CONSELHO ECONÓMICO E SOCIAL DEBATE SOBRE “ADMINISTRAÇÃO E JUSTIÇA DO TRABALHO” (Organizado pelo Conselho Económico e Social, na sua sede, a 9 e 10 de Outubro de 1997) LISBOA, 1998 ÍNDICE Aspectos orgânicos e funcionais da Administração do Trabalho Dr. Fernando Cabral – Orador 4 O papel actual e futuro da Inspecção Geral do Trabalho Dr. Inácio Mota da Silva - Orador 15 O desempenho da via judiciária : organização e funcionamento da Justiça do Trabalho Dr. João Rato – Orador 26 A intervenção da sociedade civil (sindicatos e associações patronais). Interacção com a Administração e os Tribunais Dr. António Casimiro Ferreira - Orador 35 Intervenção do Secretário de Estado do Trabalho Dr. António Monteiro Fernandes 89 Programa 94 2 ASPECTOS ORGÂNICOS E FUNCIONAIS DA ADMINISTRAÇÃO DO TRABALHO 3 Fernando A. Cabral* Orador SERÁ NECESSÁRIO REPENSAR AS MISSÕES DA ADMINISTRAÇÃO DO TRABALHO? Descrever, reflectindo a situação dos recursos (aspectos orgânicos) e das tarefas e actividades (aspectos funcionais) da Administração do Trabalho, é algo que nos leva, imediata e automaticamente, a questionar as respostas que essa Administração dá ou deve dar ao mundo do trabalho. Este exercício, todavia, depende da representação que os actores económicos e sociais têm dos desafios suscitados pelo mundo do trabalho e da capacidade da própria Administração identificar tais representações e formular as adequadas definições estratégicas. Todo este processo, em suma, resulta numa abordagem das missões da Administração do Trabalho, dos seus objectivos e das suas estratégias. É esse, aliás, o quadro tratado no Acordo de Concertação Estratégica que preside a este debate. A este propósito são, pois, oportunas as questões: − As missões, os objectivos e as estratégias dos Serviços de Administração do Trabalho estão definidos? Interiorizados? − São adequados às necessidades e expectativas dos “clientes”? − Quem são ou devem ser, verdadeiramente, os “clientes” da Administração do Trabalho? − Estes “clientes” revêem-se na Administração conforme ela existe? − Que questões estes “clientes” lhe colocam? − Que questões estes “clientes” lhe deveriam colocar? QUE CONSENSOS EXISTEM SOBRE A MUDANÇA DO MUNDO DO TRABALHO? É consensual que a mundialização das economias, as novas tecnologias e as expectativas individuais vieram destabilizar o paradigma do trabalho que fora construído na sociedade industrial. De facto, este paradigma não só rapidamente anulou os referenciais do ciclo anterior (a sociedade rural), como, ao afirmar-se de forma tão exuberante, quase * Presidente da Direcção do IDICT. 4 parecia ser o ponto de chegada da organização produtiva e da própria organização social moderna. A sociedade industrial desenvolveu-se, então, até à performance mais visível no sector terciário. A terciarização, todavia, foi-se alargando e aprofundando (muito mais rapidamente, aliás, do que aquilo que era possível prever), até gerar os embriões do que hoje se vai designando por sociedade da informação. A sociedade da informação, cada dia que passa, revela-se menos como um exclusivo dos países mais desenvolvidos e, também, cada vez menos como um reduto bem delimitado na sociedade. Em Portugal, é possível, por exemplo, constatar, a, já, forte presença do seu desenvolvimento. As telecomunicações, a indústria audio-visual, a indústria informática ou, mesmo, a indústria de moldes, por exemplo, evidenciam o recurso permanente à inovação que determina novos perfis profissionais e novas formas de organização do trabalho que são claramente sinais do advento da sociedade da informação. Mas, em qualquer outro sector de actividade emergem fenómenos novos, relevantes e complexos, tais como o recurso crescente à subcontratação, à precarização da relação de trabalho ou ao trabalho independente que podemos identificar como indicadores de desenvolvimento de novos modelos de gestão empresarial. O trabalho ocasional, intermitente, a tempo parcial ou, mesmo, o teletrabalho já não são, só, meras categorias conceptuais, ganhando adeptos e conhecendo expressões reais. A conjugação de todos estes sinais da vida empresarial, social ou individual, está, claramente, a sedimentar a crise do paradigma da sociedade industrial, sem que, por enquanto, se revelem claros os referenciais do trabalho e da sociedade que vão marcar o futuro imediato. QUE RESPOSTAS SÃO CONHECIDAS? A mundialização das economias e as novas tecnologias vieram impor um contexto de competitividade, de incerteza e de imprevisibilidade, tornando possível o aparecimento de um discurso de pura racionalidade económica que configura como resposta, apenas, a flexibilização (total) da gestão de mão-de-obra. Os expoentes máximos desta óptica evidenciam-se nas formas de contratação e na liberdade da cessação dos contratos. A esta perspectiva, contrapõe-se um discurso alternativo, apoiado em critérios de pura racionalidade social, evidenciando-se, em particular, o apelo a valores sociais como a estabilidade do emprego ou a manutenção de direitos laborais adquiridos. 5 COMO SAIR DESTE QUADRO DICOTÓMICO? As respostas tradicionais apresentam uma considerável dificuldade em responder ao conjunto de desafios que marcam o actual mundo do trabalho, tais como: − Como aumentar a produtividade do trabalho e a qualidade dos produtos e dos serviços? − Como promover a imagem da empresa? − Como promover a adaptação à mudança? − Como estimular a aprendizagem ao longo da vida? − Como desenvolver novas competências profissionais? − Como compatibilizar a flexibilização externa da gestão de mão-de-obra com a gestão dos encargos sociais daí decorrentes? − Que peso atribuir à gestão dos recursos humanos no desenvolvimento organizacional das empresas? − Como gerir a qualificação da mão-de-obra de um país? A construção de uma nova matriz da organização socioeconómica tem, indubitavelmente, que ser desenvolvida com base na conjugação de dois vectores fundamentais: − A flexibilização dos modelos de gestão e − A consideração do emprego como variável estratégica. Fugir ao esforço de identificar formas inovadoras de flexibilizar os modelos de gestão, as formas de contratação, a organização dos tempos de trabalho e os conteúdos funcionais dos trabalhadores, por exemplo, é fugir à responsabilidade de criar condições de garantia do emprego para a mão-de-obra nacional. Fugir à responsabilidade de garantir o emprego à mão-de-obra nacional é inviabilizar a modernização da gestão empresarial e, consequentemente, impedir os factores de inovação necessários à competitividade. • A nova organização do trabalho, enquanto ponto de convergência da gestão das variáveis enunciadas e base de toda a mudança constatada, merece ser evidenciada. A este propósito relevam novos conceitos, sendo de destacar: − a organização do trabalho já não consiste tanto em preparar as operações, mas em desenvolver as condições de cooperação; − à racionalização há que contrapor a gestão de processos de inovação; − o trabalho, mais do que um volume que determina um custo passa a ser considerado como uma fonte de valor; 6 − a performance da empresa reside na valorização da diferenciação individual e no desenvolvimento das interfaces; − a concentração e a hierarquização dão lugar a uma representação que privilegia os saberes específicos individuais (incluindo os saberes dos actores de base), e privilegia ainda a participação e a responsabilização; − os níveis de decisão desconcentram-se, aproximando-se dos níveis de execução; − os processos de avaliação dirigem-se, cada vez mais, aos factores estruturantes da motivação e da adesão dos diversos actores ao projecto e aos objectivos da organização. • A mudança para novas formas de organização do trabalho revela, assim, uma matriz surpreendente: − não há um modelo melhor do que outro. Há muitos modelos organizacionais à escolha.; − a escolha do modelo deve ser feita por adequação à situação concreta da Organização; − o processo de mudança não visa fazer-nos passar de um modelo fixo para outro modelo; − a mudança visa, antes, alvos organizacionais susceptíveis de evoluir no tempo e permanentemente capazes de fazer a organização responder às exigências de um ambiente em permanente mutação. PODERÃO OS ACTORES SOCIAIS E AS EMPRESAS OPERAR ESTA MUDANÇA SEM QUE A ADMINISTRAÇÃO DO TRABALHO O FAÇA TAMBÉM? No Livro Verde – PARCERIA PARA UMA NOVA ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO, da Comissão da UE, indica-se que a Modernização do Sector Público constitui um desafio para o desenvolvimento de uma nova organização do trabalho na Europa. E, em tal contexto, aquele Livro Verde cita uma DECLARAÇÃO CONJUNTA DOS PARCEIROS SOCIAIS EUROPEUS, de Novembro de 1996, sobre a modernização dos serviços públicos. Nessa Declaração pode ler-se que: − Se reconhece entre outros aspectos que a reorganização dos processos de trabalho e das estruturas administrativas são, muitas vezes, o principal instrumento para uma adaptação ao meio em transformação. − Sublinha-se naquela Declaração ainda que isso exige um compromisso/empenhamento a longo prazo em prol do emprego e da 7 promoção das qualificações profissionais e que gerir a transformação exige a definição de formas de cooperação entre os gestores e os trabalhadores em todas as organizações. − Finalmente, as partes sublinharam naquela Declaração que deverá conciliar-se a eficácia e uma vida profissional de elevada qualidade. Num clima de abertura e segurança, a passagem para uma organização em aprendizagem pode ser resultado natural da adaptação à transformação permanente. As condições sociais, económicas, culturais e políticas, que caracterizam, hoje, a sociedade Portuguesa exigem dos serviços públicos produtos e serviços cada vez de maior qualidade, desenvolvidos com inovação, eficiência e eficácia. Esta resposta só é possível assumindo-se uma postura de gestão, que privilegie os resultados e se estruture numa concepção sistémica das organizações. As missões são, nesta perspectiva, elemento essencial, porque materializam o fim para que concorrem os Serviços, a finalidade do sistema. A missão de um Serviço além de constituir um quadro de referência estável, assume a característica de um instrumento de avaliação dos resultados e viabiliza a criação de consensos internos em cada organização. Decorre, assim, destes pressupostos que a Administração do Trabalho, tradicionalmente vocacionada para gerir sistemas jurídicos, deverá, antes, posicionarse no sentido de dinamizar processos de inovação/desenvolvimento organizacional, capazes de gerar a evolução das condições e das relações de trabalho. DE QUE SE COMPÕE, HOJE, A ADMINISTRAÇÃO DO TRABALHO? Um sistema estatístico, desenvolvido, essencialmente, pelo Departamento de Estatística do Ministério para a Qualificação e o Emprego. Um departamento vocacionado para a concepção de normas jurídicas, para a emissão de pareceres jurídicos, para a análise das convenções colectivas e para os registos da constituição das associações com capacidade de celebrarem convenções – A Direcção-Geral das Condições de Trabalho. E, ainda, um sistema de Inspecção do Trabalho e o Instituto de Desenvolvimento e Inspecção das Condições de Trabalho. COMO SE POSICIONA O IDICT? À luz das considerações com que introduzimos esta comunicação, posicionamos, hoje em dia, o IDICT com a missão de: PROMOVER O DESENVOLVIMENTO E A IMPLANTAÇÃO DE SISTEMAS E METODOLOGIAS DE INOVAÇÃO, PREVENÇÃO E 8 CONTROLO, COM VISTA À MELHORIA DAS CONDIÇÕES DE TRABALHO, TENDO EM ATENÇÃO OS CONTEXTOS SOCIAIS, CULTURAIS, ECONÓMICOS E TECNOLÓGICOS DA SOCIEDADE E DAS EMPRESAS. Desta missão, decorrem como áreas de actuação: − − − − − a Prevenção dos Conflitos Laborais; a Prevenção dos Riscos Profissionais; a Prevenção da Desregulação Socioeconómica; a Dinamização de Processos de Inovação Organizacional; a Dinamização do Desenvolvimento das Relações de Trabalho. Propomo-nos agir no domínio das seguintes opções estratégicas: − desenvolver metodologias (mecanismos e procedimentos) que possibilitem a antecipação das variáveis estruturantes dos conflitos de modo à sua gestão preventiva; − dinamizar a rede de prevenção tendo em vista a operacionalização do sistema nacional de prevenção de riscos profissionais; − desenvolver práticas promotoras da articulação dos diversos intervenientes no processo de regulação social, de modo a potenciar o controlo do Estado e a auto-regulação dos actores socioeconómicos; − disponibilizar experiências e metodologias geradoras de competências na organização do trabalho e na gestão das empresas; novas − desenvolver competências no âmbito do diálogo social, identificando novas metodologias e novos quadros de desenvolvimento das relações de trabalho. QUE ENVOLVENTES PARA A EFICÁCIA DA ADMINISTRAÇÃO DO TRABALHO? Desde logo, o diálogo social: A sua revitalização parece supor o traçar de novos horizontes que lhe confira apuramento do sentido estratégico e maior eficácia. E, em tal contexto, seria oportuno implicar novos actores, configurar novos cenários, promover novos temas e ousar ao nível de novos instrumentos que garantam formas reais de concretização. O diálogo social (e a implicação última, o efeito envolvente que dele se espera – a participação) deverá desenvolver-se segundo uma matriz determinada, sendo, pois, de reflectir sobre o horizonte que queremos ter neste âmbito: − a mera participação representativa? 9 − ou uma participação directa desenvolvida! A oportunidade desta fundamentalmente diferentes: reflexão reporta-se a dois posicionamentos, − ou nos basta a defesa de interesses sectoriais; − ou precisamos de construir um futuro nacional. A Administração do Trabalho nada pode sem – e, muito menos, contra – o desenvolvimento do diálogo social e da participação. É deste desenvolvimento que poderá sair um novo quadro de relação dos Parceiros Sociais com a Administração do Trabalho (o partilhar da definição de estratégias, o compreender as especificidades e as dificuldades nacionais e o participar da avaliação dos resultados da acção da Administração). Nesta linha, aliás, estamos, muito empenhados, a trabalhar com os Parceiros Sociais no Conselho Geral do IDICT, a par de um desenvolvimento descomplexado e frequente das próprias relações informais. Como 2.ª envolvente: A inovação e o desenvolvimento organizacional O desenvolvimento de formas diversificadas desta abordagem torna-se imprescindível para preparar as nossas empresas para o futuro e garantir a sua capacidade competitiva. Esta nova perspectiva de trabalho para a Administração do Trabalho, em geral, e para o IDICT, em particular, é fundamental para que aquela Administração e a Administração do Emprego e da Formação Profissional (e não só ...) integrem medidas de política e articulem acções concretas dirigidas ao interior da gestão da empresa (e dos seus recursos humanos, em especial). De outra forma, a Administração do Trabalho ficaria só a gerir um património jurídico e a insistir num controlo inspectivo que, deste modo, nunca poderia atingir a eficácia necessária (agir sobre os resultados). Como 3.ª envolvente: A filosofia da prevenção Sem o desenvolvimento multifacetado da cultura da prevenção, o nosso tecido empresarial ficará exclusivamente dependente da justiça e do controlo, ou seja de acções essencialmente reactivas e casuísticas de regulação externa, em vez de assumir uma actividade auto-reguladora e prospectiva, geradora de auto-desenvolvimento. E quando falámos de cultura da prevenção, não nos referimos só aos riscos profissionais (há, também, a prevenção dos conflitos laborais, da desregulação ...), se bem que, importa reconhecer, os acidentes de trabalho (e as doenças profissionais) ocupam já, hoje em dia, um grau de preocupação da população trabalhadora e da própria opinião pública que, talvez, não encontre, ainda, completa consciência e adequada resposta por parte dos actores socioeconómicos e da Administração (do Trabalho, da Saúde, da Educação, da Formação Profissional, da Economia ...). Como 4.ª envolvente: A cultura da informação 10 Se a informação reduz o grau de incerteza, então ela gera capacidade de desenvolvimento. A informação é catalizador poderoso de todas as variáveis estruturantes do mundo do trabalho (participação, motivação, responsabilização, capacidade de inovação, produtividade ...). Ora, o panorama da informação do Trabalho é manifestamente pobre. E todos nós sentimos isso quando precisamos de nos situar sobre a realidade laboral para negociarmos convenções colectivas, identificarmos novos fenómenos do mundo do trabalho, anteciparmos o impacte de uma nova medida, ou para construirmos um novo programa, um novo plano ou uma nova lei. E, por outro lado, os circuitos predominantes de doutrina ainda são de natureza estática, de índole reactiva (por que não dizê-lo, – “técnico-jurídica”), em vez de informativos, prospectivos, isto é, formadores de opinião, fazedores de nova cultura e nova liderança. Como 5.ª envolvente: A gestão de conflitos Particularmente num contexto de mudança estrutural (vd. p.ex., a flexibilização), nenhum sistema pode garantir eficácia se não forem configurados quadros eficientes de regulação de disfunções sociais. E aqui valeria não esquecer todas as principais tipologias de conflitos e especificar a natureza que marca a diferença entre os conflitos colectivos e os conflitos individuais. Para os conflitos individuais, tarda a criação de um sistema que reúna as capacidades de celeridade e adequação. Não fazendo qualquer sentido a sua inclusão na Administração (função de regular, informar, prevenir e, não, dirimir), defendemos um sistema que conjugue a participação dos actores sociais com a ancoragem à estrutura judicial (o Ministério Público, por exemplo, possui sobre a matéria uma experiência e uma sensibilidade que importaria ouvir). Quanto aos conflitos colectivos, aí, sim, há um papel da Administração que será, todavia, sempre muito frágil enquanto não se dispõe de outros mecanismos autónomos (auto-regulação). Importa afirmar que em matéria de resolução e regulação de conflitos (individuais e colectivos), matéria tão sensível e de efeitos tão nocivos para trabalhadores e empregadores, o Estado-de-Direito ainda não conseguiu sedimentar um sistema. Como 6.ª envolvente: A formação profissional A mudança, em geral, e a flexibilização da gestão (dos recursos humanos e da produção), em especial, colocam particulares exigências ao sistema de formação profissional: Identificação das necessidades de formação, avaliação qualitativa dessas necessidades, adequação da formação, são tudo aspectos que exigem uma gestão orientada: − não só para o presente, mas também para o futuro; 11 − não só para as empresas, mas também para as necessidades individuais dos profissionais e para o quadro económico nacional; − não só para aquisição de competências instrumentais, mas sobretudo, para as novas formas de organização do trabalho e para a interiorização de novas competências relacionais. Sendo do “Trabalho”, nós (IDICT) falamos aqui, com interesse da “Formação”, porque só há “formação porque há trabalho” e porque a “formação” gera a renovação do “trabalho”. Reafirmámos a consciência que temos de que a integração das políticas e a articulação das medidas e das acções Trabalho-Formação são vitais para que a quantidade do emprego e a qualidade do emprego não sejam conceitos dicotómicos (e em potencial estado de neutralização mútua), mas, sim, instrumentos decisivos do desenvolvimento e do progresso. Como 7.ª envolvente: A gestão do mercado de trabalho O contexto de mudança gera o aumento da circulação dos profissionais, o que implica a conjugação de uma política esclarecida de formação profissional que vise a (re)qualificação, conjugada com uma elevada performance do serviço de gestão do mercado de trabalho. E, também aqui, são válidas as considerações precedentes quanto à política de integração: Mais trabalho tem de ser igual a melhor trabalho, ou não fosse omnipresente, hoje em dia, o conceito de “empregabilidade” da mão-de-obra. Como 8.ª envolvente: O controlo das condições de trabalho Aspecto que configura a comunicação que se seguirá neste Seminário. Como 9.ª envolvente: O quadro normativo Para além das intervenções casuísticas, necessárias à adequação a fenómenos conjunturais, o quadro normativo carece de uma abordagem que o configure como um instrumento ao serviço da mudança em curso. COMO VENCER O DESAFIO DA INTEGRAÇÃO DO ECONÓMICO E DO SOCIAL? O Livro Verde – PARCERIA PARA UMA NOVA ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO, apresentado em Abril deste ano pela Comissão da União Europeia, estabelece como quadro de referência para a Europa e para cada uma das suas Nações, precisamente, a inovação que deve ser gerada nas suas políticas para que se obtenha o equilíbrio entre o económico (flexibilidade) e o social (segurança). − Se tal equação é colocada aos Governos e aos Parceiros Sociais como o grande desafio político a vencer, há, também, aqui, um papel importante a desempenhar pela Administração do Trabalho: 12 − apoiar a “alimentação” dos decisores; − desenvolver e implementar as medidas de política; − e – coisa rara, ainda, no nosso país – desenvolver quadros de relação com os outros sistemas da Administração do Estado (as Administrações do Económico). Mesmo que tenha sido perspectivado, concertado e legislado, o equilíbrio só se obtém se for implementado! 13 O PAPEL ACTUAL E FUTURO DA INSPECÇÃO DO TRABALHO 14 Dr. Inácio Mota da Silva* Orador RESUMO • A Inspecção do Trabalho é uma função sobre a qual recai uma controvérsia permanente. De facto, é inerente a tal função suscitar nos grupos sociais legitimamente organizados a tendência de a colocarem ao serviço dos seus interesses próprios. Todavia, não foi para tal fim que a comunidade internacional criou a Inspecção do Trabalho no início do século. • No nosso país, a construção do Estado de Direito tarda em perspectivar correctamente o papel da Inspecção do Trabalho, pelo que importa ter um discurso institucional forte, esclarecido e socialmente concertado em torno da sua missão, que assegure, sustentadamente, o seu contributo no contexto do desenvolvimento económico-social. • Assim, será de confrontar a Inspecção do Trabalho com os seus referenciais: – Que desvio regista a Inspecção do Trabalho portuguesa face à doutrina da OIT e da União Europeia? – Que fazer para configurar a Inspecção do Trabalho como instrumento de modernização das sociedades? – De que ambiente cultural e institucional tem a Inspecção do Trabalho que se rodear para influir decisivamente na sociedade? – Como perspectivar a missão da Inspecção do Trabalho no contexto do desenvolvimento económico-social? – Que papel tem a autoridade central a desempenhar para garantir a eficiência e a eficácia? – Que profissão e que qualificação para o inspector do trabalho face a tais desafios? • No âmbito desta reflexão, sugere-se como ponto de convergência um novo Estatuto para a Inspecção do Trabalho. * Inspector Geral do Trabalho. 15 1. A INSPECÇÃO PERMANENTE? DO TRABALHO: UMA CONTROVÉRSIA Criada com as primeiras normas de protecção dos trabalhadores no trabalho (leis relativas à “higiene e segurança” e ao “trabalho de mulheres e crianças”) a Inspecção do Trabalho esteve sempre associada ao controlo das condições de trabalho. É este, pois, o denominador comum de todas as Inspecções do Trabalho e é, por isso, em tal âmbito que se tem desenvolvido a acção da OIT sobre a Inspecção do Trabalho, seja ao nível das normas, seja ao nível da doutrina. Historicamente, a Inspecção do Trabalho é o primeiro serviço criado no âmbito da Administração do Trabalho e está na génese de todo o seu desenvolvimento posterior. A relevância do papel das Inspecções do Trabalho é comprovada pelo próprio facto de, desde muito cedo, lhe ter sido garantido enquadramento ao mais alto nível da organização internacional dos Estados (carta constitutiva da OIT - 1919). A criação das Inspecções do Trabalho e a garantia do seu funcionamento no âmbito daquela missão (controlo das condições de trabalho) assume, pois, a natureza de imperativo de direito internacional. No âmbito da União Europeia o papel das Inspecções do Trabalho encontra-se reforçado, reconhecendo-se-lhes a qualidade de garantes da efectivação do Direito Comunitário. A acção das Inspecções do Trabalho ao nível do controlo das condições de trabalho, torna-se, assim, indispensável para que sejam assegurados os efeitos dos princípios fundamentais dos Tratados da União Europeia (liberdade de circulação de capitais, de serviços, de produtos e de pessoas). Em tal sentido atente-se, nomeadamente, no alcance da constituição do “Comité dos Altos Responsáveis das Inspecções do Trabalho” e na adopção de princípios comuns às Inspecções do Trabalho com vista a forjar uma abordagem comum para a aplicação das disposições legais comunitárias. Em Portugal, o Estado Novo estruturou a Inspecção do Trabalho como um dos pilares fundamentais do regime corporativo, dotando-a de uma missão claramente definida e de estrutura, meios e metodologias de acção adequadas a essa missão. O Regime Democrático, todavia, não conseguiu, até hoje, reenquadrar a Inspecção do Trabalho como instrumento fundamental da organização social. A este propósito será de destacar a dificuldade de adopção dos princípios estruturantes das Convenções da OIT (81, 129 e 155), a crescente indefinição da missão, a atribuição constante de funções acessórias, a “funcionalização” dos serviços de inspecção (perda de referenciais operativos), a desqualificação e o envelhecimento dos seus recursos humanos, a redução da dignidade da função, os apelos frequentes a metodologias de acção baseadas no “autoritarismo” desvirtuadoras do correcto exercício do poder de autoridade pública, a instrumentalização frequente por parte de forças externas (poder político, poder sindical, poder económico). 16 Em suma, 20 anos de democracia em Portugal não foram suficientes para clarificar a controvérsia à volta do verdadeiro papel da Inspecção do Trabalho na sociedade. Aliás, sintoma disso mesmo é ainda a ausência de discurso prospectivo da sociedade sobre a Inspecção do Trabalho e a frágil expressão da concertação social no mesmo âmbito. 2. A INSPECÇÃO DO TRABALHO: MODERNIZAÇÃO DAS SOCIEDADES? UM INSTRUMENTO DE A ideia da modernização coloca-se às sociedades em desenvolvimento como forma de garantir a continuidade desse desenvolvimento. Com efeito, no domínio da economia a forte concorrência internacional obriga à enorme competitividade, seja das empresas, seja dos países. A competitividade, por sua vez, implica esforço permanente de aumento de produtividade e melhoria de qualidade. Em tal quadro assistimos ainda à constante inovação tecnológica, traduzida em alterações profundas nas matérias-primas, produtos e substâncias, equipamentos, processos e métodos de trabalho. Daqui resulta um conjunto de novos factores na ordem laboral, de que se poderiam destacar alguns aspectos: – fluxos de mão-de-obra entre sectores de actividade; – adopção de novas formas de emprego; – alterações de perfis profissionais: • maior mobilidade • maior rotatividade • maior polivalência – introdução de novos sistemas organizacionais: • trabalho em equipa • novos modelos de responsabilidade e chefia • novos estilos de direcção • novos sistemas de informação e comunicação – particulares exigências no domínio da formação profissional; – pressão estabelecida pelos jovens à procura do primeiro emprego; – novos riscos profissionais ou alteração do riscos já conhecidos decorrentes de todas estas transformações. O desenvolvimento das sociedades modernas é ainda fortemente marcado, no domínio cultural, por uma maior consciência dos direitos fundamentais de que decorrem padrões de exigência (mínima) mais elevados, como seja, o direito ao diálogo social, a efectividade do direito, o direito à segurança, à saúde e ao bem estar, o direito a um ambiente preservado, enfim, o direito à humanização do trabalho (adaptação do trabalho ao homem). 17 Importa reconhecer que em todos estes campos intervém a Inspecção do Trabalho. De facto, o universo da acção da Inspecção do Trabalho, como identifica a OIT não é homogéneo, nem constante. Perante este cenário de constante mudança, a Inspecção do Trabalho tem de reunir capacidade para se adaptar permanentemente, agindo por objectivos estratégicos, adequando-se às novas coordenadas da política nacional de trabalho, correspondendo às expectativas sociais e evoluções tecnológicas, evoluindo nas suas metodologias de acção no sentido de uma permanente preocupação de eficácia. Só assim a Inspecção do Trabalho se pode assumir como instrumento regulador das disfunções entre o económico e o social (“a economia de mercado, entregue a si mesma, não pode ser o regulador do funcionamento das sociedades”), contribuindo, pois, para o próprio progresso social. É em tal quadro que a OIT, cada vez mais, releva o contexto económico-social na missão da Inspecção do Trabalho. Daqui decorre que esta missão é eminentemente preventiva, o que se traduz por novas abordagens em cuja matriz se destacam, nomeadamente, o papel de promotor, o agir a montante, o agir por objectivos estratégicos, o passar do controlo de conformidade para a acção sobre os níveis de gestão, as estruturas e a organização, o promover a elevação da cultura do trabalho nos parceiros sociais e, consequentemente, o diálogo social. Concluímos, citando Michel Lafougére (OIT): “A Inspecção do Trabalho deve encorajar na empresa a reflexão sobre a criação de um novo modelo produtivo que privilegie a formação, a qualificação dos assalariados, uma nova organização do trabalho e a mobilidade interna, em substituição da flexibilidade externa.” 3. DA NECESSIDADE DE ESTRUTURAR UM SISTEMA DE INSPECÇÃO DO TRABALHO As Convenções da OIT indicam aos Estados a obrigação de constituírem um Sistema de Inspecção do Trabalho (n.º 81-Indústria, n.º 129-Agricultura, n.º 155SHST). O conceito de Sistema de Inspecção do Trabalho implica a conjugação da noção de Rede, dotada de um sistema de articulações garantido por uma autoridade central. De facto, em Portugal a Inspecção Geral do Trabalho concentra o núcleo principal mas não a totalidade das funções que integram a missão global que deve ser conferida ao Sistema de Inspecção do Trabalho (atente-se no conjunto de funções dispersas pelos vários organismos dos ministérios de tutela, da Saúde e da Solidariedade Social, no âmbito das condições de trabalho). Importaria, por isso, que fosse estruturado tal sistema (o Sistema Nacional de Inspecção do Trabalho de acordo com a matriz que resulta daquelas fontes normativas, como forma de potenciar a acção de todos os organismos intervenientes. 18 Em tal âmbito, ganharia particular significado a necessidade de se estimular a acção de tais organismos com a definição de políticas adequadas que deveriam ser geradas em ambiente de concertação estratégica. Desta forma, seria então possível alicerçar a acção da Inspecção do Trabalho no contexto do desenvolvimento económico-social. Dito de outro modo, só um sistema assim estruturado seria capaz de criar à Inspecção do Trabalho a capacidade necessária para desenvolver as funções múltiplas que hoje lhe cabem e para contribuir decisivamente para a resolução dos problemas estruturais da sociedade portuguesa (como seja, o atraso endémico nas condições de SHST, o trabalho clandestino, o trabalho precário ilegal, as subversões introduzidas pelos agentes económicos no mercado do emprego, a tendência crescente para a descaracterização da relação jurídico-laboral e para a fraude no âmbito do Sistema de Segurança Social e mesmo fiscal, que afecta a realização de uma sociedade solidária). Haverá ainda que perspectivar correctamente a intersecção de dois sistemas que são geridos no âmbito da Administração do Trabalho: o Sistema de Inspecção do Trabalho (Convenções da OIT 81, 129 e 155) e o Sistema de Prevenção de Riscos Profissionais (Convenção 155 da OIT). A questão é ainda mais premente pelo próprio facto da Inspecção do Trabalho estar, presentemente, enquadrada na estrutura do IDICT. Constituindo o Sistema da Inspecção do Trabalho a garantia da efectivação das condições de segurança, higiene e saúde nos locais de trabalho, deve, por um lado, ser evidenciada a autonomia da Inspecção do Trabalho (por exemplo, contrariamente ao que vem sendo legislado, o poder de sancionar deverá ser cometido expressamente à Inspecção Geral do Trabalho e não ao IDICT) e, por outro lado, ser suscitada a convergência e a complementaridade das respectivas abordagens (por exemplo, a Inspecção Geral do Trabalho deveria estar representada no Conselho Geral do IDICT e no Conselho Nacional de Higiene e Segurança no Trabalho). O esforço a desenvolver em tal âmbito torna-se urgente e indispensável, sob pena de se incorrer no risco de se confundirem papéis e de se sufocar energia de qualquer dos sistemas em presença. 4. QUE MISSÃO, AFINAL, PARA A INSPECÇÃO DO TRABALHO? À luz do que se tem vindo a desenvolver, afigura-se que, hoje em dia, a missão da Inspecção do Trabalho não se deve restringir à mera competência de “assegurar o cumprimento das disposições legais...”. A sua missão deve conhecer uma formulação mais prospectiva que traduza a ideia da acção em função da promoção da melhoria das condições de trabalho, tendo em conta o desenvolvimento dos contextos sociais, económicos e tecnológicos da sociedade e das empresas. Desta missão resultará um conjunto de responsabilidades situadas nos seguintes campos: 19 – garantir a efectividade do direito; – promover a segurança, saúde e bem estar no trabalho; – promover os valores sociais do trabalho e do desenvolvimento de medidas socialmente relevantes na empresa; – desenvolver uma acção reguladora do funcionamento e desenvolvimento da sociedade; – contribuir para o desenvolvimento do diálogo social; – fomentar o desenvolvimento dos mecanismos de participação e cooperação na empresa; – promover a informação dos trabalhadores e empregadores e sociedade em geral; – contribuir para o enriquecimento do quadro normativo; – promover a cooperação efectiva com entidades públicas e privadas que concorram para o mesmo fim; – contribuir para a definição de políticas no domínio dos direitos fundamentais dos trabalhadores em particular quanto à SHST. As funções a atribuir à Inspecção do Trabalho deverão decorrer desta missão e, obviamente, o seu núcleo central terá de situar-se na zona das condições de trabalho. É, pois, oportuno questionar-se o conjunto de actividades que tradicionalmente a Inspecção do Trabalho vem executando no âmbito do controlo das disposições que se reportam à relação individual de trabalho. Tais actividades deveriam ser desenvolvidas em instâncias de outra natureza designadamente: – aumentando a legitimidade de os organismos sindicais exercerem o direito de acção em representação e substituição do trabalhador nos Tribunais de Trabalho; – constituindo uma rede de conciliação e arbitragem no domínio das relações individuais de trabalho (de preferência a nível de grandes sectores de actividade). 5. A AUTORIDADE CENTRAL DA INSPECÇÃO DO TRABALHO: FACTOR DECISIVO DE EFICIÊNCIA E EFICÁCIA A eficiência e a eficácia dos serviços da Inspecção do Trabalho só podem ser garantidas através de um sistema de gestão que assegure os mecanismos adequados à rentabilização da energia que dispõe a organização. Tal sistema deverá conhecer as seguintes expressões principais: – – – – – identificação de prioridades sustentadas na concertação estratégica; programar acções no âmbito das prioridades; conceber metodologias adequadas às acções inspectivas; definir e implementar métodos de avaliação da eficácia; assegurar a animação e a coordenação efectiva das acções; 20 – – – – – – – – – racionalizar os recursos; assegurar um sistema de apoio técnico constante à actividade inspectiva; zelar pela independência e pela observância das regras de deontologia; desenvolver uma tutela não asfixiante sobre os serviços potenciando a iniciativa dos inspectores; assegurar a formação dos inspectores (inicial, contínua e a auto-formação); tratar a informação decorrente da acção inspectiva; assegurar a representação da Inspecção do Trabalho; desenvolver uma cultura correcta de inspecção do trabalho junto dos parceiros sociais, institucionais e sociedade; gerir um sistema adaptado de informação potenciador da acção inspectiva visando assegurar-lhe efeito multiplicador. A Identificação das responsabilidades da autoridade central que aqui se esboça, situa-se, aliás, na linha das recomendações formuladas pela missão da OIT ao Governo Português em 1984. 6. O INSPECTOR DO TRABALHO: QUE PODERES? O exercício da missão está intimamente associado ao desenho de um conjunto de poderes cuja definição mínima se encontra estabelecida nas Convenções 81 e 129 da OIT, nos seguintes termos: – visitar sem aviso prévio, um local de trabalho a qualquer hora do dia ou da noite; – proceder a todos os exames, controlos ou inquéritos necessários; – pedir a apresentação, examinar e copiar documentos ou registos que importem ao exercício da sua acção; – interrogar, a sós ou perante testemunhas, o empregador, trabalhadores ou qualquer outra pessoa que se encontre nas instalações; – retirar e levar para fins de análise amostras de produtos matérias ou substâncias utilizadas; – obter a colaboração e fazer-se acompanhar de peritos e técnicos devidamente qualificados; – promover a adopção de medidas destinadas a eliminar defeitos verificados numa instalação, disposição ou métodos de trabalho, havendo razão plausível para os considerar prejudiciais à segurança e saúde dos trabalhadores; – usar da faculdade de ordenar modificações necessárias, dentro de um determinado prazo, para cumprir requisitos previstos na lei; – impulsionar procedimentos judiciais e/ou administrativos; – tomar medidas imediatamente executórias (suspensão de trabalho) nos casos de perigo iminente para a saúde e segurança dos trabalhadores. 21 Quer os desafios da modernização, quer a actual conformação do quadro normativo impõem a adopção e clarificação desses poderes, a saber: Determinar a adopção de medidas de prevenção nos seguintes domínios (cfr. Art. 41.º do Dec.-Lei n.º 49.408, de 24-11-1969 e art. 8.º, n.º(s) 1 e 2, do Dec.-Lei n.º 441/91): – avaliação dos riscos, a cargo do empregador; – realização de testes ou peritagens por organismos de referência (organismo especializado e autorizado) ao nível dos componentes materiais do trabalho e/ou processos de trabalho, a cargo do empregador; – de concretização de conceitos indeterminados (medidas não especificamente previstas em diploma legal) para o estabelecimento de medidas de prevenção ao nível dos componentes materiais do trabalho, dos produtos e/ou substâncias perigosas e dos processos de trabalho, tendo por referenciais, os princípios gerais de prevenção, e ainda, designadamente, as normas relativas à concepção, fabrico e comercialização de máquinas e produtos e a “normalização técnica”. Penetrar de dia em todos os locais relativamente aos quais haja motivos razoáveis para se supor sujeitos à alçada da Inspecção-Geral do Trabalho, incluindo garagens e anexos à habitação privada. Determinar a comparência, nos serviços ou em local a determinar (cfr. Art. 22.º do Dec.-Lei n.º 219/93, de 16-06, n.º 4 do art. 8º do Dec.-Lei n.º 441/91 e, em geral, os domínios do trabalho ilegal), de: – – – – trabalhadores; empregadores; representantes de trabalhadores e empregadores; representantes de empresas que integram cadeias de subcontratação a qualquer título, para realização de reuniões conjuntas; – pessoas susceptíveis de possuir informações úteis. Obter declarações escritas, efectuar registos fotográficos, medições e obter meios de prova em geral. Requisitar com efeito imediato documentos e outros registos para consulta e exame nos Serviços. Pedir o acesso, examinar e copiar registos, designadamente os constantes de bases de dados informatizadas, bem como exigir o tratamento desses dados por forma a corresponderem às prescrições legais. Solicitar a formulação de substâncias encontradas nos locais de trabalho. Solicitar a demonstração de determinados processos de trabalho. Solicitar a colaboração de entidades policiais, em especial no caso de se verificar obstrução ao exercício da sua missão ou impedimento à realização do seu trabalho. Suspender o trabalho para proceder à investigação de causas de um acidente. 22 À identificação dos poderes em causa importa visibilizar regras adequadas de procedimento e de sancionamento em caso de desobediência ou obstrução designadamente: – sanção criminal (v.g. desobediência a medidas imediatamente executórias e de suspensão de trabalhos); – sanção contra-ordenacional; – previsão de medidas executivas de substituição para práticas de recusa (v.g. comparência nos serviços e apresentação e exame de documentos); – inversão do ónus da prova, em processo contra-ordenacional, relativamente à não apresentação de documentação obrigatória. 7. INSPECTOR DO TRABALHO: QUE PROFISSÃO? QUE QUALIFICAÇÃO FACE A ESTES DESAFIOS? Ser funcionário público é uma condição. Ser inspector do trabalho é uma profissão. As convenções da OIT sobre a Inspecção do Trabalho exigem os dois requisitos. O perfil profissional do inspector do trabalho deve ser estruturado à luz das seguintes características fundamentais: – ser agente de autoridade pública; – exercer actividades de conteúdo técnico (e não administrativo); – exercer tais actividades em ambientes cada vez mais situados em níveis de concepção e decisão estratégica empresarial (marcadas por maior exigência técnica e até maior carácter pluridisciplinar). O inspector do trabalho integra o sistema público de controlo das condições de trabalho e das condições de SHST. Age, pois, no âmbito de interesses de ordem pública (daí, a necessidade do estatuto de autonomia que o preserve das pressões resultantes dos interesses dos seus interlocutores). Tendo nas leis o seu ponto de apoio fundamental, o inspector do trabalho tem de adequar o seu gesto profissional ao quadro jurídico cuja matriz, hoje em dia, é marcada pelo estabelecimento de obrigações de resultado, daí que aquele gesto passe decisivamente por uma abordagem global (relações sociais na empresa) e pela intervenção ao nível da organização de meios efectuada na empresa (estruturas de decisão, serviços de SHST, mecanismos de participação e consulta, planeamento e programação ...). A identificação deste perfil profissional permite-nos clarificar a distinção face ao sistema de administração da justiça (jurisdicional): – Agir prevenindo, levando os valores sociais do quadro jurídico ao interior da sociedade (e não, reagindo meramente às situações que a sociedade lhe leva); – Agir segundo o princípio da “oportunidade” (e não segundo o princípio da “legalidade”). 23 O universo da Inspecção do Trabalho é, pois, “infinito”, qualitativo e de quantificação difícil, enquanto que o dos tribunais é “finito” e quantificável. Daí, também, o pendor crescente da acção de conselho (mais “conselho” e menos “controlo”, como diz a OIT), aferido por um critério de eficácia. Só que, também, por isso mesmo, mais difícil e carecendo de elevado nível de qualificação. Tais desafios exigem novas políticas de recrutamento, de formação (inicial e contínua), de auto-formação e de gestão de carreiras profissionais. 8. CONCLUINDO: • As constantes e profundas mudanças operadas nas sociedades são inerentes ao seu desenvolvimento. A Inspecção do Trabalho é indispensável em tais sociedades para “integrar as medidas sociais sem as quais as performances económicas estarão inevitavelmente comprometidas” (OIT). • Compete, pois, à Inspecção do Trabalho desenvolver um papel regulador do desenvolvimento, susceptível de gerar mais e melhor emprego. • Melhorar as condições de trabalho projectando a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos, tal é a missão da Inspecção do Trabalho. • Em função deste quadro, a Inspecção do Trabalho tem que assumir outra cultura e vertê-la num Estatuto que desenhe uma missão à altura de tais desafios, um conjunto de funções e metodologias adequadas, um perfil profissional do inspector do trabalho e um modelo de gestão ao nível das responsabilidades inerentes e a modernização do quadro de poderes conferidos aos inspectores do trabalho, bem como a consagração de regras específicas de deontologia profissional. • Tais são os caminhos fundamentais para que a Inspecção do Trabalho encontre a mudança. 24 O DESEMPENHO DA VIA JUDICIÁRIA: ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO DA JUSTIÇA DO TRABALHO 25 Dr. João Rato* Orador 1. INTRODUÇÃO Colocado perante o tema que me foi proposto abordar neste debate, confesso que a minha primeira reacção foi de relativa hesitação quanto aos objectivos pretendidos com esta intervenção: desejar-se-ia a mera descrição das formas de organização e funcionamento da justiça laboral, a análise da sua situação e desempenho actuais ou uma abordagem crítica de todos esses aspectos, se possível, avançando perspectivas de futuro? Sem embargo da persistência de algumas dúvidas, afigurou-se-me razoável considerar não terem os promotores do debate querido condicionar os intervenientes através da fixação de temas precisos, antes lhes propondo áreas difusas de intervenção, que cada um deles poderia, com larga margem de discricionariedade, ajustar à sua própria definição dos objectivos visados com tal acção, desde que não extravasando as respectivas margens, tal como resultam delineadas pelo título a que se subordina. Dessa consideração, porventura abusiva, retirei a coragem para assumir que o que de mim se esperava era um misto das alternativas acima enunciadas, sob pena de enfado para os circunstantes ou perspectiva redutora do objecto sob análise, o que, na esperança de corresponder às vossas expectativas, passo a concretizar, começando com uma interrogação. 2. JUSTIÇA LABORAL - SUA MANUTENÇÃO HOJE Hoje, como outrora, mas com argumentos reforçados pela recente revisão do Código de Processo Civil, que assumidamente adoptou alguns dos princípios individualizadores do processo do trabalho, muitos se colocam a questão de saber se ainda sobram alguns motivos que justifiquem a autonomia deste relativamente àquele e, por arrastamento, da “justiça laboral” face à “justiça comum”. Como é sabido, não obstante a subsistência de algumas divergências quanto ao exacto momento histórico da verificação desse fenómeno na Europa, em Portugal o direito do trabalho começou a ganhar autonomia normativa, material e processual, face ao direito civil, em finais do século XIX, ocorrendo, concomitantemente, o surgimento de instâncias judiciais privativas para as questões laborais, através da * Representante do Centro de Estudos Judiciários. 26 publicação de algumas leis materiais no domínio da protecção do trabalho dos menores e das mulheres e da criação dos tribunais de “Árbitros Avindores”. Contudo, pode afirmar-se que esse movimento só ganhou, entre nós, verdadeiro significado a partir dos anos 30 deste século, com o advento do “Estado Novo”, altura em que se criou e organizou uma verdadeira “ordem judiciária do trabalho”, com autonomia total face à “ordem judiciária comum”, tendo então sido criados e instalados os Tribunais do Trabalho, que se regiam por leis orgânicas privativas e tinham por incumbência a aplicação de um conjunto de leis substantivas e processuais típicas daquele ramo do direito1. A afirmação deste movimento com a criação do “Estado Corporativo”, o que, inelutavelmente, lhe confere um lastro algo comprometedor, tem feito incorrer os detractores do sistema autonómico da justiça laboral num equívoco que, a meu ver, é tempo de desfazer. Na verdade, agarrando-se à génese de tal movimento, esquecem-se das razões verdadeiramente determinantes daquela autonomização, que, gradualmente, ganhou expressão na maioria dos países que, como nós, integram o sistema jurídico romano – germânico. Não discutindo o aproveitamento que dela fez o “Estado Corporativo”, importa, porém, esclarecer que a autonomização da justiça do trabalho se justificou e justifica como modo de assegurar que as peculiaridades caracterizadoras do respectivo direito substantivo não se percam com a sua aplicação por uma jurisdição impreparada ou sem vocação especial para a apreciação de problemas particulares do social. Ora, foi o pressuposto de que todo o conflito laboral radica numa relação jurídica em que intervêm duas partes social e economicamente desiguais, cuja igualdade real importava garantir, que esteve na base da constatação da inadequação do direito civil para regular tais situações, dando origem ao surgimento daquele novo e autónomo ramo de direito. Mas para que esse desiderato fosse alcançado não bastavam leis substantivas diferentes, tornando-se imperioso que a elas se associassem as leis processuais adequadas a dar-lhes efectividade e os mecanismos judiciários especializados indispensáveis à sua correcta interpretação e aplicação2. Tudo está em saber, portanto, se apesar de todas as profundas transformações sociais, políticas e económicas ocorridas em Portugal após a “revolução” de Abril de 1974, se justifica ou não a manutenção da relativa autonomização da justiça do trabalho? 1 Cfr., a título exemplificativo, o Dec.-Lei n.º 24 194, de 20/7/34, que regulava a organização judiciária do trabalho e o processo laboral. Seguiu-se-lhe, em 1940, o Dec.-Lei n.º 30 910, de 3/11, que aprovou o C.P.T. Este movimento viria a sedimentar-se com um novo Estatuto dos Tribunais do Trabalho e um novo C.P.T., aprovados, respectivamente, pelos Decs.-Leis n.ºs. 41 745, de 21/7/58, e 45 497, de 30/12/63, os quais se mantiveram, mais ou menos inalterados, até à “revolução” de Abril de 74. 2 Para garantir, usando as palavras de José Rodrigues da Silva, a correspondência entre o “Direito Legislado” e o “Direito Praticado”. Vide “Trabalho, Processo e Tribunais”, pág. 29, Europress, Lisboa, 1997. 27 A minha resposta, indubitavelmente afirmativa, sustenta-se precisamente na plena e reforçada actualidade e validade das motivações que serviram de base àquela autonomização, como parece confirmar a apreciação catastrófica que alguns reputados analistas fazem da evolução social e económica deste final de milénio3. Por outro lado, como espero vir a demonstrar, se mais não fosse, creio que o simples e abreviado confronto do funcionamento e resultados da jurisdição laboral com os da restante jurisdição comum, seria suficiente para convencer os mais renitentes da bondade daquela opção4. 3. ORGANIZAÇÃO LABORAL E FUNCIONAMENTO ACTUAIS DA JUSTIÇA 3.1. A organização - breve caracterização: A Constituição da República Portuguesa de 1976, admitindo embora a possibilidade legal de institucionalização de instrumentos e formas de composição não jurisdicional de conflitos, define os tribunais como órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, estabelecendo, no capítulo respeitante à respectiva organização, várias ordens judiciárias, entre as quais se destaca a dos “tribunais judiciais”, permitindo, dentro desta, a existência de tribunais especializados para o julgamento de matérias determinadas, na primeira instância, e de secções especializadas, nos tribunais da Relação e no Supremo Tribunal de Justiça5. Como que a confirmar o que se disse na parte final do ponto anterior desta exposição e na sequência das regras constitucionais acabadas de referir, o legislador ordinário posterior ao 25 de Abril de 1974, apesar de algumas variações e nuances, tem vindo a afirmar, de modo sistemático, a particular natureza das questões laborais/sociais e a necessidade do seu julgamento por uma jurisdição especializada, precisamente a dos tribunais do trabalho. Assim é que, actualmente, à semelhança do que sucedeu até à entrada em vigor da Lei n.º 82/776, de 6/12, todo o território nacional está abrangido pela jurisdição 3 Entre outros, pode ver-se Viviane Forrester, em “Horror económico”, Terramar, Lisboa, 1997. No mesmo sentido parecem apontar as conclusões do seminário internacional sobre o tema, recentemente organizado pela Fundação Calouste Gulbenkian. 4 Em sentido coincidente ao sustentado no texto e perante antagonismo semelhante, já em 1979 se pronunciava José Rodrigues da Silva, ob. cit., págs. 36 e segs.. 5 A este propósito, cfr. artigos 205.º, n.ºs. 1 e 4, e 211.º e segs. da C.R.P, segundo o articulado anterior à 4.ª revisão, aprovada pela Lei Constitucional n.º 1/97, de 20/9. Após a entrada em vigor desta Lei de revisão, o que ocorrerá em 5/10/97, as normas citadas terão correspondência nos artigos 202.º, n.ºs. 1 e 4, e 209.º e segs., respectivamente. 6 Aprovou a primeira Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais posterior ao “25 de Abril” e à Constituição de 1976, integrando os tribunais do trabalho na “ordem judiciária comum”. Viria a ser revogada pela Lei n.º 38/87, de 23/12, que aprovou a L.O.T.J. actualmente vigente e cujo regulamento consta do Dec.-Lei n.º 214/88, de 17/6. 28 especializada dos tribunais do trabalho, o que traduz, da parte do legislador de 1987, o reconhecimento expresso da especificidade própria das questões laborais/sociais, com a consequente necessidade de atribuir àqueles a competência exclusiva para o seu conhecimento, isto apesar de, paradoxalmente e por razões de índole essencialmente burocrática, persistirem ainda algumas, poucas, situações em que tal não acontece, cabendo aos tribunais de competência genérica das áreas não abrangidas por qualquer tribunal do trabalho a competência para conhecer das questões a estes reservadas7. Por força das leis de organização judiciária vigentes8, os tribunais do trabalho integram, pois, a “ordem judiciária comum”, ou seja, a dos tribunais judiciais, constituindo, no entanto, dentro dela, uma jurisdição especializada em razão da matéria, com competência para apreciar e julgar todas as questões àquela atinentes, independentemente do seu valor, devendo classificar-se como tribunais de primeira instância, equiparados a comarcas de acesso final, o que tem repercussões nos requisitos legais de recrutamento dos respectivos magistrados9. Inexistindo, hoje, tribunais de categoria inferior aos tribunais do trabalho com competência para julgar as questões cujo conhecimento lhes está legalmente reservado10, parece dever afirmar-se que nunca funcionam como tribunais de segunda instância, sem prejuízo da sua competência material para julgarem os recursos das decisões das autoridades administrativas em matéria contra – ordenacional laboral e da segurança social11. Quanto à área geográfica de jurisdição de cada tribunal do trabalho, conforme resulta do regulamento da L.O.T.J. e respectivos mapas anexos, podem encontrar-se três tipos de situações distintas, apresentando modificações substanciais relativamente ao panorama uniforme que antes se verificava e em que era possível identificar a área 7 … o que acontece nas comarcas que integram os círculos judiciais de Abrantes e Santiago do Cacém, cujos tribunais do trabalho, apesar de legalmente criados, não se encontram ainda instalados. 8 Vide nota 6. 9 Até às alterações introduzidas à L.O.T.J. e ao seu regulamento, respectivamente, pela Lei n.º 24/92, de 20/8, e Dec. Lei n.º 312/93, de 15/9, o acesso dos magistrados judiciais aos tribunais do trabalho estava condicionado ao preenchimento de requisitos idênticos aos estabelecidos no artigo 100.º daquela Lei para os juízes de círculo, ou seja, tempo mínimo de serviço de 10 anos e classificação não inferior a bom com distinção. Posteriormente, essa equiparação manteve-se apenas para os tribunais do trabalho de Lisboa e Porto e, actualmente, já nem para esses se encontra consagrada, limitando-se a lei a garantir um estatuto de identidade remuneratória entre aqueles magistrados, desde que os do trabalho reúnam os requisitos exigidos para os de círculo. Quanto aos magistrados do Ministério Público, com eventual violação do princípio do paralelismo, nunca a lei estabeleceu quaisquer exigências particulares para o seu acesso aos tribunais do trabalho, nem lhes atribuiu estatuto remuneratório equivalente ao que vimos ser concedido aos juízes. 10 Registe-se que a C.R.P., na versão resultante da 4.ª revisão, aprovada pela Lei Constitucional n.º 1/97, reintroduz a possibilidade de criação de julgados de paz, conforme se alcança do artigo 209.º, n.º 2. 11 Sobre a competência interna dos tribunais do trabalho, segundo a hierarquia, o valor, o território e a matéria, cfr. os artigos 13.º e segs. do C.P.T. vigente, aprovado pelo Dec.-Lei n.º 272-A/81, de 30/9, e a L.O.T.J. e regulamento citados, em especial os artigos 64.º a 66.º∫ da primeira. Quanto às contra-ordenações laborais e da segurança social, os respectivos regimes jurídicos estão previstos, essencialmente, nos Decs.-Leis n.ºs. 491/85 e 64/89, de, respectivamente, 26/11 e 25/2. 29 de jurisdição daqueles tribunais com a do Distrito administrativo, primeiro, e do círculo judicial, depois. Assim é que, hoje em dia, temos tribunais do trabalho cuja área de jurisdição coincide com a do círculo onde está sediado, outros cuja competência territorial ultrapassa aquela circunscrição, abrangendo dois círculos, e alguns competentes somente no território da comarca onde foram instalados, não constituindo a mesma, “de per si”, um círculo judicial12. 3.2. Um esboço sobre o funcionamento: Quanto ao funcionamento dos tribunais do trabalho, tendo em conta os aspectos organizacionais acabados de referir, a sua dotação gradual e progressiva dos meios humanos e materiais minimamente indispensáveis ao cabal exercício das funções que lhes estão legalmente cometidas, o crescente rejuvenescimento e estabilização dos respectivos quadros de magistrados e a bondade das leis processuais aplicáveis neste domínio, pode dizer-se, sem ousadia e sem pretensiosismo, que, não constituindo embora um “nicho” imaculado, representa um exemplo a reproduzir, encontrando-se, hoje, numa situação completamente diferente, para melhor, da que se verificava nas décadas de 70 e 80, não obstante estar, como as restantes jurisdições, sujeita ao aumento exponencial do número de processos entrados cada ano. Constituirá, porventura, exemplo único de contenção, quando não inversão, da tendência generalizada para o aumento da pendência processual13. 12 Como exemplo de cada uma das indicadas tipologias, podem referir-se os tribunais do trabalho da Guarda, de Vila Real e da Maia. 13 Sem preocupações de exaustiva análise, até por incapacidade natural e técnica para tanto, esbocei um superficial confronto entre os números estatísticos relativos à jurisdição laboral e às demais jurisdições da ordem judiciária comum, por forma a observar a evolução comparativa de cada uma delas desde 1988 até 1996, para o que recorremos aos dados oficiais disponíveis do GEP, do Ministério da Justiça, e da P.G.R., relativos aos anos de 1993 e 1996, sendo que dos primeiros constam elementos desde 1988. Dessa análise, retive o seguinte: Na jurisdição laboral, verifica-se, desde 1988, com ligeiras e naturais oscilações, um crescimento constante do número de entradas anuais e globais de processos, situando-se, no último ano, na ordem dos 60 000, a que se devem somar os pendentes do ano anterior, na ordem dos 40 000. Por outro lado, observa-se idêntica tendência evolutiva no número de processos findos em cada ano, o que faz com que a pendência anual se tenha estabilizado naquela ordem de grandeza, valor inferior ao que se verificava em 1988, altura em que as entradas eram na ordem dos 40 000. Ao contrário, nas jurisdições cível e penal, a análise revelou sinais de sentido inverso, pelo menos a partir de 1993, ou seja, a tendência para um agravamento das pendências, com perdas acentuadas na recuperação dos atrasos, ao ponto de o número de processos findos em 1996 ser pouco superior ao dos processos findos em 1988, apesar de os volumes de entradas serem significativamente superiores, havendo neste momento uma grande diferença entre os processos entrados e findos, com desvantagem evidente para estes, ao que acrescem os transitados dos anos anteriores. Isto apesar do grande esforço de todos e em todos os domínios no sentido da inversão de tal situação. 30 Aliás, a confiar na opinião publicamente manifestada sobre o estado da justiça por alguns dos seus mais altos responsáveis14, resulta evidente que esta jurisdição não se inclui no núcleo das suas preocupações fundamentais e prementes. E creio, sinceramente, que essa realidade não traduz qualquer menosprezo pela jurisdição laboral, antes significa o reconhecimento oficial de que, podendo melhorar, ela é, no panorama judiciário nacional, a que apresenta as melhores “performances”. Em meu entender, por tudo o que já fui afirmando e pela leitura que faço dos dados estatísticos disponíveis, que espero ver confirmada no trabalho a apresentar amanhã, pelo Prof. Dr. António Casimiro, é com razão que os responsáveis políticos e judiciários assim actuam, embora importe que se mantenham alerta para os problemas actuais e/ou futuros susceptíveis de travar ou estragar aquele menos mau desempenho, actuando por antecipação e não por reacção, a fim de evitar o alastramento a esta jurisdição dos males que tão gravemente afectam as restantes jurisdições da mesma ordem judiciária. Este estado de coisas, no que aos tribunais do trabalho concerne, dever-se-á, seguramente, a múltiplos e concorrentes factores geradores de sinergias bem aproveitadas e encaminhadas. Contudo, porque muitas vezes ignorado e menosprezado, até por instâncias responsáveis, não posso deixar de realçar, correndo o risco de ser acusado de parcialidade, o papel de fundamental relevo desenvolvido pelo Ministério Público nesta jurisdição, o qual, juntamente com outros, é certo, tem contribuído decisivamente para o seu bom desempenho global. Para não ser maçador e porque o tempo disponível se não compadece com maiores desenvolvimentos, lembro apenas a importância social dos papéis exercidos pelo Ministério Público no que toca ao patrocínio dos trabalhadores e seus familiares por questões de cariz socio-laboral, à condução dos processos por acidente de trabalho na fase conciliatória e ao serviço de atendimento ao público para informação jurídica, assim contribuindo para aproximar e comprometer os cidadãos no exercício da função jurisdicional em seu nome exercida15. 14 Vide declarações proferidas pelo Presidente do S.T.J, pelo Procurador-Geral da República e pelo Bastonário da O.A., a propósito do reinício, pós férias, da actividade judicial, no jornal “Público”, de 16/9/97, pág. 18, as quais melhor se compreendem à luz dos dados estatísticos referidos na nota anterior. 15 A título meramente informativo, diga-se que, do cruzamento das estatísticas anteriormente referidas, no ano de 1996, O Ministério Público recebeu 15 934 pedidos de patrocínio por questões emergentes de contrato de trabalho, tendo entrado nos tribunais do trabalho portugueses, no mesmo período, um total de 26 422 acções declarativas, não incluindo as relativas a acidentes de trabalho, que subiram às 15 920, números que, só por si, são significativos do que se afirma no texto sobre o Ministério Público. 31 4. BREVE PERSPECTIVA SOBRE O FUTURO Para os mais distraídos, o meu discurso sobre o funcionamento dos tribunais do trabalho constante do ponto 3.2., pode ter sido entendido como totalmente apologético da situação actual, como se tudo estivesse perfeito. Não é verdade. O que pretendo dizer foi que, quando comparada com as demais jurisdições, a do trabalho até pode ser olhada como modelo invejável. No entanto, logo deixei implícito e expresso que algumas coisas podiam mudar, no sentido de progressivamente melhor responder com segurança e eficácia ao anseio dos cidadãos por uma justiça mais pronta e mais “justa”. Algumas das mudanças que nesse sentido podem dar um sério contributo foram já anunciadas pelos responsáveis competentes, encontrando-se, até, em fase de concretização. Refiro-me, por exemplo, ao anteprojecto de revisão do Código de Processo do Trabalho16, ao reforço dos meios disponibilizados à Inspecção-Geral do Trabalho, ao fornecimento aos tribunais de meios informáticos adequados às necessidades, designadamente uma base de dados actualizada e actualizável sobre o direito laboral convencional, etc. Outras, porém, poderão ser pensadas e concretizadas com vista a esse objectivo, designadamente, evitando a dispersão legislativa a que se assiste neste âmbito, através do estudo e aprovação de uma lei geral do trabalho, concentrada e sistematizada num único diploma base, sem prejuízo de se reconhecer que, atento o carácter permeável deste ramo do direito às constantes mutações políticas e económicas das sociedades actuais, essa tarefa se apresenta de difícil realização, definição do regime sancionatório privilegiado no direito do trabalho, acabando-se com a confusão actual entre contravenções e contra-ordenações, revigoramento da intervenção dos juízes sociais no julgamento de algumas questões laborais, tal como a Constituição e a lei prevêem, a melhoria das perícias médicas e das assessorias ao dispor dos tribunais, etc. Todavia, convençamo-nos, não há varinha de condão que resolva os problemas da justiça, do trabalho ou genericamente considerada, nomeadamente os atinentes à morosidade, se as soluções encontradas e tentadas não puderem contar com a adesão empenhada de todos quantos participam na sua realização quotidiana: trabalhadores, entidades patronais e respectivas estruturas representativas, políticos, magistrados, advogados e funcionários. Só assim podemos sonhar com um futuro melhor para todos, na realização do qual também as instituições judiciárias têm um insubstituível papel a desempenhar. 16 A comissão encarregada da elaboração e apresentação do anteprojecto, foi nomeada por Despacho conjunto dos Ministérios da Justiça e Para a Qualificação e Emprego, inserto no D.R., II série, de 15/4/97, dele constando a respectiva composição, os objectivos visados e o prazo de execução. 32 Como diria o Director do Centro de Estudos Judiciários, Dr. Armando Leandro, que me incumbiu desta honrosa mas responsabilizante tarefa, “As tentativas de resposta aos riscos totalitários que derivam da acentuada dissociação entre a economia e a cultura, com a proliferação de poderes difusos, exigem garantias institucionais adequadas a permitir a actuação livre, responsável e solidária dos sujeitos. ... E entre essas protecções e garantias institucionais avultará, certamente, a da intervenção judiciária, provavelmente em moldes inovadores, sobretudo em termos de justiça de proximidade e descentralizada, inspirada no respeito e desejo de efectividade dos Direitos do Homem, sobretudo aqueles de que são titulares os mais desprovidos e indefesos”17. Deste modo termino, renovando a esperança de que este meu insignificante contributo tenha correspondido minimamente às expectativas e possa constituir um modesto estímulo ao aprofundamento do debate sobre a justiça em Portugal. 17 Palavras inseridas a fls. 16 do discurso proferido em 17/9/97, por ocasião da sessão de abertura do novo ano de actividades do Centro de Estudos Judiciários, em que interveio também o Exm.º Senhor Ministro da Justiça, cujo texto foi policopiado e distribuído pelos Auditores e Docentes. 33 DA PARTICIPAÇÃO DO ESTADO E DA SOCIEDADE CIVIL NA RESOLUÇÃO DOS CONFLITOS DE TRABALHO 34 Dr. António Casimiro Ferreira* Orador Introdução A discussão sobre a intervenção da sociedade civil do trabalho e a sua interacção com a administração do trabalho e justiça laborais é uma temática genérica que nos remete, desde logo, para um vasto conjunto de questões e de problemas insusceptíveis de serem abordados na sua totalidade no espaço desta comunicação. Torna-se assim necessário delimitar o campo de análise e identificar o objecto da nossa intervenção neste debate. Procuramos neste texto reflectir em torno da temática da participação do Estado e da sociedade civil na resolução dos conflitos de trabalho, individuais e colectivos. Muito concretamente, pretendemos analisar o que mais adiante se definirá como “sistema de regulação e resolução dos conflitos de trabalho” (doravante SRRCT). Fazemo-lo do ponto de vista da influência que sobre ele exerce a participação, ou a ausência de participação do Estado e dos parceiros sociais na composição dos conflitos laborais, sobretudo dos que emergem do contrato individual de trabalho e da aplicação, negociação ou revisão de convenções colectivas de trabalho. Antecipando desde já duas das conclusões a que a nossa investigação nos conduziu, diremos o seguinte: em primeiro lugar, do ponto de vista das práticas sociais, não estamos a levar a cabo uma sociologia da intervenção e participação dos actores sociais nas formas de resolução dos conflitos de trabalho, mas sim uma sociologia da ausência de intervenção e participação dos actores sociais nas formas de resolução dos conflitos de trabalho; em segundo lugar, quer do ponto de vista institucional, quer normativo, encontramo-nos perante uma “arquitectura desabitada” e com um apreciável grau de contingência. Procuramos demonstrar que as razões para este estado de coisas se encontram estruturalmente determinadas por dois factores. O da relação existente entre o Estado e a sociedade civil e o da natureza desta no contexto da sociedade portuguesa. A comunicação encontra-se estruturada em quatro capítulos. O primeiro tem um carácter genérico e um propósito simultaneamente metodológico e contextual. Nele chama-se a atenção para a necessidade de se utilizarem no estudo das relações de trabalho vários níveis de análise – que vão do global ao local – e de se cruzarem os debates e resultados de investigação de diferentes campos disciplinares. O segundo assume um recorte teórico e tem um duplo objectivo: por um lado, sustenta a necessidade de se estudar o papel da sociedade civil no campo laboral de uma forma * Docente da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e Investigador Permanente do Centro de Estudos Sociais 35 relacional com o papel desempenhado pelo Estado; e, por outro, destaca a importância de questões como a participação e intervenção dos parceiros na regulação das relações de trabalho. Os restantes capítulos utilizam uma lógica substantiva com a qual se caracterizam aspectos concretos do sistema de resolução dos conflitos de trabalho. Assim, no terceiro capítulo identificam-se algumas das características da relação Estado-sociedade civil no domínio laboral em Portugal. No quarto identificam-se os elementos constitutivos e princípios de ordem social que estão na base do sistema de regulação e resolução dos conflitos de trabalho e colocam-se sob escrutínio os dados referentes à actual situação do SRRCT. CAPÍTULO 1 Os sistemas de relações laborais entre o local e o global O mundo laboral vive na actualidade um momento marcado pela incerteza quanto ao futuro e pela certeza de que o presente é de crise e de recessão. Mais do que nunca, a reflexão social deve pugnar por uma “viragem” para as questões do mundo laboral, com o firme propósito de criar condições de visibilidade sociológica que possa contribuir, validamente, para a resolução de situações concretas. Contrariamente ao que se chegou a julgar, as profundas transformações culturais, sociais, económicas e políticas que se impuseram à escala global nos últimos trinta anos, ao invés de diminuírem o interesse pelo trabalho e pela produção conferiram-lhe uma centralidade renovada. Com efeito, boa parte dos problemas que se colocam à humanidade no actual momento de “transição paradigmática” (Santos, 1995), marcado por uma crise sem precedentes, passam de uma forma ou de outra por questões que estão relacionadas com o trabalho, com a produção, ou com o emprego. Hoje em dia é praticamente impossível proceder à análise dos sistemas de relações laborais sem utilizar uma metodologia que atenda aos fenómenos multifacetados da globalização do campo laboral nas suas mais variadas dimensões, quer se trate de mercados económicos, financeiros ou de trabalho, da mudança de paradigmas tecnológicos e da produção, da estratégia de investimentos, da cultura e ideologia dos recursos humanos, da mudança de paradigmas no direito do trabalho, da organização internacional dos interesses do capital e do trabalho, do papel das organizações internacionais na regulação das condições de trabalho, do estabelecimento de padrões mínimos de emprego, ou da nova divisão internacional do trabalho1. A forma como as relações laborais têm sido afectadas pelos fenómenos da globalização tem variado em função do impacto e da pressão dos elementos exógenos e das respostas locais que se vão gerando através de um processo dialéctico que já foi descrito como sendo de globalização/localização e de localização/globalização 1 Cf. entre outros Hall et al., 1993; Waters, 1995; Rherborn, 1995; Faria, 1995; Hoogvelr, 1992. 36 (Santos, 1995). Por outro lado, também é verdade que qualquer análise sobre os sistemas de relações laborais tem de atender aos específicos contextos e histórias nacionais que matizam os modelos institucionais e legais e as práticas e relações dos actores sociais, sob pena de se não entenderem as várias manifestações em presença e de se inviabilizar qualquer esforço comparativo que se pretenda realizar. Aliás, à medida que os processos de globalização e a crescente internacionalização da vida económica vão aumentando, torna-se cada vez mais necessário desenvolver análises comparativas das relações industriais2 que permitam o cruzamento das várias experiências nacionais, nomeadamente, no que tange às suas instituições e questõeschave: processo de juridificação das relações laborais; processo de institucionalização dos conflitos; participação e intervenção dos parceiros sociais; políticas públicas de regulação do mercado de trabalho; empresas; sindicatos; associações patronais; administração do trabalho; negociação colectiva; concertação social; direito do trabalho e tribunais do trabalho. Sugere-se, com estas observações preliminares, que o mundo laboral e o que nele se passa, independentemente do tópico ou tópicos que se tragam à colação, deve ser estudado compaginando diferentes níveis de análise, dispondo estes ao longo de um continuum em cujos pólos se encontram, de um lado, as tendências globais que afectam os diferentes sistemas de relações laborais e, de outro, as especificidades locais que lhes conferem um carácter sui generis. De entre os elementos constitutivos deste continuum, e pensando no caso português, destacaríamos também o nível intermédio constituído pelas tendências que afectam o ambiente das relações laborais na Europa. No caso da sociedade portuguesa, marcada pela sua situação semi-periférica (Santos, 1985, 1993) e pelos processos de transição e consolidação democráticos, várias são as especificidades que foram moldando o seu sistema de relações laborais e das quais destacaríamos: a rápida sucessão e coexistência de diferentes modelos de regulação político-social; uma deficiente institucionalização de conflitos entre o Capital e o Trabalho; um modelo pluralista e competitivo de relacionamento intersindicatos; a forte politização dos processos de negociação das condições de trabalho; a ligação do movimento sindical ao sistema partidário; a dessincronia entre o movimento sindical português e o europeu; a centralidade do Estado na relação Capital-Trabalho, a procura, por parte dos parceiros sociais, da intervenção estatal; e, finalmente, a forte heterogeneidade dos mercados de trabalho e dos sectores económicos. Para além destes elementos específicos, Portugal é afectado por um conjunto de tendências que têm levado à transformação das relações laborais na Europa e que se podem sistematizar do seguinte modo: a reestruturação sectorial e ocupacional do emprego; um mercado de emprego mais difícil e, nalguns países, o regresso do desemprego em massa, de uma forma sem paralelo, desde os anos 30; a intensificação 2 Ver a este propósito Hyman (1994), Maeland (1993), Therborn (1995), Burawoy (1985, 1992). 37 da competição global (relativamente à qual a implementação do mercado único da comunidade europeia constitui, simultaneamente, reacção e reforço) acompanhada pela reestruturação transnacional do capital; uma “crise fiscal” do emprego público que na maioria dos países registou uma rápida expansão nas primeiras décadas do pós-guerra e alimentou padrões distintos de relações industriais; a opção por políticas públicas de matriz neo-liberal; o aumento da exclusão social e o recolocar de novas questões sociais; a expansão da economia informal; o aumento do trabalho precário; e a crise dos mecanismos de protecção social. Num plano mais genérico podemos ainda chamar a atenção para várias tendências que perpassam por todos os sistemas de relações laborais. Com efeito, se percorrermos a literatura recente respeitante a estudos relacionados com o mundo do trabalho, encontramos referência a debates que estão relacionados com as tendências já referidas e que, de uma forma ou de outra, chamam a atenção para as profundas mudanças e transformações por que têm passado as sociedades industriais. Assim, o ponto de partida destas reflexões traduz a preocupação com o cenário de crise económica e social que tem afectado o mundo laboral e que tem ocasionado profundas mudanças nos padrões de relacionamento entre o Estado, o Trabalho e o Capital, encontrando-se delas expressão no plano económico, político e jurídico. De uma forma muito sumária, confiramos algumas linhas do debate (Cf. Rogowski; Wilthagen, 1994, 1994a; Regini, 1992). Em primeiro lugar, temos os debates que emergem das transformações das formas de produção, os quais se podem identificar por antonomásia pela discussão em torno da transição do paradigma fordista ou da produção em massa para o paradigma pósfordista ou da especialização flexível. Temos, por outro lado, discussões associadas a fenómenos como o do declínio do sector industrial e aumento da importância do sector dos serviços, da procura por parte das empresas de mão-de-obra flexível, do aumento da segmentação e dualidade dos mercados de trabalho, do aumento das situações de trabalho precário ou atípico, do aumento do desemprego estrutural e em massa. Daqui resulta a configuração do que podemos designar por manifestações de risco laboral acrescido para o lado do trabalho. Em segundo lugar, podemos identificar os debates que decorrem das transformações sentidas pelos próprios sistemas de relações industriais. Eles abordam fenómenos como o da dificuldade em organizar os empregados com relações laborais atípicas, a perda de capacidade negocial por parte dos sindicatos como consequência do enfraquecimento dos movimentos sindicais, a transferência para níveis micro da regulação das condições de trabalho, a emergência de sistemas paralelos de negociação promovidos pelas empresas, a relativização do papel da macroconcertação e, finalmente, os debates associados à desagregação da classe operária, aos padrões de conflitualidade laboral e ao papel do sindicalismo no contexto da Comunidade Económica Europeia. De todo este processo resulta a precarização das 38 estruturas contratuais laborais, a falta de confiança nos sistemas normativos e o aumento da sociedade de risco. Finalmente, há os debates políticos onde se discute o papel do Estado nas sociedades pós-industriais e do direito como instrumento de regulação. A relação contratual do emprego estável que esteve ligada à relação salarial fordista é agora questionada pelas relações laborais fragmentadas e atípicas. A especificidade do direito do trabalho, que sempre se reconheceu na sua estrutura nomológica pela protecção à parte mais desprotegida, cauciona agora padrões de emprego flexíveis e desregulados. A desregulamentação, como resposta à juridificação das relações laborais, traduz-se na redução dos padrões de protecção legal dos trabalhadores, tendendo os seus defensores, apoiados em políticas económicas neo-clássicas e liberais, a criticar as normas de protecção do emprego, os direitos de consulta dos trabalhadores e seus representantes, e a intervenção dos tribunais de trabalho. Deste movimento de desregulamentação parece surgir uma espécie de morte anunciada do direito do trabalho (Leite, 1995: 123), o que desafia os direitos fundamentais no novo contexto laboral e conduz à noção de “crise” do direito do trabalho. O conjunto de elementos constitutivos dos vários níveis de análise que assinalámos sinopticamente e que se organizam segundo a dupla lógica do estabelecimento de padrões e regularidades e do reconhecimento das singularidades compõe o pano de fundo contextual no qual evoluem as relações laborais na actualidade, a que se deve juntar a crescente polarização do mundo laboral. A segmentação interna dos mercados de trabalho, indo de par com uma nova divisão internacional do trabalho, concorrem para a precarização das relações laborais, de que o desemprego e o “trabalho não livre” serão provavelmente as experiências limite. Sendo certo que a informação disponível permite apontar as tendências globais que afectam, embora em graus e modalidades diversas, todos os sistemas de relações laborais, a tarefa complica-se quando se pretende aferir o impacto destas e as respostas que desencadeiam localmente. Com efeito, se os tópicos constitutivos da agenda “globalização do campo laboral” reúnem um certo consenso entre os actores sociais em presença, independentemente das posições que se sustentem, à medida que nos aproximamos das situações concretas, nem sempre fica claro se as afirmações feitas se situam num plano doxológico ou num plano científico. O carácter situado e muitas vezes dramático que constrange a defesa dos interesses em presença, para além de complexificar a análise, torna mais difícil a partilha da experiência da solidariedade e testa os limites da (ir)responsabilidade humana. 39 CAPÍTULO 2 Da relação Estado - Sociedade Civil no domínio das relações laborais A oposição entre o Estado e a sociedade civil impregna a nossa maneira de pensar a sociedade. Não é, assim, surpreendente que ela influencie também a nossa maneira de pensar o mundo do trabalho3. Do ponto de vista da sociologia histórica é interessante fazer notar que a “sóciogénese” e a “genealogia”4 da relação Estado/sociedade civil no domínio laboral revelam que ela começou pela via da desobediência civil5. Foram actos de desobediência civil, como nos lembra Hannah Arendt, que induziram a formação do direito do trabalho e levaram a que o Estado interviesse nas relações laborais através desse “novo direito” numa linha de “racionalização” jurídica dos conflitos sociais. O que hoje são direitos considerados como certos e instituídos, na maioria dos ordenamentos juslaborais das sociedades ocidentais, – como o direito à negociação colectiva, o direito à organização e associação de interesses, o direito à greve, o tratamento mais favorável ao trabalhador, etc., – foram precedidos de décadas de violenta desobediência civil que desafiou a autoridade do Estado e demonstrou a inadequação do modelo civilístico e privatístico do direito para regular as relações sociais emergentes dos processos de industrialização e da conexa questão social. Desde cedo, os ordenamentos laborais pressupuseram o intento de controlar os conflitos entre empresários e trabalhadores enquadrando-os num sistema de racionalidade jurídica6. Racionalidade jurídica essa que, no entanto, como revelam as análises internas do “campo jurídico” (Bourdieu, 1989: 235, 252), se constituiu na base de especificidades várias que a distinguiram claramente da ratio juris civilística e da dogmática jurídica7. 3 Num sentido próximo do nosso mas acentuando a oposição público/privado conferir Supiot (1996: 713). 4 Tomamos de empréstimo a Norberto Elias e a Michel Foucault os respectivos conceitos. Consideramo-los duas importantes ferramentas para a análise da evolução das relações laborais e do direito do trabalho. Consultar igualmente a este propósito o processo de revisão a que têm sido sujeitas as análises históricas do direito do trabalho e das relações laborais feitas pelos critical legal studies (Woodiwiss, 1990). 5 Consultar a este propósito Cohen e Arato 1992: 595, 740 e 741. 6 Sobre esta questão consultar Perez (1994) e B. Hepple (1994). Acerca da intervenção estatal nas relações laborais consulte-se Baylos Grau (1991). 7 São várias as especificidades que distinguem o direito do trabalho do modelo civilístico e positivista do direito. Refira-se, por exemplo, a relação de interioridade que o direito do trabalho mantém com a sociologia (Supiot, 1996; Ewald, 1985; Ferreira 1996), o recurso a uma racionalidade de base material e não formal (Supiot, 1996), a centralidade do conflito (Ewald, 1985; Lyon-Cayen, 1972 e KahnFreund, 1977), a sua função limitadora dos poderes sociais das partes (Kahn-Freud, 1977), o seu específico processo de juridificação e o recurso a princípios de aplicação e interpretação do direito como o favor laboratoris ou a condenação extra vel ultra petitum, a preferência por formas alternativas aos tribunais de resolução dos conflitos (Bonafé-Schmith1992), o recurso a princípios como o da conciliação, o da transacção (Ewald, 1986)) e do pluralismo jurídico (Gurvitch, 1976) e finalmente o 40 Efectivamente, percorreu-se um longo caminho no desenvolvimento do direito do trabalho e das relações laborais desde a fase de “repressão-conflitual”, marcada pela desobediência civil, passando pela fase de “tolerância-cooperação”, marcada pelo processo de juridificação das relações de trabalho e institucionalização progressiva de direitos sociais e laborais, até se chegar, mais recentemente, à fase de “reconhecimento-participação-colaboração”, marcada inicialmente pela consolidação dos direitos sociais e da cidadania industrial na base da legitimidade que o EstadoProvidência lhes conferiu e pelo desenvolvimento de concertação social, e depois sujeita à pressão das tendências para a flexibilização, desregulamentação e desjuridificação das relações de trabalho8. Esta breve nota histórica alerta-nos para a necessidade de pensar em situação de “co-presença” (Bobbio 1989: 173) e de forma relacional e contínua os dois elementos que compõem uma mesma relação sócio-política: Estado e sociedade civil. Colocando a discussão num plano mais geral, poderemos mesmo considerar que em muitos sentidos a oposição entre o Estado e a sociedade civil é uma falsa oposição. Elaborada no contexto geo-teórico-social dos países centrais na fase do capitalismo liberal, atendendo às suas específicas condições económicas, sociais e políticas, a distinção em causa veio a revelar-se conceptualmente contraditória e substantivamente obscura em muitos casos9. Peça central de uma certa “ortodoxia conceitual” (Santos, 1989: 3) que dela faz derivar outras tantas “grandes dicotomias” (cf. Bobbio,1977 e 1989), de que são exemplo, as oposições público/privado, lei/contrato, justiça comutativa/justiça distributiva, status/contrato, colectivo/individual, direito natural/direito positivo, ou ainda, ao fundamentar a separação entre o económico e o político, entre o direito e a política, a redução do poder político ao poder estatal e a identificação do direito com o direito estatal, a distinção Estado/sociedade civil, enquanto código binário tradicional das ciências sociais tem sido alvo de profunda crítica10. As relações Estado/sociedade civil, que se institucionalizaram no quadro da regulação salarial fordista e dos Estados-Providência, ao serem questionadas pela crise social, em geral, e em particular pela crise do Estado-Providência e a passagem do modo de regulação económico fordista para o pós-fordista, conduziram, quer a análises de carácter geral, quer a análises com referência ao caso específico português.11 12 Alguns destes trabalhos debruçaram-se sobre o fenómeno no contexto de sociedades periféricas ou semi-periféricas como a portuguesa.13 perspectivar de uma forma diferente questões como a da obrigação política, a do contrato, pacto, justiça e solidariedade sociais (Ewald, 1986; Donzelot, 1994). 8 A proposta das três fases de evolução do direito do trabalho e das relações laborais pode ser conferida em Kahn-Freund (1977 e 1978) e Rogowski (1994). 9 Seguimos de perto os trabalhos de Boaventura de Sousa Santos, que analisou de uma forma detalhada os limites conceptuais e substantivos da oposição-distinção Estado/sociedade civil (cf. Santos, 1989, 1994 e 1995). 10 Consultar a este propósito Santos (1989, 1994 e 1995). 11 Referências bibliográficas a este respeito podem encontrar-se em Santos et al. (1992). 41 No domínio das relações laborais, o carácter marcadamente sócio-político da relação Estado/sociedade civil encontra-se condensado na estrutura da normatividade laboral, que corresponde ao “máximo de consciência possível” político numa dada sociedade e num dado momento. Como todos os “produtos” que resultam do “campo social” (Cf. Bourdieu, 1989), a normatividade laboral, em sentido amplo, é o resultado de um jogo e correlação de forças sociais de que resulta o seu entendimento como facto político social (Faria, 1995: 12) vinculado às estruturas sociais, políticas e económicas que o produzem. Ao ser causa e consequência das lutas e conflitos sociais, fazendo o trânsito sócio-político-jurídico de relações sociais marcadas pelas diferenças de poder e pelas lutas de classe, ela reflecte os modelos sócio-políticos dominantes, o estado da correlação de forças sociais e os actores sociais em presença. Mais do que qualquer outro espaço sócio-jurídico, o direito do trabalho, enquanto direito social, expressa o peso dos contextos e o papel desempenhado pelo Estado e parceiros sociais na regulação social, configurando-se como espaço de articulação entre as várias formas de produção do direito e do poder social14. Como bem demonstra a história do direito social, o seu corpus sócio-jurídico regista em cada momento um estado de relação de forças (Blumrosen, 1962), mesmo que patenteie a discriminação positiva da parte contratualmente mais débil ou sancione as conquistas dos dominados.15 Por outro lado, a legislação do trabalho é cada vez mais um instrumento ao serviço das políticas públicas de regulação do mercado de trabalho. Daí que as políticas de emprego (ou desemprego) afectem os avanços ou retrocessos do direito do trabalho, em consonância com os processos sociais que tenham lugar na sociedade. Assim se entendem as permanentes modificações na legislação laboral. Por lidar de perto com os poderes económicos, sociais e políticos num sentido regulador, a “agenda” da normatividade laboral tende a reflectir através dos seus debates a competição entre modelos, teorias e “visões do mundo” socio-políticos. A oposição entre marxistas e conservadores, entre concepções do conflito e da colaboração, entre estatistas e liberais, entre neo-liberais e neo-intervencionistas, entre o “auto-governo” e o “uso promocional do direito”, entre privatistas e publicistas, entre a auto-reflexidade e o 12 Num outro registo pode salientar-se a propósito da distinção Estado/sociedade civil que quanto mais ela é identificada como um obstáculo epistemológico ao desenvolvimento do conhecimento social, mais tende a predominar no discurso político de forma reificada. 13 Para além dos já referidos trabalhos de Boaventura de Sousa Santos, referimos o projecto desenvolvido no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, subordinado ao tema “O Estado e a Sociedade Civil: A Criação de Actores Sociais num Período de Reconstituição do Estado”, coordenado pelo mesmo autor. 14 A este respeito consultar Santos (1985, 1994 e 1995). 15 É por esta via que a análise crítica do direito do trabalho tem chamado a atenção para o seu potencial integrador e regulador do ponto de vista social. A este propósito podem conferir-se as análises do “mouvement critique du droit” ou dos “critical legal studies”. Trabalhos de síntese a este respeito são por exemplos de Klare (1990), Conaghan (1987), Jeammaud (1991), AAVV (1987). 42 direito social, ou entre pluralistas e neocorporativistas, são apenas alguns dos exemplos mais usuais16. Depois de termos reflectido em torno da oposição Estado/sociedade civil, atendamos a outra dimensão fundamental para a reflexão socio-jurídica laboral: a do papel da participação e intervenção da sociedade civil na constituição da normatividade laboral e na resolução dos conflitos de trabalho. Comecemos por fazer seis observações prévias com as quais pretendemos chamar a atenção para alguns dos elementos básicos caracterizadores das relações sociais no domínio laboral. Estes elementos são matizadores do modo como se processa a relação sociedade/direito no espaço da produção. É de acordo com as características das relações sociais de produção infra identificadas que se equaciona o modo como a normatividade laboral orienta e interfere nas relações e práticas sociais. A primeira refere a centralidade e importância de que se reveste o “espaço da produção” por nele se gerar a divisão de classes que constitui, com a divisão sexual e a divisão étnica, um dos grandes factores de desigualdade social e conflitos sociais (cf. Santos, 1994: 264). A segunda enfatiza a nota do conflito como elemento básico constitutivo das relações de trabalho (Kahn-Freund, 1977; Barbash, 1984; Caire, 1991) e do próprio direito do trabalho (Lyon-Caen, 1972; Ewald, 1985)17. A terceira sublinha a ideia de que a exploração é a forma privilegiada de poder no local de trabalho (Santos, 1994 e 1995). A quarta identifica as duas principais fontes do conflito inerentes às relações de trabalho. Por um lado, o facto de as relações de trabalho serem relações de troca, em que o valor pelo qual se troca salário por trabalho depende de interesses e prioridades antagónicas. E, por outro lado, o facto de as relações de trabalho exigirem necessariamente a subordinação do trabalhador à autoridade do empregador (Reed, 1997: 97-98). A quinta observação assinala que as relações laborais podem ser de dois tipos: “relações de produção” contratualmente estabelecidas entre o trabalho e o capital e que constituem, no seu conjunto, a relação salarial, e as relações na produção que governam o trabalho concreto realizado pelos trabalhadores durante o dia de trabalho, relações entre trabalhadores, destes com supervisores, com gestores, segundo as normas e regulamentos da empresa, às vezes fixadas por escrito, outras vezes não escritas e transmitidas oralmente segundo a “cultura de empresa”" (cf. Santos 1985; 1995). Finalmente, em sexto lugar, identificam-se vários níveis de organização social e de escalas através das quais se exprime o conflito: institucional, organizacional, comportamental – individual ou colectivo – e normativo (Reed, 1997; Santos, 1995). As características das relações laborais anteriormente identificadas exprimem-se de modos muito diversos nos planos individual e colectivo do que se convencionou chamar “relações de trabalho ou relação laboral” e “relações colectivas de trabalho”. 16 A este respeito consultar Woodiwiss (1990, 1990 a), Supiot (1996), Lyon-Caen e Luigi Mariucci (1985); Rogowski (1994), Bourdieu (1989), AAVV (1988, 1988 a, 1990), Fernandes (1991), Pinto (1986, 1990), Xavier (1990), Ferreira (1993), Faria (1995), Leite (1989), Ramalho (1993). 43 Elas encontram-se plasmadas através do processo de juridificação laboral, nomeadamente, no contrato individual de trabalho, na disciplina das relações colectivas de trabalho e nos vários tipos de acções judiciais laborais. São, no entanto, essas mesmas características das relações sociais em causa que fazem com que no domínio laboral ocorra com frequência nos planos normativos, teórico e substantivo a relativização do critério de juridicidade, isto é, da distinção entre regras jurídicas e normas sociais. Reconhece-se que neste domínio coexistem diferentes modos de produção e aplicação do direito. O conjunto de articulações e inter-relações entre os vários modos de produção e aplicação do direito laboral constitui o que podemos designar por normatividade laboral em sentido amplo. Admite-se, portanto, como princípio a relação de interioridade e a inter-dependência existente entre as regulações jurídicas e sociais no mundo laboral18. Esta é uma concepção pluralista que acentua o facto de existirem diferentes actores sociais, – Estado, sindicatos, associações patronais –, a produzirem e a aplicarem a normatividade laboral a vários níveis sociais – concertação social, negociação colectiva, acordos de empresa, regulamentos de empresa, notas de serviços, códigos de empresa, códigos de ética, códigos interpessoais, etc. A questão da participação dos parceiros sociais na regulação e gestão dos conflitos de trabalho deve ser abordada levando em linha de conta o contexto das relações sociais, composto pelos seis elementos referidos e a concepção pluralista da normatividade laboral. Apesar do Estado ter desempenhado um papel muito importante no processo de juridificação das relações laborais através de várias formas de intervenção directa como a publicação de leis sociais e leis reguladoras das condições de trabalho, a intervenção administrativa e resolução de conflitos pela via judicial (cf. Simitis 1987; Leite 1986) as formas de intervenção indirecta nas relações de trabalho desempenham desde cedo um papel relevante. De entre os princípios subjacentes à intervenção indirecta nas relações de trabalho merece, naturalmente, destaque o da auto-regulação. Como refere Vital Moreira “o primeiro espaço a ser submetido ao princípio da autoregulação foi o das relações de trabalho, através da contratação colectiva, de tal modo que as relações individuais de trabalho passaram a ser predominantemente reguladas por via de acordos colectivos entre associações profissionais representativas” (1996:171). É neste espaço marcado pelos princípios da auto-regulação e da autonomia colectiva que se configura a temática da participação e intervenção da sociedade civil nas relações de trabalho perspectivada no quadro do que se designa por “democracia industrial”. 17 A este respeito consultar Redinha (1995: 30-31) e a bibliografia aí citada. A este propósito consultar Chouaqui (1989;1993), Bonafé-Schmitt (1994), Supiot (1996), Moritz (1994). 18 44 Por sua vez a noção de democracia industrial encontra-se relacionada com a ideia da empresa como “internal state”. Segundo Burawoy, deste conceito fazem parte as várias instituições que organizam, transformam ou reprimem a luta sobre as relações de e na produção ao nível da empresa. As mais importantes destas instituições são a negociação colectiva e as “grievance procedures” (Santos 1985:319). Com a noção de democracia industrial refere-se uma regulação do mercado de trabalho por via de uma forte intervenção das organizações sindicais face ao poder arbitrário e discricionário das entidades empresariais (Martin:1995). A democracia industrial desenrola-se no quadro do processo histórico de evolução prática dos modelos políticos democráticos, o que implica uma organização da convivência social a partir de critérios de liberdade, igualdade e participação. Foi nas décadas de 60 e 70, na fase da mobilização colectiva dos trabalhadores (Regini 1992), que os modelos de democracia industrial procuraram reduzir a contradição existente entre a participação política dos cidadãos e o autoritarismo vivido nas empresas pelos trabalhadores. Esta tendência é acompanhada no domínio da justiça pela promoção do princípio da participação popular na administração da justiça, pela informalização da justiça, pela criação de mecanismos alternativos de resolução de litígios (conciliação, mediação e arbitragem) e por reformas processuais várias que vão no sentido de um maior garantismo judicial e consolidação dos direitos sociais associados aos EstadosProvidência (Santos 1982, 1982 a, 1994). Associada aos modelos de democracia política vigentes nas sociedades (Carter: 1989), a democracia industrial sofreu uma forte alteração em finais da década de 70. As razões para esta alteração são tanto micro como macro sociológicas e incluem questões como as modificações políticas e económicas à escala global, a reestruturação industrial e organizacional, o aumento da competitividade à escala global, a introdução de formas flexíveis de produção, a mudança de paradigmas tecnológicos e da produção, a introdução de novas tecnologias, o aumento da importância da sociedade de informação, a desregulamentação e flexibilidade das estruturas contratuais laborais associadas à relação salarial fordista, a crise do estado providência, etc. Perante a transformação dos quadros de referência políticos, institucionais, normativos, organizacionais e profissionais ocorreu a alteração das perspectivas sobre a participação dos parceiros sociais no domínio das relações laborais. Aos poucos, a participação indirecta ou representativa do modelo da democracia industrial foi sendo substituída por novas formas de participação directa. Assumindo um carácter muito heterogéneo,19 as novas perspectivas sobre a participação directa assumem formas organizacionais como a dos “grupos autónomos”, a dos “círculos de qualidade”, a dos “grupos de expressão”, associadas a diferentes modelos e sistemas produtivos. 19 É extensa a bibliografia sobre esta matéria, no entanto, a título ilustrativo poderá consultar-se AAVV 1988, AAVV 1994, AAVV 1995. 45 Entre os objectivos que se propõem atingir podem referir-se a título ilustrativo o aumento da competitividade, a melhoria das condições de higiene e segurança no trabalho, a formação profissional, a reestruturação das empresas, a introdução de novas tecnologias, etc. Admitindo a enorme variabilidade dos tipos de intervenção e participação dos actores sociais na regulação das relações de trabalho, é de realçar que o gap existente entre o espaço da cidadania política na sociedade civil e a esfera económica e do trabalho não se reduziu. É no quadro desta dualização ou dicotomização dos quadros de referência das experiências sociais que opõem o espaço da cidadania e o espaço da produção que têm sido experimentadas as novas formas de participação directa. Estas transformações nas formas de participação ocorrem em contextos, aos quais continua a ser necessário estender práticas e atitudes democráticas.20 É por isso que as perspectivas críticas sobre o direito do trabalho têm sublinhado a necessidade de tornar mais democrático o espaço da produção, sem esquecer que o problema da democraticidade nos locais de trabalho é em muitos sentidos paradigmático dos problemas da política e da lei em geral (Klare, 1990). Daí que alguns autores considerem que “uma das tarefas centrais da nova teoria democrática consiste na politização do espaço da produção” (Santos 1994:235). CAPÍTULO 3 Identificação de algumas características estruturais da relação entre o Estado e a sociedade civil no domínio do SRRCT As investigações sobre os sistemas de relações industriais, têm evidenciado a existência de um modelo dominante de relações laborais que se consolidou no período do pós-guerra, na América do Norte e na Europa Ocidental. Este modelo denominado de paradigmático dos sistemas de relações industriais (cf. Stoleroff, 1988: 151 e ss.), assentou no crescimento económico e na institucionalização dos conflitos de trabalho que progressivamente se autonomizaram das lutas sociais e políticas. A este modelo está associado o desenvolvimento concomitante dos processos de institucionalização, regulação e resolução dos conflitos e o desenvolvimento da democracia política. Estes modos de regulação e resolução dos conflitos de trabalho conduzem a uma separação entre o conflito laboral e o conflito de classe, ocorrendo igualmente uma despolitização do conflito laboral em resultado da “maturidade” crescente dos mecanismos de regulação, quer seja ao nível do local de trabalho, das fábricas e empresas ou do sistema de relações de trabalho em geral21. 20 Boaventura de Sousa Santos (1992) tem analisado de uma forma incisiva as consequências que decorrem da desarticulação entre o espaço de produção e o espaço da cidadania no contexto das sociedades semi-periféricas como a portuguesa. 21 Ver a este propósito Reed 1997, Watson 1995. 46 Ainda no quadro das teses da institucionalização dos conflitos de trabalho, e como foi demonstrado por Dahrendorff (1961), é de referir que este processo envolve o reconhecimento da organização de grupos de interesses, a existência de procedimentos de regulação dos conflitos, o desenvolvimento da negociação colectiva entre os parceiros sociais e a criação de instituições de representação dos trabalhadores. Todo este processo de democratização das relações de trabalho, constitui-se em torno do princípio da autonomia colectiva e do reconhecimento dos instrumentos de auto-tutela de trabalhadores e empregadores, e do reconhecimento do paritarismo entre organizações sindicais e patronais. Pressupõem-se, assim, a existência de organizações sindicais e patronais suficientemente representativas dos interesses sociais em presença e inspiradas em princípios democráticos. O estudo do processo de institucionalização dos mecanismos de resolução dos conflitos de trabalho e do processo de juridificação das relações laborais é um bom indicador do estádio em que se encontra um dado sistema de relações laborais já que estes processos desempenham um importante papel na sua transformação e evolução. Não obstante as claras diferenças que marcam as diferenças históricas nacionais do direito do trabalho, é possível constatar que a função da resolução dos conflitos de trabalho foi mudando com a transformação das relações laborais e da sociedade em geral. Em termos evolutivos estamos perante a consolidação de tendências normativas e práticas sociais que germinaram desde o início do processo de juridificação das relações de trabalho. Processo refractário à estrutura piramidal do direito em cujo vértice da pirâmide está, segundo Kelsen, (1984), a “norma fundamental” inseparável de uma identificação do direito com o direito estatal. Contrária à ideia do monismo e positivismo jurídicos encontra-se a ideia do direito do trabalho enquanto direito social que remete para uma imagem mais fragmentada do direito e da política. Como sublinha Alain Touraine (1996:135), a atenção desloca-se então do sistema para os actores, ao mesmo tempo que a concepção normativa do direito cede terreno perante uma concepção realista, em que o pluralismo dos centros de poder e de iniciativa jurídica conferem um poder indirecto a associações e aos seus dirigentes. Com efeito, no domínio laboral é a representação e intermediação de interesses através de sindicatos e associações patronais que são os motores da produção de normas (Moritz 1994:327). O direito do trabalho, tendo por base princípios como os da autoregulação, autonomia colectiva e auto-tutela colectiva, bem como o da precedência hierárquica das normas assim geradas, constitui-se num espaço de regulação que tem como origem privilegiada a sociedade civil. É a importância de que se revestem as questões da participação e da representação de interesses no mundo laboral e na composição dos conflitos que em boa medida induzem as características normativas do espaço da produção, quer se trate do “pluralismo jurídico”, do “pluralismo das fontes do direito”, do “pluralismo das ordens sociais” ou das formas alternativas e modos informais de resolução de conflitos. 47 No quadro desta análise e numa perspectiva sócio-jurídica laboral os elementos caracterizadores da relação Estado-sociedade civil assumem uma grande relevância. Eles afectam claramente as formas de intervenção e participação da sociedade civil em questões fundamentais como as da regulação social e jurídica das relações salariais, a produção e aplicação da normatividade laboral, a efectividade e eficácia dessa normatividade, a institucionalização dos conflitos de trabalho e formas da sua resolução, o acesso ao direito e à justiça laborais e a elaboração de políticas públicas de regulação do mercado de trabalho. Em Portugal, a especificidade da articulação entre o Estado e a sociedade civil no domínio das relações de trabalho e as consequências resultantes dos processos de transição e consolidação democráticos, propiciaram o surgimento de um sistema de regulação e resolução dos conflitos de trabalho cuja origem normativa e institucional se deve essencialmente ao Estado. O sistema apresenta três características distintas das que encontramos no denominado modelo paradigmático dos sistemas de relações industriais (Stoleroff, 1988). Em primeiro lugar, o défice de cidadania industrial decorre da circunstância de o nosso sistema de relações laborais assumir formalmente as características de uma comunidade negocial auto-regulada, enquanto que na prática se objectivam situações de profunda desigualdade. A esta situação não é alheia o facto de a modernização do espaço da cidadania ter precedido a modernização do espaço da produção nos países semiperiféricos (Santos, 1990:660), o que resultou em maiores dificuldades de consolidação da relação capital/trabalho e subsequente institucionalização dos direitos e democracia industrial. Contrariamente, nos países centrais, a autonomia da sociedade civil manifestou-se no modo como ela moldou o espaço da produção e do trabalho segundo as suas necessidades e interesses, o mesmo sucedendo com o espaço da cidadania e o próprio Estado. Como refere Santos (Santos, 1989, 1990, 1994), a industrialização precedeu o parlamentarismo enquanto regime político dominante nos países centrais, tendo este correspondido, tanto na sua constituição como no seu funcionamento, aos interesses gerais da expansão do capitalismo.22 Em sociedades semiperiféricas, como a portuguesa, este processo ocorreu de forma diferente. A modernização do espaço da cidadania precedeu a do espaço da produção. Tal fenómeno expressa-se pela circunstância do parlamentarismo, nas suas várias modalidades, ter precedido os surtos de industrialização. Daí a grande autonomia que entre nós o espaço da cidadania mantém em relação ao espaço da produção e do trabalho (idem). Em segundo lugar, sabendo-se que num curto espaço de tempo “o Estado português corporativo passou por uma transição para o socialismo, uma regulação 22 Como refere o autor a pujança do espaço de produção manifestou-se também no modo como ele transformou o espaço doméstico em função das exigências da reprodução da força do trabalho 48 fordista e um Estado-Providência, e ainda uma regulação neoliberal” (Santos, 1993:41)23, torna-se praticamente um truísmo reconhecer a importância das formas de resolução dos conflitos de trabalho para a transição e/ou consolidação dos modos de regulação social levados a cabo pelo Estado. A normatividade laboral, em geral, e o sistema de resolução dos conflitos de trabalho, em particular, expressam as diferentes lógicas de regulação a que acabámos de aludir. Neles foram vasadas as contradições e vicissitudes dos vários regimes de regulação político-social por que tem passado a sociedade portuguesa. Evoluindo de uma forma indexada aos modos de regulação político-social dominantes, a normatividade laboral traduz-se num corpus sócio-jurídico de normas heterogéneas e muitas vezes contraditórias entre si. A estrutura normativa e simbólica da normatividade laboral e as práticas sociais que a produzem, exprimem igualmente os vários “compromissos de classe” da sociedade portuguesa, pelo que a força ou fraqueza do associativismo e, sobretudo, a do movimento sindical, tem tido consequências muito concretas na produção e aplicação da normatividade laboral. Finalmente, em terceiro lugar, importa considerar a forte heterogeneidade do sistema económico português e a sua situação semi-periférica. Com efeito, o contexto económico que envolve o sistema de relações laborais expressa uma forte diferenciação das actividades produtivas e grandes desequilíbrios de produtividade inter-sectorial. Acresce ainda “a diferenciação da relação salarial”, “a precarização do sistema de emprego”. Esta heterogeneidade e as marcadas diferenças sectoriais tiveram como consequência a diferenciação de relacionamento entre o capital e o trabalho. Daí que se reconheça a existência de sistemas ou sub-sistemas diferenciados de relações laborais. Acrescente-se ainda, que o campo das relações laborais é fortemente afectado pelos fenómenos da economia subterrânea e paralela, dos quais resulta a difusão das chamadas “cifras negras” do mundo laboral. (Cf. Santos 1993, 1994; Reis, 1992,1993, 1994; Rodrigues, 1988). Os três elementos estruturais que referimos anteriormente, compõem o contexto em que tem ocorrido o processo de institucionalização e de constituição do sistema de resolução dos conflitos de trabalho. A integração do conflito laboral nos mecanismos institucionalizados de resolução pacífica dos conflitos, operando-se em termos formalísticos e legalísticos (Stoleroff 1988:149), não procede de uma relação amadurecida e tendencialmente equilibrada entre o capital e o trabalho, o que impediu uma eficaz institucionalização dos conflitos (Santos 1988:26). Ao relativo défice de práticas de classe e a ausência de uma tradição autónoma de negociação entre o capital e o trabalho (Santos 1988,1992) correspondeu um processo de juridificação das relações laborais levada a cabo pelo assalariado. Existe assim nos países centrais um certo isomorfismo entre o espaço de produção, o espaço doméstico e o espaço da cidadania. 23 A este propósito ver igualmente Maria João Rodrigues (1992) e Manuel de Lucena (1985, 1992, 1992a). 49 Estado que criou os espaços formais e institucionais de diálogo para uma comunidade negocial que não existe de facto. Fazendo-se uma integração e institucionalização formal dos conflitos de trabalho “por cima” a partir do Estado, sem correspondência directa com as práticas de relacionamento entre os parceiros sociais, abriu-se o caminho à politização dos resultados negociais. Por outro lado, o défice de organização dos parceiros sociais induz práticas e modelos estratégicos de intervenção que não visam o objectivo da auto-regulação, mas sim o objectivo de suscitar algum tipo de intervenção estatal. Ou seja, os princípios normativos básicos em que assenta o sistema de resolução dos conflitos de trabalho e que traduzem a importância da auto-regulação e paridade das partes, não têm correspondência, o mais das vezes, com as práticas dos parceiros sociais. Os espaços formais de negociação reproduzem os efeitos da desigual distribuição de poder e recursos sociais inscritos na sociedade num processo tutelado pelas políticas de orientação selectiva determinadas pelo Estado. Na história recente do sistema de relações laborais evidenciam-se os aspectos contraditórios pelos quais tem passado a evolução do SRRCT. De um ponto de vista evolutivo é de referir que o processo “instável de estabilização”, associado à reconstituição do Estado saído da crise revolucionária de 1974-1975, acarretou importantes alterações na correlação das forças sociais, registando-se o cerceamento das políticas distributivas e um recuo dos benefícios económicos e dos direitos sociais. No final da década de 70, as consequências das políticas económicas seguidas anteriormente e a assinatura do primeiro programa de estabilização com o FMI (1978) levaram à pressão para a desregulamentação e flexibilização do mercado de trabalho, originando a degradação da relação salarial24. Estamos claramente em presença de uma contradição entre os quadros legais que continuam a oferecer ampla protecção aos trabalhadores e as práticas sociais que os violam. A noção de Estado paralelo procura justamente captar esta “configuração política de uma disjunção ou discrepância no modo de regulação social, nos termos da qual às leis e às instituições do modo de regulação fordista não corresponde, na prática uma relação salarial fordista” (Santos, 1993:32). A relação entre o capital e o trabalho reproduz os factores de instabilidade políticosocial. Por um lado, o capital era demasiado fraco para impor a recusa de uma legislação fordista, mas suficientemente forte para evitar que ela seja efectivamente posta em prática; por outro lado, os trabalhadores eram suficientemente fortes para impedir a rejeição dessas leis, mas demasiado fracos para impor a sua aplicação (cf. Santos, 1992:29). Ainda assim, a regulação jurídica e institucional do trabalho foi sendo modificada de modo a adequar-se às alterações, entretanto verificadas na conjuntura política e económica. 24 Para uma análise da economia portuguesa no período considerado, pode consultar-se Reis (1992:148 e ss.). 50 O padrão juridificado e acentuadamente formalizado do sistema de relações laborais25, que se terá acentuado com a introdução das leis e instituições do modo de regulação fordista e com a constitucionalização do direito do trabalho, não corresponde a uma prática efectiva de negociação entre os parceiros sociais. Deste processo “de empate social e político” resulta para o sistema de resolução dos conflitos de trabalho uma situação de sucessivos impasses. A situação da negociação colectiva é paradigmática a este respeito. Ela regista neste período um estado de paralisia que se deve em grande medida, ao facto de os sindicatos (Intersindical) não quererem fazer concessões aos empregadores, preferindo a intervenção directa do Governo nas relações laborais (cf. Barreto, 1992: 469). Da incapacidade do capital e do trabalho conseguirem auto-regular a sua relação, resulta um fluxo político reivindicativo, dirigido ao Estado, para que ele o faça. Disso são exemplos, a tentativa de solução dos múltiplos conflitos através de conciliações26, a abundante emissão de portarias de regulamentação de trabalho, o elevado número de arbitragens realizadas e a conciliação obrigatória nos conflitos individuais. Em termos gerais, no domínio das formas de composição dos interesses laborais, o Estado conseguiu compaginar, até finais da década de setenta, uma lógica de actuação de “Estado paralelo” (Santos: 1985, 1993) com um princípio estatista de resolução dos conflitos de trabalho. Desde então, encetando um processo de transição para um novo modo de regulação social, o Estado irá alterar o seu padrão de actuação. Sem perder as características de Estado paralelo, nem prescindindo da intervenção de base estatista, passará a conjugar estas características com a lógica de actuação de Estado heterogéneo, introduzindo um princípio de regulação contratual na resolução dos conflitos colectivos de trabalho. A face visível do intervencionismo estatal no domínio da resolução dos conflitos entra em declínio a partir de 1979. Apesar de o capital e o trabalho não terem condições para encetarem um relacionamento bilateral, com o correspondente apagamento do papel do Estado, em finais da década de setenta, assiste-se à tentativa de institucionalização de um sistema de regulação e resolução dos conflitos associável ao dos países do centro do sistema capitalista27. Esta é, desde a década de sessenta, a segunda tentativa de modificar profundamente o sistema de relações industriais. Em 1969, no quadro das reformas marcelistas, não estavam reunidos os requisitos básicos de democraticidade que permitissem aproximar as transformações então ocorridas aos modelos dos países centrais, não tendo o Estado prescindido explicitamente da tutela sobre as relações laborais. Dez anos depois, experimentada a democracia, faltavam outras condições básicas que estão subjacentes à 25 Segundo alguns autores esta característica do sistema de relações industriais reconhece-se desde o período do Estado-Novo (cf. Pinto,1990:4). 26 Questão insistentemente referida por sindicalistas e Técnicos da Administração do Trabalho por nós entrevistados. 27 Para uma caracterização do modelo paradigmático de relações industriais consultar Stoleroff (1988). 51 institucionalização deste modelo, como sejam, um pacto social entre o capital e o trabalho, um Estado-Providência, um relacionamento amadurecido e assente numa prática de negociação entre associações sindicais e associações patronais e uma consistente organização de interesses. Mas desta vez, e contrariamente ao sucedido em 1969, o Estado, embora não se retirando formalmente da relação capital/trabalho, procurará dar à sua intervenção um carácter supletivo e de acompanhamento, sem que por isso tenha diminuído a sua centralidade. A diminuição formal do peso do Estado na resolução dos conflitos de trabalho está associada à tentativa de introdução de práticas de contratualização, baseadas no princípio da auto-composição dos interesses opostos no mercado de trabalho. Embora o contexto político e social em que ocorria a intervenção estatal fosse muito diferente do contexto de actuação dos Estados-Providência típicos, a solução encontrada reconhece-se no conjunto de propostas adiantadas para darem resposta “à crise ou à relativa ineficácia do direito característico do Estado social intervencionista”28. Criaram-se assim as condições para instituir as relações de trabalho num sistema auto-regulado, no qual se desenvolvem estratégias para aumentar a responsabilidade pública das partes envolvidas nos conflitos, assentando a negociação na cooperação voluntária entre o Estado e os interesses sociais. Deste modo, a gestão colectiva do conflito foi substituindo progressivamente a acção do Governo num número significativo de actividades. De realçar o importante papel racionalizador dos conflitos desenvolvido desde 1984 pelo Conselho Permanente de Concertação Social, actual Conselho Económico e Social, quer do ponto de vista geral da produção de políticas de regulação do mercado de trabalho, quer do ponto de vista da tentativa de institucionalização do SRRCT. A capacitação da normalização contratual das relações de trabalho beneficiou com a entrada em cena de novos actores sociais dispostos à negociação e com a criação de condições institucionais e administrativas que facilitavam o novo papel do Estado. Em primeiro lugar, com a publicação da lei orgânica do Ministério do Trabalho29, encontra-se uma indicação da “mudança de agulhas” do Estado face à relação com o capital e o trabalho. No novo diploma reprova-se a dinâmica anterior marcada pela “vocação intervencionista ou meramente administrativa, com preterição de uma capacidade técnica virada à definição e execução de uma política laboral adequada às novas realidades democráticas”30. Um ano depois é publicada a nova lei dos instrumentos de regulamentação colectiva (Decreto-Lei n.º 519 - C1/79, de 29 de Dezembro) de “matriz fortemente liberal” (Fernandes, 1991:148). O diploma, 28 Estamos a pensar, quer nas teorias da desregulamentação, baseadas em análises de custo/benefício, e na defesa da liberdade de concorrência, quer em propostas “intermédias” como o “controlo da autoregulação” desenvolvido por Teubner (1987) ou o “relational program” de Wilke (1986). Sobre esta questão, consultar Marques e Ferreira (1991). 29 Decreto-Lei n.º 47/78, de 21 de Março. 30 Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 47/78, de 21 de Março. 52 devolvendo às partes a responsabilidade de se auto-regularem31, acarreta o consequente “apagamento dos processos clássicos de resolução dos conflitos colectivos de interesses” (Fernandes, 1991:148) como a conciliação, a mediação e a arbitragem. Doravante, e em consonância com o espírito do novo diploma, o papel desempenhado pelo Estado na composição dos conflitos colectivos será cada vez mais pedagógico, residual e supletivo. O período de 1974-1975 é marcado pela forte intervenção administrativa na fixação das condições de trabalho, o que se traduz no elevado número de portarias de regulamentação de trabalho (PRT) publicadas. Em muitos casos, a sua utilização substituía-se pura e simplesmente à negociação entre as partes, tendo muitos sectores de actividade visto as suas condições de trabalho reguladas deste modo durante anos consecutivos. Para além de serem utilizadas como forma de resolução dos conflitos, existem outros factores que explicam o elevado número de PRT’s emitidas nesse período. É o caso da sua utilização como forma de cobertura de zonas brancas da negociação colectiva, sobretudo no sector agrícola, e a emissão de PRT’s parciais, respeitantes apenas aos aspectos da negociação em que não houve acordo. Sucedeu igualmente em alguns casos que as PRT’s traduzissem o resultado de um acordo firmado entre sindicatos e associações patronais, as quais entretanto se haviam autoextinguido ou não obedeciam aos requisitos legais de representação, pelo que não se podia utilizar a via convencional de negociação. Embora nem todas as PRT’s emitidas se reportassem à solução de conflitos de trabalho, a sua utilização persistiu muito para além do período revolucionário, reflectindo um padrão de actuação estatal até 1979, caracterizado pela intervenção directa na composição dos conflitos de trabalho. O processo de estabilização da sociedade portuguesa, marcado pelo surgimento do I Governo Constitucional e pela aprovação da Constituição Política de 1976, bem como a publicação de legislação restritiva à utilização de PRT’s32, revela uma quebra significativa da intervenção administrativa na fixação das condições de trabalho. No entanto, será a partir de 1979 que, em definitivo, as PRT’s perdem expressão no contexto do sistema de relações industriais, exceptuando-se uma “recuperação” no período de governação do IX Governo Constitucional33. Desde então, as poucas que são emitidas têm apenas o objectivo de cobrir zonas brancas da negociação, não resultando por isso de situações de conflito. Seria, no entanto erróneo, supor-se que à nova orientação institucional e legislativa apostada em retirar ao Estado o ónus de uma intervenção mais ou menos coerciva, se seguiu a uma perda da centralidade do mesmo neste processo. Com efeito, à diminuição de portarias de regulamentação de 31 Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29 de Dezembro. Cf. Decreto-Lei n.º 164/A – 76, de 28 de Fevereiro e Decreto-Lei n.º 887/76, de 29 de Dezembro. 33 Em 1979, são publicadas 19 PRT’s como forma de resolução de conflitos, em 1980, 11, em 1981, 5 e em 1982, 3. Em 1984, no período de governação do IX Governo, num total de 8 PRT’s publicadas, 5 foram resultantes de situações de conflito e 3 de cobertura de zonas brancas, enquanto que em 1985, num total de 14 PRT’s publicadas, 7 resultaram de situações de conflito e as outras 7 cobriram zonas brancas de negociação. 32 53 trabalho corresponde um aumento substancial do número de portarias de extensão (PE)34. Esta tendência é “aparentemente a expressão de uma política de 'desintervenção' e de maior aproveitamento dos resultados obtidos por negociação” (Fernandes, 1991:195). Não se tratando de uma verdadeira perda de centralidade do Estado, parece-nos ser mais correcto falar em alteração qualitativa da intervenção do Estado, que se recoloca estruturalmente numa outra posição. Com efeito, os dados evidenciam que a intervenção administrativa na regulamentação colectiva não baixou a partir de 1979, continuando a revelar valores elevados e tendo mesmo em 1985 e 1986 ultrapassado os valores de 1979 e 1980. Contudo, a lógica de intervenção administrativa a partir de 1979 é bem diferente da que caracterizou o período anterior35. É interessante fazer notar que desde 1979, apesar de estarem previstos vários instrumentos para a resolução pacífica dos conflitos laborais (conciliação, mediação, arbitragem e PRT), a conciliação é a forma utilizada com carácter quase exclusivo (Ferrão et al., 1991). Este sub-aproveitamento do sistema de resolução dos conflitos que coloca a conciliação em situação de monopólio explica-se, em parte, pelo facto de esta ser o único nível de negociação assistida que pode ser accionado apenas por uma das partes envolvidas, enquanto que para se passar à fase de mediação ou arbitragem, é necessário que os vários parceiros sociais assim o decidam conjuntamente. Até agora, alguns dos parceiros sociais têm-se recusado a entrar na fase de mediação, o mesmo sucedendo quanto à arbitragem. No entanto, as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 209/92, nomeadamente na parte respeitante à arbitragem obrigatória, fazem esperar profundas alterações, mesmo que a falta de regulamentação, e consequente impossibilidade de utilização do novo dispositivo legal, não tenham 34 Em 1979, foram emitidas 99 PE, em 1980, 113, e em 1981, 164. Embora as PRT’s e as PE’s sejam ambas resultado do processo de juridificação da relação capital/trabalho, a prática da extensão de convénios traduz um princípio de base contratual, visto alargar o resultado de uma negociação já realizada. No entanto, o aparente desintervencionismo do mecanismo da extensão, pode ter como efeito dar expressão a um maior intervencionismo estatal. A escolha por um ou por outro tipo de intervenção tem consequências sociológicas, que ultrapassam a mera opção político-administrativa por uma visão mais liberalizante ou mais estatizante do papel do Estado na regulação da relação entre o capital e o trabalho. Se a opção pelas PE’s tem como “função manifesta” o aproveitamento dos resultados negociais entre os parceiros sociais, revelando uma intenção de desintervenção do Estado, a sua “função latente” revelará uma intenção de manutenção da intervenção do Estado, num quadro de mudança de modo de regulação através da promoção activa dos parceiros sociais dispostos à negociação e do desenvolvimento de práticas contratuais. Esta questão torna-se problemática num quadro de concorrência entre as duas grandes centrais sindicais sem regras sobre a representatividade dos parceiros sociais, sabendo-se que, em certos sectores de actividade, os sindicatos da CGTP dificilmente chegam a acordo, ou não chegam de todo, com os representantes do capital, enquanto que os sindicatos da UGT, apostados numa postura de um sindicalismo moderado, dialogante e de estratégia neocorporativa, tendem a concluir mais rapidamente acordos. Acrescente-se que “as portarias de extensão não têm de incidir sobre convenções ou acordos celebrados entre os sindicatos e associações mais representativos e não pressupõem o acordo delas” (Lucena e Gaspar, 1992:178). Para além disso, na óptica dos sindicatos, as PE são publicadas com grandes atrasos (o que pode prejudicar materialmente os trabalhadores) e geram por vezes uma atitude de suspeição, que tem por base a escolha dos contratos objecto de extensão. 35 54 tornado ainda visível os efeitos que esta modificação poderá ter sobre a resolução dos conflitos. Acompanhando o movimento de forte intervencionismo estatal do período de 1974-1976, que se prolongou até 1979, a conciliação traduz-se numa prática que revela um grande envolvimento por parte dos representantes da Administração do Trabalho nos conflitos36. A partir de 1979, por força do novo enquadramento jurídicoinstitucional, a responsabilidade da conciliação e dos resultados negociais passou para os parceiros sociais. Apesar de a palavra de ordem, desde então, ter sido a de devolver o processo negocial às partes e de se considerar que os parceiros sociais utilizavam muitas vezes a conciliação como instrumento de pressão sobre o Estado37, ainda assim, na óptica dos serviços de conciliação, foi-se institucionalizando uma prática de apresentação de propostas denominada “mediação informal”. Nesse sentido, em 1990, dois anos antes da publicação do diploma que introduziu alterações à conciliação, aproximando-a formalmente da mediação, a DGRCT38, por detectar um “certo esgotamento” do quadro legal então vigente, começou a desenvolver “algumas iniciativas no sentido de a função do conciliador se aproximar ou confundir com a posição do mediador; isto é, no sentido de o processo conciliatório poder enveredar pelo caminho da mediação, com a formulação de propostas tendencialmente globais de regularização dos litígios subjacentes ao pedido de conciliação”, iniciativas essas que, no entanto, seriam “criteriosamente utilizadas”39. Mas esta posição de princípio face à prática de conciliação, vai de par com os esforços da administração do trabalho para ajustar as suas funções “a um novo sistema de relações profissionais que, entretanto se foi estabelecendo, assente num maior protagonismo dos parceiros sociais e na consagração prática da sua autonomia e independência, e no aprofundamento do diálogo e da concertação social”40. O resultado desta ligação entre os critérios que estão na base da intervenção em sede de conciliação e as orientações gerais da administração do trabalho é um “modelo pedagógico de conciliação”. Estamos em presença de uma das políticas parcelares constitutivas do processo de transição nos modos de regulação social do Estado. Também do ponto de vista das relações individuais de trabalho e dos instrumentos normativos e institucionais que lhe estão mais próximos, como é o caso da constitucionalização do direito do trabalho, dos tribunais de trabalho, das CCJ, das leis do contrato de trabalho e dos despedimentos, se regista uma tendência no sentido da contratualização formal das relações de trabalho. 36 Opinião partilhada quer por sindicalistas, quer por técnicos da Administração do Trabalho por nós entrevistados. 37 Cf. Relatório Anual DGRCT (1986). 38 Organismo da Administração do Trabalho com funções na área da prevenção e resolução dos conflitos de trabalho. Criado pelo Decreto-Lei n.º 97/78. 39 Relatório Anual DGRCT (1991:10/11). 40 Relatório de Actividades da DGRCT (1990:2). 55 Sem curarmos de descriminar a evolução da Lei do Contrato de Trabalho, legislação respeitante à celebração de contratos a prazo e despedimentos ou mais recentemente da lei que estabelece a redução dos períodos normais de trabalho superiores a quarenta horas, a observação genérica que se pode fazer é a de que elas acompanham as tendências para a desregulamentação e flexibilização do mercado de trabalho. Por esta via, desde finais da década de 70, se tem procedido à regulação das relações de trabalho. Partindo de um entendimento amplo da estrutura contratual laboral que se foi constituindo depois de 1974, – incluindo-se nesta, as relações salariais típicas e atípicas, legais e ilegais, formais e informais, que emergem dos processos de inclusão/exclusão, territorialização/desterritorialização e juridificação/desjuridicação do direito do trabalho –, constata-se que o padrão de litigação e cultura jurídica do espaço da produção são por ela constrangidos. Uma das consequências mais preocupantes da influência da estrutura contratual laboral sobre o padrão de litigação e cultura jurídica laborais coloca-se no plano do acesso à justiça do trabalho. Daí que se verifique a predominância de uma litigação individual que tem por base o contrato por tempo indeterminado. A rarefação dos outros títulos contratuais nos tribunais de trabalho, a fuga à litigação e a procura suprimida são outros aspectos desta problemática. Como já foi salientado por Monteiro Fernandes, o modelo da relação individual de trabalho subjacente ao enquadramento jurídico da Lei do Contrato de Trabalho de 1969, ao optar pela subordinação jurídica como “critério delimitador das relações de trabalho tuteladas, conduziu inevitavelmente a que o Direito do Trabalho perdesse boa parte da sua racionalidade como ordenamento protector de situações de carência económica e debilidade contratual: ficam à margem as formas de trabalho autónomo caracterizadas pela dependência económica de quem o exerce, e são abrangidas, de modo totalmente indistinto, as situações dos quadros e dirigentes de empresa” (Fernandes 1984:19). Neste sentido se pode considerar que este modelo jurídico de relações de trabalho permite na prática a coexistência de múltiplas relações de trabalho dependente, apesar de só alguns serem tuteladas juridicamente. É por esta via que se pode proceder à confrontação do quadro de referência jurídico laboral com os quadros de referência empírico-substantivos emergentes do mercado de trabalho e sistema de emprego. Por outro lado, o tipo ideal de contrato de trabalho que está vinculado ao contrato de duração indeterminada ao conviver de uma forma crescente com outras modalidades contratuais flexíveis deixa antever a debilidade destas últimas enquanto “instrumentos de confiança” em situações de conflito. Quanto aos quadros institucionais de resolução dos conflitos individuais de trabalho existentes desde 1975 remetem para problemáticas como sejam a da transferência da organização judicial laboral da administração do trabalho para o 56 sistema judicial, a da morosidade da justiça do trabalho, a do acesso à justiça laboral e a das formas de resolução dos conflitos de trabalho. Se do ponto de vista da integração dos tribunais de trabalho no sistema judicial pouco há a acrescentar, visto ela corresponder às modificações estruturais inerentes aos processos de transição e consolidação democráticos, o mesmo já não se poderá dizer no que diz respeito às outras problemáticas. No que diz respeito à questão da morosidade, é importante salientar que entre 1975 até anos muito recentes, este foi um problema crónico do subsistema judicial laboral. A título ilustrativo refira-se que até ao ano de 1983 os processos cíveis foram mais céleres que os processos laborais41. Naturalmente que entre os 22 tribunais de trabalho existentes em 1976 e os actuais 44, é grande a distância. A morosidade dos tribunais de trabalho configurou-se mesmo como uma forma de resolução dos conflitos, quer porque os diferia no tempo, quer porque os valores acumulados dos pedidos nos processos geravam economia de escala para o sistema empresarial. O gap entre o tempo biográfico e o tempo da justiça42 no domínio laboral tornou-se num “tempo altamente perverso”, sobretudo, se pensarmos nos interesses sociais em presença, os quais estiveram desde sempre presentes nos princípios básicos das várias leis adjectivas laborais portuguesas. No que respeita à questão do acesso, a alteração mais significativa decorreu da instituição do sistema de assistência judiciária extensível aos tribunais de trabalho (1977), o que correspondeu a uma ruptura com a situação vivida durante o período do Estado Novo43. Refira-se no entanto que no específico domínio do acesso ao direito do trabalho várias foram as soluções de continuidade plasmadas nas leis processuais vindas a lume depois de 1974. Os sindicatos neste domínio, revelaram-se, desde sempre, um dos mais importantes facilitadores do acesso ao direito e justiça do trabalho por parte dos trabalhadores. Desde muito cedo a questão do acesso à justiça do trabalho foi marcada pela situação vivida no movimento sindical no que diz respeito à sua força e à disponibilidade de recursos. Aludiu-se anteriormente ao modelo pluralista de relacionamento sindical enquanto indutor de comportamentos e estratégias negociais diferenciadas no domínio das relações colectivas de trabalho. Ele fez-se sentir, igualmente, no domínio do acesso à justiça configurando diferentes atitudes negociais. De realçar o importante papel desempenhado pelo Ministério Público, o qual sempre procurou promover um acompanhamento em termos de esclarecimento jurídico e em termos da composição dos litígios. A sua importância é também colocada em evidência quando se analisa o patrocínio judiciário nos tribunais de 41 Consultar evolução da morosidade laboral segundo a fórmula de Clarck e Merryman em anexo. Estes conceitos encontram-se desenvolvidos em Ferreira e Pedroso: 1997. 43 Consultar a este propósito o preâmbulo do Decreto-Lei 44/77, de 2 de Fevereiro. 42 57 trabalho e se constata que nalguns casos a intervenção do Ministério Público é superior a 60%44. No que diz respeito às formas de resolução dos conflitos emergentes do contrato de trabalho é de referir, desde logo, o papel desempenhado pelas formas alternativas de resolução de conflitos (ADR) e a instituição dos juízes sociais. Começando por estes últimos, assinale-se o atraso com que o Ministério da Justiça deu sequência ao Decreto-Lei 156/78, de 30 de Junho que visava pôr em marcha esta forma de participação popular na administração da justiça. Isto apesar das associações sindicais terem procedido no prazo fixado à eleição e designação dos seus candidatos a juízes sociais (Correia 1982:81). Mais tarde, já sendo possível o recurso aos juízes sociais, a sua prática veio a revelar-se introdutória de morosidade nos tribunais de trabalho. Para além das considerações jurídicas que se possam tecer a propósito dos dispositivos processuais que permitirem a utilização desta forma de participação da sociedade civil na resolução dos conflitos individuais de trabalho, é de sublinhar o carácter mitigado e escasso que ela veio a assumir. Quanto aos quadros institucionais e às formas alternativas de resolução dos conflitos individuais de trabalho a atenção recai sobre as CCJ, entre 1975 e 1985 e sobre o DL n.º 209/92 depois dessa data. Surgidas na sequência das antigas comissões corporativas, as CCJ instituídas pelo decreto-lei 463/75, de 27 de Agosto visavam a tentativa de conciliação pré-judicial com o objectivo de introduzir uma maior celeridade processual através de um órgão jurisdicional tripartido. A história legislativa das CCJ para além de muito problemática45 gerou memórias muito distintas da sua actuação46. Não obstante, elas estão em articulação com a procura dos tribunais de trabalho nas questões emergentes de relações individuais de trabalho relacionadas com o cumprimento dos contratos de trabalho. Elas são um elemento importante na compreensão da evolução da procura dos tribunais de trabalho nos conflitos emergentes de acções declarativas. Instâncias de intervenção pré-judicial, a conciliação promovida pelas CCJ teve inicialmente um carácter obrigatório, vindo depois a perdê-lo. Está-lhes subjacente um princípio regulatório neocorporativista ainda que de base estatal. Pela análise do desempenho das CCJ (1974-1985) na sua relação com o movimento processual laboral verificou-se a seguinte situação. Apesar do elevado número de processos entrados nas CCJ, e não obstante a baixa taxa de sucesso desta instituição pré-judicial como forma de resolução dos conflitos emergentes de contrato individual de trabalho, o valor das acções declarativas entradas não é afectado. 44 Uma análise desenvolvida do papel do Ministério Público no domínio do acesso encontra-se em Ferreira (1998). 45 As vicissitudes porque passaram as CCJ podem ser acompanhadas, do ponto de vista legislativo nos seguintes Decretos-Lei: DL 463/75, de 27 de Agosto, Portaria 280/76, de 4 de Maio, DL 736/75, de 23 de Dezembro, Lei 82/77, de 6 de Dezembro, DL 328/78, de 10 de Novembro e DL 115/85, de 18 de Abril. 46 Pelas entrevistas realizadas, fica bem clara a diferença de opinião sobre o funcionamento das CCJ. 58 Verifica-se, por outro lado, que os mecanismos alternativos de resolução dos conflitos de trabalho a que a extinção das CCJ (1992) deu lugar não denotam efectividade. Daqui resulta que, desde 1975 até à actualidade, existe um sistema de resolução dos conflitos individuais de trabalho alternativo ao tribunais, cujos elementos assumem ao longo do tempo as mais diversas formas, o qual vive, no entanto, uma situação de incomunicabilidade com o subsistema judicial laboral. A figura dos juízes sociais nos tribunais de trabalho, as CCJ e a possibilidade das convenções colectivas promoveram formas de conciliação, mediação e arbitragem para a resolução dos conflitos individuais de trabalho configuram a existência de princípios de resolução dos conflitos bipartidos ou tripartidos que requerem em qualquer dos casos a participação e empenhamento dos parceiros sociais. A sua falta de efectividade é consequência da situação vivida no sistema de relações laborais. De referir ainda que a “retirada” do Estado das relações de trabalho se exprime igualmente pelo movimento de desjudicialização em matéria de transgressão laboral, cujos efeitos se manifestam, quer pela diminuição do peso das acções de transgressão nos tribunais de trabalho (desde 1985), quer pelo aumento de volume da acção inspectiva do trabalho. Concluindo, são as características do processo específico de institucionalização dos conflitos de trabalho em Portugal que conduzem à falta de efectividade das instituições e organismos onde é requerida a participação e intervenção dos parceiros sociais. Como tem sido demonstrado, em Portugal existe uma forte dificuldade em implementar formas de participação e intervenção dos parceiros sociais, quer se trate das formas de participação indirecta e democracia industrial, quer das formas de participação directa47. Este é um atavismo do sistema de relações laborais português que constrange todas as propostas de alteração do mesmo. Neste sentido se deve equacionar a participação dos parceiros sociais, quer nos espaços de representação institucional do Estado, como o IDICT, a concertação social, ou os tribunais, nas comissões de segurança, saúde e higiene no trabalho, na auscultação dos parceiros sociais sobre a produção de legislação laboral, etc., bem como toda a noção de paritarismo e auto-regulação. 47 Cf. a este propósito Kovács, 1994; Trindade, 1994; Teixeira, 1994;Cristóvam, 1995; Krieger, 1995; Marques, 1996). 59 CAPÍTULO 4 O sistema de regulação e de resolução dos conflitos de trabalho Na discussão sobre a regulação é possível identificar três elementos estruturais componentes do processo complexo da regulação social das relações de troca e das relações salariais: “o Direito (normalização estatal), o contrato (normalização contratual) e os valores partilhados (normalização cultural)” (Santos, 1993:28). No entanto, o recurso a diferentes “níveis de análise e hipóteses intermédias” (Reis, 1993) é pertinente, quando se pretende autonomizar analiticamente dos modos de regulação social mais gerais de uma sociedade concreta, a esfera da conflitualidade laboral e os mecanismos da sua resolução. Consideramos assim que a regulação dos conflitos laborais é um processo social complexo que, para além dos elementos estruturais identificados, envolve na produção e aplicação (Guibentif, 1992, 1993) da normatividade laboral, diferentes espaços contextuais, como sejam: 1. Negociação Directa; 2. Conciliação e Mediação; 3. Arbitragem; 4. Intervenção Administrativa Laboral; 5. Intervenção do Aparelho Judicial; 6. Pluralismo Jurídico e Resolução Extra-Judicial dos Conflitos; 7. Pluralismo Jurídico e Resolução Informal dos Conflitos. Estes elementos constitutivos da categoria mais genérica que é o “espaço da produção” são unidades sociológicas onde se configuram diferentes articulações entre o global e o local, entre o macro e o micro sociológicos, entre a acção e a estrutura e entre o consenso e o conflito. Recorrendo à linguagem sistémica heuristicamente com o objectivo de classificar e de organizar o “espaço da produção”, no que tange à resolução dos conflitos, torna-se mais fácil identificar a afectação das formas de resolução pelos tipos de conflitos. Partimos do seguinte design dos conflitos laborais e das formas da sua resolução: por um lado, assumimos que o direito do trabalho e os tribunais de trabalho associados às relações de trabalho individuais fazem parte do sistema legal, sendo constituídos pela comunicação legal que tem por base um código que se organiza a partir do princípio do favor laboratoris – estamos formalmente perante uma relação de subordinação jurídica de um dos sujeitos ao outro; por outro lado, os acordos colectivos e a negociação colectiva (incluíndo a conciliação, a mediação e a arbitragem) pertencem à estrutura auto-regulada do sistema de relações industriais e são sobretudo constituídos pela comunicação das relações industriais que têm por base um código que parte do princípio da autonomia colectiva e da auto-regulação dos interesses – estamos formalmente perante relações de coordenação numa base parificada. Contudo, as formas de resolução dos conflitos não se confinam estritamente àquela dicotomização, apresentando muitas soluções mistas, podendo distinguir-se cinco mecanismos de resolução dos conflitos de trabalho: a conciliação, a mediação, a arbitragem (resolução de conflitos colectivos de interesses – embora prevista mas não 60 utilizada na resolução de conflitos individuais) e as comissões paritárias (resolução de conflitos colectivos de interpretação – na prática pouco utilizados) ligadas à negociação colectiva; os Tribunais de Trabalho (resolução de conflitos individuais de trabalho e raramente de conflitos colectivos de interpretação ou de integração); a resolução de conflitos no local de trabalho por normas que regulamentam as relações sociais na produção; a resolução de conflitos no local de trabalho pela acção da Inspecção de Trabalho; e, finalmente, a intervenção administrativa através de portarias (PRT’s, na prática não utilizadas como forma de resolução dos conflitos colectivos de trabalho). Estes mecanismos de resolução de conflitos de trabalho estão envolvidos em diferentes subsistemas sociais. Assim, a conciliação, a mediação, a arbitragem e as comissões paritárias são mecanismos constitutivos do sistema de relações industriais e da negociação colectiva, sendo utilizados para resolver conflitos colectivos; os procedimentos ligados às relações na produção e à intervenção da Inspecção de Trabalho, desenvolvem-se ao nível das organizações e das empresas e lidam com conflitos (individuais ou colectivos) que ocorrem no local de trabalho; por seu lado, os Tribunais de Trabalho fazem parte do sistema legal e lidam com conflitos judicializados (individuais e colectivos); por último, a intervenção administrativa através de portarias e o acompanhamento em sede de conciliação, partem do sistema estatal-administrativo e lidam com conflitos colectivos. Do ponto de vista sociológico é fundamental salientar que o modelo atrás descrito é um modelo potencial de resolução dos conflitos laborais, já que na prática, para além das limitações quanto à efectividade dos direitos laborais em Portugal, existe uma forte propensão para a resolução de conflitos de modo informal entre trabalhadores e entidades patronais (Santos, et al., 1996). O sistema de resolução dos conflitos e trabalho, a que aludimos anteriormente, pode ainda ser abordado do ponto de vista dos contextos institucionais, organizacionais e normativos onde se estabelecem os processos de interacção entre os parceiros sociais, segundo os princípios de resolução que são accionados na gestão dos conflitos laborais, segundo as formas e modalidades de resolução dos conflitos e, ainda, segundo os objectos dos conflitos e reivindicações sociais em presença48. Não sendo possível no espaço deste trabalho proceder a uma análise aprofundada dos factores anteriormente aludidos,49 optámos, assim, por potenciar o sentido heurístico e descritivo que decorre da aplicação daqueles factores ao sistema de resolução de conflitos de trabalho. Em termos muito gerais, diremos apenas que considerámos como princípios, entre outros, a auto-regulação, a adjudicação, a intervenção estatal, a resignação etc. Quanto às formas e modalidades de resolução de conflitos, atendemos às formais e informais, às judiciais e pré-judiciais; à intervenção 48 Uma análise aprofundada dos diferentes princípios e modos de regulação, encontra-se entre outros em Lucena (1985), Santos (1995) e Moreira (1996). 49 Noutro local aprofundamos a matéria em apreço. Consultar a este propósito Ferreira:1997. 61 administrativa, etc. No que diz respeito aos conflitos, dividimo-los entre individuais e colectivos, por um lado, e entre jurídicos ou económicos, por outro. Conflitos Individuais Contextos ou espaços institucionais Princípios de resolução ou formas de resolução dos conflitos Tribunal 1 - Sentença Adjudicação Judicial Tribunal 2 - Auto conciliação Conciliação jud. / Autoregulação assistida no espaço da adjudicação judicial Conciliação Judicial Tribunal 3 - Conciliação MP Juizes sociais CCJ (até 85) DGRCT (antes de 85) Neocorporativa (adjudicação-conciliação) Auto-regulação /conciliação Auto-regulação /conciliação Judicial formal (1985) Judicial-informal Judicial Efectividade Tipo ou objecto do conflito + Decorrente da aplicação ou interpretação de normas + || + || || Pré-judicial obrigatória Informal || || DGRCT(depois de 85) Auto-regulação /conciliação Informal || Centros de Arbitragem Auto-regulação /conciliação Formal || Negociação colectiva, arbitragem, conciliação, mediação Empresa 1 Auto regulação Informal/A.D.R. || Auto-regulação /conciliação Informal + || Empresa 2 Hierarquia/Poderes de facto Informal + || Empresa 3 (IGT) Administração Informal + || Empresa 4 (IGT) Administração Formal + || Empresa 5 (Sindicatos) Auto-regulação Informal + || Empresa 6 Sociedade Hierarquia/poderes de facto Redes/Auto composição 62 Informal / resignação / procura suprimida Informal + || || + Conflitos colectivos Contextos ou espaços institucionais Negociação colectiva Comissões paritárias Conciliação (AT) Mediação Arbitragem Tribunais PRT (AT) Procura suprimida Empresa Concertação social geral Concertação social produção do direito Concertação social comissões de acompanhamento AES 1990 e Acordo sobre Política de Rendimentos 1992. Acordo de curto prazo 1996. Acordo de Concertação estratégica 1996 Princípios de resolução ou formas de resolução dos conflitos Auto-regulação / autonomia colectiva Auto-regulação Negociação directa Auto-regulação /auto regulação assistida pela administração do trabalho Auto-regulação /auto regulação assistida pela administração do trabalho Auto-regulação /auto regulação assistida Adjudicação ADR Hetero-regulação administrativa Resignação / via Poder de facto / acto de gestão Neocorporativismo / associativismo/ Autoregulação / auto-governo Neocorporativismo / associativismo/ Autoregulação / auto-governo ADR Efectividade Tipo ou objecto do conflito Interesses ou + económicos +Interpretação ou aplicação de normas Interesses ou +económicos ADR Interesses ou económicos - ADR Interesses ou económicos Interpretação ou aplicação de normas Interesses ou económicos Interesses ou económicos Interesses económicos Sentido das políticas públicas / Referências negociais Normas sobre SRRCT - Judicial Formal Desistência / Supressão Informal Negociação (bilateral/trilateral) Negociação (bilateral/trilateral) Informal Neocorporativismo / associativismo/ Autoregulação / auto-governo +- + + +- +- Interesses ou económicos +- Vejamos de uma forma sinóptica o estado em que se encontra o SRRCT identificando alguns elementos contextuais que são, simultaneamente, causa e consequência da sua actual situação. 1. A primeira observação a fazer é a de que no domínio das formas de resolução dos conflitos de trabalho predominam os modelos que têm por base a auto-regulação. A gestão das situações conflituais é, assim, feita no quadro de um poder do Estado que se expande por via de um “governo indirecto” e promove a regulação dos conflitos por via da informalização e da conciliação.50 Como veremos mais adiante, a conciliação é uma forma privilegiada de composição dos conflitos de trabalho, quer seja a nível individual, quer seja a nível colectivo. 50 Para uma análise mais detalhada deste processo consultar Santos, 1982. 63 De referir, igualmente, o grande peso dos modos informais de resolução dos conflitos, os quais, tanto podem ter por base um enquadramento normativo, como podem decorrer da resignação ou da procura suprimida da tutela dos direitos. 2. Também nos parece relevante o carácter de que se reveste a obtenção das conciliações no domínio das relações sociais de produção. Os dados revelam que funciona mal a conciliação que decorre no quadro de formas informais de resolução dos conflitos, em que o poder disponível nos contextos institucionais ou contextos de decisão é limitado. Exemplos desta situação encontramo-los na história das CCJ, na conciliação dos conflitos colectivos, bem como na ausência de criação deste tipo de mecanismos, de que é exemplo, o facto de a negociação colectiva não instituir, como está previsto, instrumentos de conciliação, mediação e arbitragem para a resolução de conflitos individuais. O nosso trabalho demonstra que a conciliação no domínio das relações laborais em Portugal funciona e obtém resultados palpáveis quando decorre em espaços públicos como são os tribunais, em que a conciliação é uma autoregulação assistida no espaço de adjudicação judicial, isto é, em que a alternativa à conciliação pode ser uma sentença. 3. Embora presentes em diversos contextos institucionais, como sejam, os das CCJ, os dos centros de arbitragem, os dos juízes sociais, os das comissões paritárias, e os da concertação social, os princípios neocorporativos (de base bilateral e trilateral) e a auto-regulação, tendem a efectivar-se ao nível macro, como é o da concertação social, deixando nos outros níveis de negociação um rasto marcado pela ausência de participação e intervenção dos parceiros sociais. A concertação social é a face visível da auto-regulação e do neocorporativismo. 4. Todavia, o papel que a concertação social desempenha como racionalizador do sistema de resolução dos conflitos de trabalho é ambíguo, quer do ponto de vista da produção do direito, quer do ponto de vista da sua aplicação, quer ainda do ponto de vista da forma como intervém informalmente na resolução dos conflitos de trabalho. No que concerne à intervenção na resolução dos conflitos de trabalho merecem menção as medidas que visam a prevenção e acompanhamento das situações de conflito. Quer o Acordo Económico e Social de 1990, quer o Acordo sobre a política de rendimentos de 1992 quer, mais recentemente, o Acordo de Concertação Social de Curto Prazo de 1996, ou o Acordo de Concertação Estratégica de 1996, prevêem comissões de acompanhamento. Como se sabe, as opiniões acerca da sua eficácia e funcionamento assumem índoles muito diversas. Em matéria de produção e aplicação de normas constitutivas do sistema de resolução de conflitos de trabalho, a situação é verdadeiramente ambígua. Várias foram as iniciativas tomadas no âmbito da concertação social visando a alteração ou melhoria das formas de resolução dos conflitos individuais e colectivos de trabalho. Retomando-se uma discussão que remonta aos debates públicos havidos em finais da década de setenta acerca dos vários projectos de criação de serviços de conciliação e 64 arbitragem, aborda-se, pelo menos desde 1989, no âmbito do CPCS a possibilidade de regulamentação de um protocolo sobre a organização e funcionamento de centros de arbitragem e conciliação. Resultados concretos transpareceram no Acordo Económico e Social de 1990, tendo vindo a ser posteriormente vazados no Decreto-Lei 209/92, de 2/10 o qual introduziu alterações nas formas de resolução dos conflitos de trabalho, que vão desde a instituição da arbitragem obrigatória nos conflitos colectivos de trabalho, passando pela possibilidade das convenções colectivas instituírem formas de conciliação, mediação e arbitragem nos conflitos emergentes das relações individuais de trabalho, até ao modo como se potenciou o papel da conciliação. O mais interessante no que a esta matéria diz respeito é que, até 1998, os efeitos práticos destas alterações não se fizeram sentir (à excepção, talvez, de alguma alteração procedimental, no papel desempenhado pela administração do trabalho em sede de conciliação e pela criação de centros de arbitragem regionais). Dos acordos negociados mais recentemente, transparece a necessidade de reforçar as intenções expressas anteriormente, como se pode constatar pela consulta, quer do acordo de Curto Prazo, quer pelo Acordo de Concertação Estratégica (1996), – a que se devem acrescentar as matérias respeitantes à melhoria da justiça e administração do trabalho, reforço da negociação colectiva e participação dos parceiros sociais. Manifestamente, estas são matérias acerca das quais existe uma razoável dose de discordância entre os parceiros sociais que põe a claro os limites das formas de produção do direito de base auto-reflexiva num quadro de desentendimento e de assimetria de poder. 5. A negociação colectiva, por seu lado, não pode deixar de reflectir o estado de coisas a que aludimos anteriormente acerca das formas de resolução dos conflitos de trabalho. Quando se questiona a pobreza da negociação colectiva em Portugal, pobreza essa que se expressa, evidentemente, num âmbito mais alargado, não se pode deixar de levar em consideração a rarefacção da instituição de formas alternativas de resolução de conflitos individuais e colectivos. A título ilustrativo refira-se o papel limitado desempenhado pelas poucas comissões paritárias que estão instituídas, a paralisia da arbitragem e a não promoção da conciliação em conflitos individuais. 6. Tomando como referência a estrutura contratual laboral na sua relação com a procura e acesso à justiça, diremos que a precarização dos contratos de trabalho tem efeitos muito concretos sobre a procura e acesso aos tribunais de trabalho. Pensando apenas nas formas contratuais legalmente consignadas, seria de esperar que existisse algum isomorfismo e correspondência entre a estrutura contratual laboral e a procura dos tribunais de trabalho. Todavia, assim não sucede. As investigações por nós levadas a cabo permitem-nos concluir pela rarefacção dos títulos contratuais que não sejam o contrato por tempo indeterminado. Este tipo de contrato é o que está mais próximo das relações salariais de tipo fordista e o que mais reduz o risco contratual. As formas contratuais de regulação das relações salariais, incluindo-se as que estão 65 associadas ao trabalho atípico, ao traduzirem um maior grau de contingência e falta de confiança contratual, concorrem para o esvaziamento da tutela judicial. Esta é, de facto, uma forma de regulação eficaz dos conflitos de trabalho. 7. Ainda no plano da procura dos tribunais de trabalho e, atendendo aos dados do movimento processual, é de referir que estes indicam uma diminuição global. Ela é particularmente significativa quando tomamos como referência os anos de 1974 e 1978 em que ocorreu um grande aumento da procura. No entanto, uma análise discriminada por tipo de acção conduz a outras conclusões. Por um lado, e não obstante a diminuição da procura global dos tribunais de trabalho, verifica-se o aumento das acções declarativas. Este facto encontra-se, de alguma forma, relacionado com a não existência de formas de resolução dos conflitos de trabalho alternativas aos tribunais por ocorrer com mais clareza depois de 1985, após a extinção das CCJ. Por outro lado, as acções de contrato individual de trabalho tendem a aumentar quando comparadas com as acções declarativas de acidente de trabalho. Refira-se ainda a diminuição da procura das acções de transgressão que se ficou a dever a alterações na legislação substantiva. 8. Num outro registo, é ainda importante chamar a atenção para os conflitos individuais de trabalho que são resolvidos sem sequer chegarem ao tribunal. Como ficou demonstrado pelo estudo Os Tribunais nas Sociedades Contemporâneas: O caso Português (Santos et al. 1996), a maior parte dos conflitos laborais são resolvidos na sociedade de uma forma auto-compositiva. Entre a resignação e a intervenção de uma terceira parte, várias são as modalidades encontradas para a resolução dos conflitos fora dos tribunais de trabalho. 9. Se atendermos apenas aos conflitos emergentes de contratos individuais de trabalho, do ponto de vista da relação entre a procura potencial e a procura real dos tribunais de trabalho para a resolução deste tipo de litígios, constatamos a grande discrepância entre os dois tipos de procura. Em anexo a demonstração feita pelo recurso à metodologia da pirâmide dos conflitos de contratos individuais de trabalho ilustra bem esta situação. 10. No campo do acesso é de sublinhar o relevante papel desempenhado pelos sindicatos e pelo Ministério Público (entendendo-se o acesso em sentido amplo englobando a representação judiciária e a informação e esclarecimentos de direitos). No que a esta matéria diz respeito, é muito significativo referir a função da facilitação dos sindicatos, função essa que, aliás, é uma dimensão básica da sua intervenção e participação nas relações de trabalho. No entanto, as nossas investigações levam-nos a concluir pela grande variabilidade do desempenho dos sindicatos. Do mesmo modo que a negociação colectiva, também a função facilitadora dos sindicatos na resolução dos conflitos individuais de trabalho está dependente do poder e recursos do movimento sindical. As situações são muito diferenciadas, variando entre sindicatos fortes e com recursos suficientes para promoverem um bom 66 patrocínio judiciário e sindicatos de fracos recursos e com estruturas organizacionais débeis que diferem frequentemente para o Ministério Público uma função que não podem executar. É neste contexto que o Ministério Público assume um papel muito relevante e que ultrapassa a repartição do patrocínio judiciário legalmente prevista. Do nosso ponto de vista a problemática em apreço suscita, muito claramente, a questão da participação e intervenção dos sindicatos na administração da justiça em matéria de acesso ao direito e justiça laborais. 11. Na óptica das formas de resolução dos conflitos de trabalho, é de referir que existe um padrão nacional de resolução dos conflitos. O padrão de litigação e cultura jurídica laborais caracterizam-se historicamente pelo grande peso da conciliação como forma de resolução dos conflitos de trabalho. Não obstante, e pensando agora de uma forma genérica nos vários termos dos processos laborais, identificam-se situações de afastamento do padrão nacional. Uma análise discriminada por tribunal de trabalho permite identificar a existência de “espaços da justiça” muito diferenciados, ou seja, em muitos casos os tribunais têm um desempenho muito heterogéneo em relação aos padrões nacionais, podendo mesmo ocorrer o esbatimento ou apagamento da importância da conciliação como forma de resolução do conflito, com o correspondente aumento da adjudicação. 12. No que diz respeito aos prazos de duração dos processos será importante salientar a melhoria obtida nos últimos anos. Se em termos gerais, em 1975, um processo laboral demorava, em média, 48,7 meses, em 1994 demora apenas 8 meses. Uma análise por escalões de duração também é significativa, já que ilustra que a grande maioria de processos de contrato individual de trabalho e acidente de trabalho se resolvem até um ano e de um a dois anos. No entanto, não obstante esta melhoria do índice de eficiência dos tribunais de trabalho de primeira instância, o facto é que existe um número apreciável de processos que têm duração igual ou superior a cinco anos. Por outro lado, e apesar de se poder concluir pela importância das normas processuais laborais para a redução da dessincronia entre o tempo biográfico das partes e o tempo da justiça continua, ainda assim, a colocar-se a questão da duração dos processos no domínio laboral. Por exemplo, a este respeito, atenda-se à especificidade dos interesses sociais em causa e ao facto de em termos “ideaistípicos” uma acção declarativa ordinária poder durar, em média, desde a sua propositura até à leitura da sentença, 211 dias úteis e uma acção declarativa sumária durar 126 dias úteis. Também no domínio dos tempos da justiça laboral se encontra a característica da diferenciação e heterogeneidade do desempenho dos tribunais de trabalho por referência aos padrões nacionais, como sucede no domínio da composição dos litígios. A título ilustrativo diga-se apenas que, em 1989, entre os 1237 dias, em média, que o tribunal de trabalho do Funchal necessitou para resolver um processo de Contrato Individual de Trabalho e os 110 dias que o tribunal de trabalho da Póvoa do Varzim 67 necessitou, a distância é enorme. Igualmente, em 1994 o tribunal de trabalho mais moroso foi o do Funchal com 617 dias, em média, e o menos moroso foi o de Portalegre com 175 dias para a resolução dos conflitos. 13. No que diz respeito à intervenção da administração do trabalho nas relações individuais, diremos o seguinte. Ela desempenha um importante papel no acesso e esclarecimento dos direitos laborais através de instrumentos como a Linha Azul, e a Inspecção do Trabalho. Com efeito, no que diz respeito ao sistema de acesso ao direito e justiça laborais ela contribui de uma forma facilitadora. Todavia, já no que se refere à sua intervenção na resolução dos conflitos individuais algumas observações devem ser feitas. A primeira decorre do tipo de intervenção da inspecção do trabalho nas empresas que, muitas vezes, varia entre uma actuação de tipo inspectivo e uma actuação de tipo conciliatório. Existe assim uma certa ambiguidade entre uma actuação formal e informal visando a resolução dos conflitos individuais no espaço da empresa. A segunda decorre do que foi, pelo menos até tempos recentes, uma certa ambiguidade na intervenção da DGRCT na composição dos conflitos individuais de trabalho. Antes de 1985, isto é, ainda durante o período de funcionamento das CCJ, vários são os relatórios de actividades que exprimem uma certa situação de “concorrência” entre este organismo e as CCJ. Após a extinção destas, mantendo-se uma intervenção conciliatória por parte da administração do trabalho, neste domínio continua a exprimir-se uma certa contingência organizacional. Ela resulta das várias alterações às leis orgânicas da administração do trabalho que vão mais no sentido de ligá-la à dimensão colectiva das relações de trabalho e as práticas desenvolvidas por algumas delegações da administração do trabalho que continuam a empenhar-se na composição dos conflitos individuais de trabalho. Esta contradição ficou bem patente nas intervenções levadas a cabo em 1991 no debate realizado no Fórum Picoas sobre relações profissionais e relações de trabalho. 14. No que diz respeito à intervenção da administração do trabalho nos conflitos colectivos, diremos o seguinte. Vários estudos realizados (Ferreira, 1993, 1994) até 1993 deixaram bem clara a ambivalência e permeabilidade da actividade conciliatória aos desígnios das políticas seguidas na regulação do mercado de trabalho. Apesar das alterações introduzidas em 1992, pelo decreto-lei 209/92 identificou-se um certo “desvio administrativo” na interpretação e aplicação da lei. Apesar de se ter potenciado a conciliação, esta permaneceu “refém” das opções seguidas na regulação do mercado de trabalho por parte do Estado. Por outro lado, o não recurso à via administrativa das PRT’s que, recorde-se, continuam a poder ser emitidas no caso de manifestas manobras dilatórias exprimem bem como a não intervenção pode ser uma forma de regulação. Em muitos casos o que verdadeiramente se pretende com um processo de conciliação é formular-se um acto de gestão que unilateralmente resolva o conflito. 68 Num quadro de pobreza da negociação colectiva, que o mais das vezes se fica a dever, quer a questões técnicas, quer à falta de pedagogia negocial, a aposta da intervenção da administração do trabalho no domínio das relações colectivas, bem que se poderia expressar por um apoio mais activo, quer em fase de negociações directas, quer num acompanhamento das fundamentações económicas da fase de conciliação. Neste domínio, vive-se em muitos casos uma situação equivalente do ponto de vista das organizações sindicais, àquela a que aludimos anteriormente no domínio do acesso aos tribunais de trabalho. 15. Finalmente, uma observação a propósito das empresas enquanto espaço de resolução dos conflitos de trabalho. Domínio por excelência do exercício de poder patronal e de direcção, as empresas e a sociedade continuam a ser o espaço privilegiado de resolução dos conflitos de trabalho. Se, por um lado, a intervenção da administração do trabalho desempenha um papel importante nas intervenções no local de trabalho, também é verdade que a hierarquia e os “poderes de facto” conduzem a uma resolução dos conflitos ou por resignação ou por uma intervenção informal de uma terceira parte. Recorde-se que tem sido evidenciado o recuo e dificuldades de participação dos sindicatos e representantes dos trabalhadores na vida das empresas. A crescente precarização dos vínculos contratuais, em conjunto com as políticas de recursos humanos apostadas na segmentação, dicotomização, precarização e exteriorização do emprego são igualmente factores a considerar. CONCLUSÃO Ao longo deste trabalho referimos várias ideias, hipóteses e resultados que passamos agora a apresentar de uma forma sintética. Em primeiro lugar chamamos a atenção para as alterações contextuais que influenciam a sociedade em geral e, no nosso caso concreto, o sistema de relações laborais. Fenómenos como o dos processos de globalização à escala mundial e as alterações, em questões-chave do mundo laboral, como sejam a alteração da relação Estado-capital-trabalho, a alteração dos padrões de conflitualidade laboral, a crise no movimento sindical, a mudança de paradigmas da produção, as tendências para a flexibilidade e desregulamentação e a transformação da própria noção de empresa, fazem com que hoje as relações de trabalho se desenvolvam em ambientes contingentes marcados pela indeterminação e pela emergência da sociedade de risco. Inevitavelmente, a normatividade laboral portuguesa, os processos de institucionalização e os sistemas de resolução dos conflitos de trabalho exprimem este estado de coisas51. 51 No projecto de investigação que estamos a levar a cabo procuramos justamente captar a influência que os processos de globalização têm sobre a alteração da normatividade laboral. Em particular atendemos às formas como os processos de globalização conduzem a uma alteração dos padrões e formas de resolução dos conflitos de trabalho, individuais e colectivos. 69 Em segundo lugar chamamos a atenção para a necessidade de se pensarem os dois elementos que compõem uma mesma relação socio-política, Estado e sociedade civil, de uma forma relacional e interdependente. Eles são as duas faces da mesma moeda, não fazendo sentido, em domínios como o das relações de trabalho, pensá-los como entidades autónomas. A relação que se estabelece entre o Estado e a sociedade civil tem consequências muito específicas para o sistema de relações laborais, nomeadamente, no que diz respeito ao desenvolvimento da normatividade laboral e às formas de resolução dos conflitos de trabalho. Sendo a participação e intervenção dos parceiros sociais uma referência histórica e normativa caracterizadora dos modos de resolução dos conflitos de trabalho, não pode deixar de se levar em atenção os específicos processos sociais em que se desenvolveu e ocorre essa participação e intervenção. O caso da sociedade portuguesa é, a todos os títulos, ilustrativo da forma como, quer a relação Estado/ sociedade civil, quer a própria natureza da sociedade civil, se afastam dos modelos paradigmáticos das relações de trabalho emergentes ou surgidos nos países centrais. Se, procuramos chamar a atenção para a história recente da sociedade portuguesa, nela apontando as principais características do associativismo sindical e patronal, foi com a preocupação de trazer à colação um elemento estrutural do nosso sistema de relações laborais. No caso da sociedade portuguesa, para além dos específicos processos de transição e consolidação democrática que marcaram de uma forma determinante o sistema de relações laborais, a actual força, poder e recursos organizacionais das associações de interesses são um factor explicativo do estado do sistema de resolução dos conflitos de trabalho. Sendo, sobretudo, uma criação da sociedade civil, a normatividade laboral e as formas de resolução dos conflitos de trabalho constituem um indicador sociológico privilegiado do peso da intervenção estatal e das forças de organizações de interesses na regulação das relações de trabalho. Neste sentido, nem na história nem na actualidade, encontramos os elementos sociais fundamentais para que a regulação das relações de trabalho se dê no espaço público de uma forma auto-regulada, derivando da capacidade de intervenção e participação dos actores sociais em presença. Convirá sublinhar que as ambiguidades detectáveis no sistema de resolução dos conflitos de trabalho e que decorrem, essencialmente, do gap existente entre intenções expressas e práticas efectivas dos parceiros sociais, entre o law in books e o law in action , ocorrem num contexto social marcado pelo desemprego, pela precarização das relações salariais, e pela heterogeneidade dos sectores e espaços económicos. Pensamos ter demonstrado que, em Portugal, existem dois sistemas de resolução dos conflitos de trabalho. Um, é o sistema virtual, o qual decorre dos dispositivos instituídos que, na prática, não funcionam cabalmente. O outro, é o sistema real e efectivo que exprime as práticas dos parceiros sociais e as trajectórias reais dos conflitos do mundo laboral. 70 É certo que é nas situações de conflito social que as sociedades melhor exprimem as estruturas profundas que as constituem. Neste sentido, a actual situação do sistema de resolução dos conflitos de trabalho em Portugal é verdadeiramente representativa. Do nosso ponto de vista, hoje em dia, é importante que a agenda política do mundo do trabalho inclua a questão das formas de resolução dos conflitos. Essa não é, evidentemente, uma questão que hegemonize as restantes questões que se colocam ao mundo do trabalho. No entanto, ela exprime uma dimensão fundamental das relações sociais e da vida em sociedade. Entre uma alteração dos quadros institucionais ou um aprofundamento dos que existem actualmente, coloca-se um vasto “campo de possíveis”. Qualquer uma das opções que se tomem não se traduzirá em resultados concretos se, simultaneamente, não ocorrer uma alteração substancial das práticas dos parceiros sociais, Estado incluído, e se não se esclarecer a relação entre o mundo do trabalho e o interesse geral da sociedade. Do nosso ponto de vista, esta última questão radica numa concepção do direito do trabalho e da sua justiça como questões políticas que dizem respeito à sociedade como um todo. Torna-se necessário que ocorra um “empowerment” da normatividade laboral e das relações sociais que conduza a um aumento do exercício da cidadania. Finalmente, apesar da noção de justiça social ser cada vez mais contraditada pelo “princípio da realidade”, já que a exclusão social, a precarização, o risco e a insegurança estão para ficar, ela deve fazer parte das agendas pessoais, colectivas e institucionais, como um princípio orientador que vai de par com o da dignidade ética da pessoa humana. 71 ANEXOS 72 Evolução do Movimento processual laboral 70,0 60,0 50,0 40,0 30,0 20,0 10,0 Pendentes 1 Janeiro Entrados 1994 1992 1990 1988 1986 1984 1982 1980 1976 1978 1972 1974 1970 0,0 Findos Fonte: Estatísticas da Justiça Tipos de acções laborais entradas 100 000 80 000 60 000 40 000 Total Declarativas Executivas 1995 1994 1993 1992 1991 1990 1989 1988 1987 1986 1985 1984 1983 1982 1981 1980 1979 1978 1977 1976 1975 1974 1973 1972 1971 1970 20 000 Transgre. Fonte: Estatísticas da Justiça 73 Processos Findos 20000 15000 10000 5000 0 1989 1990 1991 1992 Acidentes 1993 1994 Acidentes Contratos 1995 1996 Contratos Fonte: Gabinete de Estudos e Planeamento do Ministério da Justiça Termo do processo CIT 100% 80% 60% 40% 20% 0% 1989 1990 1991 1992 1993 Findo Antes do Julgamento Por: Indeferimento Liminar Findo Antes do Julgamento Por: Desistência Findo Antes do Julgamento Por: Transacção Findo Antes do Julgamento Por: Condenação do Réu no Pedido Findo Antes do Julgamento Por: Absolvição do Réu na Instância Findo Antes do Julgamento Por: Outro Termo Pelo Julgamento: Procedente Pelo Julgamento: Procedente em Parte Pelo Julgamento: Improcedente 1994 Fonte: Gabinete de Estudos e Planeamento do Ministério da Justiça 74 Evolução da Morosidade 1970 1971 1972 1973 1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 Pendentes 1 Janeiro 42801 41461 52059 60393 66942 76789 189139 202941 196069 182255 173990 171351 160615 136431 116355 96485 81461 67035 56789 50267 47885 52547 39913 42885 46757 Entrados Findos 32154 39076 41162 44773 41127 52304 92874 82959 55640 53168 61045 56197 46936 52108 49965 54584 47849 43447 43818 50100 44405 45822 50568 60455 56903 C. e Merryman 33494 28478 32828 38224 31280 25522 79072 89831 69454 61433 63684 67017 71341 71622 67983 64162 62049 53580 50518 52894 46580 50558 47618 54250 62340 Meses 1,2 1,8 1,8 1,8 2,5 4,1 2,6 2,2 2,6 2,8 2,7 2,4 1,9 1,6 1,4 1,4 1,1 1,1 1,0 0,9 1,0 0,9 0,9 0,9 0,7 14,9 21,9 22,1 21,0 29,5 48,7 30,8 26,2 31,5 34,0 32,3 28,7 22,9 19,6 17,4 16,3 13,0 12,7 11,9 10,8 11,8 11,3 10,8 10,9 8,0 Fonte: Estatísticas da Justiça Evolução da morosidade por escalões Contratos individuais de trabalho 1989 1990 1991 1992 1993 1994 Até 1 ano 58,3 60,1 60,7 67,4 72,4 73,7 ]1, 2 anos] 17,9 20,1 20,2 17,8 15,8 17,8 ]2, 3 anos] 7,7 6,5 6,8 5,5 5,5 4,6 ]3, 5 anos] 9 6,5 5,8 5,1 3,4 2,4 7,1 6,8 6,5 4,2 2,9 1,5 Mais de 5 anos 75 Acidentes de trabalho 1990 1991 1989 1992 1993 1994 Até 1 ano 71,7 70,7 67,4 69,0 74,5 72,6 ]1, 2) anos 18,9 21,3 23,1 21,7 18,3 20,0 ]2, 3] anos 4,0 4,4 5,7 5,3 4,4 4,4 ]3, 5 ] anos 2,8 1,9 2,1 2,6 2,0 2,1 Mais de 5 anos 2,7 1,7 1,6 1,4 0,7 0,9 Fonte: Gabinete de Estudos e Planeamento do Ministério da Justiça Morosidade por tribunal de trabalho Contratos Individuais de Trabalho, 1989 Contratos Individuais de Trabalho, 1994 > 24 meses [18, 24 meses[ [12, 18 meses[ [6, 12 meses[ < 6 meses Trib. criado mas não instalado Fonte: Gabinete de Estudos e Planeamento do Ministério da Justiça 76 Termo do processo CITs 1994 1 2 3 4 5 6 7 8 Almada 0,0 9,2 39,6 24,2 0,3 5,8 13,0 4,8 Aveiro 0,0 3,5 30,4 45,3 0,2 5,7 6,1 5,0 Barcelos 0,0 5,2 47,5 28,5 0,8 0,8 11,9 1,9 Barreiro 0,4 7,1 25,0 18,7 1,9 1,9 31,0 6,7 Beja 1,1 10,6 37,2 47,8 0,0 1,7 1,7 0,0 Braga 0,2 13,5 47,5 20,3 1,3 2,6 6,6 4,7 Bragança 0,0 20,3 11,9 59,3 1,7 3,4 1,7 1,7 Caldas da Rainha 0,0 13,8 24,1 0,0 3,4 0,0 34,5 6,9 Cascais 0,4 2,2 41,8 10,6 1,1 0,7 42,1 1,1 Castelo Branco 0,0 10,5 30,1 45,8 0,7 0,7 4,6 5,9 Coimbra 0,0 4,8 30,1 35,2 0,8 4,4 20,2 2,2 Covilhã 0,0 8,6 30,0 50,5 4,5 1,4 2,3 1,8 Évora 1,2 3,2 29,4 48,4 0,4 5,6 8,5 1,2 Faro 2,2 21,8 38,4 19,6 1,1 13,4 2,5 0,8 Fig. da Foz 0,0 7,8 23,3 33,3 0,0 0,0 10,0 14,4 Funchal 0,0 39,7 3,0 20,3 0,7 9,3 17,7 5,7 Gondomar 0,0 0,0 0,0 100 0,0 0,0 0,0 0,0 Guarda 0,0 11,1 36,3 40,1 0,0 0,0 9,9 0,0 Guimarães 0,3 29,7 28,8 17,9 0,9 3,3 13,0 4,5 Lamego 0,7 7,2 32,0 15,7 3,3 7,2 20,3 2,0 Leiria 0,0 9,5 34,8 24,8 0,5 2,9 11,7 10,6 Lisboa 0,1 5,3 36,8 21,2 0,8 3,0 17,3 8,0 Loures 0,6 4,0 40,6 35,4 0,0 10,9 5,1 2,9 Maia 0,0 0,5 24,0 54,4 0,5 4,4 8,8 3,4 Matosinhos 0,0 2,5 38,5 26,6 0,9 2,9 14,6 9,7 Oliv. de Azeméis 0,0 2,2 37,0 21,3 0,4 3,5 29,6 1,3 Penafiel 0,8 5,2 39,9 30,6 1,1 0,8 10,7 7,9 Ponta Delgada 0,0 0,0 15,3 20,3 0,0 1,7 27,1 27,1 Portalegre 0,0 3,3 26,5 10,0 0,0 1,4 48,8 5,7 Portimão 0,0 3,8 25,3 46,5 1,3 4,5 11,9 4,8 Porto 0,4 8,8 44,1 23,8 1,2 3,4 8,6 5,0 Sª Mª da Feira 0,0 7,4 19,1 27,8 2,0 1,3 33,1 4,0 Santarém 0,0 0,9 51,1 34,0 0,0 1,3 6,4 3,0 Sº Tirso 0,0 5,0 13,0 63,2 0,0 2,0 12,3 3,0 Setúbal 0,0 9,7 18,9 27,8 1,3 15,9 11,9 10,1 Sintra 0,3 5,4 36,6 28,1 0,3 0,6 16,6 9,1 Tomar 0,3 8,8 39,6 40,3 0,6 0,3 5,5 1,3 Torres Vedras 0,0 25,5 46,1 12,7 2,4 1,2 3,0 6,1 Valongo 0,0 0,9 32,2 33,0 0,0 7,0 4,3 17,4 V. do Castelo 0,0 3,5 54,6 32,3 0,3 1,1 3,3 3,8 V. Franca de Xira 0,0 0,5 38,3 43,5 0,5 0,0 4,7 6,2 V. N. Famalicão 0,0 7,8 52,5 21,9 0,9 2,3 11,9 1,8 V. N. Gaia 0,2 6,4 29,6 37,9 0,2 2,8 14,5 5,6 Vila Real 0,0 3,9 52,6 13,2 0,0 1,3 11,8 11,8 Viseu 0,0 6,7 53,9 15,5 0,0 0,5 16,1 4,1 Total Nacional 0,2 7,9 35,3 29,0 0,8 3,3 13,8 5,4 1- Findo antes do julgamento por indeferimento liminar 2- Findo antes do julgamento por desistência 3- Findo antes do julgamento por transacção 4- Findo antes do julgamento por condenação do réu no pedido 5- Findo antes do julgamento por absolvição do réu na instância 6- Findo antes do julgamento por outro termo 7- Pelo julgamento procedente 8- Pelo julgamento procedente em parte 9- Pelo julgamento improcedente Fonte: Gabinete de Estudos e Planeamento do Ministério da Justiça 77 9 3,1 3,8 3,3 7,5 0,0 3,2 0,0 17,2 0,0 2,0 2,2 0,9 2,0 0,0 11,1 3,7 0,0 2,7 1,5 11,8 5,2 7,5 0,6 3,9 4,3 4,8 3,0 8,5 4,3 1,9 4,6 5,4 3,4 1,6 4,4 3,0 3,2 3,0 5,2 1,1 6,2 0,9 2,8 5,3 3,1 4,1 Pirâmide dos Contratos de Trabalho 1994 Fonte: INE; MESS/Departamento de Estatística; Estatísticas da Justiça Conciliações 1984-1996 Conciliações Acordo total Acordo parcial Frustradas Remetido ou não especificado 1984 90 36 2 38 14 1985 108 51 4 36 17 1986 80 44 5 30 12 1987 87 38 0 35 14 1988 71 21 5 29 16 1989 77 41 3 28 5 1990 50 17 0 24 9 1994 231 93 14 113 11 1995 125 71 4 50 0 1996 140 89 5 78 46 Fonte: Relatórios DGRCT e IDICT 0 Pirâmide dos Conflitos Colectivos: Conciliação 1984 Frustradas 38 (42,2%) Acordo parcial 2 (2,2%) Acordo total 36 (40%) Remetidas ou não específicadas 14 (15,6%) Conciliações 90 (100%) Processos de Negociação Colectiva Concluídos 318 Fonte: MESS: Relatórios e Análises; Relatórios DGRCT e IDICT Pirâmide dos Conflitos Colectivos: Conciliação 1989 Frustradas 28 (36,4%) Acordo parcial 3 (3,9%) Acordo total 41 (53,2%) Remetido ou não específicado 5 (6,5%) Conciliações 77 (100%) Processos de Negociação Colectiva Concluídos 374 Fonte: MESS: Relatórios e Análises; Relatórios DGRCT e IDICT 79 Pirâmide dos Conflitos Colectivos: Conciliação 1996 Frustradas 46 (19%) Acordo parcial 5 (2%) Acordo total 89 (37%) Conciliações 140 (100%) Processos de Negociação Colectiva Concluídos 598 Fonte: MESS: Relatórios e Análises; Relatórios DGRCT e IDICT 80 Instrumentos de Regulamentação Colectiva de trabalho segundo a forma de produção: negociação directa e conciliação entre 1984 e 1991. Negociação Directa V. abs. Conciliação % v. abs. Total % 1984** 250 78,9 67 21,1 317 1985 308 81,7 69 18,3 377 1986* 283 80,2 70 19,8 353 1987 315 88,8 40 11,2 357 1988* 345 92,2 29 7,8 374 1989* 337 90,1 37 9,9 374 1990 385 93,7 26 6,3 411 1991 345 94,8 19 5,2 364 Fonte: DGRCT, Relatórios Anuais Decisões arbitrais entre 1976 e 1992 Decisões arbitrais % 1976 11 30,1 1977 7 19,1 1978 8 22,1 1979 2 5,1 1980 3 8,1 1981 0 0,1 1982 1 3,1 1983 0 0,1 1984 1 3,1 1985 2 5,1 1986 0 0,1 1987 0 0,1 1988 0 0,1 1989 0 0,1 1990 0 0,1 1991 2 5,1 1992 0 0,1 Total 37 100 Fonte: MESS, Relatórios de Conjuntura; Relatórios e Análises 81 Portarias de Regulamentação de Trabalho Resultantes de conflito e zonas brancas Negociação Directa V. abs. Conciliação % v. abs. Total % 1983 - - 4 100 4 1984 5 62,5 3 37,5 8 1985 7 50 7 50,0 14 1986 - - 3 100 3 1987 - - 1 100 1 1988 - - 1 100 1 1989 - - 1 100 1 1990 - - 1 100 1 Total 12 36,4 21 63,6 33 Fonte: MESS, BTE Comissões paritárias 400 350 300 250 200 150 100 50 Total de IRCs Constituição da CP 1993 1994 1991 1992 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 0 Alteração da CP Deliberação da CP Fonte: Base de Dados REGTRAB — MQE — CICT 82 Serviço informativo: evolução — Total Total Total País 1988 115719 195072 1989 119468 202194 1990 114975 197926 1991 123294 215353 1992 127829 221931 1993 112021 21386 1994 103019 208584 1995 119062 234808 Fonte: Relatórios e Análises/Inspecção do trabalho Pedidos de Intervenção: evolução Sindicatos Trabalhadores Empresas Outros Total 1988 6027 10384 924 10627 27962 1989 5488 9455 1059 11435 27437 1990 4487 8224 1046 12644 36401 1991 4524 10165 1834 8567 25090 1992 5145 12067 1695 9812 28719 1993 4371 13974 1218 9777 29340 1994 4369 9036 1017 6846 21268 1995 4756 8446 Fonte: trabalho 83 981 Relatórios e 6998 Análises/Inspecção 21181 do Bibliografia: AAVV. 1987. 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Londres: Pluto Press. 88 Intervenção final de Sua Excelência, o Secretário de Estado do Trabalho Dr. António Monteiro Fernandes Face à riqueza e à grande heterogeneidade deste debate, não é evidentemente possível extrair dele, no imediato, um consensual sentido conclusivo. Os relatores estarão em condições melhores do que ninguém para destacarem, relativamente aos respectivos temas, as ideias-chave susceptíveis de serem extraídas das suas comunicações, assim como das intervenções dos participantes e dos respectivos comentários. Esses enunciados poderão constituir útil instrumento de reflexão para o Governo e os Parceiros Sociais. Não deixarei, no entanto, de formular duas ou três breves notas acerca do conteúdo do trabalho que aqui foi desenvolvido. O tema geral – Aspectos Orgânicos e Funcionais da Administração e da Justiça do Trabalho – é, segundo julgo, um tema de convergência potencial entre os vários grupos de interesses que aqui se fizeram representar. Daí que a realização deste debate tenha sido objecto de compromisso trilateral, assumido no quadro do Acordo de Concertação Estratégica. Está nele em causa o sistema de tutela socio-laboral, conjunto de instrumentos de realização de interesses legítimos, que são distintos, e em muitos domínios conflituantes, mas que convergem na necessidade de protecção eficaz e articulada. Procurou-se, neste debate, de vários ângulos, dar resposta a esta questão central: que condições são necessárias para melhorar a eficiência do sistema de tutela na realização dos interesses legítimos, que se afirmam no domínio das relações de trabalho e de produção (e que são interesses dos trabalhadores, dos empregadores e do Estado de Direito Social), assim como no prejuízo e na negação dos interesses ilegítimos que no mesmo terreno procuram instalar-se e prosperar. A importância do tema reflectiu-se no empenho e até na exigência que os Parceiros Sociais puseram na realização deste debate e em que ele se fizesse o mais depressa possível. Essa relevância não parece, no entanto, ter sido suficientemente correspondida no grau de envolvimento que os mesmos Parceiros tiveram no debate. Julgo que vale a pena dedicar ao facto alguma reflexão. Foram aqui analisados, sob os pontos de vista estrutural e funcional, os elementos do sistema de tutela socio-laboral: a Administração do Trabalho, a Justiça do Trabalho, as Organizações Sindicais e Patronais. Relativamente à Administração do Trabalho, no sentido clássico da designação, uma primeira linha de força que importa destacar é a de que ela não pode insularizarse, não pode sobreviver, em condições mínimas de eficiência, isolando-se, quer de outras peças fundamentais do armamento do Estado de Direito, quer das organizações sociais, sindicais e patronais. A realidade socio-laboral tem evoluído no sentido de 89 uma crescente complexidade, requerendo, por parte da Administração, uma nova sensibilidade aos contextos, aos processos causais e às vantagens tácticas da interacção e da concertação. Uma infracção laboral não é, normalmente, apenas uma infracção laboral – é um composto de vários desvios às regras do jogo (não só as que respeitam à utilização da força de trabalho) e pode ser, também, um sintoma de disfunções normativas, de atrasos culturais, de bloqueios contratuais, de incapacidades organizacionais. A simples perspectiva do controlo e da repressão – que tradicionalmente marcou o perfil da inspecção do trabalho –, sendo evidentemente necessária, não permite, só por si, em muitos casos, alcançar soluções autênticas. Pode traduzir-se na eliminação do sintoma, não na cura da enfermidade. É necessário combater a ideia – que funciona como álibi para a cobertura de muitos interesses ilegítimos – de que a fiscalização é a chave de todos os problemas de desregulação que se verificam na sociedade portuguesa. Esses problemas penetraram, na última década, na própria estrutura molecular do mundo do trabalho; deixaram de constituir meros “desvios” à regra, para se apresentarem como expressão de novos padrões culturais que pretendem instalar-se na vida económica e social. Reduzir a abordagem desta matéria à perspectiva do controlo tradicional é sugerir a demissão do Estado de Direito. Por seu turno, a prevenção de riscos profissionais, embora constitua uma responsabilidade fundamental do Estado, não depende, principalmente, dos meios, dos recursos e das competências da Administração do Trabalho. Esta tem sobre si importantes incumbências neste campo: difundir a cultura de prevenção, apoiar técnica e financeiramente a concepção e implementação de medidas preventivas nos ambientes de trabalho, credenciar e autorizar prestadores de serviços de segurança, higiene e saúde no trabalho, definir quadros de responsabilidade e modelos de organização preventiva, controlar o cumprimento das prescrições regulamentares. Mas não está na sua mão a alavanca de travagem dos acidentes e das doenças profissionais. A interacção com os agentes económicos e sociais é, mais uma vez, condição de eficácia das acções de catalização e apoio que estão ao alcance da Administração. Por fim, a promoção do diálogo social, em todos os níveis. A intervenção da Administração do Trabalho é, também aí, meramente instrumental. Não pertence à Administração do Trabalho “produzir” acordos. Pode e deve exercer uma acção facilitadora e promocional da contratualidade laboral, injectando-lhe informação técnica e estatística fiável, intervindo em situações de impasse, criando hipóteses de solução susceptíveis de serem consensualizadas, suprindo, no limite, por meios regulamentares administrativos, as insuficiências de cobertura dos acordos. Mas emerge aqui uma questão que, só por si, justificaria debate autónomo: o saberse em que medida e em que modalidades a intervenção profunda e activa da Administração do Trabalho constitui factor favorável ou desfavorável à dinâmica e à renovação da contratação colectiva. Em que medida, por exemplo, a emissão 90 abundante de portarias de regulamentação do trabalho, o uso menos condicionado das portarias de extensão, a actuação de mecanismos de arbitragem imposta, ou a adopção de uma atitude mais tutelar da Administração relativamente aos processos contratuais, serão factores favoráveis ou desfavoráveis à expansão e ao enriquecimento da negociação colectiva. É uma questão que está em aberto, e se reveste de particular actualidade numa situação, como a nossa, de evidente e preocupante estagnação da contratação colectiva. A experiência que temos em Portugal leva-nos a pensar que há um equilíbrio ideal entre intervencionismo administrativo e desenvolvimento da negociação colectiva, e que há o risco, no caso de esse equilíbrio não ser respeitado, de se degradar o sistema em vez de o revalorizar. Está por fazer um diagnóstico preciso da situação portuguesa, sob esse estrito ponto de vista. Mas a verdade é que já hoje, com a minha assinatura nas portarias de extensão, defino as condições contratuais de muito maior número de trabalhadores e de empresas do que o conjunto dos sindicatos e das associações patronais que subscrevem convenções colectivas. Será isto normal e saudável? Os desafios com que se defronta a Administração do Trabalho, nas suas várias frentes de actuação, emergiram claramente do debate que aqui se desenvolveu; são eles, já hoje, motivo de aprofundada reflexão, e de múltiplas iniciativas de acção, por parte de quem tem responsabilidades na sua tutela e direcção. Mas sabemos que muito há por fazer ainda. Este debate avançou, ainda, pelos terrenos da Justiça do Trabalho. O tema central que me pareceu sobressair, quer das apresentações que foram feitas, quer das observações formuladas acerca delas, foi o da necessidade de se estabelecer o equilíbrio entre dois valores particularmente importantes na área laboral – o da segurança e o da celeridade – e o de saber como estabelecer esse equilíbrio no quadro de uma ordem judiciária comum, ainda fortemente ritualizada e burocratizada. Esta questão conduz-nos, desde logo, à temática da revisão do processo do trabalho. É preciso dizer que, a Comissão de Revisão do Código do Processo de Trabalho, em funcionamento há vários meses, não é uma comissão de subversão do Processo de Trabalho. É uma Comissão que, aliás com elevado mérito, tem estado a desenvolver trabalho cuidado e profundo, utilizando como referências, não só a evolução recente do Processo Civil, mas, também, aquilo que são os ensinamentos da experiência de aplicação do Código do Processo de Trabalho vigente. Julgo ter perpassado um pouco, no debate sobre este tema, a ideia de que, no fundo, esta perspectiva, que é ainda, essencialmente, a do padrão judiciário existente, pode não conter em si potencial bastante para resolver os problemas que se colocam especificamente na ordem sócio-laboral. Há, desde já, que notar a diminuição de tempos médios de decisão dos litígios individuais mas, também, a insuficiência dessas reduções de duração, dada a natureza de alguns temas, como é o caso da subsistência do emprego e da continuidade do 91 salário. Não é de excluir que, face ao quadro da litigiosidade individual com que se confrontam os tribunais, tenhamos que procurar respostas mais radicais do que as que nos pode oferecer uma simples “reforma” das regras actuais de procedimento. Todavia, convém, antes do mais, aguardar as ideias e hipóteses de trabalho que estão a ser consideradas pela Comissão de Revisão e que parecem apontar para soluções susceptíveis de reunir consenso, no sentido de uma melhoria significativa da fórmula segurança/celeridade. No que respeita ao terceiro elemento do sistema de tutela, que são os sindicatos e as associações patronais, houve, neste debate, sugestões e indicações no sentido claro da necessidade de uma maior aproximação e de uma melhor articulação funcional dessas organizações relativamente às estruturas do Estado – Administração do Trabalho e Justiça do Trabalho – que participam no mesmo sistema. Dispenso-me de retomar as razões pelas quais se deve entender que este é um aspecto absolutamente decisivo, para que a Administração do Trabalho e a Justiça do Trabalho possam funcionar em termos correctos. No que respeita à articulação das organizações de interesses profissionais com a Justiça do Trabalho, destacam-se duas questões fulcrais: a da legitimidade processual dos sindicatos e das associações patronais (relativamente às questões individuais), e a da possibilidade da instituição de mecanismos extrajudiciais, isto é, de mecanismos autónomos, produzidos no âmbito da autonomia dos Parceiros Sociais, para resolução de conflitos individuais. Também neste domínio julgo que seria útil estudar e perspectivar a possibilidade de uma aproximação a algumas experiências europeias interessantes. De qualquer modo, parece evidente, de tudo o que se disse, que o desenvolvimento e a eficiência do sistema de tutela aqui tratado dependem, não apenas da consolidação de cada um dos seus elementos, mas também da sua conjugação funcional – e esta é, porventura, a ideia-chave do debate. Concluo, interpretando o sentimento de todos os participantes, com a palavra de aplauso, que é indiscutivelmente devida, aos relatores dos vários temas, que nos ajudaram, com o seu desafio e com as pistas traçadas, a reflectir sobre temas extremamente complexos e sensíveis. E, finalmente, o agradecimento e o aplauso devido ao Conselho Económico e Social, na pessoa do seu Presidente, pela cuidada organização com que correspondeu à solicitação dos Parceiros Sociais e do Governo. Está encerrado o debate. 92 Programa 93 DEBATE SOBRE ADMINISTRAÇÃO E JUSTIÇA DO TRABALHO Conselho Económico e Social Rua João Bastos n.º 8, 1400 Lisboa Dia 9 de Outubro de 1997 09H30 - Aspectos orgânicos e funcionais da Administração do Trabalho. Presidência: Ministra para a Qualificação e o Emprego ou Secretário de Estado do Trabalho Orador: Dr. Fernando Cabral, Presidente do Instituto de Desenvolvimento e Inspecção das Condições de Trabalho 10H00 - Debate 11H00 - Intervalo para café 11H15 - O papel actual e futuro da Inspecção Geral do Trabalho. Presidência: Secretário de Estado da Justiça Orador: Dr. Inácio Mota da Silva, Inspector Geral do Trabalho 11H45 - Debate 12H45 - Intervalo para almoço 15H00 - O desempenho da via judiciária. Organização e funcionamento da Justiça do Trabalho. Presidência: Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça Orador: Dr. João Rato, representante do Centro de Estudos Judiciários 15H30 - Debate 16H30 - Intervalo para café 16H45 - Continuação do debate 18H00 - Interrupção dos trabalhos Dia 10 de Outubro de 1997 09H30 - A intervenção da sociedade civil (sindicatos e associações patronais). Interacção com a Administração e os Tribunais. Presidência: Secretário de Estado do Trabalho Orador: Prof. Doutor António Casimiro Ferreira 10H00 - Debate 11H00 - Intervalo para café 94 11H15 - Continuação do debate 12H30 - Encerramento 95