da atividade bacteriocinogênica (JACK et al., 1995). A natureza química e a resistência térmica dos sobrenadantes obtidos das linhagens presumidamente bacteriocinogênica são, geralmente, pesquisadas utilizando-se de diversos tratamentos enzimáticos (proteases, lipases e amilases) e diferentes tratamentos térmicos (SOBRINO et al., 1992). As quatro classes distintas são: Classe I => É formada por peptídeos contendo aminoácidos modificados, os lantibióticos. Os lantibióticos são peptídeos menores do que 5 kDa, que se caracterizam por conterem aminoácidos modificados como a lantionina e a -metil lantionina, 2,3didesihidroalanina (Dha) e 2,3didesihidrobutirina(Dhb), bem como a presença de anéis intra-moleculares. São sintetizados na forma de pré-peptídeos, sofrendo modificações pós-tradução para formar peptídeos biologicamente ativos. Em função de aspectos químicos e estruturais, os lantibióticos subdividem-se em peptídeos do tipo A e B (JUNG, 1991). Os lantibióticos do tipo A são peptídeos que desencadeiam a formação de poros na membrana celular, sendo esse um dos seus principais modo de ação inibitória, estando entre eles a nisina, sintetizada por Lactococcus lactis subsp. lactis e a ruminococcin A (Rum A), sintetizada por membros do gênero Ruminococcus (MORTVEDT et al., 1991; TURNER et al., 1999; DABARD et al., 2001; CHEN et al., 2004). Os lantibióticos do tipo B são peptídeos globulares imunologicamente ativos, que inibem as atividades enzimáticas celulares (JUNG, 1991). Classe II => A classe II compreende um grande número de peptídeos termoestáveis compostos por aminoácidos não modificados. Por sua vez podem subdividir-se em quatro subclasses: IIa- Caracterizam-se por possuírem alto grau de homologia entre suas seqüências de aminoácidos, principalmente na parte N-terminal dos peptídeos. São peptídeos pequenos, termoestáveis e sintetizados na forma de precursores, os quais saem processados depois da adesão de dois resíduos de glicina. Essas bacteriocinas e seus organismos produtores são de interesse considerável como bioconservantes devido a sua alta atividade antimicrobiana contra Listeria spp. Ex: pediocin PA-1, sakacinas A e P, curvacina A, leucocina A. IIb- Estão aqui agrupadas as bacteriocinas cuja atividade depende da ação complementar de dois peptídeos. Estes dois peptídeos são diferentes na seqüência, sugerindo que eles originam-se de duas bacteriocinas independentes e provalvemente diferentes (NES & HOLO, 2000). O primeiro relato de bacteriocina desta classe, a lactococcina G, foi isolada de Lactococcus lactis e possui cadeias e consistindo respectivamente de 39 a 35 resíduos de aminoácidos (NISSEN-MEYER et al., 1992; MOLL et al., 1996). IIc- Incluem as bacteriocinas que são transportadas utilizando um sistema secdependente e necessitam de resíduos de cisteína na forma reduzida para a atividade biológica da molécula, como a lactocina B (CINTAS et al., 2001; NES et al., 1996). Classe III => São bacteriocinas com peso superior a 30 kDa, termolábeis e sem aminoácidos modificados em sua estrutura primária. Por suas características protéicas e sensibilidade ao aquecimento são a classe de bacteriocinas que possuem menor interesse industrial na atualidade (MAGRO et al., 2000 a). A helveticina J foi a primeira bacteriocina desta classe a ser purificada 6 e caracterizada em nível genético (JOEGER & KLAENHAMMER, 1990). bacteriocin produced by Lactobacillus helveticus. Lett. Appl. Microbiol., v. 33, p. 153-158, 2001. Classe IV => A classe IV é compreendida por aquelas bacteriocinas complexas que, além de proteína, requerem carboidratos ou lípideos para exercer a sua atividade biológica (KLAENHAMMER, 1993). A grande maioria destas bacteriocinas é de natureza hidrofóbica, o que pode levar a uma interação com os lípideos ou outros materiais celulares, além do fato de terem sido só parcialmente purificadas e caracterizadas apenas pelo uso de enzimas como proteases, amilases e lipases. Ex.: plantaricin S (JIMÉNEZ-DÍAZ et al., 1993). A indústria de alimentos utiliza, há vários anos, a nisina, uma bacteriocina da classe I, sintetizada por Lactococcus lactis subsp. lactis. Até o momento, esta é a única bacteriocina autorizada legalmente como conservante alimentício no Brasil e em mais de cinquenta países. O seu emprego é permitido nos Estados Unidos da América desde 1988 (MAGRO et al., 2000 b). Entretanto, outras bacteriocinas da classe II já foram patenteadas na Europa e EUA, e estão em fase de testes (MAGRO et al., 2000 a , b, CLEVELAND et al., 2001). CHEN, J.; STEVENSON, D.M.; WEIMER, P.J. Albusin B, a bacteriocin from the ruminal bacterium Ruminococcus albus 7 that inhibits growth of Ruminococcus flavefaciens. Appl. Environ. Microbiol., v. 70, p. 3167-3170, 2004. 2 CONCLUSÃO Pelo fato da microbiota intestinal constituir um ecossistema altamente competitivo, a produção de substâncias antagonistas por seus componentes, representa uma vantagem ecológica no controle dos níveis populacionais de outras espécies patogênicas ou não. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABDEL-BAR, N.; HARRIS, N.D.; RILL, R.L. Purification and properties of antimicrobial substance produced by Lactobacillus bulgaricus. J. Food. Sci., v.52, p.411-415, 1987. BONADÈ, A.; MURELLI, F.; VESCOVO, M.; SCOLARI, G. Partial characterization of a CINTAS, L.M.; CASAUS, M.P.; HERRANZ, C.; NES, I.F.; HERNÁNDEZ, P.E. Review: bacteriocins of latic acid bacteria. Food Sci. Tech. Int., v. 7, p. 281-305, 2001. CLEVELAND, J.; MONTVILLE, T.J.; NES, I.F.; CHIKINDAS, M.L. 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