CONSELHO ECONÓMICO E SOCIAL
DEBATE SOBRE “ADMINISTRAÇÃO E JUSTIÇA DO TRABALHO”
(Organizado pelo Conselho Económico e Social, na sua sede, a 9 e 10 de Outubro
de 1997)
LISBOA, 1998
ÍNDICE
Aspectos orgânicos e funcionais da Administração do Trabalho
Dr. Fernando Cabral – Orador
4
O papel actual e futuro da Inspecção Geral do Trabalho
Dr. Inácio Mota da Silva - Orador
15
O desempenho da via judiciária : organização e funcionamento da
Justiça do Trabalho
Dr. João Rato – Orador
26
A intervenção da sociedade civil (sindicatos e associações patronais).
Interacção com a Administração e os Tribunais
Dr. António Casimiro Ferreira - Orador
35
Intervenção do Secretário de Estado do Trabalho
Dr. António Monteiro Fernandes
89
Programa
94
2
ASPECTOS ORGÂNICOS E FUNCIONAIS DA
ADMINISTRAÇÃO DO TRABALHO
3
Fernando A. Cabral*
Orador
SERÁ NECESSÁRIO REPENSAR AS MISSÕES DA ADMINISTRAÇÃO DO
TRABALHO?
Descrever, reflectindo a situação dos recursos (aspectos orgânicos) e das tarefas e
actividades (aspectos funcionais) da Administração do Trabalho, é algo que nos leva,
imediata e automaticamente, a questionar as respostas que essa Administração dá ou
deve dar ao mundo do trabalho.
Este exercício, todavia, depende da representação que os actores económicos e
sociais têm dos desafios suscitados pelo mundo do trabalho e da capacidade da
própria Administração identificar tais representações e formular as adequadas
definições estratégicas.
Todo este processo, em suma, resulta numa abordagem das missões da
Administração do Trabalho, dos seus objectivos e das suas estratégias.
É esse, aliás, o quadro tratado no Acordo de Concertação Estratégica que preside a
este debate.
A este propósito são, pois, oportunas as questões:
− As missões, os objectivos e as estratégias dos Serviços de Administração do
Trabalho estão definidos? Interiorizados?
− São adequados às necessidades e expectativas dos “clientes”?
− Quem são ou devem ser, verdadeiramente, os “clientes” da Administração
do Trabalho?
− Estes “clientes” revêem-se na Administração conforme ela existe?
− Que questões estes “clientes” lhe colocam?
− Que questões estes “clientes” lhe deveriam colocar?
QUE CONSENSOS EXISTEM SOBRE A MUDANÇA DO MUNDO DO
TRABALHO?
É consensual que a mundialização das economias, as novas tecnologias e as
expectativas individuais vieram destabilizar o paradigma do trabalho que fora
construído na sociedade industrial.
De facto, este paradigma não só rapidamente anulou os referenciais do ciclo
anterior (a sociedade rural), como, ao afirmar-se de forma tão exuberante, quase
*
Presidente da Direcção do IDICT.
4
parecia ser o ponto de chegada da organização produtiva e da própria organização
social moderna.
A sociedade industrial desenvolveu-se, então, até à performance mais visível no
sector terciário.
A terciarização, todavia, foi-se alargando e aprofundando (muito mais
rapidamente, aliás, do que aquilo que era possível prever), até gerar os embriões do
que hoje se vai designando por sociedade da informação.
A sociedade da informação, cada dia que passa, revela-se menos como um
exclusivo dos países mais desenvolvidos e, também, cada vez menos como um reduto
bem delimitado na sociedade.
Em Portugal, é possível, por exemplo, constatar, a, já, forte presença do seu
desenvolvimento. As telecomunicações, a indústria audio-visual, a indústria
informática ou, mesmo, a indústria de moldes, por exemplo, evidenciam o recurso
permanente à inovação que determina novos perfis profissionais e novas formas de
organização do trabalho que são claramente sinais do advento da sociedade da
informação.
Mas, em qualquer outro sector de actividade emergem fenómenos novos,
relevantes e complexos, tais como o recurso crescente à subcontratação, à
precarização da relação de trabalho ou ao trabalho independente que podemos
identificar como indicadores de desenvolvimento de novos modelos de gestão
empresarial.
O trabalho ocasional, intermitente, a tempo parcial ou, mesmo, o teletrabalho
já não são, só, meras categorias conceptuais, ganhando adeptos e conhecendo
expressões reais.
A conjugação de todos estes sinais da vida empresarial, social ou individual, está,
claramente, a sedimentar a crise do paradigma da sociedade industrial, sem que, por
enquanto, se revelem claros os referenciais do trabalho e da sociedade que vão marcar
o futuro imediato.
QUE RESPOSTAS SÃO CONHECIDAS?
A mundialização das economias e as novas tecnologias vieram impor um contexto
de competitividade, de incerteza e de imprevisibilidade, tornando possível o
aparecimento de um discurso de pura racionalidade económica que configura como
resposta, apenas, a flexibilização (total) da gestão de mão-de-obra. Os expoentes
máximos desta óptica evidenciam-se nas formas de contratação e na liberdade da
cessação dos contratos.
A esta perspectiva, contrapõe-se um discurso alternativo, apoiado em critérios de
pura racionalidade social, evidenciando-se, em particular, o apelo a valores sociais
como a estabilidade do emprego ou a manutenção de direitos laborais adquiridos.
5
COMO SAIR DESTE QUADRO DICOTÓMICO?
As respostas tradicionais apresentam uma considerável dificuldade em responder
ao conjunto de desafios que marcam o actual mundo do trabalho, tais como:
− Como aumentar a produtividade do trabalho e a qualidade dos produtos
e dos serviços?
− Como promover a imagem da empresa?
− Como promover a adaptação à mudança?
− Como estimular a aprendizagem ao longo da vida?
− Como desenvolver novas competências profissionais?
− Como compatibilizar a flexibilização externa da gestão de mão-de-obra
com a gestão dos encargos sociais daí decorrentes?
− Que peso atribuir à gestão dos recursos humanos no desenvolvimento
organizacional das empresas?
− Como gerir a qualificação da mão-de-obra de um país?
A construção de uma nova matriz da organização socioeconómica tem,
indubitavelmente, que ser desenvolvida com base na conjugação de dois vectores
fundamentais:
− A flexibilização dos modelos de gestão e
− A consideração do emprego como variável estratégica.
Fugir ao esforço de identificar formas inovadoras de flexibilizar os modelos de
gestão, as formas de contratação, a organização dos tempos de trabalho e os
conteúdos funcionais dos trabalhadores, por exemplo, é fugir à responsabilidade de
criar condições de garantia do emprego para a mão-de-obra nacional.
Fugir à responsabilidade de garantir o emprego à mão-de-obra nacional é
inviabilizar a modernização da gestão empresarial e, consequentemente, impedir os
factores de inovação necessários à competitividade.
• A nova organização do trabalho, enquanto ponto de convergência da gestão das
variáveis enunciadas e base de toda a mudança constatada, merece ser evidenciada.
A este propósito relevam novos conceitos, sendo de destacar:
− a organização do trabalho já não consiste tanto em preparar as operações,
mas em desenvolver as condições de cooperação;
− à racionalização há que contrapor a gestão de processos de inovação;
− o trabalho, mais do que um volume que determina um custo passa a ser
considerado como uma fonte de valor;
6
− a performance da empresa reside na valorização da diferenciação
individual e no desenvolvimento das interfaces;
− a concentração e a hierarquização dão lugar a uma representação que
privilegia os saberes específicos individuais (incluindo os saberes dos
actores de base), e privilegia ainda a participação e a responsabilização;
− os níveis de decisão desconcentram-se, aproximando-se dos níveis de
execução;
− os processos de avaliação dirigem-se, cada vez mais, aos factores
estruturantes da motivação e da adesão dos diversos actores ao projecto e
aos objectivos da organização.
• A mudança para novas formas de organização do trabalho revela, assim, uma
matriz surpreendente:
− não há um modelo melhor do que outro.
Há muitos modelos
organizacionais à escolha.;
− a escolha do modelo deve ser feita por adequação à situação concreta da
Organização;
− o processo de mudança não visa fazer-nos passar de um modelo fixo para
outro modelo;
− a mudança visa, antes, alvos organizacionais susceptíveis de evoluir no
tempo e permanentemente capazes de fazer a organização responder às
exigências de um ambiente em permanente mutação.
PODERÃO OS ACTORES SOCIAIS E AS EMPRESAS OPERAR ESTA
MUDANÇA SEM QUE A ADMINISTRAÇÃO DO TRABALHO O FAÇA
TAMBÉM?
No Livro Verde – PARCERIA PARA UMA NOVA ORGANIZAÇÃO DO
TRABALHO, da Comissão da UE, indica-se que a Modernização do Sector
Público constitui um desafio para o desenvolvimento de uma nova organização do
trabalho na Europa.
E, em tal contexto, aquele Livro Verde cita uma DECLARAÇÃO CONJUNTA
DOS PARCEIROS SOCIAIS EUROPEUS, de Novembro de 1996, sobre a
modernização dos serviços públicos.
Nessa Declaração pode ler-se que:
− Se reconhece entre outros aspectos que a reorganização dos processos de
trabalho e das estruturas administrativas são, muitas vezes, o principal
instrumento para uma adaptação ao meio em transformação.
− Sublinha-se naquela Declaração ainda que isso exige um
compromisso/empenhamento a longo prazo em prol do emprego e da
7
promoção das qualificações profissionais e que gerir a transformação exige
a definição de formas de cooperação entre os gestores e os trabalhadores
em todas as organizações.
− Finalmente, as partes sublinharam naquela Declaração que deverá
conciliar-se a eficácia e uma vida profissional de elevada qualidade. Num
clima de abertura e segurança, a passagem para uma organização em
aprendizagem pode ser resultado natural da adaptação à transformação
permanente.
As condições sociais, económicas, culturais e políticas, que caracterizam, hoje, a
sociedade Portuguesa exigem dos serviços públicos produtos e serviços cada vez de
maior qualidade, desenvolvidos com inovação, eficiência e eficácia.
Esta resposta só é possível assumindo-se uma postura de gestão, que privilegie os
resultados e se estruture numa concepção sistémica das organizações.
As missões são, nesta perspectiva, elemento essencial, porque materializam o fim
para que concorrem os Serviços, a finalidade do sistema.
A missão de um Serviço além de constituir um quadro de referência estável,
assume a característica de um instrumento de avaliação dos resultados e viabiliza a
criação de consensos internos em cada organização.
Decorre, assim, destes pressupostos que a Administração do Trabalho,
tradicionalmente vocacionada para gerir sistemas jurídicos, deverá, antes, posicionarse no sentido de dinamizar processos de inovação/desenvolvimento organizacional,
capazes de gerar a evolução das condições e das relações de trabalho.
DE QUE SE COMPÕE, HOJE, A ADMINISTRAÇÃO DO TRABALHO?
Um sistema estatístico, desenvolvido, essencialmente, pelo Departamento de
Estatística do Ministério para a Qualificação e o Emprego.
Um departamento vocacionado para a concepção de normas jurídicas, para a
emissão de pareceres jurídicos, para a análise das convenções colectivas e para os
registos da constituição das associações com capacidade de celebrarem convenções –
A Direcção-Geral das Condições de Trabalho.
E, ainda, um sistema de Inspecção do Trabalho e o Instituto de
Desenvolvimento e Inspecção das Condições de Trabalho.
COMO SE POSICIONA O IDICT?
À luz das considerações com que introduzimos esta comunicação, posicionamos,
hoje em dia, o IDICT com a missão de:
PROMOVER O DESENVOLVIMENTO E A IMPLANTAÇÃO DE
SISTEMAS E METODOLOGIAS DE INOVAÇÃO, PREVENÇÃO E
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CONTROLO, COM VISTA À MELHORIA DAS CONDIÇÕES DE
TRABALHO, TENDO EM ATENÇÃO OS CONTEXTOS SOCIAIS,
CULTURAIS, ECONÓMICOS E TECNOLÓGICOS DA SOCIEDADE
E DAS EMPRESAS.
Desta missão, decorrem como áreas de actuação:
−
−
−
−
−
a Prevenção dos Conflitos Laborais;
a Prevenção dos Riscos Profissionais;
a Prevenção da Desregulação Socioeconómica;
a Dinamização de Processos de Inovação Organizacional;
a Dinamização do Desenvolvimento das Relações de Trabalho.
Propomo-nos agir no domínio das seguintes opções estratégicas:
− desenvolver metodologias (mecanismos e procedimentos) que possibilitem
a antecipação das variáveis estruturantes dos conflitos de modo à sua gestão
preventiva;
− dinamizar a rede de prevenção tendo em vista a operacionalização do
sistema nacional de prevenção de riscos profissionais;
− desenvolver práticas promotoras da articulação dos diversos intervenientes
no processo de regulação social, de modo a potenciar o controlo do Estado
e a auto-regulação dos actores socioeconómicos;
− disponibilizar experiências e metodologias geradoras de
competências na organização do trabalho e na gestão das empresas;
novas
− desenvolver competências no âmbito do diálogo social, identificando novas
metodologias e novos quadros de desenvolvimento das relações de
trabalho.
QUE ENVOLVENTES PARA A EFICÁCIA DA ADMINISTRAÇÃO DO
TRABALHO?
Desde logo, o diálogo social:
A sua revitalização parece supor o traçar de novos horizontes que lhe confira
apuramento do sentido estratégico e maior eficácia. E, em tal contexto, seria oportuno
implicar novos actores, configurar novos cenários, promover novos temas e ousar ao
nível de novos instrumentos que garantam formas reais de concretização.
O diálogo social (e a implicação última, o efeito envolvente que dele se espera – a
participação) deverá desenvolver-se segundo uma matriz determinada, sendo, pois, de
reflectir sobre o horizonte que queremos ter neste âmbito:
− a mera participação representativa?
9
− ou uma participação directa desenvolvida!
A oportunidade desta
fundamentalmente diferentes:
reflexão
reporta-se
a
dois
posicionamentos,
− ou nos basta a defesa de interesses sectoriais;
− ou precisamos de construir um futuro nacional.
A Administração do Trabalho nada pode sem – e, muito menos, contra – o
desenvolvimento do diálogo social e da participação. É deste desenvolvimento que
poderá sair um novo quadro de relação dos Parceiros Sociais com a Administração do
Trabalho (o partilhar da definição de estratégias, o compreender as especificidades e
as dificuldades nacionais e o participar da avaliação dos resultados da acção da
Administração). Nesta linha, aliás, estamos, muito empenhados, a trabalhar com os
Parceiros Sociais no Conselho Geral do IDICT, a par de um desenvolvimento
descomplexado e frequente das próprias relações informais.
Como 2.ª envolvente: A inovação e o desenvolvimento organizacional
O desenvolvimento de formas diversificadas desta abordagem torna-se
imprescindível para preparar as nossas empresas para o futuro e garantir a sua
capacidade competitiva.
Esta nova perspectiva de trabalho para a Administração do Trabalho, em geral, e
para o IDICT, em particular, é fundamental para que aquela Administração e a
Administração do Emprego e da Formação Profissional (e não só ...) integrem
medidas de política e articulem acções concretas dirigidas ao interior da gestão da
empresa (e dos seus recursos humanos, em especial). De outra forma, a Administração
do Trabalho ficaria só a gerir um património jurídico e a insistir num controlo
inspectivo que, deste modo, nunca poderia atingir a eficácia necessária (agir sobre os
resultados).
Como 3.ª envolvente: A filosofia da prevenção
Sem o desenvolvimento multifacetado da cultura da prevenção, o nosso tecido
empresarial ficará exclusivamente dependente da justiça e do controlo, ou seja de
acções essencialmente reactivas e casuísticas de regulação externa, em vez de assumir
uma actividade auto-reguladora e prospectiva, geradora de auto-desenvolvimento.
E quando falámos de cultura da prevenção, não nos referimos só aos riscos
profissionais (há, também, a prevenção dos conflitos laborais, da desregulação ...), se
bem que, importa reconhecer, os acidentes de trabalho (e as doenças profissionais)
ocupam já, hoje em dia, um grau de preocupação da população trabalhadora e da
própria opinião pública que, talvez, não encontre, ainda, completa consciência e
adequada resposta por parte dos actores socioeconómicos e da Administração (do
Trabalho, da Saúde, da Educação, da Formação Profissional, da Economia ...).
Como 4.ª envolvente: A cultura da informação
10
Se a informação reduz o grau de incerteza, então ela gera capacidade de
desenvolvimento. A informação é catalizador poderoso de todas as variáveis
estruturantes do mundo do trabalho (participação, motivação, responsabilização,
capacidade de inovação, produtividade ...).
Ora, o panorama da informação do Trabalho é manifestamente pobre. E todos nós
sentimos isso quando precisamos de nos situar sobre a realidade laboral para
negociarmos convenções colectivas, identificarmos novos fenómenos do mundo do
trabalho, anteciparmos o impacte de uma nova medida, ou para construirmos um novo
programa, um novo plano ou uma nova lei.
E, por outro lado, os circuitos predominantes de doutrina ainda são de natureza
estática, de índole reactiva (por que não dizê-lo, – “técnico-jurídica”), em vez de
informativos, prospectivos, isto é, formadores de opinião, fazedores de nova cultura e
nova liderança.
Como 5.ª envolvente: A gestão de conflitos
Particularmente num contexto de mudança estrutural (vd. p.ex., a flexibilização),
nenhum sistema pode garantir eficácia se não forem configurados quadros eficientes
de regulação de disfunções sociais.
E aqui valeria não esquecer todas as principais tipologias de conflitos e especificar
a natureza que marca a diferença entre os conflitos colectivos e os conflitos
individuais.
Para os conflitos individuais, tarda a criação de um sistema que reúna as
capacidades de celeridade e adequação. Não fazendo qualquer sentido a sua inclusão
na Administração (função de regular, informar, prevenir e, não, dirimir), defendemos
um sistema que conjugue a participação dos actores sociais com a ancoragem à
estrutura judicial (o Ministério Público, por exemplo, possui sobre a matéria uma
experiência e uma sensibilidade que importaria ouvir).
Quanto aos conflitos colectivos, aí, sim, há um papel da Administração que será,
todavia, sempre muito frágil enquanto não se dispõe de outros mecanismos
autónomos (auto-regulação).
Importa afirmar que em matéria de resolução e regulação de conflitos (individuais
e colectivos), matéria tão sensível e de efeitos tão nocivos para trabalhadores e
empregadores, o Estado-de-Direito ainda não conseguiu sedimentar um sistema.
Como 6.ª envolvente: A formação profissional
A mudança, em geral, e a flexibilização da gestão (dos recursos humanos e da
produção), em especial, colocam particulares exigências ao sistema de formação
profissional: Identificação das necessidades de formação, avaliação qualitativa dessas
necessidades, adequação da formação, são tudo aspectos que exigem uma gestão
orientada:
− não só para o presente, mas também para o futuro;
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− não só para as empresas, mas também para as necessidades individuais dos
profissionais e para o quadro económico nacional;
− não só para aquisição de competências instrumentais, mas sobretudo, para
as novas formas de organização do trabalho e para a interiorização de novas
competências relacionais.
Sendo do “Trabalho”, nós (IDICT) falamos aqui, com interesse da “Formação”,
porque só há “formação porque há trabalho” e porque a “formação” gera a renovação
do “trabalho”. Reafirmámos a consciência que temos de que a integração das políticas
e a articulação das medidas e das acções Trabalho-Formação são vitais para que a
quantidade do emprego e a qualidade do emprego não sejam conceitos dicotómicos (e
em potencial estado de neutralização mútua), mas, sim, instrumentos decisivos do
desenvolvimento e do progresso.
Como 7.ª envolvente: A gestão do mercado de trabalho
O contexto de mudança gera o aumento da circulação dos profissionais, o que
implica a conjugação de uma política esclarecida de formação profissional que vise a
(re)qualificação, conjugada com uma elevada performance do serviço de gestão do
mercado de trabalho.
E, também aqui, são válidas as considerações precedentes quanto à política de
integração: Mais trabalho tem de ser igual a melhor trabalho, ou não fosse
omnipresente, hoje em dia, o conceito de “empregabilidade” da mão-de-obra.
Como 8.ª envolvente: O controlo das condições de trabalho
Aspecto que configura a comunicação que se seguirá neste Seminário.
Como 9.ª envolvente: O quadro normativo
Para além das intervenções casuísticas, necessárias à adequação a fenómenos
conjunturais, o quadro normativo carece de uma abordagem que o configure como um
instrumento ao serviço da mudança em curso.
COMO VENCER O DESAFIO DA INTEGRAÇÃO DO ECONÓMICO E DO
SOCIAL?
O Livro Verde – PARCERIA PARA UMA NOVA ORGANIZAÇÃO DO
TRABALHO, apresentado em Abril deste ano pela Comissão da União Europeia,
estabelece como quadro de referência para a Europa e para cada uma das suas Nações,
precisamente, a inovação que deve ser gerada nas suas políticas para que se obtenha o
equilíbrio entre o económico (flexibilidade) e o social (segurança).
− Se tal equação é colocada aos Governos e aos Parceiros Sociais como o grande
desafio político a vencer, há, também, aqui, um papel importante a desempenhar
pela Administração do Trabalho:
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− apoiar a “alimentação” dos decisores;
− desenvolver e implementar as medidas de política;
− e – coisa rara, ainda, no nosso país – desenvolver quadros de relação com
os outros sistemas da Administração do Estado (as Administrações do
Económico).
Mesmo que tenha sido perspectivado, concertado e legislado, o equilíbrio só se
obtém se for implementado!
13
O PAPEL ACTUAL E FUTURO DA INSPECÇÃO DO
TRABALHO
14
Dr. Inácio Mota da Silva*
Orador
RESUMO
• A Inspecção do Trabalho é uma função sobre a qual recai uma controvérsia
permanente. De facto, é inerente a tal função suscitar nos grupos sociais
legitimamente organizados a tendência de a colocarem ao serviço dos seus
interesses próprios.
Todavia, não foi para tal fim que a comunidade internacional criou a Inspecção do
Trabalho no início do século.
• No nosso país, a construção do Estado de Direito tarda em perspectivar
correctamente o papel da Inspecção do Trabalho, pelo que importa ter um discurso
institucional forte, esclarecido e socialmente concertado em torno da sua missão,
que assegure, sustentadamente, o seu contributo no contexto do desenvolvimento
económico-social.
• Assim, será de confrontar a Inspecção do Trabalho com os seus referenciais:
– Que desvio regista a Inspecção do Trabalho portuguesa face à doutrina da
OIT e da União Europeia?
– Que fazer para configurar a Inspecção do Trabalho como instrumento de
modernização das sociedades?
– De que ambiente cultural e institucional tem a Inspecção do Trabalho que
se rodear para influir decisivamente na sociedade?
– Como perspectivar a missão da Inspecção do Trabalho no contexto do
desenvolvimento económico-social?
– Que papel tem a autoridade central a desempenhar para garantir a eficiência
e a eficácia?
– Que profissão e que qualificação para o inspector do trabalho face a tais
desafios?
• No âmbito desta reflexão, sugere-se como ponto de convergência um novo Estatuto
para a Inspecção do Trabalho.
*
Inspector Geral do Trabalho.
15
1. A
INSPECÇÃO
PERMANENTE?
DO
TRABALHO:
UMA
CONTROVÉRSIA
Criada com as primeiras normas de protecção dos trabalhadores no trabalho (leis
relativas à “higiene e segurança” e ao “trabalho de mulheres e crianças”) a Inspecção
do Trabalho esteve sempre associada ao controlo das condições de trabalho. É este,
pois, o denominador comum de todas as Inspecções do Trabalho e é, por isso, em tal
âmbito que se tem desenvolvido a acção da OIT sobre a Inspecção do Trabalho, seja
ao nível das normas, seja ao nível da doutrina.
Historicamente, a Inspecção do Trabalho é o primeiro serviço criado no âmbito da
Administração do Trabalho e está na génese de todo o seu desenvolvimento posterior.
A relevância do papel das Inspecções do Trabalho é comprovada pelo próprio facto
de, desde muito cedo, lhe ter sido garantido enquadramento ao mais alto nível da
organização internacional dos Estados (carta constitutiva da OIT - 1919).
A criação das Inspecções do Trabalho e a garantia do seu funcionamento no âmbito
daquela missão (controlo das condições de trabalho) assume, pois, a natureza de
imperativo de direito internacional.
No âmbito da União Europeia o papel das Inspecções do Trabalho encontra-se
reforçado, reconhecendo-se-lhes a qualidade de garantes da efectivação do Direito
Comunitário. A acção das Inspecções do Trabalho ao nível do controlo das condições
de trabalho, torna-se, assim, indispensável para que sejam assegurados os efeitos dos
princípios fundamentais dos Tratados da União Europeia (liberdade de circulação de
capitais, de serviços, de produtos e de pessoas). Em tal sentido atente-se,
nomeadamente, no alcance da constituição do “Comité dos Altos Responsáveis das
Inspecções do Trabalho” e na adopção de princípios comuns às Inspecções do
Trabalho com vista a forjar uma abordagem comum para a aplicação das disposições
legais comunitárias.
Em Portugal, o Estado Novo estruturou a Inspecção do Trabalho como um dos
pilares fundamentais do regime corporativo, dotando-a de uma missão claramente
definida e de estrutura, meios e metodologias de acção adequadas a essa missão. O
Regime Democrático, todavia, não conseguiu, até hoje, reenquadrar a Inspecção do
Trabalho como instrumento fundamental da organização social. A este propósito será
de destacar a dificuldade de adopção dos princípios estruturantes das Convenções da
OIT (81, 129 e 155), a crescente indefinição da missão, a atribuição constante de
funções acessórias, a “funcionalização” dos serviços de inspecção (perda de
referenciais operativos), a desqualificação e o envelhecimento dos seus recursos
humanos, a redução da dignidade da função, os apelos frequentes a metodologias de
acção baseadas no “autoritarismo” desvirtuadoras do correcto exercício do poder de
autoridade pública, a instrumentalização frequente por parte de forças externas (poder
político, poder sindical, poder económico).
16
Em suma, 20 anos de democracia em Portugal não foram suficientes para clarificar
a controvérsia à volta do verdadeiro papel da Inspecção do Trabalho na sociedade.
Aliás, sintoma disso mesmo é ainda a ausência de discurso prospectivo da sociedade
sobre a Inspecção do Trabalho e a frágil expressão da concertação social no mesmo
âmbito.
2. A INSPECÇÃO DO TRABALHO:
MODERNIZAÇÃO DAS SOCIEDADES?
UM
INSTRUMENTO
DE
A ideia da modernização coloca-se às sociedades em desenvolvimento como forma
de garantir a continuidade desse desenvolvimento. Com efeito, no domínio da
economia a forte concorrência internacional obriga à enorme competitividade, seja
das empresas, seja dos países. A competitividade, por sua vez, implica esforço
permanente de aumento de produtividade e melhoria de qualidade. Em tal quadro
assistimos ainda à constante inovação tecnológica, traduzida em alterações profundas
nas matérias-primas, produtos e substâncias, equipamentos, processos e métodos de
trabalho. Daqui resulta um conjunto de novos factores na ordem laboral, de que se
poderiam destacar alguns aspectos:
– fluxos de mão-de-obra entre sectores de actividade;
– adopção de novas formas de emprego;
– alterações de perfis profissionais:
• maior mobilidade
• maior rotatividade
• maior polivalência
– introdução de novos sistemas organizacionais:
• trabalho em equipa
• novos modelos de responsabilidade e chefia
• novos estilos de direcção
• novos sistemas de informação e comunicação
– particulares exigências no domínio da formação profissional;
– pressão estabelecida pelos jovens à procura do primeiro emprego;
– novos riscos profissionais ou alteração do riscos já conhecidos decorrentes de
todas estas transformações.
O desenvolvimento das sociedades modernas é ainda fortemente marcado, no
domínio cultural, por uma maior consciência dos direitos fundamentais de que
decorrem padrões de exigência (mínima) mais elevados, como seja, o direito ao
diálogo social, a efectividade do direito, o direito à segurança, à saúde e ao bem estar,
o direito a um ambiente preservado, enfim, o direito à humanização do trabalho
(adaptação do trabalho ao homem).
17
Importa reconhecer que em todos estes campos intervém a Inspecção do Trabalho.
De facto, o universo da acção da Inspecção do Trabalho, como identifica a OIT não é
homogéneo, nem constante. Perante este cenário de constante mudança, a Inspecção
do Trabalho tem de reunir capacidade para se adaptar permanentemente, agindo por
objectivos estratégicos, adequando-se às novas coordenadas da política nacional de
trabalho, correspondendo às expectativas sociais e evoluções tecnológicas, evoluindo
nas suas metodologias de acção no sentido de uma permanente preocupação de
eficácia.
Só assim a Inspecção do Trabalho se pode assumir como instrumento regulador das
disfunções entre o económico e o social (“a economia de mercado, entregue a si
mesma, não pode ser o regulador do funcionamento das sociedades”), contribuindo,
pois, para o próprio progresso social.
É em tal quadro que a OIT, cada vez mais, releva o contexto económico-social na
missão da Inspecção do Trabalho. Daqui decorre que esta missão é eminentemente
preventiva, o que se traduz por novas abordagens em cuja matriz se destacam,
nomeadamente, o papel de promotor, o agir a montante, o agir por objectivos
estratégicos, o passar do controlo de conformidade para a acção sobre os níveis de
gestão, as estruturas e a organização, o promover a elevação da cultura do trabalho
nos parceiros sociais e, consequentemente, o diálogo social.
Concluímos, citando Michel Lafougére (OIT):
“A Inspecção do Trabalho deve encorajar na empresa a reflexão sobre
a criação de um novo modelo produtivo que privilegie a formação, a
qualificação dos assalariados, uma nova organização do trabalho e a
mobilidade interna, em substituição da flexibilidade externa.”
3. DA NECESSIDADE DE ESTRUTURAR UM SISTEMA DE INSPECÇÃO
DO TRABALHO
As Convenções da OIT indicam aos Estados a obrigação de constituírem um
Sistema de Inspecção do Trabalho (n.º 81-Indústria, n.º 129-Agricultura, n.º 155SHST).
O conceito de Sistema de Inspecção do Trabalho implica a conjugação da noção de
Rede, dotada de um sistema de articulações garantido por uma autoridade central.
De facto, em Portugal a Inspecção Geral do Trabalho concentra o núcleo principal
mas não a totalidade das funções que integram a missão global que deve ser conferida
ao Sistema de Inspecção do Trabalho (atente-se no conjunto de funções dispersas
pelos vários organismos dos ministérios de tutela, da Saúde e da Solidariedade Social,
no âmbito das condições de trabalho). Importaria, por isso, que fosse estruturado tal
sistema (o Sistema Nacional de Inspecção do Trabalho de acordo com a matriz que
resulta daquelas fontes normativas, como forma de potenciar a acção de todos os
organismos intervenientes.
18
Em tal âmbito, ganharia particular significado a necessidade de se estimular a
acção de tais organismos com a definição de políticas adequadas que deveriam ser
geradas em ambiente de concertação estratégica. Desta forma, seria então possível
alicerçar a acção da Inspecção do Trabalho no contexto do desenvolvimento
económico-social. Dito de outro modo, só um sistema assim estruturado seria capaz
de criar à Inspecção do Trabalho a capacidade necessária para desenvolver as funções
múltiplas que hoje lhe cabem e para contribuir decisivamente para a resolução dos
problemas estruturais da sociedade portuguesa (como seja, o atraso endémico nas
condições de SHST, o trabalho clandestino, o trabalho precário ilegal, as subversões
introduzidas pelos agentes económicos no mercado do emprego, a tendência crescente
para a descaracterização da relação jurídico-laboral e para a fraude no âmbito do
Sistema de Segurança Social e mesmo fiscal, que afecta a realização de uma
sociedade solidária).
Haverá ainda que perspectivar correctamente a intersecção de dois sistemas que
são geridos no âmbito da Administração do Trabalho: o Sistema de Inspecção do
Trabalho (Convenções da OIT 81, 129 e 155) e o Sistema de Prevenção de Riscos
Profissionais (Convenção 155 da OIT). A questão é ainda mais premente pelo próprio
facto da Inspecção do Trabalho estar, presentemente, enquadrada na estrutura do
IDICT.
Constituindo o Sistema da Inspecção do Trabalho a garantia da efectivação das
condições de segurança, higiene e saúde nos locais de trabalho, deve, por um lado, ser
evidenciada a autonomia da Inspecção do Trabalho (por exemplo, contrariamente ao
que vem sendo legislado, o poder de sancionar deverá ser cometido expressamente à
Inspecção Geral do Trabalho e não ao IDICT) e, por outro lado, ser suscitada a
convergência e a complementaridade das respectivas abordagens (por exemplo, a
Inspecção Geral do Trabalho deveria estar representada no Conselho Geral do IDICT
e no Conselho Nacional de Higiene e Segurança no Trabalho). O esforço a
desenvolver em tal âmbito torna-se urgente e indispensável, sob pena de se incorrer
no risco de se confundirem papéis e de se sufocar energia de qualquer dos sistemas
em presença.
4. QUE MISSÃO, AFINAL, PARA A INSPECÇÃO DO TRABALHO?
À luz do que se tem vindo a desenvolver, afigura-se que, hoje em dia, a missão da
Inspecção do Trabalho não se deve restringir à mera competência de “assegurar o
cumprimento das disposições legais...”. A sua missão deve conhecer uma formulação
mais prospectiva que traduza a ideia da acção em função da promoção da melhoria
das condições de trabalho, tendo em conta o desenvolvimento dos contextos sociais,
económicos e tecnológicos da sociedade e das empresas.
Desta missão resultará um conjunto de responsabilidades situadas nos seguintes
campos:
19
– garantir a efectividade do direito;
– promover a segurança, saúde e bem estar no trabalho;
– promover os valores sociais do trabalho e do desenvolvimento de medidas
socialmente relevantes na empresa;
– desenvolver uma acção reguladora do funcionamento e desenvolvimento da
sociedade;
– contribuir para o desenvolvimento do diálogo social;
– fomentar o desenvolvimento dos mecanismos de participação e cooperação na
empresa;
– promover a informação dos trabalhadores e empregadores e sociedade em geral;
– contribuir para o enriquecimento do quadro normativo;
– promover a cooperação efectiva com entidades públicas e privadas que
concorram para o mesmo fim;
– contribuir para a definição de políticas no domínio dos direitos fundamentais
dos trabalhadores em particular quanto à SHST.
As funções a atribuir à Inspecção do Trabalho deverão decorrer desta missão e,
obviamente, o seu núcleo central terá de situar-se na zona das condições de trabalho.
É, pois, oportuno questionar-se o conjunto de actividades que tradicionalmente a
Inspecção do Trabalho vem executando no âmbito do controlo das disposições que se
reportam à relação individual de trabalho. Tais actividades deveriam ser
desenvolvidas em instâncias de outra natureza designadamente:
– aumentando a legitimidade de os organismos sindicais exercerem o direito de
acção em representação e substituição do trabalhador nos Tribunais de
Trabalho;
– constituindo uma rede de conciliação e arbitragem no domínio das relações
individuais de trabalho (de preferência a nível de grandes sectores de
actividade).
5. A AUTORIDADE CENTRAL DA INSPECÇÃO DO TRABALHO: FACTOR
DECISIVO DE EFICIÊNCIA E EFICÁCIA
A eficiência e a eficácia dos serviços da Inspecção do Trabalho só podem ser
garantidas através de um sistema de gestão que assegure os mecanismos adequados à
rentabilização da energia que dispõe a organização. Tal sistema deverá conhecer as
seguintes expressões principais:
–
–
–
–
–
identificação de prioridades sustentadas na concertação estratégica;
programar acções no âmbito das prioridades;
conceber metodologias adequadas às acções inspectivas;
definir e implementar métodos de avaliação da eficácia;
assegurar a animação e a coordenação efectiva das acções;
20
–
–
–
–
–
–
–
–
–
racionalizar os recursos;
assegurar um sistema de apoio técnico constante à actividade inspectiva;
zelar pela independência e pela observância das regras de deontologia;
desenvolver uma tutela não asfixiante sobre os serviços potenciando a iniciativa
dos inspectores;
assegurar a formação dos inspectores (inicial, contínua e a auto-formação);
tratar a informação decorrente da acção inspectiva;
assegurar a representação da Inspecção do Trabalho;
desenvolver uma cultura correcta de inspecção do trabalho junto dos parceiros
sociais, institucionais e sociedade;
gerir um sistema adaptado de informação potenciador da acção inspectiva
visando assegurar-lhe efeito multiplicador.
A Identificação das responsabilidades da autoridade central que aqui se esboça,
situa-se, aliás, na linha das recomendações formuladas pela missão da OIT ao
Governo Português em 1984.
6. O INSPECTOR DO TRABALHO: QUE PODERES?
O exercício da missão está intimamente associado ao desenho de um conjunto de
poderes cuja definição mínima se encontra estabelecida nas Convenções 81 e 129 da
OIT, nos seguintes termos:
– visitar sem aviso prévio, um local de trabalho a qualquer hora do dia ou da
noite;
– proceder a todos os exames, controlos ou inquéritos necessários;
– pedir a apresentação, examinar e copiar documentos ou registos que importem
ao exercício da sua acção;
– interrogar, a sós ou perante testemunhas, o empregador, trabalhadores ou
qualquer outra pessoa que se encontre nas instalações;
– retirar e levar para fins de análise amostras de produtos matérias ou substâncias
utilizadas;
– obter a colaboração e fazer-se acompanhar de peritos e técnicos devidamente
qualificados;
– promover a adopção de medidas destinadas a eliminar defeitos verificados numa
instalação, disposição ou métodos de trabalho, havendo razão plausível para os
considerar prejudiciais à segurança e saúde dos trabalhadores;
– usar da faculdade de ordenar modificações necessárias, dentro de um
determinado prazo, para cumprir requisitos previstos na lei;
– impulsionar procedimentos judiciais e/ou administrativos;
– tomar medidas imediatamente executórias (suspensão de trabalho) nos casos de
perigo iminente para a saúde e segurança dos trabalhadores.
21
Quer os desafios da modernização, quer a actual conformação do quadro normativo
impõem a adopção e clarificação desses poderes, a saber:
Determinar a adopção de medidas de prevenção nos seguintes domínios (cfr. Art.
41.º do Dec.-Lei n.º 49.408, de 24-11-1969 e art. 8.º, n.º(s) 1 e 2, do Dec.-Lei n.º
441/91):
– avaliação dos riscos, a cargo do empregador;
– realização de testes ou peritagens por organismos de referência (organismo
especializado e autorizado) ao nível dos componentes materiais do trabalho e/ou
processos de trabalho, a cargo do empregador;
– de concretização de conceitos indeterminados (medidas não especificamente
previstas em diploma legal) para o estabelecimento de medidas de prevenção ao
nível dos componentes materiais do trabalho, dos produtos e/ou substâncias
perigosas e dos processos de trabalho, tendo por referenciais, os princípios
gerais de prevenção, e ainda, designadamente, as normas relativas à concepção,
fabrico e comercialização de máquinas e produtos e a “normalização técnica”.
Penetrar de dia em todos os locais relativamente aos quais haja motivos razoáveis
para se supor sujeitos à alçada da Inspecção-Geral do Trabalho, incluindo garagens e
anexos à habitação privada.
Determinar a comparência, nos serviços ou em local a determinar (cfr. Art. 22.º do
Dec.-Lei n.º 219/93, de 16-06, n.º 4 do art. 8º do Dec.-Lei n.º 441/91 e, em geral, os
domínios do trabalho ilegal), de:
–
–
–
–
trabalhadores;
empregadores;
representantes de trabalhadores e empregadores;
representantes de empresas que integram cadeias de subcontratação a qualquer
título, para realização de reuniões conjuntas;
– pessoas susceptíveis de possuir informações úteis.
Obter declarações escritas, efectuar registos fotográficos, medições e obter meios
de prova em geral.
Requisitar com efeito imediato documentos e outros registos para consulta e exame
nos Serviços.
Pedir o acesso, examinar e copiar registos, designadamente os constantes de bases
de dados informatizadas, bem como exigir o tratamento desses dados por forma a
corresponderem às prescrições legais.
Solicitar a formulação de substâncias encontradas nos locais de trabalho.
Solicitar a demonstração de determinados processos de trabalho.
Solicitar a colaboração de entidades policiais, em especial no caso de se verificar
obstrução ao exercício da sua missão ou impedimento à realização do seu trabalho.
Suspender o trabalho para proceder à investigação de causas de um acidente.
22
À identificação dos poderes em causa importa visibilizar regras adequadas de
procedimento e de sancionamento em caso de desobediência ou obstrução
designadamente:
– sanção criminal (v.g. desobediência a medidas imediatamente executórias e de
suspensão de trabalhos);
– sanção contra-ordenacional;
– previsão de medidas executivas de substituição para práticas de recusa (v.g.
comparência nos serviços e apresentação e exame de documentos);
– inversão do ónus da prova, em processo contra-ordenacional, relativamente à
não apresentação de documentação obrigatória.
7. INSPECTOR DO TRABALHO: QUE PROFISSÃO? QUE QUALIFICAÇÃO
FACE A ESTES DESAFIOS?
Ser funcionário público é uma condição. Ser inspector do trabalho é uma profissão.
As convenções da OIT sobre a Inspecção do Trabalho exigem os dois requisitos.
O perfil profissional do inspector do trabalho deve ser estruturado à luz das
seguintes características fundamentais:
– ser agente de autoridade pública;
– exercer actividades de conteúdo técnico (e não administrativo);
– exercer tais actividades em ambientes cada vez mais situados em níveis de
concepção e decisão estratégica empresarial (marcadas por maior exigência
técnica e até maior carácter pluridisciplinar).
O inspector do trabalho integra o sistema público de controlo das condições de
trabalho e das condições de SHST. Age, pois, no âmbito de interesses de ordem
pública (daí, a necessidade do estatuto de autonomia que o preserve das pressões
resultantes dos interesses dos seus interlocutores).
Tendo nas leis o seu ponto de apoio fundamental, o inspector do trabalho tem de
adequar o seu gesto profissional ao quadro jurídico cuja matriz, hoje em dia, é
marcada pelo estabelecimento de obrigações de resultado, daí que aquele gesto passe
decisivamente por uma abordagem global (relações sociais na empresa) e pela
intervenção ao nível da organização de meios efectuada na empresa (estruturas de
decisão, serviços de SHST, mecanismos de participação e consulta, planeamento e
programação ...).
A identificação deste perfil profissional permite-nos clarificar a distinção face ao
sistema de administração da justiça (jurisdicional):
– Agir prevenindo, levando os valores sociais do quadro jurídico ao interior da
sociedade (e não, reagindo meramente às situações que a sociedade lhe leva);
– Agir segundo o princípio da “oportunidade” (e não segundo o princípio da
“legalidade”).
23
O universo da Inspecção do Trabalho é, pois, “infinito”, qualitativo e de
quantificação difícil, enquanto que o dos tribunais é “finito” e quantificável. Daí,
também, o pendor crescente da acção de conselho (mais “conselho” e menos
“controlo”, como diz a OIT), aferido por um critério de eficácia. Só que, também, por
isso mesmo, mais difícil e carecendo de elevado nível de qualificação.
Tais desafios exigem novas políticas de recrutamento, de formação (inicial e
contínua), de auto-formação e de gestão de carreiras profissionais.
8. CONCLUINDO:
• As constantes e profundas mudanças operadas nas sociedades são inerentes ao seu
desenvolvimento.
A Inspecção do Trabalho é indispensável em tais sociedades para “integrar as
medidas sociais sem as quais as performances económicas estarão inevitavelmente
comprometidas” (OIT).
• Compete, pois, à Inspecção do Trabalho desenvolver um papel regulador do
desenvolvimento, susceptível de gerar mais e melhor emprego.
• Melhorar as condições de trabalho projectando a melhoria da qualidade de vida dos
cidadãos, tal é a missão da Inspecção do Trabalho.
• Em função deste quadro, a Inspecção do Trabalho tem que assumir outra cultura e
vertê-la num Estatuto que desenhe uma missão à altura de tais desafios, um
conjunto de funções e metodologias adequadas, um perfil profissional do inspector
do trabalho e um modelo de gestão ao nível das responsabilidades inerentes e a
modernização do quadro de poderes conferidos aos inspectores do trabalho, bem
como a consagração de regras específicas de deontologia profissional.
• Tais são os caminhos fundamentais para que a Inspecção do Trabalho encontre a
mudança.
24
O DESEMPENHO DA VIA JUDICIÁRIA:
ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO DA JUSTIÇA
DO TRABALHO
25
Dr. João Rato*
Orador
1. INTRODUÇÃO
Colocado perante o tema que me foi proposto abordar neste debate, confesso que a
minha primeira reacção foi de relativa hesitação quanto aos objectivos pretendidos
com esta intervenção: desejar-se-ia a mera descrição das formas de organização e
funcionamento da justiça laboral, a análise da sua situação e desempenho actuais ou
uma abordagem crítica de todos esses aspectos, se possível, avançando perspectivas
de futuro?
Sem embargo da persistência de algumas dúvidas, afigurou-se-me razoável
considerar não terem os promotores do debate querido condicionar os intervenientes
através da fixação de temas precisos, antes lhes propondo áreas difusas de
intervenção, que cada um deles poderia, com larga margem de discricionariedade,
ajustar à sua própria definição dos objectivos visados com tal acção, desde que não
extravasando as respectivas margens, tal como resultam delineadas pelo título a que
se subordina.
Dessa consideração, porventura abusiva, retirei a coragem para assumir que o que
de mim se esperava era um misto das alternativas acima enunciadas, sob pena de
enfado para os circunstantes ou perspectiva redutora do objecto sob análise, o que, na
esperança de corresponder às vossas expectativas, passo a concretizar, começando
com uma interrogação.
2. JUSTIÇA LABORAL - SUA MANUTENÇÃO HOJE
Hoje, como outrora, mas com argumentos reforçados pela recente revisão do
Código de Processo Civil, que assumidamente adoptou alguns dos princípios
individualizadores do processo do trabalho, muitos se colocam a questão de saber se
ainda sobram alguns motivos que justifiquem a autonomia deste relativamente àquele
e, por arrastamento, da “justiça laboral” face à “justiça comum”.
Como é sabido, não obstante a subsistência de algumas divergências quanto ao
exacto momento histórico da verificação desse fenómeno na Europa, em Portugal o
direito do trabalho começou a ganhar autonomia normativa, material e processual,
face ao direito civil, em finais do século XIX, ocorrendo, concomitantemente, o
surgimento de instâncias judiciais privativas para as questões laborais, através da
*
Representante do Centro de Estudos Judiciários.
26
publicação de algumas leis materiais no domínio da protecção do trabalho dos
menores e das mulheres e da criação dos tribunais de “Árbitros Avindores”.
Contudo, pode afirmar-se que esse movimento só ganhou, entre nós, verdadeiro
significado a partir dos anos 30 deste século, com o advento do “Estado Novo”, altura
em que se criou e organizou uma verdadeira “ordem judiciária do trabalho”, com
autonomia total face à “ordem judiciária comum”, tendo então sido criados e
instalados os Tribunais do Trabalho, que se regiam por leis orgânicas privativas e
tinham por incumbência a aplicação de um conjunto de leis substantivas e processuais
típicas daquele ramo do direito1.
A afirmação deste movimento com a criação do “Estado Corporativo”, o que,
inelutavelmente, lhe confere um lastro algo comprometedor, tem feito incorrer os
detractores do sistema autonómico da justiça laboral num equívoco que, a meu ver, é
tempo de desfazer.
Na verdade, agarrando-se à génese de tal movimento, esquecem-se das razões
verdadeiramente determinantes daquela autonomização, que, gradualmente, ganhou
expressão na maioria dos países que, como nós, integram o sistema jurídico romano –
germânico.
Não discutindo o aproveitamento que dela fez o “Estado Corporativo”, importa,
porém, esclarecer que a autonomização da justiça do trabalho se justificou e justifica
como modo de assegurar que as peculiaridades caracterizadoras do respectivo direito
substantivo não se percam com a sua aplicação por uma jurisdição impreparada ou
sem vocação especial para a apreciação de problemas particulares do social.
Ora, foi o pressuposto de que todo o conflito laboral radica numa relação jurídica
em que intervêm duas partes social e economicamente desiguais, cuja igualdade real
importava garantir, que esteve na base da constatação da inadequação do direito civil
para regular tais situações, dando origem ao surgimento daquele novo e autónomo
ramo de direito. Mas para que esse desiderato fosse alcançado não bastavam leis
substantivas diferentes, tornando-se imperioso que a elas se associassem as leis
processuais adequadas a dar-lhes efectividade e os mecanismos judiciários
especializados indispensáveis à sua correcta interpretação e aplicação2.
Tudo está em saber, portanto, se apesar de todas as profundas transformações
sociais, políticas e económicas ocorridas em Portugal após a “revolução” de Abril de
1974, se justifica ou não a manutenção da relativa autonomização da justiça do
trabalho?
1
Cfr., a título exemplificativo, o Dec.-Lei n.º 24 194, de 20/7/34, que regulava a organização judiciária
do trabalho e o processo laboral. Seguiu-se-lhe, em 1940, o Dec.-Lei n.º 30 910, de 3/11, que aprovou
o C.P.T.
Este movimento viria a sedimentar-se com um novo Estatuto dos Tribunais do Trabalho e um novo
C.P.T., aprovados, respectivamente, pelos Decs.-Leis n.ºs. 41 745, de 21/7/58, e 45 497, de 30/12/63,
os quais se mantiveram, mais ou menos inalterados, até à “revolução” de Abril de 74.
2
Para garantir, usando as palavras de José Rodrigues da Silva, a correspondência entre o “Direito
Legislado” e o “Direito Praticado”. Vide “Trabalho, Processo e Tribunais”, pág. 29, Europress, Lisboa,
1997.
27
A minha resposta, indubitavelmente afirmativa, sustenta-se precisamente na plena
e reforçada actualidade e validade das motivações que serviram de base àquela
autonomização, como parece confirmar a apreciação catastrófica que alguns reputados
analistas fazem da evolução social e económica deste final de milénio3. Por outro
lado, como espero vir a demonstrar, se mais não fosse, creio que o simples e
abreviado confronto do funcionamento e resultados da jurisdição laboral com os da
restante jurisdição comum, seria suficiente para convencer os mais renitentes da
bondade daquela opção4.
3. ORGANIZAÇÃO
LABORAL
E
FUNCIONAMENTO
ACTUAIS
DA
JUSTIÇA
3.1. A organização - breve caracterização:
A Constituição da República Portuguesa de 1976, admitindo embora a
possibilidade legal de institucionalização de instrumentos e formas de composição
não jurisdicional de conflitos, define os tribunais como órgãos de soberania com
competência para administrar a justiça em nome do povo, estabelecendo, no capítulo
respeitante à respectiva organização, várias ordens judiciárias, entre as quais se
destaca a dos “tribunais judiciais”, permitindo, dentro desta, a existência de tribunais
especializados para o julgamento de matérias determinadas, na primeira instância, e
de secções especializadas, nos tribunais da Relação e no Supremo Tribunal de
Justiça5.
Como que a confirmar o que se disse na parte final do ponto anterior desta
exposição e na sequência das regras constitucionais acabadas de referir, o legislador
ordinário posterior ao 25 de Abril de 1974, apesar de algumas variações e nuances,
tem vindo a afirmar, de modo sistemático, a particular natureza das questões
laborais/sociais e a necessidade do seu julgamento por uma jurisdição especializada,
precisamente a dos tribunais do trabalho.
Assim é que, actualmente, à semelhança do que sucedeu até à entrada em vigor da
Lei n.º 82/776, de 6/12, todo o território nacional está abrangido pela jurisdição
3
Entre outros, pode ver-se Viviane Forrester, em “Horror económico”, Terramar, Lisboa, 1997.
No mesmo sentido parecem apontar as conclusões do seminário internacional sobre o tema,
recentemente organizado pela Fundação Calouste Gulbenkian.
4
Em sentido coincidente ao sustentado no texto e perante antagonismo semelhante, já em 1979 se
pronunciava José Rodrigues da Silva, ob. cit., págs. 36 e segs..
5
A este propósito, cfr. artigos 205.º, n.ºs. 1 e 4, e 211.º e segs. da C.R.P, segundo o articulado anterior
à 4.ª revisão, aprovada pela Lei Constitucional n.º 1/97, de 20/9. Após a entrada em vigor desta Lei de
revisão, o que ocorrerá em 5/10/97, as normas citadas terão correspondência nos artigos 202.º, n.ºs. 1 e
4, e 209.º e segs., respectivamente.
6
Aprovou a primeira Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais posterior ao “25 de Abril” e à Constituição
de 1976, integrando os tribunais do trabalho na “ordem judiciária comum”.
Viria a ser revogada pela Lei n.º 38/87, de 23/12, que aprovou a L.O.T.J. actualmente vigente e cujo
regulamento consta do Dec.-Lei n.º 214/88, de 17/6.
28
especializada dos tribunais do trabalho, o que traduz, da parte do legislador de 1987, o
reconhecimento expresso da especificidade própria das questões laborais/sociais, com
a consequente necessidade de atribuir àqueles a competência exclusiva para o seu
conhecimento, isto apesar de, paradoxalmente e por razões de índole essencialmente
burocrática, persistirem ainda algumas, poucas, situações em que tal não acontece,
cabendo aos tribunais de competência genérica das áreas não abrangidas por qualquer
tribunal do trabalho a competência para conhecer das questões a estes reservadas7.
Por força das leis de organização judiciária vigentes8, os tribunais do trabalho
integram, pois, a “ordem judiciária comum”, ou seja, a dos tribunais judiciais,
constituindo, no entanto, dentro dela, uma jurisdição especializada em razão da
matéria, com competência para apreciar e julgar todas as questões àquela atinentes,
independentemente do seu valor, devendo classificar-se como tribunais de primeira
instância, equiparados a comarcas de acesso final, o que tem repercussões nos
requisitos legais de recrutamento dos respectivos magistrados9.
Inexistindo, hoje, tribunais de categoria inferior aos tribunais do trabalho com
competência para julgar as questões cujo conhecimento lhes está legalmente
reservado10, parece dever afirmar-se que nunca funcionam como tribunais de segunda
instância, sem prejuízo da sua competência material para julgarem os recursos das
decisões das autoridades administrativas em matéria contra – ordenacional laboral e
da segurança social11.
Quanto à área geográfica de jurisdição de cada tribunal do trabalho, conforme
resulta do regulamento da L.O.T.J. e respectivos mapas anexos, podem encontrar-se
três tipos de situações distintas, apresentando modificações substanciais relativamente
ao panorama uniforme que antes se verificava e em que era possível identificar a área
7
… o que acontece nas comarcas que integram os círculos judiciais de Abrantes e Santiago do Cacém,
cujos tribunais do trabalho, apesar de legalmente criados, não se encontram ainda instalados.
8
Vide nota 6.
9
Até às alterações introduzidas à L.O.T.J. e ao seu regulamento, respectivamente, pela Lei n.º 24/92,
de 20/8, e Dec. Lei n.º 312/93, de 15/9, o acesso dos magistrados judiciais aos tribunais do trabalho
estava condicionado ao preenchimento de requisitos idênticos aos estabelecidos no artigo 100.º daquela
Lei para os juízes de círculo, ou seja, tempo mínimo de serviço de 10 anos e classificação não inferior
a bom com distinção. Posteriormente, essa equiparação manteve-se apenas para os tribunais do
trabalho de Lisboa e Porto e, actualmente, já nem para esses se encontra consagrada, limitando-se a lei
a garantir um estatuto de identidade remuneratória entre aqueles magistrados, desde que os do trabalho
reúnam os requisitos exigidos para os de círculo.
Quanto aos magistrados do Ministério Público, com eventual violação do princípio do paralelismo,
nunca a lei estabeleceu quaisquer exigências particulares para o seu acesso aos tribunais do trabalho,
nem lhes atribuiu estatuto remuneratório equivalente ao que vimos ser concedido aos juízes.
10
Registe-se que a C.R.P., na versão resultante da 4.ª revisão, aprovada pela Lei Constitucional n.º
1/97, reintroduz a possibilidade de criação de julgados de paz, conforme se alcança do artigo 209.º, n.º
2.
11
Sobre a competência interna dos tribunais do trabalho, segundo a hierarquia, o valor, o território e a
matéria, cfr. os artigos 13.º e segs. do C.P.T. vigente, aprovado pelo Dec.-Lei n.º 272-A/81, de 30/9, e
a L.O.T.J. e regulamento citados, em especial os artigos 64.º a 66.º∫ da primeira.
Quanto às contra-ordenações laborais e da segurança social, os respectivos regimes jurídicos estão
previstos, essencialmente, nos Decs.-Leis n.ºs. 491/85 e 64/89, de, respectivamente, 26/11 e 25/2.
29
de jurisdição daqueles tribunais com a do Distrito administrativo, primeiro, e do
círculo judicial, depois.
Assim é que, hoje em dia, temos tribunais do trabalho cuja área de jurisdição
coincide com a do círculo onde está sediado, outros cuja competência territorial
ultrapassa aquela circunscrição, abrangendo dois círculos, e alguns competentes
somente no território da comarca onde foram instalados, não constituindo a mesma,
“de per si”, um círculo judicial12.
3.2. Um esboço sobre o funcionamento:
Quanto ao funcionamento dos tribunais do trabalho, tendo em conta os aspectos
organizacionais acabados de referir, a sua dotação gradual e progressiva dos meios
humanos e materiais minimamente indispensáveis ao cabal exercício das funções que
lhes estão legalmente cometidas, o crescente rejuvenescimento e estabilização dos
respectivos quadros de magistrados e a bondade das leis processuais aplicáveis neste
domínio, pode dizer-se, sem ousadia e sem pretensiosismo, que, não constituindo
embora um “nicho” imaculado, representa um exemplo a reproduzir, encontrando-se,
hoje, numa situação completamente diferente, para melhor, da que se verificava nas
décadas de 70 e 80, não obstante estar, como as restantes jurisdições, sujeita ao
aumento exponencial do número de processos entrados cada ano. Constituirá,
porventura, exemplo único de contenção, quando não inversão, da tendência
generalizada para o aumento da pendência processual13.
12
Como exemplo de cada uma das indicadas tipologias, podem referir-se os tribunais do trabalho da
Guarda, de Vila Real e da Maia.
13
Sem preocupações de exaustiva análise, até por incapacidade natural e técnica para tanto, esbocei um
superficial confronto entre os números estatísticos relativos à jurisdição laboral e às demais jurisdições
da ordem judiciária comum, por forma a observar a evolução comparativa de cada uma delas desde
1988 até 1996, para o que recorremos aos dados oficiais disponíveis do GEP, do Ministério da Justiça,
e da P.G.R., relativos aos anos de 1993 e 1996, sendo que dos primeiros constam elementos desde
1988.
Dessa análise, retive o seguinte:
Na jurisdição laboral, verifica-se, desde 1988, com ligeiras e naturais oscilações, um crescimento
constante do número de entradas anuais e globais de processos, situando-se, no último ano, na ordem
dos 60 000, a que se devem somar os pendentes do ano anterior, na ordem dos 40 000. Por outro lado,
observa-se idêntica tendência evolutiva no número de processos findos em cada ano, o que faz com
que a pendência anual se tenha estabilizado naquela ordem de grandeza, valor inferior ao que se
verificava em 1988, altura em que as entradas eram na ordem dos 40 000.
Ao contrário, nas jurisdições cível e penal, a análise revelou sinais de sentido inverso, pelo menos a
partir de 1993, ou seja, a tendência para um agravamento das pendências, com perdas acentuadas na
recuperação dos atrasos, ao ponto de o número de processos findos em 1996 ser pouco superior ao dos
processos findos em 1988, apesar de os volumes de entradas serem significativamente superiores,
havendo neste momento uma grande diferença entre os processos entrados e findos, com desvantagem
evidente para estes, ao que acrescem os transitados dos anos anteriores. Isto apesar do grande esforço
de todos e em todos os domínios no sentido da inversão de tal situação.
30
Aliás, a confiar na opinião publicamente manifestada sobre o estado da justiça por
alguns dos seus mais altos responsáveis14, resulta evidente que esta jurisdição não se
inclui no núcleo das suas preocupações fundamentais e prementes. E creio,
sinceramente, que essa realidade não traduz qualquer menosprezo pela jurisdição
laboral, antes significa o reconhecimento oficial de que, podendo melhorar, ela é, no
panorama judiciário nacional, a que apresenta as melhores “performances”.
Em meu entender, por tudo o que já fui afirmando e pela leitura que faço dos dados
estatísticos disponíveis, que espero ver confirmada no trabalho a apresentar amanhã,
pelo Prof. Dr. António Casimiro, é com razão que os responsáveis políticos e
judiciários assim actuam, embora importe que se mantenham alerta para os problemas
actuais e/ou futuros susceptíveis de travar ou estragar aquele menos mau desempenho,
actuando por antecipação e não por reacção, a fim de evitar o alastramento a esta
jurisdição dos males que tão gravemente afectam as restantes jurisdições da mesma
ordem judiciária.
Este estado de coisas, no que aos tribunais do trabalho concerne, dever-se-á,
seguramente, a múltiplos e concorrentes factores geradores de sinergias bem
aproveitadas e encaminhadas.
Contudo, porque muitas vezes ignorado e menosprezado, até por instâncias
responsáveis, não posso deixar de realçar, correndo o risco de ser acusado de
parcialidade, o papel de fundamental relevo desenvolvido pelo Ministério Público
nesta jurisdição, o qual, juntamente com outros, é certo, tem contribuído
decisivamente para o seu bom desempenho global.
Para não ser maçador e porque o tempo disponível se não compadece com maiores
desenvolvimentos, lembro apenas a importância social dos papéis exercidos pelo
Ministério Público no que toca ao patrocínio dos trabalhadores e seus familiares por
questões de cariz socio-laboral, à condução dos processos por acidente de trabalho na
fase conciliatória e ao serviço de atendimento ao público para informação jurídica,
assim contribuindo para aproximar e comprometer os cidadãos no exercício da função
jurisdicional em seu nome exercida15.
14
Vide declarações proferidas pelo Presidente do S.T.J, pelo Procurador-Geral da República e pelo
Bastonário da O.A., a propósito do reinício, pós férias, da actividade judicial, no jornal “Público”, de
16/9/97, pág. 18, as quais melhor se compreendem à luz dos dados estatísticos referidos na nota
anterior.
15
A título meramente informativo, diga-se que, do cruzamento das estatísticas anteriormente referidas,
no ano de 1996, O Ministério Público recebeu 15 934 pedidos de patrocínio por questões emergentes
de contrato de trabalho, tendo entrado nos tribunais do trabalho portugueses, no mesmo período, um
total de 26 422 acções declarativas, não incluindo as relativas a acidentes de trabalho, que subiram às
15 920, números que, só por si, são significativos do que se afirma no texto sobre o Ministério Público.
31
4. BREVE PERSPECTIVA SOBRE O FUTURO
Para os mais distraídos, o meu discurso sobre o funcionamento dos tribunais do
trabalho constante do ponto 3.2., pode ter sido entendido como totalmente apologético
da situação actual, como se tudo estivesse perfeito.
Não é verdade.
O que pretendo dizer foi que, quando comparada com as demais jurisdições, a do
trabalho até pode ser olhada como modelo invejável.
No entanto, logo deixei implícito e expresso que algumas coisas podiam mudar, no
sentido de progressivamente melhor responder com segurança e eficácia ao anseio dos
cidadãos por uma justiça mais pronta e mais “justa”.
Algumas das mudanças que nesse sentido podem dar um sério contributo foram já
anunciadas pelos responsáveis competentes, encontrando-se, até, em fase de
concretização.
Refiro-me, por exemplo, ao anteprojecto de revisão do Código de Processo do
Trabalho16, ao reforço dos meios disponibilizados à Inspecção-Geral do Trabalho, ao
fornecimento aos tribunais de meios informáticos adequados às necessidades,
designadamente uma base de dados actualizada e actualizável sobre o direito laboral
convencional, etc.
Outras, porém, poderão ser pensadas e concretizadas com vista a esse objectivo,
designadamente, evitando a dispersão legislativa a que se assiste neste âmbito, através
do estudo e aprovação de uma lei geral do trabalho, concentrada e sistematizada num
único diploma base, sem prejuízo de se reconhecer que, atento o carácter permeável
deste ramo do direito às constantes mutações políticas e económicas das sociedades
actuais, essa tarefa se apresenta de difícil realização, definição do regime
sancionatório privilegiado no direito do trabalho, acabando-se com a confusão actual
entre contravenções e contra-ordenações, revigoramento da intervenção dos juízes
sociais no julgamento de algumas questões laborais, tal como a Constituição e a lei
prevêem, a melhoria das perícias médicas e das assessorias ao dispor dos tribunais,
etc.
Todavia, convençamo-nos, não há varinha de condão que resolva os problemas da
justiça, do trabalho ou genericamente considerada, nomeadamente os atinentes à
morosidade, se as soluções encontradas e tentadas não puderem contar com a adesão
empenhada de todos quantos participam na sua realização quotidiana: trabalhadores,
entidades patronais e respectivas estruturas representativas, políticos, magistrados,
advogados e funcionários.
Só assim podemos sonhar com um futuro melhor para todos, na realização do qual
também as instituições judiciárias têm um insubstituível papel a desempenhar.
16
A comissão encarregada da elaboração e apresentação do anteprojecto, foi nomeada por Despacho
conjunto dos Ministérios da Justiça e Para a Qualificação e Emprego, inserto no D.R., II série, de
15/4/97, dele constando a respectiva composição, os objectivos visados e o prazo de execução.
32
Como diria o Director do Centro de Estudos Judiciários, Dr. Armando Leandro,
que me incumbiu desta honrosa mas responsabilizante tarefa, “As tentativas de
resposta aos riscos totalitários que derivam da acentuada dissociação entre a economia
e a cultura, com a proliferação de poderes difusos, exigem garantias institucionais
adequadas a permitir a actuação livre, responsável e solidária dos sujeitos.
... E entre essas protecções e garantias institucionais avultará, certamente, a da
intervenção judiciária, provavelmente em moldes inovadores, sobretudo em termos de
justiça de proximidade e descentralizada, inspirada no respeito e desejo de
efectividade dos Direitos do Homem, sobretudo aqueles de que são titulares os mais
desprovidos e indefesos”17.
Deste modo termino, renovando a esperança de que este meu insignificante
contributo tenha correspondido minimamente às expectativas e possa constituir um
modesto estímulo ao aprofundamento do debate sobre a justiça em Portugal.
17
Palavras inseridas a fls. 16 do discurso proferido em 17/9/97, por ocasião da sessão de abertura do
novo ano de actividades do Centro de Estudos Judiciários, em que interveio também o Exm.º Senhor
Ministro da Justiça, cujo texto foi policopiado e distribuído pelos Auditores e Docentes.
33
DA PARTICIPAÇÃO DO ESTADO E DA SOCIEDADE CIVIL
NA RESOLUÇÃO DOS CONFLITOS DE TRABALHO
34
Dr. António Casimiro Ferreira*
Orador
Introdução
A discussão sobre a intervenção da sociedade civil do trabalho e a sua interacção
com a administração do trabalho e justiça laborais é uma temática genérica que nos
remete, desde logo, para um vasto conjunto de questões e de problemas insusceptíveis
de serem abordados na sua totalidade no espaço desta comunicação. Torna-se assim
necessário delimitar o campo de análise e identificar o objecto da nossa intervenção
neste debate.
Procuramos neste texto reflectir em torno da temática da participação do Estado e
da sociedade civil na resolução dos conflitos de trabalho, individuais e colectivos.
Muito concretamente, pretendemos analisar o que mais adiante se definirá como
“sistema de regulação e resolução dos conflitos de trabalho” (doravante SRRCT).
Fazemo-lo do ponto de vista da influência que sobre ele exerce a participação, ou a
ausência de participação do Estado e dos parceiros sociais na composição dos
conflitos laborais, sobretudo dos que emergem do contrato individual de trabalho e da
aplicação, negociação ou revisão de convenções colectivas de trabalho.
Antecipando desde já duas das conclusões a que a nossa investigação nos
conduziu, diremos o seguinte: em primeiro lugar, do ponto de vista das práticas
sociais, não estamos a levar a cabo uma sociologia da intervenção e participação dos
actores sociais nas formas de resolução dos conflitos de trabalho, mas sim uma
sociologia da ausência de intervenção e participação dos actores sociais nas formas de
resolução dos conflitos de trabalho; em segundo lugar, quer do ponto de vista
institucional, quer normativo, encontramo-nos perante uma “arquitectura desabitada”
e com um apreciável grau de contingência.
Procuramos demonstrar que as razões para este estado de coisas se encontram
estruturalmente determinadas por dois factores. O da relação existente entre o Estado
e a sociedade civil e o da natureza desta no contexto da sociedade portuguesa.
A comunicação encontra-se estruturada em quatro capítulos. O primeiro tem um
carácter genérico e um propósito simultaneamente metodológico e contextual. Nele
chama-se a atenção para a necessidade de se utilizarem no estudo das relações de
trabalho vários níveis de análise – que vão do global ao local – e de se cruzarem os
debates e resultados de investigação de diferentes campos disciplinares. O segundo
assume um recorte teórico e tem um duplo objectivo: por um lado, sustenta a
necessidade de se estudar o papel da sociedade civil no campo laboral de uma forma
*
Docente da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e Investigador Permanente do
Centro de Estudos Sociais
35
relacional com o papel desempenhado pelo Estado; e, por outro, destaca a importância
de questões como a participação e intervenção dos parceiros na regulação das relações
de trabalho. Os restantes capítulos utilizam uma lógica substantiva com a qual se
caracterizam aspectos concretos do sistema de resolução dos conflitos de trabalho.
Assim, no terceiro capítulo identificam-se algumas das características da relação
Estado-sociedade civil no domínio laboral em Portugal. No quarto identificam-se os
elementos constitutivos e princípios de ordem social que estão na base do sistema de
regulação e resolução dos conflitos de trabalho e colocam-se sob escrutínio os dados
referentes à actual situação do SRRCT.
CAPÍTULO 1
Os sistemas de relações laborais entre o local e o global
O mundo laboral vive na actualidade um momento marcado pela incerteza quanto
ao futuro e pela certeza de que o presente é de crise e de recessão. Mais do que nunca,
a reflexão social deve pugnar por uma “viragem” para as questões do mundo laboral,
com o firme propósito de criar condições de visibilidade sociológica que possa
contribuir, validamente, para a resolução de situações concretas. Contrariamente ao
que se chegou a julgar, as profundas transformações culturais, sociais, económicas e
políticas que se impuseram à escala global nos últimos trinta anos, ao invés de
diminuírem o interesse pelo trabalho e pela produção conferiram-lhe uma centralidade
renovada. Com efeito, boa parte dos problemas que se colocam à humanidade no
actual momento de “transição paradigmática” (Santos, 1995), marcado por uma crise
sem precedentes, passam de uma forma ou de outra por questões que estão
relacionadas com o trabalho, com a produção, ou com o emprego.
Hoje em dia é praticamente impossível proceder à análise dos sistemas de relações
laborais sem utilizar uma metodologia que atenda aos fenómenos multifacetados da
globalização do campo laboral nas suas mais variadas dimensões, quer se trate de
mercados económicos, financeiros ou de trabalho, da mudança de paradigmas
tecnológicos e da produção, da estratégia de investimentos, da cultura e ideologia dos
recursos humanos, da mudança de paradigmas no direito do trabalho, da organização
internacional dos interesses do capital e do trabalho, do papel das organizações
internacionais na regulação das condições de trabalho, do estabelecimento de padrões
mínimos de emprego, ou da nova divisão internacional do trabalho1.
A forma como as relações laborais têm sido afectadas pelos fenómenos da
globalização tem variado em função do impacto e da pressão dos elementos exógenos
e das respostas locais que se vão gerando através de um processo dialéctico que já foi
descrito como sendo de globalização/localização e de localização/globalização
1
Cf. entre outros Hall et al., 1993; Waters, 1995; Rherborn, 1995; Faria, 1995; Hoogvelr, 1992.
36
(Santos, 1995). Por outro lado, também é verdade que qualquer análise sobre os
sistemas de relações laborais tem de atender aos específicos contextos e histórias
nacionais que matizam os modelos institucionais e legais e as práticas e relações dos
actores sociais, sob pena de se não entenderem as várias manifestações em presença e
de se inviabilizar qualquer esforço comparativo que se pretenda realizar. Aliás, à
medida que os processos de globalização e a crescente internacionalização da vida
económica vão aumentando, torna-se cada vez mais necessário desenvolver análises
comparativas das relações industriais2 que permitam o cruzamento das várias
experiências nacionais, nomeadamente, no que tange às suas instituições e questõeschave: processo de juridificação das relações laborais; processo de institucionalização
dos conflitos; participação e intervenção dos parceiros sociais; políticas públicas de
regulação do mercado de trabalho; empresas; sindicatos; associações patronais;
administração do trabalho; negociação colectiva; concertação social; direito do
trabalho e tribunais do trabalho.
Sugere-se, com estas observações preliminares, que o mundo laboral e o que nele
se passa, independentemente do tópico ou tópicos que se tragam à colação, deve ser
estudado compaginando diferentes níveis de análise, dispondo estes ao longo de um
continuum em cujos pólos se encontram, de um lado, as tendências globais que
afectam os diferentes sistemas de relações laborais e, de outro, as especificidades
locais que lhes conferem um carácter sui generis. De entre os elementos constitutivos
deste continuum, e pensando no caso português, destacaríamos também o nível
intermédio constituído pelas tendências que afectam o ambiente das relações laborais
na Europa.
No caso da sociedade portuguesa, marcada pela sua situação semi-periférica
(Santos, 1985, 1993) e pelos processos de transição e consolidação democráticos,
várias são as especificidades que foram moldando o seu sistema de relações laborais e
das quais destacaríamos: a rápida sucessão e coexistência de diferentes modelos de
regulação político-social; uma deficiente institucionalização de conflitos entre o
Capital e o Trabalho; um modelo pluralista e competitivo de relacionamento intersindicatos; a forte politização dos processos de negociação das condições de trabalho;
a ligação do movimento sindical ao sistema partidário; a dessincronia entre o
movimento sindical português e o europeu; a centralidade do Estado na relação
Capital-Trabalho, a procura, por parte dos parceiros sociais, da intervenção estatal; e,
finalmente, a forte heterogeneidade dos mercados de trabalho e dos sectores
económicos.
Para além destes elementos específicos, Portugal é afectado por um conjunto de
tendências que têm levado à transformação das relações laborais na Europa e que se
podem sistematizar do seguinte modo: a reestruturação sectorial e ocupacional do
emprego; um mercado de emprego mais difícil e, nalguns países, o regresso do
desemprego em massa, de uma forma sem paralelo, desde os anos 30; a intensificação
2
Ver a este propósito Hyman (1994), Maeland (1993), Therborn (1995), Burawoy (1985, 1992).
37
da competição global (relativamente à qual a implementação do mercado único da
comunidade europeia constitui, simultaneamente, reacção e reforço) acompanhada
pela reestruturação transnacional do capital; uma “crise fiscal” do emprego público
que na maioria dos países registou uma rápida expansão nas primeiras décadas do
pós-guerra e alimentou padrões distintos de relações industriais; a opção por políticas
públicas de matriz neo-liberal; o aumento da exclusão social e o recolocar de novas
questões sociais; a expansão da economia informal; o aumento do trabalho precário; e
a crise dos mecanismos de protecção social.
Num plano mais genérico podemos ainda chamar a atenção para várias tendências
que perpassam por todos os sistemas de relações laborais. Com efeito, se
percorrermos a literatura recente respeitante a estudos relacionados com o mundo do
trabalho, encontramos referência a debates que estão relacionados com as tendências
já referidas e que, de uma forma ou de outra, chamam a atenção para as profundas
mudanças e transformações por que têm passado as sociedades industriais. Assim, o
ponto de partida destas reflexões traduz a preocupação com o cenário de crise
económica e social que tem afectado o mundo laboral e que tem ocasionado profundas
mudanças nos padrões de relacionamento entre o Estado, o Trabalho e o Capital,
encontrando-se delas expressão no plano económico, político e jurídico. De uma
forma muito sumária, confiramos algumas linhas do debate (Cf. Rogowski;
Wilthagen, 1994, 1994a; Regini, 1992).
Em primeiro lugar, temos os debates que emergem das transformações das formas
de produção, os quais se podem identificar por antonomásia pela discussão em torno
da transição do paradigma fordista ou da produção em massa para o paradigma pósfordista ou da especialização flexível. Temos, por outro lado, discussões associadas a
fenómenos como o do declínio do sector industrial e aumento da importância do
sector dos serviços, da procura por parte das empresas de mão-de-obra flexível, do
aumento da segmentação e dualidade dos mercados de trabalho, do aumento das
situações de trabalho precário ou atípico, do aumento do desemprego estrutural e em
massa. Daqui resulta a configuração do que podemos designar por manifestações de
risco laboral acrescido para o lado do trabalho.
Em segundo lugar, podemos identificar os debates que decorrem das
transformações sentidas pelos próprios sistemas de relações industriais. Eles abordam
fenómenos como o da dificuldade em organizar os empregados com relações laborais
atípicas, a perda de capacidade negocial por parte dos sindicatos como consequência
do enfraquecimento dos movimentos sindicais, a transferência para níveis micro da
regulação das condições de trabalho, a emergência de sistemas paralelos de
negociação promovidos pelas empresas, a relativização do papel da macroconcertação e, finalmente, os debates associados à desagregação da classe operária,
aos padrões de conflitualidade laboral e ao papel do sindicalismo no contexto da
Comunidade Económica Europeia. De todo este processo resulta a precarização das
38
estruturas contratuais laborais, a falta de confiança nos sistemas normativos e o
aumento da sociedade de risco.
Finalmente, há os debates políticos onde se discute o papel do Estado nas
sociedades pós-industriais e do direito como instrumento de regulação. A relação
contratual do emprego estável que esteve ligada à relação salarial fordista é agora
questionada pelas relações laborais fragmentadas e atípicas. A especificidade do
direito do trabalho, que sempre se reconheceu na sua estrutura nomológica pela
protecção à parte mais desprotegida, cauciona agora padrões de emprego flexíveis e
desregulados. A desregulamentação, como resposta à juridificação das relações
laborais, traduz-se na redução dos padrões de protecção legal dos trabalhadores,
tendendo os seus defensores, apoiados em políticas económicas neo-clássicas e
liberais, a criticar as normas de protecção do emprego, os direitos de consulta dos
trabalhadores e seus representantes, e a intervenção dos tribunais de trabalho. Deste
movimento de desregulamentação parece surgir uma espécie de morte anunciada do
direito do trabalho (Leite, 1995: 123), o que desafia os direitos fundamentais no novo
contexto laboral e conduz à noção de “crise” do direito do trabalho.
O conjunto de elementos constitutivos dos vários níveis de análise que assinalámos
sinopticamente e que se organizam segundo a dupla lógica do estabelecimento de
padrões e regularidades e do reconhecimento das singularidades compõe o pano de
fundo contextual no qual evoluem as relações laborais na actualidade, a que se deve
juntar a crescente polarização do mundo laboral. A segmentação interna dos mercados
de trabalho, indo de par com uma nova divisão internacional do trabalho, concorrem
para a precarização das relações laborais, de que o desemprego e o “trabalho não
livre” serão provavelmente as experiências limite.
Sendo certo que a informação disponível permite apontar as tendências globais que
afectam, embora em graus e modalidades diversas, todos os sistemas de relações
laborais, a tarefa complica-se quando se pretende aferir o impacto destas e as
respostas que desencadeiam localmente. Com efeito, se os tópicos constitutivos da
agenda “globalização do campo laboral” reúnem um certo consenso entre os actores
sociais em presença, independentemente das posições que se sustentem, à medida que
nos aproximamos das situações concretas, nem sempre fica claro se as afirmações
feitas se situam num plano doxológico ou num plano científico. O carácter situado e
muitas vezes dramático que constrange a defesa dos interesses em presença, para além
de complexificar a análise, torna mais difícil a partilha da experiência da
solidariedade e testa os limites da (ir)responsabilidade humana.
39
CAPÍTULO 2
Da relação Estado - Sociedade Civil no domínio das relações laborais
A oposição entre o Estado e a sociedade civil impregna a nossa maneira de pensar
a sociedade. Não é, assim, surpreendente que ela influencie também a nossa maneira
de pensar o mundo do trabalho3.
Do ponto de vista da sociologia histórica é interessante fazer notar que a “sóciogénese” e a “genealogia”4 da relação Estado/sociedade civil no domínio laboral
revelam que ela começou pela via da desobediência civil5. Foram actos de
desobediência civil, como nos lembra Hannah Arendt, que induziram a formação do
direito do trabalho e levaram a que o Estado interviesse nas relações laborais através
desse “novo direito” numa linha de “racionalização” jurídica dos conflitos sociais. O
que hoje são direitos considerados como certos e instituídos, na maioria dos
ordenamentos juslaborais das sociedades ocidentais, – como o direito à negociação
colectiva, o direito à organização e associação de interesses, o direito à greve, o
tratamento mais favorável ao trabalhador, etc., – foram precedidos de décadas de
violenta desobediência civil que desafiou a autoridade do Estado e demonstrou a
inadequação do modelo civilístico e privatístico do direito para regular as relações
sociais emergentes dos processos de industrialização e da conexa questão social.
Desde cedo, os ordenamentos laborais pressupuseram o intento de controlar os
conflitos entre empresários e trabalhadores enquadrando-os num sistema de
racionalidade jurídica6. Racionalidade jurídica essa que, no entanto, como revelam as
análises internas do “campo jurídico” (Bourdieu, 1989: 235, 252), se constituiu na
base de especificidades várias que a distinguiram claramente da ratio juris civilística
e da dogmática jurídica7.
3
Num sentido próximo do nosso mas acentuando a oposição público/privado conferir Supiot (1996:
713).
4
Tomamos de empréstimo a Norberto Elias e a Michel Foucault os respectivos conceitos.
Consideramo-los duas importantes ferramentas para a análise da evolução das relações laborais e do
direito do trabalho. Consultar igualmente a este propósito o processo de revisão a que têm sido sujeitas
as análises históricas do direito do trabalho e das relações laborais feitas pelos critical legal studies
(Woodiwiss, 1990).
5
Consultar a este propósito Cohen e Arato 1992: 595, 740 e 741.
6
Sobre esta questão consultar Perez (1994) e B. Hepple (1994). Acerca da intervenção estatal nas
relações laborais consulte-se Baylos Grau (1991).
7
São várias as especificidades que distinguem o direito do trabalho do modelo civilístico e positivista
do direito. Refira-se, por exemplo, a relação de interioridade que o direito do trabalho mantém com a
sociologia (Supiot, 1996; Ewald, 1985; Ferreira 1996), o recurso a uma racionalidade de base material
e não formal (Supiot, 1996), a centralidade do conflito (Ewald, 1985; Lyon-Cayen, 1972 e KahnFreund, 1977), a sua função limitadora dos poderes sociais das partes (Kahn-Freud, 1977), o seu
específico processo de juridificação e o recurso a princípios de aplicação e interpretação do direito
como o favor laboratoris ou a condenação extra vel ultra petitum, a preferência por formas alternativas
aos tribunais de resolução dos conflitos (Bonafé-Schmith1992), o recurso a princípios como o da
conciliação, o da transacção (Ewald, 1986)) e do pluralismo jurídico (Gurvitch, 1976) e finalmente o
40
Efectivamente, percorreu-se um longo caminho no desenvolvimento do direito do
trabalho e das relações laborais desde a fase de “repressão-conflitual”, marcada pela
desobediência civil, passando pela fase de “tolerância-cooperação”, marcada pelo
processo de juridificação das relações de trabalho e institucionalização progressiva de
direitos sociais e laborais, até se chegar, mais recentemente, à fase de
“reconhecimento-participação-colaboração”, marcada inicialmente pela consolidação
dos direitos sociais e da cidadania industrial na base da legitimidade que o EstadoProvidência lhes conferiu e pelo desenvolvimento de concertação social, e depois
sujeita à pressão das tendências para a flexibilização, desregulamentação e
desjuridificação das relações de trabalho8.
Esta breve nota histórica alerta-nos para a necessidade de pensar em situação de
“co-presença” (Bobbio 1989: 173) e de forma relacional e contínua os dois elementos
que compõem uma mesma relação sócio-política: Estado e sociedade civil. Colocando
a discussão num plano mais geral, poderemos mesmo considerar que em muitos
sentidos a oposição entre o Estado e a sociedade civil é uma falsa oposição.
Elaborada no contexto geo-teórico-social dos países centrais na fase do capitalismo
liberal, atendendo às suas específicas condições económicas, sociais e políticas, a
distinção em causa veio a revelar-se conceptualmente contraditória e
substantivamente obscura em muitos casos9.
Peça central de uma certa “ortodoxia conceitual” (Santos, 1989: 3) que dela faz
derivar outras tantas “grandes dicotomias” (cf. Bobbio,1977 e 1989), de que são
exemplo, as oposições público/privado, lei/contrato, justiça comutativa/justiça
distributiva, status/contrato, colectivo/individual, direito natural/direito positivo, ou
ainda, ao fundamentar a separação entre o económico e o político, entre o direito e a
política, a redução do poder político ao poder estatal e a identificação do direito com
o direito estatal, a distinção Estado/sociedade civil, enquanto código binário
tradicional das ciências sociais tem sido alvo de profunda crítica10.
As relações Estado/sociedade civil, que se institucionalizaram no quadro da
regulação salarial fordista e dos Estados-Providência, ao serem questionadas pela
crise social, em geral, e em particular pela crise do Estado-Providência e a passagem
do modo de regulação económico fordista para o pós-fordista, conduziram, quer a
análises de carácter geral, quer a análises com referência ao caso específico
português.11 12 Alguns destes trabalhos debruçaram-se sobre o fenómeno no contexto
de sociedades periféricas ou semi-periféricas como a portuguesa.13
perspectivar de uma forma diferente questões como a da obrigação política, a do contrato, pacto,
justiça e solidariedade sociais (Ewald, 1986; Donzelot, 1994).
8
A proposta das três fases de evolução do direito do trabalho e das relações laborais pode ser conferida
em Kahn-Freund (1977 e 1978) e Rogowski (1994).
9
Seguimos de perto os trabalhos de Boaventura de Sousa Santos, que analisou de uma forma detalhada
os limites conceptuais e substantivos da oposição-distinção Estado/sociedade civil (cf. Santos, 1989,
1994 e 1995).
10
Consultar a este propósito Santos (1989, 1994 e 1995).
11
Referências bibliográficas a este respeito podem encontrar-se em Santos et al. (1992).
41
No domínio das relações laborais, o carácter marcadamente sócio-político da
relação Estado/sociedade civil encontra-se condensado na estrutura da normatividade
laboral, que corresponde ao “máximo de consciência possível” político numa dada
sociedade e num dado momento. Como todos os “produtos” que resultam do “campo
social” (Cf. Bourdieu, 1989), a normatividade laboral, em sentido amplo, é o
resultado de um jogo e correlação de forças sociais de que resulta o seu entendimento
como facto político social (Faria, 1995: 12) vinculado às estruturas sociais, políticas e
económicas que o produzem. Ao ser causa e consequência das lutas e conflitos
sociais, fazendo o trânsito sócio-político-jurídico de relações sociais marcadas pelas
diferenças de poder e pelas lutas de classe, ela reflecte os modelos sócio-políticos
dominantes, o estado da correlação de forças sociais e os actores sociais em presença.
Mais do que qualquer outro espaço sócio-jurídico, o direito do trabalho, enquanto
direito social, expressa o peso dos contextos e o papel desempenhado pelo Estado e
parceiros sociais na regulação social, configurando-se como espaço de articulação
entre as várias formas de produção do direito e do poder social14. Como bem
demonstra a história do direito social, o seu corpus sócio-jurídico regista em cada
momento um estado de relação de forças (Blumrosen, 1962), mesmo que patenteie a
discriminação positiva da parte contratualmente mais débil ou sancione as conquistas
dos dominados.15
Por outro lado, a legislação do trabalho é cada vez mais um instrumento ao serviço
das políticas públicas de regulação do mercado de trabalho. Daí que as políticas de
emprego (ou desemprego) afectem os avanços ou retrocessos do direito do trabalho,
em consonância com os processos sociais que tenham lugar na sociedade. Assim se
entendem as permanentes modificações na legislação laboral. Por lidar de perto com
os poderes económicos, sociais e políticos num sentido regulador, a “agenda” da
normatividade laboral tende a reflectir através dos seus debates a competição entre
modelos, teorias e “visões do mundo” socio-políticos. A oposição entre marxistas e
conservadores, entre concepções do conflito e da colaboração, entre estatistas e
liberais, entre neo-liberais e neo-intervencionistas, entre o “auto-governo” e o “uso
promocional do direito”, entre privatistas e publicistas, entre a auto-reflexidade e o
12
Num outro registo pode salientar-se a propósito da distinção Estado/sociedade civil que quanto mais
ela é identificada como um obstáculo epistemológico ao desenvolvimento do conhecimento social,
mais tende a predominar no discurso político de forma reificada.
13
Para além dos já referidos trabalhos de Boaventura de Sousa Santos, referimos o projecto
desenvolvido no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, subordinado ao tema “O
Estado e a Sociedade Civil: A Criação de Actores Sociais num Período de Reconstituição do Estado”,
coordenado pelo mesmo autor.
14
A este respeito consultar Santos (1985, 1994 e 1995).
15
É por esta via que a análise crítica do direito do trabalho tem chamado a atenção para o seu potencial
integrador e regulador do ponto de vista social. A este propósito podem conferir-se as análises do
“mouvement critique du droit” ou dos “critical legal studies”. Trabalhos de síntese a este respeito são
por exemplos de Klare (1990), Conaghan (1987), Jeammaud (1991), AAVV (1987).
42
direito social, ou entre pluralistas e neocorporativistas, são apenas alguns dos
exemplos mais usuais16.
Depois de termos reflectido em torno da oposição Estado/sociedade civil,
atendamos a outra dimensão fundamental para a reflexão socio-jurídica laboral: a do
papel da participação e intervenção da sociedade civil na constituição da
normatividade laboral e na resolução dos conflitos de trabalho.
Comecemos por fazer seis observações prévias com as quais pretendemos chamar
a atenção para alguns dos elementos básicos caracterizadores das relações sociais no
domínio laboral. Estes elementos são matizadores do modo como se processa a
relação sociedade/direito no espaço da produção. É de acordo com as características
das relações sociais de produção infra identificadas que se equaciona o modo como a
normatividade laboral orienta e interfere nas relações e práticas sociais.
A primeira refere a centralidade e importância de que se reveste o “espaço da
produção” por nele se gerar a divisão de classes que constitui, com a divisão sexual e
a divisão étnica, um dos grandes factores de desigualdade social e conflitos sociais
(cf. Santos, 1994: 264). A segunda enfatiza a nota do conflito como elemento básico
constitutivo das relações de trabalho (Kahn-Freund, 1977; Barbash, 1984; Caire,
1991) e do próprio direito do trabalho (Lyon-Caen, 1972; Ewald, 1985)17. A terceira
sublinha a ideia de que a exploração é a forma privilegiada de poder no local de
trabalho (Santos, 1994 e 1995). A quarta identifica as duas principais fontes do
conflito inerentes às relações de trabalho. Por um lado, o facto de as relações de
trabalho serem relações de troca, em que o valor pelo qual se troca salário por
trabalho depende de interesses e prioridades antagónicas. E, por outro lado, o facto de
as relações de trabalho exigirem necessariamente a subordinação do trabalhador à
autoridade do empregador (Reed, 1997: 97-98).
A quinta observação assinala que as relações laborais podem ser de dois tipos:
“relações de produção” contratualmente estabelecidas entre o trabalho e o capital e
que constituem, no seu conjunto, a relação salarial, e as relações na produção que
governam o trabalho concreto realizado pelos trabalhadores durante o dia de trabalho,
relações entre trabalhadores, destes com supervisores, com gestores, segundo as
normas e regulamentos da empresa, às vezes fixadas por escrito, outras vezes não
escritas e transmitidas oralmente segundo a “cultura de empresa”" (cf. Santos 1985;
1995). Finalmente, em sexto lugar, identificam-se vários níveis de organização social
e de escalas através das quais se exprime o conflito: institucional, organizacional,
comportamental – individual ou colectivo – e normativo (Reed, 1997; Santos, 1995).
As características das relações laborais anteriormente identificadas exprimem-se
de modos muito diversos nos planos individual e colectivo do que se convencionou
chamar “relações de trabalho ou relação laboral” e “relações colectivas de trabalho”.
16
A este respeito consultar Woodiwiss (1990, 1990 a), Supiot (1996), Lyon-Caen e Luigi Mariucci
(1985); Rogowski (1994), Bourdieu (1989), AAVV (1988, 1988 a, 1990), Fernandes (1991), Pinto
(1986, 1990), Xavier (1990), Ferreira (1993), Faria (1995), Leite (1989), Ramalho (1993).
43
Elas encontram-se plasmadas através do processo de juridificação laboral,
nomeadamente, no contrato individual de trabalho, na disciplina das relações
colectivas de trabalho e nos vários tipos de acções judiciais laborais. São, no entanto,
essas mesmas características das relações sociais em causa que fazem com que no
domínio laboral ocorra com frequência nos planos normativos, teórico e substantivo a
relativização do critério de juridicidade, isto é, da distinção entre regras jurídicas e
normas sociais. Reconhece-se que neste domínio coexistem diferentes modos de
produção e aplicação do direito. O conjunto de articulações e inter-relações entre os
vários modos de produção e aplicação do direito laboral constitui o que podemos
designar por normatividade laboral em sentido amplo. Admite-se, portanto, como
princípio a relação de interioridade e a inter-dependência existente entre as regulações
jurídicas e sociais no mundo laboral18. Esta é uma concepção pluralista que acentua o
facto de existirem diferentes actores sociais, – Estado, sindicatos, associações
patronais –, a produzirem e a aplicarem a normatividade laboral a vários níveis
sociais – concertação social, negociação colectiva, acordos de empresa, regulamentos
de empresa, notas de serviços, códigos de empresa, códigos de ética, códigos interpessoais, etc.
A questão da participação dos parceiros sociais na regulação e gestão dos conflitos
de trabalho deve ser abordada levando em linha de conta o contexto das relações
sociais, composto pelos seis elementos referidos e a concepção pluralista da
normatividade laboral.
Apesar do Estado ter desempenhado um papel muito importante no processo de
juridificação das relações laborais através de várias formas de intervenção directa
como a publicação de leis sociais e leis reguladoras das condições de trabalho, a
intervenção administrativa e resolução de conflitos pela via judicial (cf. Simitis 1987;
Leite 1986) as formas de intervenção indirecta nas relações de trabalho desempenham
desde cedo um papel relevante. De entre os princípios subjacentes à intervenção
indirecta nas relações de trabalho merece, naturalmente, destaque o da auto-regulação.
Como refere Vital Moreira “o primeiro espaço a ser submetido ao princípio da autoregulação foi o das relações de trabalho, através da contratação colectiva, de tal modo
que as relações individuais de trabalho passaram a ser predominantemente reguladas
por via de acordos colectivos entre associações profissionais representativas”
(1996:171).
É neste espaço marcado pelos princípios da auto-regulação e da autonomia
colectiva que se configura a temática da participação e intervenção da sociedade civil
nas relações de trabalho perspectivada no quadro do que se designa por “democracia
industrial”.
17
A este respeito consultar Redinha (1995: 30-31) e a bibliografia aí citada.
A este propósito consultar Chouaqui (1989;1993), Bonafé-Schmitt (1994), Supiot (1996), Moritz
(1994).
18
44
Por sua vez a noção de democracia industrial encontra-se relacionada com a ideia
da empresa como “internal state”. Segundo Burawoy, deste conceito fazem parte as
várias instituições que organizam, transformam ou reprimem a luta sobre as relações
de e na produção ao nível da empresa. As mais importantes destas instituições são a
negociação colectiva e as “grievance procedures” (Santos 1985:319).
Com a noção de democracia industrial refere-se uma regulação do mercado de
trabalho por via de uma forte intervenção das organizações sindicais face ao poder
arbitrário e discricionário das entidades empresariais (Martin:1995). A democracia
industrial desenrola-se no quadro do processo histórico de evolução prática dos
modelos políticos democráticos, o que implica uma organização da convivência social
a partir de critérios de liberdade, igualdade e participação. Foi nas décadas de 60 e 70,
na fase da mobilização colectiva dos trabalhadores (Regini 1992), que os modelos de
democracia industrial procuraram reduzir a contradição existente entre a participação
política dos cidadãos e o autoritarismo vivido nas empresas pelos trabalhadores. Esta
tendência é acompanhada no domínio da justiça pela promoção do princípio da
participação popular na administração da justiça, pela informalização da justiça, pela
criação de mecanismos alternativos de resolução de litígios (conciliação, mediação e
arbitragem) e por reformas processuais várias que vão no sentido de um maior
garantismo judicial e consolidação dos direitos sociais associados aos EstadosProvidência (Santos 1982, 1982 a, 1994).
Associada aos modelos de democracia política vigentes nas sociedades (Carter:
1989), a democracia industrial sofreu uma forte alteração em finais da década de 70.
As razões para esta alteração são tanto micro como macro sociológicas e incluem
questões como as modificações políticas e económicas à escala global, a
reestruturação industrial e organizacional, o aumento da competitividade à escala
global, a introdução de formas flexíveis de produção, a mudança de paradigmas
tecnológicos e da produção, a introdução de novas tecnologias, o aumento da
importância da sociedade de informação, a desregulamentação e flexibilidade das
estruturas contratuais laborais associadas à relação salarial fordista, a crise do estado
providência, etc.
Perante a transformação dos quadros de referência políticos, institucionais,
normativos, organizacionais e profissionais ocorreu a alteração das perspectivas sobre
a participação dos parceiros sociais no domínio das relações laborais.
Aos poucos, a participação indirecta ou representativa do modelo da democracia
industrial foi sendo substituída por novas formas de participação directa. Assumindo
um carácter muito heterogéneo,19 as novas perspectivas sobre a participação directa
assumem formas organizacionais como a dos “grupos autónomos”, a dos “círculos de
qualidade”, a dos “grupos de expressão”, associadas a diferentes modelos e sistemas
produtivos.
19
É extensa a bibliografia sobre esta matéria, no entanto, a título ilustrativo poderá consultar-se AAVV
1988, AAVV 1994, AAVV 1995.
45
Entre os objectivos que se propõem atingir podem referir-se a título ilustrativo o
aumento da competitividade, a melhoria das condições de higiene e segurança no
trabalho, a formação profissional, a reestruturação das empresas, a introdução de
novas tecnologias, etc.
Admitindo a enorme variabilidade dos tipos de intervenção e participação dos
actores sociais na regulação das relações de trabalho, é de realçar que o gap existente
entre o espaço da cidadania política na sociedade civil e a esfera económica e do
trabalho não se reduziu. É no quadro desta dualização ou dicotomização dos quadros
de referência das experiências sociais que opõem o espaço da cidadania e o espaço da
produção que têm sido experimentadas as novas formas de participação directa. Estas
transformações nas formas de participação ocorrem em contextos, aos quais continua
a ser necessário estender práticas e atitudes democráticas.20 É por isso que as
perspectivas críticas sobre o direito do trabalho têm sublinhado a necessidade de
tornar mais democrático o espaço da produção, sem esquecer que o problema da
democraticidade nos locais de trabalho é em muitos sentidos paradigmático dos
problemas da política e da lei em geral (Klare, 1990). Daí que alguns autores
considerem que “uma das tarefas centrais da nova teoria democrática consiste na
politização do espaço da produção” (Santos 1994:235).
CAPÍTULO 3
Identificação de algumas características estruturais da relação entre o Estado e a
sociedade civil no domínio do SRRCT
As investigações sobre os sistemas de relações industriais, têm evidenciado a
existência de um modelo dominante de relações laborais que se consolidou no
período do pós-guerra, na América do Norte e na Europa Ocidental. Este modelo
denominado de paradigmático dos sistemas de relações industriais (cf. Stoleroff,
1988: 151 e ss.), assentou no crescimento económico e na institucionalização dos
conflitos de trabalho que progressivamente se autonomizaram das lutas sociais e
políticas. A este modelo está associado o desenvolvimento concomitante dos
processos de institucionalização, regulação e resolução dos conflitos e o
desenvolvimento da democracia política. Estes modos de regulação e resolução dos
conflitos de trabalho conduzem a uma separação entre o conflito laboral e o conflito
de classe, ocorrendo igualmente uma despolitização do conflito laboral em resultado
da “maturidade” crescente dos mecanismos de regulação, quer seja ao nível do local
de trabalho, das fábricas e empresas ou do sistema de relações de trabalho em geral21.
20
Boaventura de Sousa Santos (1992) tem analisado de uma forma incisiva as consequências que
decorrem da desarticulação entre o espaço de produção e o espaço da cidadania no contexto das
sociedades semi-periféricas como a portuguesa.
21
Ver a este propósito Reed 1997, Watson 1995.
46
Ainda no quadro das teses da institucionalização dos conflitos de trabalho, e como
foi demonstrado por Dahrendorff (1961), é de referir que este processo envolve o
reconhecimento da organização de grupos de interesses, a existência de
procedimentos de regulação dos conflitos, o desenvolvimento da negociação colectiva
entre os parceiros sociais e a criação de instituições de representação dos
trabalhadores. Todo este processo de democratização das relações de trabalho,
constitui-se em torno do princípio da autonomia colectiva e do reconhecimento dos
instrumentos de auto-tutela de trabalhadores e empregadores, e do reconhecimento do
paritarismo entre organizações sindicais e patronais. Pressupõem-se, assim, a
existência de organizações sindicais e patronais suficientemente representativas dos
interesses sociais em presença e inspiradas em princípios democráticos.
O estudo do processo de institucionalização dos mecanismos de resolução dos
conflitos de trabalho e do processo de juridificação das relações laborais é um bom
indicador do estádio em que se encontra um dado sistema de relações laborais já que
estes processos desempenham um importante papel na sua transformação e evolução.
Não obstante as claras diferenças que marcam as diferenças históricas nacionais do
direito do trabalho, é possível constatar que a função da resolução dos conflitos de
trabalho foi mudando com a transformação das relações laborais e da sociedade em
geral.
Em termos evolutivos estamos perante a consolidação de tendências normativas e
práticas sociais que germinaram desde o início do processo de juridificação das
relações de trabalho. Processo refractário à estrutura piramidal do direito em cujo
vértice da pirâmide está, segundo Kelsen, (1984), a “norma fundamental” inseparável
de uma identificação do direito com o direito estatal. Contrária à ideia do monismo e
positivismo jurídicos encontra-se a ideia do direito do trabalho enquanto direito social
que remete para uma imagem mais fragmentada do direito e da política. Como
sublinha Alain Touraine (1996:135), a atenção desloca-se então do sistema para os
actores, ao mesmo tempo que a concepção normativa do direito cede terreno perante
uma concepção realista, em que o pluralismo dos centros de poder e de iniciativa
jurídica conferem um poder indirecto a associações e aos seus dirigentes. Com efeito,
no domínio laboral é a representação e intermediação de interesses através de
sindicatos e associações patronais que são os motores da produção de normas (Moritz
1994:327). O direito do trabalho, tendo por base princípios como os da autoregulação, autonomia colectiva e auto-tutela colectiva, bem como o da precedência
hierárquica das normas assim geradas, constitui-se num espaço de regulação que tem
como origem privilegiada a sociedade civil. É a importância de que se revestem as
questões da participação e da representação de interesses no mundo laboral e na
composição dos conflitos que em boa medida induzem as características normativas
do espaço da produção, quer se trate do “pluralismo jurídico”, do “pluralismo das
fontes do direito”, do “pluralismo das ordens sociais” ou das formas alternativas e
modos informais de resolução de conflitos.
47
No quadro desta análise e numa perspectiva sócio-jurídica laboral os elementos
caracterizadores da relação Estado-sociedade civil assumem uma grande relevância.
Eles afectam claramente as formas de intervenção e participação da sociedade civil
em questões fundamentais como as da regulação social e jurídica das relações
salariais, a produção e aplicação da normatividade laboral, a efectividade e eficácia
dessa normatividade, a institucionalização dos conflitos de trabalho e formas da sua
resolução, o acesso ao direito e à justiça laborais e a elaboração de políticas públicas
de regulação do mercado de trabalho.
Em Portugal, a especificidade da articulação entre o Estado e a sociedade civil no
domínio das relações de trabalho e as consequências resultantes dos processos de
transição e consolidação democráticos, propiciaram o surgimento de um sistema de
regulação e resolução dos conflitos de trabalho cuja origem normativa e institucional
se deve essencialmente ao Estado.
O sistema apresenta três características distintas das que encontramos no
denominado modelo paradigmático dos sistemas de relações industriais (Stoleroff,
1988).
Em primeiro lugar, o défice de cidadania industrial decorre da circunstância de o
nosso sistema de relações laborais assumir formalmente as características de uma
comunidade negocial auto-regulada, enquanto que na prática se objectivam situações
de profunda desigualdade. A esta situação não é alheia o facto de a modernização do
espaço da cidadania ter precedido a modernização do espaço da produção nos países
semiperiféricos (Santos, 1990:660), o que resultou em maiores dificuldades de
consolidação da relação capital/trabalho e subsequente institucionalização dos
direitos e democracia industrial. Contrariamente, nos países centrais, a autonomia da
sociedade civil manifestou-se no modo como ela moldou o espaço da produção e do
trabalho segundo as suas necessidades e interesses, o mesmo sucedendo com o espaço
da cidadania e o próprio Estado. Como refere Santos (Santos, 1989, 1990, 1994), a
industrialização precedeu o parlamentarismo enquanto regime político dominante nos
países centrais, tendo este correspondido, tanto na sua constituição como no seu
funcionamento, aos interesses gerais da expansão do capitalismo.22 Em sociedades
semiperiféricas, como a portuguesa, este processo ocorreu de forma diferente. A
modernização do espaço da cidadania precedeu a do espaço da produção. Tal
fenómeno expressa-se pela circunstância do parlamentarismo, nas suas várias
modalidades, ter precedido os surtos de industrialização. Daí a grande autonomia que
entre nós o espaço da cidadania mantém em relação ao espaço da produção e do
trabalho (idem).
Em segundo lugar, sabendo-se que num curto espaço de tempo “o Estado
português corporativo passou por uma transição para o socialismo, uma regulação
22
Como refere o autor a pujança do espaço de produção manifestou-se também no modo como ele
transformou o espaço doméstico em função das exigências da reprodução da força do trabalho
48
fordista e um Estado-Providência, e ainda uma regulação neoliberal” (Santos,
1993:41)23, torna-se praticamente um truísmo reconhecer a importância das formas de
resolução dos conflitos de trabalho para a transição e/ou consolidação dos modos de
regulação social levados a cabo pelo Estado.
A normatividade laboral, em geral, e o sistema de resolução dos conflitos de
trabalho, em particular, expressam as diferentes lógicas de regulação a que acabámos
de aludir. Neles foram vasadas as contradições e vicissitudes dos vários regimes de
regulação político-social por que tem passado a sociedade portuguesa. Evoluindo de
uma forma indexada aos modos de regulação político-social dominantes, a
normatividade laboral traduz-se num corpus sócio-jurídico de normas heterogéneas e
muitas vezes contraditórias entre si. A estrutura normativa e simbólica da
normatividade laboral e as práticas sociais que a produzem, exprimem igualmente os
vários “compromissos de classe” da sociedade portuguesa, pelo que a força ou
fraqueza do associativismo e, sobretudo, a do movimento sindical, tem tido
consequências muito concretas na produção e aplicação da normatividade laboral.
Finalmente, em terceiro lugar, importa considerar a forte heterogeneidade do
sistema económico português e a sua situação semi-periférica. Com efeito, o contexto
económico que envolve o sistema de relações laborais expressa uma forte
diferenciação das actividades produtivas e grandes desequilíbrios de produtividade
inter-sectorial. Acresce ainda “a diferenciação da relação salarial”, “a precarização do
sistema de emprego”. Esta heterogeneidade e as marcadas diferenças sectoriais
tiveram como consequência a diferenciação de relacionamento entre o capital e o
trabalho. Daí que se reconheça a existência de sistemas ou sub-sistemas diferenciados
de relações laborais. Acrescente-se ainda, que o campo das relações laborais é
fortemente afectado pelos fenómenos da economia subterrânea e paralela, dos quais
resulta a difusão das chamadas “cifras negras” do mundo laboral. (Cf. Santos 1993,
1994; Reis, 1992,1993, 1994; Rodrigues, 1988).
Os três elementos estruturais que referimos anteriormente, compõem o contexto
em que tem ocorrido o processo de institucionalização e de constituição do sistema de
resolução dos conflitos de trabalho.
A integração do conflito laboral nos mecanismos institucionalizados de resolução
pacífica dos conflitos, operando-se em termos formalísticos e legalísticos (Stoleroff
1988:149), não procede de uma relação amadurecida e tendencialmente equilibrada
entre o capital e o trabalho, o que impediu uma eficaz institucionalização dos
conflitos (Santos 1988:26). Ao relativo défice de práticas de classe e a ausência de
uma tradição autónoma de negociação entre o capital e o trabalho (Santos 1988,1992)
correspondeu um processo de juridificação das relações laborais levada a cabo pelo
assalariado. Existe assim nos países centrais um certo isomorfismo entre o espaço de produção, o
espaço doméstico e o espaço da cidadania.
23
A este propósito ver igualmente Maria João Rodrigues (1992) e Manuel de Lucena (1985, 1992,
1992a).
49
Estado que criou os espaços formais e institucionais de diálogo para uma comunidade
negocial que não existe de facto.
Fazendo-se uma integração e institucionalização formal dos conflitos de trabalho
“por cima” a partir do Estado, sem correspondência directa com as práticas de
relacionamento entre os parceiros sociais, abriu-se o caminho à politização dos
resultados negociais. Por outro lado, o défice de organização dos parceiros sociais
induz práticas e modelos estratégicos de intervenção que não visam o objectivo da
auto-regulação, mas sim o objectivo de suscitar algum tipo de intervenção estatal. Ou
seja, os princípios normativos básicos em que assenta o sistema de resolução dos
conflitos de trabalho e que traduzem a importância da auto-regulação e paridade das
partes, não têm correspondência, o mais das vezes, com as práticas dos parceiros
sociais. Os espaços formais de negociação reproduzem os efeitos da desigual
distribuição de poder e recursos sociais inscritos na sociedade num processo tutelado
pelas políticas de orientação selectiva determinadas pelo Estado.
Na história recente do sistema de relações laborais evidenciam-se os aspectos
contraditórios pelos quais tem passado a evolução do SRRCT.
De um ponto de vista evolutivo é de referir que o processo “instável de
estabilização”, associado à reconstituição do Estado saído da crise revolucionária de
1974-1975, acarretou importantes alterações na correlação das forças sociais,
registando-se o cerceamento das políticas distributivas e um recuo dos benefícios
económicos e dos direitos sociais. No final da década de 70, as consequências das
políticas económicas seguidas anteriormente e a assinatura do primeiro programa de
estabilização com o FMI (1978) levaram à pressão para a desregulamentação e
flexibilização do mercado de trabalho, originando a degradação da relação salarial24.
Estamos claramente em presença de uma contradição entre os quadros legais que
continuam a oferecer ampla protecção aos trabalhadores e as práticas sociais que os
violam. A noção de Estado paralelo procura justamente captar esta “configuração
política de uma disjunção ou discrepância no modo de regulação social, nos termos da
qual às leis e às instituições do modo de regulação fordista não corresponde, na
prática uma relação salarial fordista” (Santos, 1993:32).
A relação entre o capital e o trabalho reproduz os factores de instabilidade políticosocial. Por um lado, o capital era demasiado fraco para impor a recusa de uma
legislação fordista, mas suficientemente forte para evitar que ela seja efectivamente
posta em prática; por outro lado, os trabalhadores eram suficientemente fortes para
impedir a rejeição dessas leis, mas demasiado fracos para impor a sua aplicação (cf.
Santos, 1992:29). Ainda assim, a regulação jurídica e institucional do trabalho foi
sendo modificada de modo a adequar-se às alterações, entretanto verificadas na
conjuntura política e económica.
24
Para uma análise da economia portuguesa no período considerado, pode consultar-se Reis (1992:148
e ss.).
50
O padrão juridificado e acentuadamente formalizado do sistema de relações
laborais25, que se terá acentuado com a introdução das leis e instituições do modo de
regulação fordista e com a constitucionalização do direito do trabalho, não
corresponde a uma prática efectiva de negociação entre os parceiros sociais. Deste
processo “de empate social e político” resulta para o sistema de resolução dos
conflitos de trabalho uma situação de sucessivos impasses.
A situação da negociação colectiva é paradigmática a este respeito. Ela regista
neste período um estado de paralisia que se deve em grande medida, ao facto de os
sindicatos (Intersindical) não quererem fazer concessões aos empregadores,
preferindo a intervenção directa do Governo nas relações laborais (cf. Barreto, 1992:
469). Da incapacidade do capital e do trabalho conseguirem auto-regular a sua
relação, resulta um fluxo político reivindicativo, dirigido ao Estado, para que ele o
faça. Disso são exemplos, a tentativa de solução dos múltiplos conflitos através de
conciliações26, a abundante emissão de portarias de regulamentação de trabalho, o
elevado número de arbitragens realizadas e a conciliação obrigatória nos conflitos
individuais.
Em termos gerais, no domínio das formas de composição dos interesses laborais, o
Estado conseguiu compaginar, até finais da década de setenta, uma lógica de actuação
de “Estado paralelo” (Santos: 1985, 1993) com um princípio estatista de resolução
dos conflitos de trabalho. Desde então, encetando um processo de transição para um
novo modo de regulação social, o Estado irá alterar o seu padrão de actuação. Sem
perder as características de Estado paralelo, nem prescindindo da intervenção de base
estatista, passará a conjugar estas características com a lógica de actuação de Estado
heterogéneo, introduzindo um princípio de regulação contratual na resolução dos
conflitos colectivos de trabalho.
A face visível do intervencionismo estatal no domínio da resolução dos conflitos
entra em declínio a partir de 1979. Apesar de o capital e o trabalho não terem
condições para encetarem um relacionamento bilateral, com o correspondente
apagamento do papel do Estado, em finais da década de setenta, assiste-se à tentativa
de institucionalização de um sistema de regulação e resolução dos conflitos
associável ao dos países do centro do sistema capitalista27. Esta é, desde a década de
sessenta, a segunda tentativa de modificar profundamente o sistema de relações
industriais. Em 1969, no quadro das reformas marcelistas, não estavam reunidos os
requisitos básicos de democraticidade que permitissem aproximar as transformações
então ocorridas aos modelos dos países centrais, não tendo o Estado prescindido
explicitamente da tutela sobre as relações laborais. Dez anos depois, experimentada a
democracia, faltavam outras condições básicas que estão subjacentes à
25
Segundo alguns autores esta característica do sistema de relações industriais reconhece-se desde o
período do Estado-Novo (cf. Pinto,1990:4).
26
Questão insistentemente referida por sindicalistas e Técnicos da Administração do Trabalho por nós
entrevistados.
27
Para uma caracterização do modelo paradigmático de relações industriais consultar Stoleroff (1988).
51
institucionalização deste modelo, como sejam, um pacto social entre o capital e o
trabalho, um Estado-Providência, um relacionamento amadurecido e assente numa
prática de negociação entre associações sindicais e associações patronais e uma
consistente organização de interesses. Mas desta vez, e contrariamente ao sucedido
em 1969, o Estado, embora não se retirando formalmente da relação capital/trabalho,
procurará dar à sua intervenção um carácter supletivo e de acompanhamento, sem que
por isso tenha diminuído a sua centralidade.
A diminuição formal do peso do Estado na resolução dos conflitos de trabalho está
associada à tentativa de introdução de práticas de contratualização, baseadas no
princípio da auto-composição dos interesses opostos no mercado de trabalho. Embora
o contexto político e social em que ocorria a intervenção estatal fosse muito diferente
do contexto de actuação dos Estados-Providência típicos, a solução encontrada
reconhece-se no conjunto de propostas adiantadas para darem resposta “à crise ou à
relativa ineficácia do direito característico do Estado social intervencionista”28.
Criaram-se assim as condições para instituir as relações de trabalho num sistema
auto-regulado, no qual se desenvolvem estratégias para aumentar a responsabilidade
pública das partes envolvidas nos conflitos, assentando a negociação na cooperação
voluntária entre o Estado e os interesses sociais. Deste modo, a gestão colectiva do
conflito foi substituindo progressivamente a acção do Governo num número
significativo de actividades.
De realçar o importante papel racionalizador dos conflitos desenvolvido desde
1984 pelo Conselho Permanente de Concertação Social, actual Conselho Económico
e Social, quer do ponto de vista geral da produção de políticas de regulação do
mercado de trabalho, quer do ponto de vista da tentativa de institucionalização do
SRRCT.
A capacitação da normalização contratual das relações de trabalho beneficiou com
a entrada em cena de novos actores sociais dispostos à negociação e com a criação de
condições institucionais e administrativas que facilitavam o novo papel do Estado. Em
primeiro lugar, com a publicação da lei orgânica do Ministério do Trabalho29,
encontra-se uma indicação da “mudança de agulhas” do Estado face à relação com o
capital e o trabalho. No novo diploma reprova-se a dinâmica anterior marcada pela
“vocação intervencionista ou meramente administrativa, com preterição de uma
capacidade técnica virada à definição e execução de uma política laboral adequada às
novas realidades democráticas”30. Um ano depois é publicada a nova lei dos
instrumentos de regulamentação colectiva (Decreto-Lei n.º 519 - C1/79, de 29 de
Dezembro) de “matriz fortemente liberal” (Fernandes, 1991:148). O diploma,
28
Estamos a pensar, quer nas teorias da desregulamentação, baseadas em análises de custo/benefício, e
na defesa da liberdade de concorrência, quer em propostas “intermédias” como o “controlo da autoregulação” desenvolvido por Teubner (1987) ou o “relational program” de Wilke (1986). Sobre esta
questão, consultar Marques e Ferreira (1991).
29
Decreto-Lei n.º 47/78, de 21 de Março.
30
Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 47/78, de 21 de Março.
52
devolvendo às partes a responsabilidade de se auto-regularem31, acarreta o
consequente “apagamento dos processos clássicos de resolução dos conflitos
colectivos de interesses” (Fernandes, 1991:148) como a conciliação, a mediação e a
arbitragem. Doravante, e em consonância com o espírito do novo diploma, o papel
desempenhado pelo Estado na composição dos conflitos colectivos será cada vez mais
pedagógico, residual e supletivo.
O período de 1974-1975 é marcado pela forte intervenção administrativa na
fixação das condições de trabalho, o que se traduz no elevado número de portarias de
regulamentação de trabalho (PRT) publicadas. Em muitos casos, a sua utilização
substituía-se pura e simplesmente à negociação entre as partes, tendo muitos sectores
de actividade visto as suas condições de trabalho reguladas deste modo durante anos
consecutivos. Para além de serem utilizadas como forma de resolução dos conflitos,
existem outros factores que explicam o elevado número de PRT’s emitidas nesse
período. É o caso da sua utilização como forma de cobertura de zonas brancas da
negociação colectiva, sobretudo no sector agrícola, e a emissão de PRT’s parciais,
respeitantes apenas aos aspectos da negociação em que não houve acordo. Sucedeu
igualmente em alguns casos que as PRT’s traduzissem o resultado de um acordo
firmado entre sindicatos e associações patronais, as quais entretanto se haviam autoextinguido ou não obedeciam aos requisitos legais de representação, pelo que não se
podia utilizar a via convencional de negociação. Embora nem todas as PRT’s emitidas
se reportassem à solução de conflitos de trabalho, a sua utilização persistiu muito para
além do período revolucionário, reflectindo um padrão de actuação estatal até 1979,
caracterizado pela intervenção directa na composição dos conflitos de trabalho.
O processo de estabilização da sociedade portuguesa, marcado pelo surgimento do
I Governo Constitucional e pela aprovação da Constituição Política de 1976, bem
como a publicação de legislação restritiva à utilização de PRT’s32, revela uma quebra
significativa da intervenção administrativa na fixação das condições de trabalho. No
entanto, será a partir de 1979 que, em definitivo, as PRT’s perdem expressão no
contexto do sistema de relações industriais, exceptuando-se uma “recuperação” no
período de governação do IX Governo Constitucional33. Desde então, as poucas que
são emitidas têm apenas o objectivo de cobrir zonas brancas da negociação, não
resultando por isso de situações de conflito. Seria, no entanto erróneo, supor-se que à
nova orientação institucional e legislativa apostada em retirar ao Estado o ónus de
uma intervenção mais ou menos coerciva, se seguiu a uma perda da centralidade do
mesmo neste processo. Com efeito, à diminuição de portarias de regulamentação de
31
Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29 de Dezembro.
Cf. Decreto-Lei n.º 164/A – 76, de 28 de Fevereiro e Decreto-Lei n.º 887/76, de 29 de Dezembro.
33
Em 1979, são publicadas 19 PRT’s como forma de resolução de conflitos, em 1980, 11, em 1981, 5 e
em 1982, 3. Em 1984, no período de governação do IX Governo, num total de 8 PRT’s publicadas, 5
foram resultantes de situações de conflito e 3 de cobertura de zonas brancas, enquanto que em 1985,
num total de 14 PRT’s publicadas, 7 resultaram de situações de conflito e as outras 7 cobriram zonas
brancas de negociação.
32
53
trabalho corresponde um aumento substancial do número de portarias de extensão
(PE)34. Esta tendência é “aparentemente a expressão de uma política de
'desintervenção' e de maior aproveitamento dos resultados obtidos por negociação”
(Fernandes, 1991:195). Não se tratando de uma verdadeira perda de centralidade do
Estado, parece-nos ser mais correcto falar em alteração qualitativa da intervenção do
Estado, que se recoloca estruturalmente numa outra posição. Com efeito, os dados
evidenciam que a intervenção administrativa na regulamentação colectiva não baixou
a partir de 1979, continuando a revelar valores elevados e tendo mesmo em 1985 e
1986 ultrapassado os valores de 1979 e 1980. Contudo, a lógica de intervenção
administrativa a partir de 1979 é bem diferente da que caracterizou o período
anterior35.
É interessante fazer notar que desde 1979, apesar de estarem previstos vários
instrumentos para a resolução pacífica dos conflitos laborais (conciliação, mediação,
arbitragem e PRT), a conciliação é a forma utilizada com carácter quase exclusivo
(Ferrão et al., 1991). Este sub-aproveitamento do sistema de resolução dos conflitos
que coloca a conciliação em situação de monopólio explica-se, em parte, pelo facto de
esta ser o único nível de negociação assistida que pode ser accionado apenas por uma
das partes envolvidas, enquanto que para se passar à fase de mediação ou arbitragem,
é necessário que os vários parceiros sociais assim o decidam conjuntamente. Até
agora, alguns dos parceiros sociais têm-se recusado a entrar na fase de mediação, o
mesmo sucedendo quanto à arbitragem. No entanto, as alterações introduzidas pelo
Decreto-Lei n.º 209/92, nomeadamente na parte respeitante à arbitragem obrigatória,
fazem esperar profundas alterações, mesmo que a falta de regulamentação, e
consequente impossibilidade de utilização do novo dispositivo legal, não tenham
34
Em 1979, foram emitidas 99 PE, em 1980, 113, e em 1981, 164.
Embora as PRT’s e as PE’s sejam ambas resultado do processo de juridificação da relação
capital/trabalho, a prática da extensão de convénios traduz um princípio de base contratual, visto alargar
o resultado de uma negociação já realizada. No entanto, o aparente desintervencionismo do mecanismo
da extensão, pode ter como efeito dar expressão a um maior intervencionismo estatal. A escolha por um
ou por outro tipo de intervenção tem consequências sociológicas, que ultrapassam a mera opção
político-administrativa por uma visão mais liberalizante ou mais estatizante do papel do Estado na
regulação da relação entre o capital e o trabalho. Se a opção pelas PE’s tem como “função manifesta” o
aproveitamento dos resultados negociais entre os parceiros sociais, revelando uma intenção de
desintervenção do Estado, a sua “função latente” revelará uma intenção de manutenção da intervenção
do Estado, num quadro de mudança de modo de regulação através da promoção activa dos parceiros
sociais dispostos à negociação e do desenvolvimento de práticas contratuais. Esta questão torna-se
problemática num quadro de concorrência entre as duas grandes centrais sindicais sem regras sobre a
representatividade dos parceiros sociais, sabendo-se que, em certos sectores de actividade, os sindicatos
da CGTP dificilmente chegam a acordo, ou não chegam de todo, com os representantes do capital,
enquanto que os sindicatos da UGT, apostados numa postura de um sindicalismo moderado, dialogante
e de estratégia neocorporativa, tendem a concluir mais rapidamente acordos. Acrescente-se que “as
portarias de extensão não têm de incidir sobre convenções ou acordos celebrados entre os sindicatos e
associações mais representativos e não pressupõem o acordo delas” (Lucena e Gaspar, 1992:178). Para
além disso, na óptica dos sindicatos, as PE são publicadas com grandes atrasos (o que pode prejudicar
materialmente os trabalhadores) e geram por vezes uma atitude de suspeição, que tem por base a
escolha dos contratos objecto de extensão.
35
54
tornado ainda visível os efeitos que esta modificação poderá ter sobre a resolução dos
conflitos.
Acompanhando o movimento de forte intervencionismo estatal do período de
1974-1976, que se prolongou até 1979, a conciliação traduz-se numa prática que
revela um grande envolvimento por parte dos representantes da Administração do
Trabalho nos conflitos36. A partir de 1979, por força do novo enquadramento jurídicoinstitucional, a responsabilidade da conciliação e dos resultados negociais passou para
os parceiros sociais. Apesar de a palavra de ordem, desde então, ter sido a de devolver
o processo negocial às partes e de se considerar que os parceiros sociais utilizavam
muitas vezes a conciliação como instrumento de pressão sobre o Estado37, ainda
assim, na óptica dos serviços de conciliação, foi-se institucionalizando uma prática de
apresentação de propostas denominada “mediação informal”. Nesse sentido, em 1990,
dois anos antes da publicação do diploma que introduziu alterações à conciliação,
aproximando-a formalmente da mediação, a DGRCT38, por detectar um “certo
esgotamento” do quadro legal então vigente, começou a desenvolver “algumas
iniciativas no sentido de a função do conciliador se aproximar ou confundir com a
posição do mediador; isto é, no sentido de o processo conciliatório poder enveredar
pelo caminho da mediação, com a formulação de propostas tendencialmente globais
de regularização dos litígios subjacentes ao pedido de conciliação”, iniciativas essas
que, no entanto, seriam “criteriosamente utilizadas”39. Mas esta posição de princípio
face à prática de conciliação, vai de par com os esforços da administração do trabalho
para ajustar as suas funções “a um novo sistema de relações profissionais que,
entretanto se foi estabelecendo, assente num maior protagonismo dos parceiros sociais
e na consagração prática da sua autonomia e independência, e no aprofundamento do
diálogo e da concertação social”40. O resultado desta ligação entre os critérios que
estão na base da intervenção em sede de conciliação e as orientações gerais da
administração do trabalho é um “modelo pedagógico de conciliação”. Estamos em
presença de uma das políticas parcelares constitutivas do processo de transição nos
modos de regulação social do Estado.
Também do ponto de vista das relações individuais de trabalho e dos instrumentos
normativos e institucionais que lhe estão mais próximos, como é o caso da
constitucionalização do direito do trabalho, dos tribunais de trabalho, das CCJ, das
leis do contrato de trabalho e dos despedimentos, se regista uma tendência no sentido
da contratualização formal das relações de trabalho.
36
Opinião partilhada quer por sindicalistas, quer por técnicos da Administração do Trabalho por nós
entrevistados.
37
Cf. Relatório Anual DGRCT (1986).
38
Organismo da Administração do Trabalho com funções na área da prevenção e resolução dos
conflitos de trabalho. Criado pelo Decreto-Lei n.º 97/78.
39
Relatório Anual DGRCT (1991:10/11).
40
Relatório de Actividades da DGRCT (1990:2).
55
Sem curarmos de descriminar a evolução da Lei do Contrato de Trabalho,
legislação respeitante à celebração de contratos a prazo e despedimentos ou mais
recentemente da lei que estabelece a redução dos períodos normais de trabalho
superiores a quarenta horas, a observação genérica que se pode fazer é a de que elas
acompanham as tendências para a desregulamentação e flexibilização do mercado de
trabalho. Por esta via, desde finais da década de 70, se tem procedido à regulação das
relações de trabalho.
Partindo de um entendimento amplo da estrutura contratual laboral que se foi
constituindo depois de 1974, – incluindo-se nesta, as relações salariais típicas e
atípicas, legais e ilegais, formais e informais, que emergem dos processos de
inclusão/exclusão, territorialização/desterritorialização e juridificação/desjuridicação
do direito do trabalho –, constata-se que o padrão de litigação e cultura jurídica do
espaço da produção são por ela constrangidos. Uma das consequências mais
preocupantes da influência da estrutura contratual laboral sobre o padrão de litigação
e cultura jurídica laborais coloca-se no plano do acesso à justiça do trabalho. Daí que
se verifique a predominância de uma litigação individual que tem por base o contrato
por tempo indeterminado. A rarefação dos outros títulos contratuais nos tribunais de
trabalho, a fuga à litigação e a procura suprimida são outros aspectos desta
problemática.
Como já foi salientado por Monteiro Fernandes, o modelo da relação individual de
trabalho subjacente ao enquadramento jurídico da Lei do Contrato de Trabalho de
1969, ao optar pela subordinação jurídica como “critério delimitador das relações de
trabalho tuteladas, conduziu inevitavelmente a que o Direito do Trabalho perdesse
boa parte da sua racionalidade como ordenamento protector de situações de carência
económica e debilidade contratual: ficam à margem as formas de trabalho autónomo
caracterizadas pela dependência económica de quem o exerce, e são abrangidas, de
modo totalmente indistinto, as situações dos quadros e dirigentes de empresa”
(Fernandes 1984:19). Neste sentido se pode considerar que este modelo jurídico de
relações de trabalho permite na prática a coexistência de múltiplas relações de
trabalho dependente, apesar de só alguns serem tuteladas juridicamente. É por esta via
que se pode proceder à confrontação do quadro de referência jurídico laboral com os
quadros de referência empírico-substantivos emergentes do mercado de trabalho e
sistema de emprego.
Por outro lado, o tipo ideal de contrato de trabalho que está vinculado ao contrato
de duração indeterminada ao conviver de uma forma crescente com outras
modalidades contratuais flexíveis deixa antever a debilidade destas últimas enquanto
“instrumentos de confiança” em situações de conflito.
Quanto aos quadros institucionais de resolução dos conflitos individuais de
trabalho existentes desde 1975 remetem para problemáticas como sejam a da
transferência da organização judicial laboral da administração do trabalho para o
56
sistema judicial, a da morosidade da justiça do trabalho, a do acesso à justiça laboral e
a das formas de resolução dos conflitos de trabalho.
Se do ponto de vista da integração dos tribunais de trabalho no sistema judicial
pouco há a acrescentar, visto ela corresponder às modificações estruturais inerentes
aos processos de transição e consolidação democráticos, o mesmo já não se poderá
dizer no que diz respeito às outras problemáticas.
No que diz respeito à questão da morosidade, é importante salientar que entre 1975
até anos muito recentes, este foi um problema crónico do subsistema judicial laboral.
A título ilustrativo refira-se que até ao ano de 1983 os processos cíveis foram mais
céleres que os processos laborais41. Naturalmente que entre os 22 tribunais de
trabalho existentes em 1976 e os actuais 44, é grande a distância.
A morosidade dos tribunais de trabalho configurou-se mesmo como uma forma de
resolução dos conflitos, quer porque os diferia no tempo, quer porque os valores
acumulados dos pedidos nos processos geravam economia de escala para o sistema
empresarial. O gap entre o tempo biográfico e o tempo da justiça42 no domínio laboral
tornou-se num “tempo altamente perverso”, sobretudo, se pensarmos nos interesses
sociais em presença, os quais estiveram desde sempre presentes nos princípios
básicos das várias leis adjectivas laborais portuguesas.
No que respeita à questão do acesso, a alteração mais significativa decorreu da
instituição do sistema de assistência judiciária extensível aos tribunais de trabalho
(1977), o que correspondeu a uma ruptura com a situação vivida durante o período do
Estado Novo43. Refira-se no entanto que no específico domínio do acesso ao direito
do trabalho várias foram as soluções de continuidade plasmadas nas leis processuais
vindas a lume depois de 1974. Os sindicatos neste domínio, revelaram-se, desde
sempre, um dos mais importantes facilitadores do acesso ao direito e justiça do
trabalho por parte dos trabalhadores. Desde muito cedo a questão do acesso à justiça
do trabalho foi marcada pela situação vivida no movimento sindical no que diz
respeito à sua força e à disponibilidade de recursos.
Aludiu-se anteriormente ao modelo pluralista de relacionamento sindical enquanto
indutor de comportamentos e estratégias negociais diferenciadas no domínio das
relações colectivas de trabalho. Ele fez-se sentir, igualmente, no domínio do acesso à
justiça configurando diferentes atitudes negociais.
De realçar o importante papel desempenhado pelo Ministério Público, o qual
sempre procurou promover um acompanhamento em termos de esclarecimento
jurídico e em termos da composição dos litígios. A sua importância é também
colocada em evidência quando se analisa o patrocínio judiciário nos tribunais de
41
Consultar evolução da morosidade laboral segundo a fórmula de Clarck e Merryman em anexo.
Estes conceitos encontram-se desenvolvidos em Ferreira e Pedroso: 1997.
43
Consultar a este propósito o preâmbulo do Decreto-Lei 44/77, de 2 de Fevereiro.
42
57
trabalho e se constata que nalguns casos a intervenção do Ministério Público é
superior a 60%44.
No que diz respeito às formas de resolução dos conflitos emergentes do contrato de
trabalho é de referir, desde logo, o papel desempenhado pelas formas alternativas de
resolução de conflitos (ADR) e a instituição dos juízes sociais. Começando por estes
últimos, assinale-se o atraso com que o Ministério da Justiça deu sequência ao
Decreto-Lei 156/78, de 30 de Junho que visava pôr em marcha esta forma de
participação popular na administração da justiça. Isto apesar das associações sindicais
terem procedido no prazo fixado à eleição e designação dos seus candidatos a juízes
sociais (Correia 1982:81). Mais tarde, já sendo possível o recurso aos juízes sociais, a
sua prática veio a revelar-se introdutória de morosidade nos tribunais de trabalho.
Para além das considerações jurídicas que se possam tecer a propósito dos
dispositivos processuais que permitirem a utilização desta forma de participação da
sociedade civil na resolução dos conflitos individuais de trabalho, é de sublinhar o
carácter mitigado e escasso que ela veio a assumir.
Quanto aos quadros institucionais e às formas alternativas de resolução dos
conflitos individuais de trabalho a atenção recai sobre as CCJ, entre 1975 e 1985 e
sobre o DL n.º 209/92 depois dessa data.
Surgidas na sequência das antigas comissões corporativas, as CCJ instituídas pelo
decreto-lei 463/75, de 27 de Agosto visavam a tentativa de conciliação pré-judicial
com o objectivo de introduzir uma maior celeridade processual através de um órgão
jurisdicional tripartido. A história legislativa das CCJ para além de muito
problemática45 gerou memórias muito distintas da sua actuação46. Não obstante, elas
estão em articulação com a procura dos tribunais de trabalho nas questões emergentes
de relações individuais de trabalho relacionadas com o cumprimento dos contratos de
trabalho. Elas são um elemento importante na compreensão da evolução da procura
dos tribunais de trabalho nos conflitos emergentes de acções declarativas. Instâncias
de intervenção pré-judicial, a conciliação promovida pelas CCJ teve inicialmente um
carácter obrigatório, vindo depois a perdê-lo. Está-lhes subjacente um princípio
regulatório neocorporativista ainda que de base estatal.
Pela análise do desempenho das CCJ (1974-1985) na sua relação com o
movimento processual laboral verificou-se a seguinte situação. Apesar do elevado
número de processos entrados nas CCJ, e não obstante a baixa taxa de sucesso desta
instituição pré-judicial como forma de resolução dos conflitos emergentes de contrato
individual de trabalho, o valor das acções declarativas entradas não é afectado.
44
Uma análise desenvolvida do papel do Ministério Público no domínio do acesso encontra-se em
Ferreira (1998).
45
As vicissitudes porque passaram as CCJ podem ser acompanhadas, do ponto de vista legislativo nos
seguintes Decretos-Lei: DL 463/75, de 27 de Agosto, Portaria 280/76, de 4 de Maio, DL 736/75, de 23
de Dezembro, Lei 82/77, de 6 de Dezembro, DL 328/78, de 10 de Novembro e DL 115/85, de 18 de
Abril.
46
Pelas entrevistas realizadas, fica bem clara a diferença de opinião sobre o funcionamento das CCJ.
58
Verifica-se, por outro lado, que os mecanismos alternativos de resolução dos conflitos
de trabalho a que a extinção das CCJ (1992) deu lugar não denotam efectividade.
Daqui resulta que, desde 1975 até à actualidade, existe um sistema de resolução dos
conflitos individuais de trabalho alternativo ao tribunais, cujos elementos assumem ao
longo do tempo as mais diversas formas, o qual vive, no entanto, uma situação de
incomunicabilidade com o subsistema judicial laboral.
A figura dos juízes sociais nos tribunais de trabalho, as CCJ e a possibilidade das
convenções colectivas promoveram formas de conciliação, mediação e arbitragem
para a resolução dos conflitos individuais de trabalho configuram a existência de
princípios de resolução dos conflitos bipartidos ou tripartidos que requerem em
qualquer dos casos a participação e empenhamento dos parceiros sociais. A sua falta
de efectividade é consequência da situação vivida no sistema de relações laborais.
De referir ainda que a “retirada” do Estado das relações de trabalho se exprime
igualmente pelo movimento de desjudicialização em matéria de transgressão laboral,
cujos efeitos se manifestam, quer pela diminuição do peso das acções de transgressão
nos tribunais de trabalho (desde 1985), quer pelo aumento de volume da acção
inspectiva do trabalho.
Concluindo, são as características do processo específico de institucionalização
dos conflitos de trabalho em Portugal que conduzem à falta de efectividade das
instituições e organismos onde é requerida a participação e intervenção dos parceiros
sociais. Como tem sido demonstrado, em Portugal existe uma forte dificuldade em
implementar formas de participação e intervenção dos parceiros sociais, quer se trate
das formas de participação indirecta e democracia industrial, quer das formas de
participação directa47. Este é um atavismo do sistema de relações laborais português
que constrange todas as propostas de alteração do mesmo. Neste sentido se deve
equacionar a participação dos parceiros sociais, quer nos espaços de representação
institucional do Estado, como o IDICT, a concertação social, ou os tribunais, nas
comissões de segurança, saúde e higiene no trabalho, na auscultação dos parceiros
sociais sobre a produção de legislação laboral, etc., bem como toda a noção de
paritarismo e auto-regulação.
47
Cf. a este propósito Kovács, 1994; Trindade, 1994; Teixeira, 1994;Cristóvam, 1995; Krieger, 1995;
Marques, 1996).
59
CAPÍTULO 4
O sistema de regulação e de resolução dos conflitos de trabalho
Na discussão sobre a regulação é possível identificar três elementos estruturais
componentes do processo complexo da regulação social das relações de troca e das
relações salariais: “o Direito (normalização estatal), o contrato (normalização
contratual) e os valores partilhados (normalização cultural)” (Santos, 1993:28). No
entanto, o recurso a diferentes “níveis de análise e hipóteses intermédias” (Reis, 1993)
é pertinente, quando se pretende autonomizar analiticamente dos modos de regulação
social mais gerais de uma sociedade concreta, a esfera da conflitualidade laboral e os
mecanismos da sua resolução. Consideramos assim que a regulação dos conflitos
laborais é um processo social complexo que, para além dos elementos estruturais
identificados, envolve na produção e aplicação (Guibentif, 1992, 1993) da
normatividade laboral, diferentes espaços contextuais, como sejam: 1. Negociação
Directa; 2. Conciliação e Mediação; 3. Arbitragem; 4. Intervenção Administrativa
Laboral; 5. Intervenção do Aparelho Judicial; 6. Pluralismo Jurídico e Resolução
Extra-Judicial dos Conflitos; 7. Pluralismo Jurídico e Resolução Informal dos
Conflitos. Estes elementos constitutivos da categoria mais genérica que é o “espaço
da produção” são unidades sociológicas onde se configuram diferentes articulações
entre o global e o local, entre o macro e o micro sociológicos, entre a acção e a
estrutura e entre o consenso e o conflito.
Recorrendo à linguagem sistémica heuristicamente com o objectivo de classificar e
de organizar o “espaço da produção”, no que tange à resolução dos conflitos, torna-se
mais fácil identificar a afectação das formas de resolução pelos tipos de conflitos.
Partimos do seguinte design dos conflitos laborais e das formas da sua resolução: por
um lado, assumimos que o direito do trabalho e os tribunais de trabalho associados às
relações de trabalho individuais fazem parte do sistema legal, sendo constituídos pela
comunicação legal que tem por base um código que se organiza a partir do princípio
do favor laboratoris – estamos formalmente perante uma relação de subordinação
jurídica de um dos sujeitos ao outro; por outro lado, os acordos colectivos e a
negociação colectiva (incluíndo a conciliação, a mediação e a arbitragem) pertencem
à estrutura auto-regulada do sistema de relações industriais e são sobretudo
constituídos pela comunicação das relações industriais que têm por base um código
que parte do princípio da autonomia colectiva e da auto-regulação dos interesses –
estamos formalmente perante relações de coordenação numa base parificada.
Contudo, as formas de resolução dos conflitos não se confinam estritamente àquela
dicotomização, apresentando muitas soluções mistas, podendo distinguir-se cinco
mecanismos de resolução dos conflitos de trabalho: a conciliação, a mediação, a
arbitragem (resolução de conflitos colectivos de interesses – embora prevista mas não
60
utilizada na resolução de conflitos individuais) e as comissões paritárias (resolução de
conflitos colectivos de interpretação – na prática pouco utilizados) ligadas à
negociação colectiva; os Tribunais de Trabalho (resolução de conflitos individuais de
trabalho e raramente de conflitos colectivos de interpretação ou de integração); a
resolução de conflitos no local de trabalho por normas que regulamentam as relações
sociais na produção; a resolução de conflitos no local de trabalho pela acção da
Inspecção de Trabalho; e, finalmente, a intervenção administrativa através de
portarias (PRT’s, na prática não utilizadas como forma de resolução dos conflitos
colectivos de trabalho).
Estes mecanismos de resolução de conflitos de trabalho estão envolvidos em
diferentes subsistemas sociais. Assim, a conciliação, a mediação, a arbitragem e as
comissões paritárias são mecanismos constitutivos do sistema de relações industriais e
da negociação colectiva, sendo utilizados para resolver conflitos colectivos; os
procedimentos ligados às relações na produção e à intervenção da Inspecção de
Trabalho, desenvolvem-se ao nível das organizações e das empresas e lidam com
conflitos (individuais ou colectivos) que ocorrem no local de trabalho; por seu lado,
os Tribunais de Trabalho fazem parte do sistema legal e lidam com conflitos
judicializados (individuais e colectivos); por último, a intervenção administrativa
através de portarias e o acompanhamento em sede de conciliação, partem do sistema
estatal-administrativo e lidam com conflitos colectivos.
Do ponto de vista sociológico é fundamental salientar que o modelo atrás descrito
é um modelo potencial de resolução dos conflitos laborais, já que na prática, para
além das limitações quanto à efectividade dos direitos laborais em Portugal, existe
uma forte propensão para a resolução de conflitos de modo informal entre
trabalhadores e entidades patronais (Santos, et al., 1996).
O sistema de resolução dos conflitos e trabalho, a que aludimos anteriormente,
pode ainda ser abordado do ponto de vista dos contextos institucionais,
organizacionais e normativos onde se estabelecem os processos de interacção entre os
parceiros sociais, segundo os princípios de resolução que são accionados na gestão
dos conflitos laborais, segundo as formas e modalidades de resolução dos conflitos e,
ainda, segundo os objectos dos conflitos e reivindicações sociais em presença48.
Não sendo possível no espaço deste trabalho proceder a uma análise aprofundada
dos factores anteriormente aludidos,49 optámos, assim, por potenciar o sentido
heurístico e descritivo que decorre da aplicação daqueles factores ao sistema de
resolução de conflitos de trabalho. Em termos muito gerais, diremos apenas que
considerámos como princípios, entre outros, a auto-regulação, a adjudicação, a
intervenção estatal, a resignação etc. Quanto às formas e modalidades de resolução de
conflitos, atendemos às formais e informais, às judiciais e pré-judiciais; à intervenção
48
Uma análise aprofundada dos diferentes princípios e modos de regulação, encontra-se entre outros
em Lucena (1985), Santos (1995) e Moreira (1996).
49
Noutro local aprofundamos a matéria em apreço. Consultar a este propósito Ferreira:1997.
61
administrativa, etc. No que diz respeito aos conflitos, dividimo-los entre individuais e
colectivos, por um lado, e entre jurídicos ou económicos, por outro.
Conflitos Individuais
Contextos ou espaços
institucionais
Princípios de resolução ou formas de resolução
dos conflitos
Tribunal 1 - Sentença
Adjudicação
Judicial
Tribunal 2 - Auto conciliação
Conciliação
jud.
/
Autoregulação assistida no
espaço
da
adjudicação
judicial
Conciliação
Judicial
Tribunal 3 - Conciliação MP
Juizes sociais
CCJ (até 85)
DGRCT (antes de 85)
Neocorporativa
(adjudicação-conciliação)
Auto-regulação /conciliação
Auto-regulação /conciliação
Judicial formal
(1985)
Judicial-informal
Judicial
Efectividade
Tipo ou
objecto do
conflito
+
Decorrente da
aplicação
ou
interpretação
de normas
+
||
+
||
||
Pré-judicial
obrigatória
Informal
||
||
DGRCT(depois de 85)
Auto-regulação /conciliação
Informal
||
Centros de Arbitragem
Auto-regulação /conciliação
Formal
||
Negociação colectiva,
arbitragem, conciliação,
mediação
Empresa 1
Auto regulação
Informal/A.D.R.
||
Auto-regulação /conciliação
Informal
+
||
Empresa 2
Hierarquia/Poderes de facto
Informal
+
||
Empresa 3 (IGT)
Administração
Informal
+
||
Empresa 4 (IGT)
Administração
Formal
+
||
Empresa 5 (Sindicatos)
Auto-regulação
Informal
+
||
Empresa 6
Sociedade
Hierarquia/poderes de facto
Redes/Auto composição
62
Informal /
resignação / procura
suprimida
Informal
+
||
||
+
Conflitos colectivos
Contextos ou espaços
institucionais
Negociação colectiva
Comissões paritárias
Conciliação (AT)
Mediação
Arbitragem
Tribunais
PRT (AT)
Procura suprimida
Empresa
Concertação social geral
Concertação social produção do direito
Concertação social comissões
de acompanhamento AES
1990 e Acordo sobre Política
de Rendimentos 1992.
Acordo de curto prazo 1996.
Acordo de Concertação
estratégica 1996
Princípios de resolução ou formas de resolução
dos conflitos
Auto-regulação / autonomia
colectiva
Auto-regulação
Negociação directa
Auto-regulação
/auto
regulação assistida pela
administração do trabalho
Auto-regulação
/auto
regulação assistida pela
administração do trabalho
Auto-regulação
/auto
regulação assistida
Adjudicação
ADR
Hetero-regulação
administrativa
Resignação
/
via
Poder de facto / acto de
gestão
Neocorporativismo
/
associativismo/
Autoregulação / auto-governo
Neocorporativismo
/
associativismo/
Autoregulação / auto-governo
ADR
Efectividade
Tipo ou
objecto do
conflito
Interesses ou
+
económicos
+Interpretação
ou aplicação de
normas
Interesses ou
+económicos
ADR
Interesses ou
económicos
-
ADR
Interesses ou
económicos
Interpretação
ou aplicação de
normas
Interesses ou
económicos
Interesses ou
económicos
Interesses
económicos
Sentido
das
políticas
públicas
/
Referências
negociais
Normas sobre
SRRCT
-
Judicial
Formal
Desistência /
Supressão
Informal
Negociação
(bilateral/trilateral)
Negociação
(bilateral/trilateral)
Informal
Neocorporativismo
/
associativismo/
Autoregulação / auto-governo
+-
+
+
+-
+-
Interesses ou
económicos
+-
Vejamos de uma forma sinóptica o estado em que se encontra o SRRCT
identificando alguns elementos contextuais que são, simultaneamente, causa e
consequência da sua actual situação.
1. A primeira observação a fazer é a de que no domínio das formas de resolução
dos conflitos de trabalho predominam os modelos que têm por base a auto-regulação.
A gestão das situações conflituais é, assim, feita no quadro de um poder do Estado
que se expande por via de um “governo indirecto” e promove a regulação dos
conflitos por via da informalização e da conciliação.50 Como veremos mais adiante, a
conciliação é uma forma privilegiada de composição dos conflitos de trabalho, quer
seja a nível individual, quer seja a nível colectivo.
50
Para uma análise mais detalhada deste processo consultar Santos, 1982.
63
De referir, igualmente, o grande peso dos modos informais de resolução dos
conflitos, os quais, tanto podem ter por base um enquadramento normativo, como
podem decorrer da resignação ou da procura suprimida da tutela dos direitos.
2. Também nos parece relevante o carácter de que se reveste a obtenção das
conciliações no domínio das relações sociais de produção. Os dados revelam que
funciona mal a conciliação que decorre no quadro de formas informais de resolução
dos conflitos, em que o poder disponível nos contextos institucionais ou contextos de
decisão é limitado. Exemplos desta situação encontramo-los na história das CCJ, na
conciliação dos conflitos colectivos, bem como na ausência de criação deste tipo de
mecanismos, de que é exemplo, o facto de a negociação colectiva não instituir, como
está previsto, instrumentos de conciliação, mediação e arbitragem para a resolução de
conflitos individuais. O nosso trabalho demonstra que a conciliação no domínio das
relações laborais em Portugal funciona e obtém resultados palpáveis quando decorre
em espaços públicos como são os tribunais, em que a conciliação é uma autoregulação assistida no espaço de adjudicação judicial, isto é, em que a alternativa à
conciliação pode ser uma sentença.
3. Embora presentes em diversos contextos institucionais, como sejam, os das CCJ,
os dos centros de arbitragem, os dos juízes sociais, os das comissões paritárias, e os
da concertação social, os princípios neocorporativos (de base bilateral e trilateral) e a
auto-regulação, tendem a efectivar-se ao nível macro, como é o da concertação social,
deixando nos outros níveis de negociação um rasto marcado pela ausência de
participação e intervenção dos parceiros sociais. A concertação social é a face visível
da auto-regulação e do neocorporativismo.
4. Todavia, o papel que a concertação social desempenha como racionalizador do
sistema de resolução dos conflitos de trabalho é ambíguo, quer do ponto de vista da
produção do direito, quer do ponto de vista da sua aplicação, quer ainda do ponto de
vista da forma como intervém informalmente na resolução dos conflitos de trabalho.
No que concerne à intervenção na resolução dos conflitos de trabalho merecem
menção as medidas que visam a prevenção e acompanhamento das situações de
conflito. Quer o Acordo Económico e Social de 1990, quer o Acordo sobre a política
de rendimentos de 1992 quer, mais recentemente, o Acordo de Concertação Social de
Curto Prazo de 1996, ou o Acordo de Concertação Estratégica de 1996, prevêem
comissões de acompanhamento. Como se sabe, as opiniões acerca da sua eficácia e
funcionamento assumem índoles muito diversas.
Em matéria de produção e aplicação de normas constitutivas do sistema de
resolução de conflitos de trabalho, a situação é verdadeiramente ambígua. Várias
foram as iniciativas tomadas no âmbito da concertação social visando a alteração ou
melhoria das formas de resolução dos conflitos individuais e colectivos de trabalho.
Retomando-se uma discussão que remonta aos debates públicos havidos em finais da
década de setenta acerca dos vários projectos de criação de serviços de conciliação e
64
arbitragem, aborda-se, pelo menos desde 1989, no âmbito do CPCS a possibilidade de
regulamentação de um protocolo sobre a organização e funcionamento de centros de
arbitragem e conciliação.
Resultados concretos transpareceram no Acordo Económico e Social de 1990,
tendo vindo a ser posteriormente vazados no Decreto-Lei 209/92, de 2/10 o qual
introduziu alterações nas formas de resolução dos conflitos de trabalho, que vão desde
a instituição da arbitragem obrigatória nos conflitos colectivos de trabalho, passando
pela possibilidade das convenções colectivas instituírem formas de conciliação,
mediação e arbitragem nos conflitos emergentes das relações individuais de trabalho,
até ao modo como se potenciou o papel da conciliação.
O mais interessante no que a esta matéria diz respeito é que, até 1998, os efeitos
práticos destas alterações não se fizeram sentir (à excepção, talvez, de alguma
alteração procedimental, no papel desempenhado pela administração do trabalho em
sede de conciliação e pela criação de centros de arbitragem regionais). Dos acordos
negociados mais recentemente, transparece a necessidade de reforçar as intenções
expressas anteriormente, como se pode constatar pela consulta, quer do acordo de
Curto Prazo, quer pelo Acordo de Concertação Estratégica (1996), – a que se devem
acrescentar as matérias respeitantes à melhoria da justiça e administração do trabalho,
reforço da negociação colectiva e participação dos parceiros sociais. Manifestamente,
estas são matérias acerca das quais existe uma razoável dose de discordância entre os
parceiros sociais que põe a claro os limites das formas de produção do direito de base
auto-reflexiva num quadro de desentendimento e de assimetria de poder.
5. A negociação colectiva, por seu lado, não pode deixar de reflectir o estado de
coisas a que aludimos anteriormente acerca das formas de resolução dos conflitos de
trabalho. Quando se questiona a pobreza da negociação colectiva em Portugal,
pobreza essa que se expressa, evidentemente, num âmbito mais alargado, não se pode
deixar de levar em consideração a rarefacção da instituição de formas alternativas de
resolução de conflitos individuais e colectivos. A título ilustrativo refira-se o papel
limitado desempenhado pelas poucas comissões paritárias que estão instituídas, a
paralisia da arbitragem e a não promoção da conciliação em conflitos individuais.
6. Tomando como referência a estrutura contratual laboral na sua relação com a
procura e acesso à justiça, diremos que a precarização dos contratos de trabalho tem
efeitos muito concretos sobre a procura e acesso aos tribunais de trabalho. Pensando
apenas nas formas contratuais legalmente consignadas, seria de esperar que existisse
algum isomorfismo e correspondência entre a estrutura contratual laboral e a procura
dos tribunais de trabalho. Todavia, assim não sucede. As investigações por nós
levadas a cabo permitem-nos concluir pela rarefacção dos títulos contratuais que não
sejam o contrato por tempo indeterminado. Este tipo de contrato é o que está mais
próximo das relações salariais de tipo fordista e o que mais reduz o risco contratual.
As formas contratuais de regulação das relações salariais, incluindo-se as que estão
65
associadas ao trabalho atípico, ao traduzirem um maior grau de contingência e falta de
confiança contratual, concorrem para o esvaziamento da tutela judicial. Esta é, de
facto, uma forma de regulação eficaz dos conflitos de trabalho.
7. Ainda no plano da procura dos tribunais de trabalho e, atendendo aos dados do
movimento processual, é de referir que estes indicam uma diminuição global. Ela é
particularmente significativa quando tomamos como referência os anos de 1974 e
1978 em que ocorreu um grande aumento da procura. No entanto, uma análise
discriminada por tipo de acção conduz a outras conclusões. Por um lado, e não
obstante a diminuição da procura global dos tribunais de trabalho, verifica-se o
aumento das acções declarativas. Este facto encontra-se, de alguma forma,
relacionado com a não existência de formas de resolução dos conflitos de trabalho
alternativas aos tribunais por ocorrer com mais clareza depois de 1985, após a
extinção das CCJ. Por outro lado, as acções de contrato individual de trabalho tendem
a aumentar quando comparadas com as acções declarativas de acidente de trabalho.
Refira-se ainda a diminuição da procura das acções de transgressão que se ficou a
dever a alterações na legislação substantiva.
8. Num outro registo, é ainda importante chamar a atenção para os conflitos
individuais de trabalho que são resolvidos sem sequer chegarem ao tribunal.
Como ficou demonstrado pelo estudo Os Tribunais nas Sociedades
Contemporâneas: O caso Português (Santos et al. 1996), a maior parte dos conflitos
laborais são resolvidos na sociedade de uma forma auto-compositiva. Entre a
resignação e a intervenção de uma terceira parte, várias são as modalidades
encontradas para a resolução dos conflitos fora dos tribunais de trabalho.
9. Se atendermos apenas aos conflitos emergentes de contratos individuais de
trabalho, do ponto de vista da relação entre a procura potencial e a procura real dos
tribunais de trabalho para a resolução deste tipo de litígios, constatamos a grande
discrepância entre os dois tipos de procura.
Em anexo a demonstração feita pelo recurso à metodologia da pirâmide dos
conflitos de contratos individuais de trabalho ilustra bem esta situação.
10. No campo do acesso é de sublinhar o relevante papel desempenhado pelos
sindicatos e pelo Ministério Público (entendendo-se o acesso em sentido amplo
englobando a representação judiciária e a informação e esclarecimentos de direitos).
No que a esta matéria diz respeito, é muito significativo referir a função da
facilitação dos sindicatos, função essa que, aliás, é uma dimensão básica da sua
intervenção e participação nas relações de trabalho. No entanto, as nossas
investigações levam-nos a concluir pela grande variabilidade do desempenho dos
sindicatos. Do mesmo modo que a negociação colectiva, também a função facilitadora
dos sindicatos na resolução dos conflitos individuais de trabalho está dependente do
poder e recursos do movimento sindical. As situações são muito diferenciadas,
variando entre sindicatos fortes e com recursos suficientes para promoverem um bom
66
patrocínio judiciário e sindicatos de fracos recursos e com estruturas organizacionais
débeis que diferem frequentemente para o Ministério Público uma função que não
podem executar. É neste contexto que o Ministério Público assume um papel muito
relevante e que ultrapassa a repartição do patrocínio judiciário legalmente prevista.
Do nosso ponto de vista a problemática em apreço suscita, muito claramente, a
questão da participação e intervenção dos sindicatos na administração da justiça em
matéria de acesso ao direito e justiça laborais.
11. Na óptica das formas de resolução dos conflitos de trabalho, é de referir que
existe um padrão nacional de resolução dos conflitos. O padrão de litigação e cultura
jurídica laborais caracterizam-se historicamente pelo grande peso da conciliação
como forma de resolução dos conflitos de trabalho. Não obstante, e pensando agora
de uma forma genérica nos vários termos dos processos laborais, identificam-se
situações de afastamento do padrão nacional. Uma análise discriminada por tribunal
de trabalho permite identificar a existência de “espaços da justiça” muito
diferenciados, ou seja, em muitos casos os tribunais têm um desempenho muito
heterogéneo em relação aos padrões nacionais, podendo mesmo ocorrer o esbatimento
ou apagamento da importância da conciliação como forma de resolução do conflito,
com o correspondente aumento da adjudicação.
12. No que diz respeito aos prazos de duração dos processos será importante
salientar a melhoria obtida nos últimos anos. Se em termos gerais, em 1975, um
processo laboral demorava, em média, 48,7 meses, em 1994 demora apenas 8 meses.
Uma análise por escalões de duração também é significativa, já que ilustra que a
grande maioria de processos de contrato individual de trabalho e acidente de trabalho
se resolvem até um ano e de um a dois anos. No entanto, não obstante esta melhoria
do índice de eficiência dos tribunais de trabalho de primeira instância, o facto é que
existe um número apreciável de processos que têm duração igual ou superior a cinco
anos. Por outro lado, e apesar de se poder concluir pela importância das normas
processuais laborais para a redução da dessincronia entre o tempo biográfico das
partes e o tempo da justiça continua, ainda assim, a colocar-se a questão da duração
dos processos no domínio laboral. Por exemplo, a este respeito, atenda-se à
especificidade dos interesses sociais em causa e ao facto de em termos “ideaistípicos” uma acção declarativa ordinária poder durar, em média, desde a sua
propositura até à leitura da sentença, 211 dias úteis e uma acção declarativa sumária
durar 126 dias úteis. Também no domínio dos tempos da justiça laboral se encontra a
característica da diferenciação e heterogeneidade do desempenho dos tribunais de
trabalho por referência aos padrões nacionais, como sucede no domínio da
composição dos litígios.
A título ilustrativo diga-se apenas que, em 1989, entre os 1237 dias, em média, que
o tribunal de trabalho do Funchal necessitou para resolver um processo de Contrato
Individual de Trabalho e os 110 dias que o tribunal de trabalho da Póvoa do Varzim
67
necessitou, a distância é enorme. Igualmente, em 1994 o tribunal de trabalho mais
moroso foi o do Funchal com 617 dias, em média, e o menos moroso foi o de
Portalegre com 175 dias para a resolução dos conflitos.
13. No que diz respeito à intervenção da administração do trabalho nas relações
individuais, diremos o seguinte. Ela desempenha um importante papel no acesso e
esclarecimento dos direitos laborais através de instrumentos como a Linha Azul, e a
Inspecção do Trabalho. Com efeito, no que diz respeito ao sistema de acesso ao
direito e justiça laborais ela contribui de uma forma facilitadora.
Todavia, já no que se refere à sua intervenção na resolução dos conflitos
individuais algumas observações devem ser feitas. A primeira decorre do tipo de
intervenção da inspecção do trabalho nas empresas que, muitas vezes, varia entre uma
actuação de tipo inspectivo e uma actuação de tipo conciliatório. Existe assim uma
certa ambiguidade entre uma actuação formal e informal visando a resolução dos
conflitos individuais no espaço da empresa. A segunda decorre do que foi, pelo menos
até tempos recentes, uma certa ambiguidade na intervenção da DGRCT na
composição dos conflitos individuais de trabalho. Antes de 1985, isto é, ainda durante
o período de funcionamento das CCJ, vários são os relatórios de actividades que
exprimem uma certa situação de “concorrência” entre este organismo e as CCJ. Após
a extinção destas, mantendo-se uma intervenção conciliatória por parte da
administração do trabalho, neste domínio continua a exprimir-se uma certa
contingência organizacional. Ela resulta das várias alterações às leis orgânicas da
administração do trabalho que vão mais no sentido de ligá-la à dimensão colectiva das
relações de trabalho e as práticas desenvolvidas por algumas delegações da
administração do trabalho que continuam a empenhar-se na composição dos conflitos
individuais de trabalho. Esta contradição ficou bem patente nas intervenções levadas a
cabo em 1991 no debate realizado no Fórum Picoas sobre relações profissionais e
relações de trabalho.
14. No que diz respeito à intervenção da administração do trabalho nos conflitos
colectivos, diremos o seguinte. Vários estudos realizados (Ferreira, 1993, 1994) até
1993 deixaram bem clara a ambivalência e permeabilidade da actividade conciliatória
aos desígnios das políticas seguidas na regulação do mercado de trabalho. Apesar das
alterações introduzidas em 1992, pelo decreto-lei 209/92 identificou-se um certo
“desvio administrativo” na interpretação e aplicação da lei. Apesar de se ter
potenciado a conciliação, esta permaneceu “refém” das opções seguidas na regulação
do mercado de trabalho por parte do Estado. Por outro lado, o não recurso à via
administrativa das PRT’s que, recorde-se, continuam a poder ser emitidas no caso de
manifestas manobras dilatórias exprimem bem como a não intervenção pode ser uma
forma de regulação. Em muitos casos o que verdadeiramente se pretende com um
processo de conciliação é formular-se um acto de gestão que unilateralmente resolva o
conflito.
68
Num quadro de pobreza da negociação colectiva, que o mais das vezes se fica a
dever, quer a questões técnicas, quer à falta de pedagogia negocial, a aposta da
intervenção da administração do trabalho no domínio das relações colectivas, bem que
se poderia expressar por um apoio mais activo, quer em fase de negociações directas,
quer num acompanhamento das fundamentações económicas da fase de conciliação.
Neste domínio, vive-se em muitos casos uma situação equivalente do ponto de vista
das organizações sindicais, àquela a que aludimos anteriormente no domínio do
acesso aos tribunais de trabalho.
15. Finalmente, uma observação a propósito das empresas enquanto espaço de
resolução dos conflitos de trabalho. Domínio por excelência do exercício de poder
patronal e de direcção, as empresas e a sociedade continuam a ser o espaço
privilegiado de resolução dos conflitos de trabalho. Se, por um lado, a intervenção da
administração do trabalho desempenha um papel importante nas intervenções no local
de trabalho, também é verdade que a hierarquia e os “poderes de facto” conduzem a
uma resolução dos conflitos ou por resignação ou por uma intervenção informal de
uma terceira parte. Recorde-se que tem sido evidenciado o recuo e dificuldades de
participação dos sindicatos e representantes dos trabalhadores na vida das empresas.
A crescente precarização dos vínculos contratuais, em conjunto com as políticas de
recursos humanos apostadas na segmentação, dicotomização, precarização e
exteriorização do emprego são igualmente factores a considerar.
CONCLUSÃO
Ao longo deste trabalho referimos várias ideias, hipóteses e resultados que
passamos agora a apresentar de uma forma sintética.
Em primeiro lugar chamamos a atenção para as alterações contextuais que
influenciam a sociedade em geral e, no nosso caso concreto, o sistema de relações
laborais. Fenómenos como o dos processos de globalização à escala mundial e as
alterações, em questões-chave do mundo laboral, como sejam a alteração da relação
Estado-capital-trabalho, a alteração dos padrões de conflitualidade laboral, a crise no
movimento sindical, a mudança de paradigmas da produção, as tendências para a
flexibilidade e desregulamentação e a transformação da própria noção de empresa,
fazem com que hoje as relações de trabalho se desenvolvam em ambientes
contingentes marcados pela indeterminação e pela emergência da sociedade de risco.
Inevitavelmente, a normatividade laboral portuguesa, os processos de
institucionalização e os sistemas de resolução dos conflitos de trabalho exprimem este
estado de coisas51.
51
No projecto de investigação que estamos a levar a cabo procuramos justamente captar a influência
que os processos de globalização têm sobre a alteração da normatividade laboral. Em particular
atendemos às formas como os processos de globalização conduzem a uma alteração dos padrões e
formas de resolução dos conflitos de trabalho, individuais e colectivos.
69
Em segundo lugar chamamos a atenção para a necessidade de se pensarem os dois
elementos que compõem uma mesma relação socio-política, Estado e sociedade civil,
de uma forma relacional e interdependente. Eles são as duas faces da mesma moeda,
não fazendo sentido, em domínios como o das relações de trabalho, pensá-los como
entidades autónomas.
A relação que se estabelece entre o Estado e a sociedade civil tem consequências
muito específicas para o sistema de relações laborais, nomeadamente, no que diz
respeito ao desenvolvimento da normatividade laboral e às formas de resolução dos
conflitos de trabalho. Sendo a participação e intervenção dos parceiros sociais uma
referência histórica e normativa caracterizadora dos modos de resolução dos conflitos
de trabalho, não pode deixar de se levar em atenção os específicos processos sociais
em que se desenvolveu e ocorre essa participação e intervenção. O caso da sociedade
portuguesa é, a todos os títulos, ilustrativo da forma como, quer a relação Estado/
sociedade civil, quer a própria natureza da sociedade civil, se afastam dos modelos
paradigmáticos das relações de trabalho emergentes ou surgidos nos países centrais.
Se, procuramos chamar a atenção para a história recente da sociedade portuguesa,
nela apontando as principais características do associativismo sindical e patronal, foi
com a preocupação de trazer à colação um elemento estrutural do nosso sistema de
relações laborais. No caso da sociedade portuguesa, para além dos específicos
processos de transição e consolidação democrática que marcaram de uma forma
determinante o sistema de relações laborais, a actual força, poder e recursos
organizacionais das associações de interesses são um factor explicativo do estado do
sistema de resolução dos conflitos de trabalho.
Sendo, sobretudo, uma criação da sociedade civil, a normatividade laboral e as
formas de resolução dos conflitos de trabalho constituem um indicador sociológico
privilegiado do peso da intervenção estatal e das forças de organizações de interesses
na regulação das relações de trabalho. Neste sentido, nem na história nem na
actualidade, encontramos os elementos sociais fundamentais para que a regulação das
relações de trabalho se dê no espaço público de uma forma auto-regulada, derivando
da capacidade de intervenção e participação dos actores sociais em presença.
Convirá sublinhar que as ambiguidades detectáveis no sistema de resolução dos
conflitos de trabalho e que decorrem, essencialmente, do gap existente entre intenções
expressas e práticas efectivas dos parceiros sociais, entre o law in books e o law in
action , ocorrem num contexto social marcado pelo desemprego, pela precarização
das relações salariais, e pela heterogeneidade dos sectores e espaços económicos.
Pensamos ter demonstrado que, em Portugal, existem dois sistemas de resolução
dos conflitos de trabalho. Um, é o sistema virtual, o qual decorre dos dispositivos
instituídos que, na prática, não funcionam cabalmente. O outro, é o sistema real e
efectivo que exprime as práticas dos parceiros sociais e as trajectórias reais dos
conflitos do mundo laboral.
70
É certo que é nas situações de conflito social que as sociedades melhor exprimem
as estruturas profundas que as constituem. Neste sentido, a actual situação do sistema
de resolução dos conflitos de trabalho em Portugal é verdadeiramente representativa.
Do nosso ponto de vista, hoje em dia, é importante que a agenda política do mundo
do trabalho inclua a questão das formas de resolução dos conflitos. Essa não é,
evidentemente, uma questão que hegemonize as restantes questões que se colocam ao
mundo do trabalho. No entanto, ela exprime uma dimensão fundamental das relações
sociais e da vida em sociedade. Entre uma alteração dos quadros institucionais ou um
aprofundamento dos que existem actualmente, coloca-se um vasto “campo de
possíveis”. Qualquer uma das opções que se tomem não se traduzirá em resultados
concretos se, simultaneamente, não ocorrer uma alteração substancial das práticas dos
parceiros sociais, Estado incluído, e se não se esclarecer a relação entre o mundo do
trabalho e o interesse geral da sociedade. Do nosso ponto de vista, esta última questão
radica numa concepção do direito do trabalho e da sua justiça como questões políticas
que dizem respeito à sociedade como um todo. Torna-se necessário que ocorra um
“empowerment” da normatividade laboral e das relações sociais que conduza a um
aumento do exercício da cidadania.
Finalmente, apesar da noção de justiça social ser cada vez mais contraditada pelo
“princípio da realidade”, já que a exclusão social, a precarização, o risco e a
insegurança estão para ficar, ela deve fazer parte das agendas pessoais, colectivas e
institucionais, como um princípio orientador que vai de par com o da dignidade ética
da pessoa humana.
71
ANEXOS
72
Evolução do Movimento processual laboral
70,0
60,0
50,0
40,0
30,0
20,0
10,0
Pendentes 1 Janeiro
Entrados
1994
1992
1990
1988
1986
1984
1982
1980
1976
1978
1972
1974
1970
0,0
Findos
Fonte: Estatísticas
da Justiça
Tipos de acções laborais entradas
100 000
80 000
60 000
40 000
Total
Declarativas
Executivas
1995
1994
1993
1992
1991
1990
1989
1988
1987
1986
1985
1984
1983
1982
1981
1980
1979
1978
1977
1976
1975
1974
1973
1972
1971
1970
20 000
Transgre.
Fonte: Estatísticas
da Justiça
73
Processos Findos
20000
15000
10000
5000
0
1989
1990
1991
1992
Acidentes
1993
1994
Acidentes
Contratos
1995
1996
Contratos
Fonte: Gabinete de
Estudos e Planeamento do Ministério da Justiça
Termo do processo CIT
100%
80%
60%
40%
20%
0%
1989
1990
1991
1992
1993
Findo Antes do
Julgamento Por:
Indeferimento Liminar
Findo Antes do
Julgamento Por:
Desistência
Findo Antes do
Julgamento Por:
Transacção
Findo Antes do
Julgamento Por:
Condenação do Réu
no Pedido
Findo Antes do
Julgamento Por:
Absolvição do Réu na
Instância
Findo Antes do
Julgamento Por: Outro
Termo
Pelo Julgamento:
Procedente
Pelo Julgamento:
Procedente em Parte
Pelo Julgamento:
Improcedente
1994
Fonte: Gabinete
de Estudos e Planeamento do Ministério da Justiça
74
Evolução da Morosidade
1970
1971
1972
1973
1974
1975
1976
1977
1978
1979
1980
1981
1982
1983
1984
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
Pendentes 1
Janeiro
42801
41461
52059
60393
66942
76789
189139
202941
196069
182255
173990
171351
160615
136431
116355
96485
81461
67035
56789
50267
47885
52547
39913
42885
46757
Entrados
Findos
32154
39076
41162
44773
41127
52304
92874
82959
55640
53168
61045
56197
46936
52108
49965
54584
47849
43447
43818
50100
44405
45822
50568
60455
56903
C. e Merryman
33494
28478
32828
38224
31280
25522
79072
89831
69454
61433
63684
67017
71341
71622
67983
64162
62049
53580
50518
52894
46580
50558
47618
54250
62340
Meses
1,2
1,8
1,8
1,8
2,5
4,1
2,6
2,2
2,6
2,8
2,7
2,4
1,9
1,6
1,4
1,4
1,1
1,1
1,0
0,9
1,0
0,9
0,9
0,9
0,7
14,9
21,9
22,1
21,0
29,5
48,7
30,8
26,2
31,5
34,0
32,3
28,7
22,9
19,6
17,4
16,3
13,0
12,7
11,9
10,8
11,8
11,3
10,8
10,9
8,0
Fonte: Estatísticas da Justiça
Evolução da morosidade por escalões
Contratos individuais de trabalho
1989
1990
1991
1992
1993
1994
Até 1 ano
58,3
60,1
60,7
67,4
72,4
73,7
]1, 2 anos]
17,9
20,1
20,2
17,8
15,8
17,8
]2, 3 anos]
7,7
6,5
6,8
5,5
5,5
4,6
]3, 5 anos]
9
6,5
5,8
5,1
3,4
2,4
7,1
6,8
6,5
4,2
2,9
1,5
Mais de 5 anos
75
Acidentes de trabalho
1990
1991
1989
1992
1993
1994
Até 1 ano
71,7
70,7
67,4
69,0
74,5
72,6
]1, 2) anos
18,9
21,3
23,1
21,7
18,3
20,0
]2, 3] anos
4,0
4,4
5,7
5,3
4,4
4,4
]3, 5 ] anos
2,8
1,9
2,1
2,6
2,0
2,1
Mais de 5 anos
2,7
1,7
1,6
1,4
0,7
0,9
Fonte: Gabinete de Estudos e Planeamento do Ministério da Justiça
Morosidade por tribunal de trabalho
Contratos
Individuais de
Trabalho, 1989
Contratos
Individuais de
Trabalho, 1994
> 24 meses
[18, 24 meses[
[12, 18 meses[
[6, 12 meses[
< 6 meses
Trib. criado mas
não instalado
Fonte:
Gabinete de Estudos e Planeamento do Ministério da Justiça
76
Termo do processo CITs 1994
1
2
3
4
5
6
7
8
Almada
0,0
9,2
39,6
24,2
0,3
5,8
13,0
4,8
Aveiro
0,0
3,5
30,4
45,3
0,2
5,7
6,1
5,0
Barcelos
0,0
5,2
47,5
28,5
0,8
0,8
11,9
1,9
Barreiro
0,4
7,1
25,0
18,7
1,9
1,9
31,0
6,7
Beja
1,1
10,6
37,2
47,8
0,0
1,7
1,7
0,0
Braga
0,2
13,5
47,5
20,3
1,3
2,6
6,6
4,7
Bragança
0,0
20,3
11,9
59,3
1,7
3,4
1,7
1,7
Caldas da Rainha
0,0
13,8
24,1
0,0
3,4
0,0
34,5
6,9
Cascais
0,4
2,2
41,8
10,6
1,1
0,7
42,1
1,1
Castelo Branco
0,0
10,5
30,1
45,8
0,7
0,7
4,6
5,9
Coimbra
0,0
4,8
30,1
35,2
0,8
4,4
20,2
2,2
Covilhã
0,0
8,6
30,0
50,5
4,5
1,4
2,3
1,8
Évora
1,2
3,2
29,4
48,4
0,4
5,6
8,5
1,2
Faro
2,2
21,8
38,4
19,6
1,1
13,4
2,5
0,8
Fig. da Foz
0,0
7,8
23,3
33,3
0,0
0,0
10,0
14,4
Funchal
0,0
39,7
3,0
20,3
0,7
9,3
17,7
5,7
Gondomar
0,0
0,0
0,0
100
0,0
0,0
0,0
0,0
Guarda
0,0
11,1
36,3
40,1
0,0
0,0
9,9
0,0
Guimarães
0,3
29,7
28,8
17,9
0,9
3,3
13,0
4,5
Lamego
0,7
7,2
32,0
15,7
3,3
7,2
20,3
2,0
Leiria
0,0
9,5
34,8
24,8
0,5
2,9
11,7
10,6
Lisboa
0,1
5,3
36,8
21,2
0,8
3,0
17,3
8,0
Loures
0,6
4,0
40,6
35,4
0,0
10,9
5,1
2,9
Maia
0,0
0,5
24,0
54,4
0,5
4,4
8,8
3,4
Matosinhos
0,0
2,5
38,5
26,6
0,9
2,9
14,6
9,7
Oliv. de Azeméis
0,0
2,2
37,0
21,3
0,4
3,5
29,6
1,3
Penafiel
0,8
5,2
39,9
30,6
1,1
0,8
10,7
7,9
Ponta Delgada
0,0
0,0
15,3
20,3
0,0
1,7
27,1
27,1
Portalegre
0,0
3,3
26,5
10,0
0,0
1,4
48,8
5,7
Portimão
0,0
3,8
25,3
46,5
1,3
4,5
11,9
4,8
Porto
0,4
8,8
44,1
23,8
1,2
3,4
8,6
5,0
Sª Mª da Feira
0,0
7,4
19,1
27,8
2,0
1,3
33,1
4,0
Santarém
0,0
0,9
51,1
34,0
0,0
1,3
6,4
3,0
Sº Tirso
0,0
5,0
13,0
63,2
0,0
2,0
12,3
3,0
Setúbal
0,0
9,7
18,9
27,8
1,3
15,9
11,9
10,1
Sintra
0,3
5,4
36,6
28,1
0,3
0,6
16,6
9,1
Tomar
0,3
8,8
39,6
40,3
0,6
0,3
5,5
1,3
Torres Vedras
0,0
25,5
46,1
12,7
2,4
1,2
3,0
6,1
Valongo
0,0
0,9
32,2
33,0
0,0
7,0
4,3
17,4
V. do Castelo
0,0
3,5
54,6
32,3
0,3
1,1
3,3
3,8
V. Franca de Xira
0,0
0,5
38,3
43,5
0,5
0,0
4,7
6,2
V. N. Famalicão
0,0
7,8
52,5
21,9
0,9
2,3
11,9
1,8
V. N. Gaia
0,2
6,4
29,6
37,9
0,2
2,8
14,5
5,6
Vila Real
0,0
3,9
52,6
13,2
0,0
1,3
11,8
11,8
Viseu
0,0
6,7
53,9
15,5
0,0
0,5
16,1
4,1
Total Nacional
0,2
7,9
35,3
29,0
0,8
3,3
13,8
5,4
1- Findo antes do julgamento por indeferimento liminar
2- Findo antes do julgamento por desistência
3- Findo antes do julgamento por transacção
4- Findo antes do julgamento por condenação do réu no pedido
5- Findo antes do julgamento por absolvição do réu na instância
6- Findo antes do julgamento por outro termo
7- Pelo julgamento procedente
8- Pelo julgamento procedente em parte
9- Pelo julgamento improcedente
Fonte: Gabinete de Estudos e Planeamento do Ministério da Justiça
77
9
3,1
3,8
3,3
7,5
0,0
3,2
0,0
17,2
0,0
2,0
2,2
0,9
2,0
0,0
11,1
3,7
0,0
2,7
1,5
11,8
5,2
7,5
0,6
3,9
4,3
4,8
3,0
8,5
4,3
1,9
4,6
5,4
3,4
1,6
4,4
3,0
3,2
3,0
5,2
1,1
6,2
0,9
2,8
5,3
3,1
4,1
Pirâmide dos Contratos de Trabalho 1994
Fonte: INE;
MESS/Departamento de Estatística; Estatísticas da Justiça
Conciliações 1984-1996
Conciliações
Acordo total
Acordo parcial
Frustradas
Remetido ou não
especificado
1984
90
36
2
38
14
1985
108
51
4
36
17
1986
80
44
5
30
12
1987
87
38
0
35
14
1988
71
21
5
29
16
1989
77
41
3
28
5
1990
50
17
0
24
9
1994
231
93
14
113
11
1995
125
71
4
50
0
1996
140
89
5
78
46
Fonte: Relatórios DGRCT e IDICT
0
Pirâmide dos Conflitos Colectivos: Conciliação 1984
Frustradas 38 (42,2%)
Acordo parcial 2 (2,2%)
Acordo total
36 (40%)
Remetidas ou não
específicadas 14
(15,6%)
Conciliações
90 (100%)
Processos de
Negociação
Colectiva
Concluídos
318
Fonte: MESS: Relatórios e Análises; Relatórios DGRCT e IDICT
Pirâmide dos Conflitos Colectivos: Conciliação 1989
Frustradas 28 (36,4%)
Acordo parcial 3 (3,9%)
Acordo total
41 (53,2%)
Remetido ou
não específicado
5 (6,5%)
Conciliações
77 (100%)
Processos de
Negociação
Colectiva
Concluídos
374
Fonte: MESS: Relatórios e Análises; Relatórios DGRCT e IDICT
79
Pirâmide dos Conflitos Colectivos: Conciliação 1996
Frustradas 46 (19%)
Acordo parcial 5 (2%)
Acordo total
89 (37%)
Conciliações
140 (100%)
Processos de
Negociação
Colectiva
Concluídos
598
Fonte: MESS: Relatórios e Análises; Relatórios DGRCT e IDICT
80
Instrumentos de Regulamentação Colectiva de trabalho
segundo a forma de produção: negociação directa
e conciliação entre 1984 e 1991.
Negociação Directa
V. abs.
Conciliação
%
v. abs.
Total
%
1984**
250
78,9
67
21,1
317
1985
308
81,7
69
18,3
377
1986*
283
80,2
70
19,8
353
1987
315
88,8
40
11,2
357
1988*
345
92,2
29
7,8
374
1989*
337
90,1
37
9,9
374
1990
385
93,7
26
6,3
411
1991
345
94,8
19
5,2
364
Fonte: DGRCT, Relatórios Anuais
Decisões arbitrais entre 1976 e 1992
Decisões arbitrais
%
1976
11
30,1
1977
7
19,1
1978
8
22,1
1979
2
5,1
1980
3
8,1
1981
0
0,1
1982
1
3,1
1983
0
0,1
1984
1
3,1
1985
2
5,1
1986
0
0,1
1987
0
0,1
1988
0
0,1
1989
0
0,1
1990
0
0,1
1991
2
5,1
1992
0
0,1
Total
37
100
Fonte: MESS, Relatórios de Conjuntura; Relatórios e Análises
81
Portarias de Regulamentação de Trabalho Resultantes
de conflito e zonas brancas
Negociação Directa
V. abs.
Conciliação
%
v. abs.
Total
%
1983
-
-
4
100
4
1984
5
62,5
3
37,5
8
1985
7
50
7
50,0
14
1986
-
-
3
100
3
1987
-
-
1
100
1
1988
-
-
1
100
1
1989
-
-
1
100
1
1990
-
-
1
100
1
Total
12
36,4
21
63,6
33
Fonte: MESS, BTE
Comissões paritárias
400
350
300
250
200
150
100
50
Total de IRCs
Constituição da CP
1993
1994
1991
1992
1979
1980
1981
1982
1983
1984
1985
1986
1987
1988
1989
1990
0
Alteração da CP
Deliberação da CP
Fonte: Base de Dados REGTRAB — MQE — CICT
82
Serviço informativo: evolução — Total
Total
Total País
1988
115719
195072
1989
119468
202194
1990
114975
197926
1991
123294
215353
1992
127829
221931
1993
112021
21386
1994
103019
208584
1995
119062
234808
Fonte: Relatórios e Análises/Inspecção do trabalho
Pedidos de Intervenção: evolução
Sindicatos
Trabalhadores
Empresas
Outros
Total
1988
6027
10384
924
10627
27962
1989
5488
9455
1059
11435
27437
1990
4487
8224
1046
12644
36401
1991
4524
10165
1834
8567
25090
1992
5145
12067
1695
9812
28719
1993
4371
13974
1218
9777
29340
1994
4369
9036
1017
6846
21268
1995
4756
8446
Fonte:
trabalho
83
981
Relatórios
e
6998
Análises/Inspecção
21181
do
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88
Intervenção final de Sua Excelência, o Secretário de Estado do Trabalho
Dr. António Monteiro Fernandes
Face à riqueza e à grande heterogeneidade deste debate, não é evidentemente
possível extrair dele, no imediato, um consensual sentido conclusivo.
Os relatores estarão em condições melhores do que ninguém para destacarem,
relativamente aos respectivos temas, as ideias-chave susceptíveis de serem extraídas
das suas comunicações, assim como das intervenções dos participantes e dos
respectivos comentários. Esses enunciados poderão constituir útil instrumento de
reflexão para o Governo e os Parceiros Sociais.
Não deixarei, no entanto, de formular duas ou três breves notas acerca do conteúdo
do trabalho que aqui foi desenvolvido.
O tema geral – Aspectos Orgânicos e Funcionais da Administração e da Justiça do
Trabalho – é, segundo julgo, um tema de convergência potencial entre os vários
grupos de interesses que aqui se fizeram representar. Daí que a realização deste
debate tenha sido objecto de compromisso trilateral, assumido no quadro do Acordo
de Concertação Estratégica.
Está nele em causa o sistema de tutela socio-laboral, conjunto de instrumentos de
realização de interesses legítimos, que são distintos, e em muitos domínios
conflituantes, mas que convergem na necessidade de protecção eficaz e articulada.
Procurou-se, neste debate, de vários ângulos, dar resposta a esta questão central:
que condições são necessárias para melhorar a eficiência do sistema de tutela na
realização dos interesses legítimos, que se afirmam no domínio das relações de
trabalho e de produção (e que são interesses dos trabalhadores, dos empregadores e do
Estado de Direito Social), assim como no prejuízo e na negação dos interesses
ilegítimos que no mesmo terreno procuram instalar-se e prosperar.
A importância do tema reflectiu-se no empenho e até na exigência que os Parceiros
Sociais puseram na realização deste debate e em que ele se fizesse o mais depressa
possível. Essa relevância não parece, no entanto, ter sido suficientemente
correspondida no grau de envolvimento que os mesmos Parceiros tiveram no debate.
Julgo que vale a pena dedicar ao facto alguma reflexão.
Foram aqui analisados, sob os pontos de vista estrutural e funcional, os elementos
do sistema de tutela socio-laboral: a Administração do Trabalho, a Justiça do
Trabalho, as Organizações Sindicais e Patronais.
Relativamente à Administração do Trabalho, no sentido clássico da designação,
uma primeira linha de força que importa destacar é a de que ela não pode insularizarse, não pode sobreviver, em condições mínimas de eficiência, isolando-se, quer de
outras peças fundamentais do armamento do Estado de Direito, quer das organizações
sociais, sindicais e patronais. A realidade socio-laboral tem evoluído no sentido de
89
uma crescente complexidade, requerendo, por parte da Administração, uma nova
sensibilidade aos contextos, aos processos causais e às vantagens tácticas da
interacção e da concertação.
Uma infracção laboral não é, normalmente, apenas uma infracção laboral – é um
composto de vários desvios às regras do jogo (não só as que respeitam à utilização da
força de trabalho) e pode ser, também, um sintoma de disfunções normativas, de
atrasos culturais, de bloqueios contratuais, de incapacidades organizacionais.
A simples perspectiva do controlo e da repressão – que tradicionalmente marcou o
perfil da inspecção do trabalho –, sendo evidentemente necessária, não permite, só por
si, em muitos casos, alcançar soluções autênticas. Pode traduzir-se na eliminação do
sintoma, não na cura da enfermidade. É necessário combater a ideia – que funciona
como álibi para a cobertura de muitos interesses ilegítimos – de que a fiscalização é a
chave de todos os problemas de desregulação que se verificam na sociedade
portuguesa. Esses problemas penetraram, na última década, na própria estrutura
molecular do mundo do trabalho; deixaram de constituir meros “desvios” à regra, para
se apresentarem como expressão de novos padrões culturais que pretendem instalar-se
na vida económica e social. Reduzir a abordagem desta matéria à perspectiva do
controlo tradicional é sugerir a demissão do Estado de Direito.
Por seu turno, a prevenção de riscos profissionais, embora constitua uma
responsabilidade fundamental do Estado, não depende, principalmente, dos meios,
dos recursos e das competências da Administração do Trabalho. Esta tem sobre si
importantes incumbências neste campo: difundir a cultura de prevenção, apoiar
técnica e financeiramente a concepção e implementação de medidas preventivas nos
ambientes de trabalho, credenciar e autorizar prestadores de serviços de segurança,
higiene e saúde no trabalho, definir quadros de responsabilidade e modelos de
organização preventiva, controlar o cumprimento das prescrições regulamentares.
Mas não está na sua mão a alavanca de travagem dos acidentes e das doenças
profissionais. A interacção com os agentes económicos e sociais é, mais uma vez,
condição de eficácia das acções de catalização e apoio que estão ao alcance da
Administração.
Por fim, a promoção do diálogo social, em todos os níveis. A intervenção da
Administração do Trabalho é, também aí, meramente instrumental. Não pertence à
Administração do Trabalho “produzir” acordos. Pode e deve exercer uma acção
facilitadora e promocional da contratualidade laboral, injectando-lhe informação
técnica e estatística fiável, intervindo em situações de impasse, criando hipóteses de
solução susceptíveis de serem consensualizadas, suprindo, no limite, por meios
regulamentares administrativos, as insuficiências de cobertura dos acordos.
Mas emerge aqui uma questão que, só por si, justificaria debate autónomo: o saberse em que medida e em que modalidades a intervenção profunda e activa da
Administração do Trabalho constitui factor favorável ou desfavorável à dinâmica e à
renovação da contratação colectiva. Em que medida, por exemplo, a emissão
90
abundante de portarias de regulamentação do trabalho, o uso menos condicionado das
portarias de extensão, a actuação de mecanismos de arbitragem imposta, ou a adopção
de uma atitude mais tutelar da Administração relativamente aos processos contratuais,
serão factores favoráveis ou desfavoráveis à expansão e ao enriquecimento da
negociação colectiva. É uma questão que está em aberto, e se reveste de particular
actualidade numa situação, como a nossa, de evidente e preocupante estagnação da
contratação colectiva. A experiência que temos em Portugal leva-nos a pensar que há
um equilíbrio ideal entre intervencionismo administrativo e desenvolvimento da
negociação colectiva, e que há o risco, no caso de esse equilíbrio não ser respeitado,
de se degradar o sistema em vez de o revalorizar.
Está por fazer um diagnóstico preciso da situação portuguesa, sob esse estrito
ponto de vista. Mas a verdade é que já hoje, com a minha assinatura nas portarias de
extensão, defino as condições contratuais de muito maior número de trabalhadores e
de empresas do que o conjunto dos sindicatos e das associações patronais que
subscrevem convenções colectivas. Será isto normal e saudável?
Os desafios com que se defronta a Administração do Trabalho, nas suas várias
frentes de actuação, emergiram claramente do debate que aqui se desenvolveu; são
eles, já hoje, motivo de aprofundada reflexão, e de múltiplas iniciativas de acção, por
parte de quem tem responsabilidades na sua tutela e direcção. Mas sabemos que muito
há por fazer ainda.
Este debate avançou, ainda, pelos terrenos da Justiça do Trabalho.
O tema central que me pareceu sobressair, quer das apresentações que foram feitas,
quer das observações formuladas acerca delas, foi o da necessidade de se estabelecer
o equilíbrio entre dois valores particularmente importantes na área laboral – o da
segurança e o da celeridade – e o de saber como estabelecer esse equilíbrio no quadro
de uma ordem judiciária comum, ainda fortemente ritualizada e burocratizada.
Esta questão conduz-nos, desde logo, à temática da revisão do processo do
trabalho.
É preciso dizer que, a Comissão de Revisão do Código do Processo de Trabalho,
em funcionamento há vários meses, não é uma comissão de subversão do Processo de
Trabalho. É uma Comissão que, aliás com elevado mérito, tem estado a desenvolver
trabalho cuidado e profundo, utilizando como referências, não só a evolução recente
do Processo Civil, mas, também, aquilo que são os ensinamentos da experiência de
aplicação do Código do Processo de Trabalho vigente.
Julgo ter perpassado um pouco, no debate sobre este tema, a ideia de que, no
fundo, esta perspectiva, que é ainda, essencialmente, a do padrão judiciário existente,
pode não conter em si potencial bastante para resolver os problemas que se colocam
especificamente na ordem sócio-laboral.
Há, desde já, que notar a diminuição de tempos médios de decisão dos litígios
individuais mas, também, a insuficiência dessas reduções de duração, dada a natureza
de alguns temas, como é o caso da subsistência do emprego e da continuidade do
91
salário. Não é de excluir que, face ao quadro da litigiosidade individual com que se
confrontam os tribunais, tenhamos que procurar respostas mais radicais do que as que
nos pode oferecer uma simples “reforma” das regras actuais de procedimento.
Todavia, convém, antes do mais, aguardar as ideias e hipóteses de trabalho que
estão a ser consideradas pela Comissão de Revisão e que parecem apontar para
soluções susceptíveis de reunir consenso, no sentido de uma melhoria significativa da
fórmula segurança/celeridade.
No que respeita ao terceiro elemento do sistema de tutela, que são os sindicatos e
as associações patronais, houve, neste debate, sugestões e indicações no sentido claro
da necessidade de uma maior aproximação e de uma melhor articulação funcional
dessas organizações relativamente às estruturas do Estado – Administração do
Trabalho e Justiça do Trabalho – que participam no mesmo sistema. Dispenso-me de
retomar as razões pelas quais se deve entender que este é um aspecto absolutamente
decisivo, para que a Administração do Trabalho e a Justiça do Trabalho possam
funcionar em termos correctos.
No que respeita à articulação das organizações de interesses profissionais com a
Justiça do Trabalho, destacam-se duas questões fulcrais: a da legitimidade processual
dos sindicatos e das associações patronais (relativamente às questões individuais), e a
da possibilidade da instituição de mecanismos extrajudiciais, isto é, de mecanismos
autónomos, produzidos no âmbito da autonomia dos Parceiros Sociais, para resolução
de conflitos individuais. Também neste domínio julgo que seria útil estudar e
perspectivar a possibilidade de uma aproximação a algumas experiências europeias
interessantes.
De qualquer modo, parece evidente, de tudo o que se disse, que o desenvolvimento
e a eficiência do sistema de tutela aqui tratado dependem, não apenas da consolidação
de cada um dos seus elementos, mas também da sua conjugação funcional – e esta é,
porventura, a ideia-chave do debate.
Concluo, interpretando o sentimento de todos os participantes, com a palavra de
aplauso, que é indiscutivelmente devida, aos relatores dos vários temas, que nos
ajudaram, com o seu desafio e com as pistas traçadas, a reflectir sobre temas
extremamente complexos e sensíveis. E, finalmente, o agradecimento e o aplauso
devido ao Conselho Económico e Social, na pessoa do seu Presidente, pela cuidada
organização com que correspondeu à solicitação dos Parceiros Sociais e do Governo.
Está encerrado o debate.
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Programa
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DEBATE SOBRE ADMINISTRAÇÃO E JUSTIÇA DO TRABALHO
Conselho Económico e Social
Rua João Bastos n.º 8, 1400 Lisboa
Dia 9 de Outubro de 1997
09H30 -
Aspectos orgânicos e funcionais da Administração do Trabalho.
Presidência: Ministra para a Qualificação e o Emprego ou Secretário de Estado
do Trabalho
Orador:
Dr. Fernando Cabral, Presidente do Instituto de Desenvolvimento e
Inspecção das Condições de Trabalho
10H00 -
Debate
11H00 -
Intervalo para café
11H15 -
O papel actual e futuro da Inspecção Geral do Trabalho.
Presidência:
Secretário de Estado da Justiça
Orador:
Dr. Inácio Mota da Silva, Inspector Geral do Trabalho
11H45 -
Debate
12H45 -
Intervalo para almoço
15H00 -
O desempenho da via judiciária. Organização e funcionamento da Justiça
do Trabalho.
Presidência:
Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça
Orador:
Dr. João Rato, representante do Centro de Estudos Judiciários
15H30 -
Debate
16H30 -
Intervalo para café
16H45 -
Continuação do debate
18H00 -
Interrupção dos trabalhos
Dia 10 de Outubro de 1997
09H30 -
A intervenção da sociedade civil (sindicatos e associações patronais).
Interacção com a Administração e os Tribunais.
Presidência:
Secretário de Estado do Trabalho
Orador:
Prof. Doutor António Casimiro Ferreira
10H00 -
Debate
11H00 -
Intervalo para café
94
11H15 -
Continuação do debate
12H30 -
Encerramento
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debate sobre administração e justiça do trabalho