BARROCO Expressão artística e literária da Contrarreforma. Movimento que reflete o CONFLITO entre os valores renascentistas e os medievais, entre o racionalismo e a fé católica, entre o humanismo e misticismo. (século XVII) Atitudes de linguagem do Barroco: CULTISMO Jogo de palavras, o uso culto da língua, predominando inversões sintáticas, rebuscamentos e muitas figuras de linguagem. Artifício de forma. CONCEPTISMO Jogos de raciocínio e de retórica que visavam melhor explicar o conflito dos opostos. Artifício do conteúdo. Recursos conceptistas: SILOGISMO: Dedução formal tal que, postas duas proposições, chamadas premissas, delas se tira uma terceira, chamada conclusão. Ex. “Todo homem é mortal (premissa maior) – eu sou homem (premissa menor); logo eu sou mortal. (conclusão) SOFISMA: argumento que parte de premissas verdadeiras e que chega a uma conclusão inadmissível, que não pode enganar ninguém, mas que se apresenta como resultante de regras formais do raciocínio, não podendo ser refutado. É um raciocínio falso com a função de enganar. Ex. “Mais da metade da população mundial nunca fez uma chamada interurbana. E graças à internet, provavelmente nunca fará.” (propaganda) Padre Vieira recorria ao expediente conceptista em seus sermões. O Sermão da Sexagésima apresenta crítica ao estilo cultista. No entanto, ele faz usos de recursos cultistas, principalmente através de algumas figuras de linguagem e jogos verbais, os trocadilhos; da extravagância no uso do idioma, com a riqueza do vocabulário e a presença de hipérbatos. Na crítica ao cultismo, Vieira ironiza o gosto pelas antonomásias sofisticadas. “Ah pregadores! Os de cá, achar-vos-eis com mais Paço; os de lá, com mais passos...”(Pe. Vieira) Sermão – discurso religioso pregado no púlpito (tribuna), tem a rigorosa intenção de convencer o seu ouvinte acerca de determinado tema. Segue estrutura clássica, aristotélica: prólogo, desenvolvimento e peroração. Sermão da Sexagésima: traz no título o número 60. foi pregado num domingo 60 dias antes do domingo da Páscoa, ou no domingo 14 dias antes do primeiro domingo da Quaresma, e, no epílogo o orador se refere a esse período: “Estamos às portas da Quaresma, que é o tempo em que principalmente se semeia a palavra de Deus na Igreja...” 1- PRÓLOGO: parte que inicia o sermão. Tema: passagem do evangelho que irá ilustrar ou embasar o sermão. Intróito ou exórdio: exposição do plano do discurso. Apresenta grande variedade de temas, abordando questões filosóficas, políticas ou morais. Fatos históricos ou sociais também entram em pauta no sermão. (capítulos I e II) Invocação: pedido de auxílio Geralmente é feito à Virgem Maria. divino. 2- DESENVOLVIMENTO ou ARGUMENTAÇÃO: corpo do sermão. (capítulos III a IX) Uso de vários recursos retóricos: exemplificação, comparações, indagações, deduções, enfim, uma série de procedimentos argumentativos. Para fortalecer a argumentação recorre-se a passagens bíblicas, além daquela utilizada como tema. Proposta do tema é seguida da antecipação de qualquer possibilidade de questionamento ou de contestação que possa ser empreendida pelo auditório, anulando-se assim qualquer forma de refutação. 3PERORAÇÃO ou CONCLUSÃO: recapitulação do tema com o epílogo. (capítulo X) Faz-se a EXORTAÇÃO, ou seja, a advertência relativa aos valores propostos pelo sermão. OBS. O sucesso do sermão se deve à aplicação da RETÓRICA, ciência criada por Aristóteles, desenvolvida em Roma e amplamente utilizada pelos pensadores cristãos. “(...) arte de achar os meios de persuasão que cada caso comporta.” ASPECTOS CONSTANTES NA ORATÓRIA DE PE. VIEIRA -Precisão semântica; -Rigor no amarro sintático; -Conceito sintetizador como conceito; -Construções anafóricas; -Enumeração, adição ou acumulação de palavras; -Técnica de repetição da linguagem (iterativa); -Persuasão eficaz; -Propensão ao lúdico. As 10 partes do sermão: Parte I: Dois tipos de pregadores: os que ficam no Paço e os que saem, os missionários. Apresenta o tema: “A semente é a palavra de divina” (S.Lucas VIII, 11). Lança-se um desafio: “E se quisesse Deus que este tão ilustre e tão numeroso auditório saísse hoje tão desenganado da pregação, como vem enganado com o pregador!” Estabelece-se uma relação de semelhança entre o pregar e o semear. Jogo entre os pregadores que saem para pregar e os que ficam. Crítica e advertência assumida pelo sermão visível nesse princípio. Questiona-se a perseverança do pregador, seu compromisso com a “semeadura” da palavra divina. Parte II: Desenvolvimento da metáfora da sementeira; os caminhos são os corações preocupados com as coisas que passam no mundo; a terra boa são os corações onde frutifica a palavra de Deus. Recurso: levantamento de dúvidas que serão prontamente resolvidas, sem dar ao ouvinte tempo necessário para elucidar a questão. Parte III: Questionamento da não frutificação da palavra de Deus, o pregador, o ouvinte e Deus. A culpa recairá no pregador. Alegorias: Luz, olhos e espelho. Deus seria a luz (mensagem), o ouvinte seria os olhos (receptor) e o pregador seria o espelho (emissor). Recorre-se a um argumento de autoridade, cita-se o Concílio de Trento. Parte IV: A pessoa Proposta de analisar os 5 elementos que compõem o pregador: a pessoa, a ciência, a matéria, o estilo e a voz. Análise da pessoa do pregador. Os desenlaces deste e dos próximos 4 capítulos têm em comum o fato de Vieira descartar tais aspectos como principal causa de não frutificação da palavra de Deus. A palavra divina só é divina se vier acompanhada de obras que justifiquem sua condição: “nossa alma rende-se muito mais pelos olhos que pelos ouvidos” (apelo sensorial) Recorre a mais um exemplo de autoridade, ao invocar S. João Batista e o Evangelho de Mateus: “Homens fazei penitência”. (Mt 3:2) Parte V – O estilo Questionamento do estilo usado na época. Crítica ao cultismo (ataque violento e irônico ao estilo). O estilo deve ser o mais natural possível e eliminar excessos e efeitos artificiais. Parte VI: o assunto Questionamento da matéria; a busca da unidade do sermão. Interessante observar a metáfora da nau com cinco bordos em analogia ao sermão com muitos assuntos, levando o pregador a concluir que no púlpito se trabalha muito, mas se navega tão pouco. - raiz, tronco, ramos, folhas, varas, flores e frutos. (gradação que se alinha e são “recolhidas” no final) Parte VII: a ciência Questionamento da ciência do pregador; a falta de originalidade, o pregador que recorre a palavras alheias. Aqui, destaca-se a originalidade da frase de cunho cultista alusiva à inspiração do espírito Santo e á originalidade dos apóstolos; “As penas todas eram tiradas das assas daquela pomba divida, mas o estilo tão diverso, tão particular e tão próprio de cada um...” Saber que orienta a argumentação. Exemplos usados: helênico e pagão (Aquiles) e outros retirados da tradição judaico-cristão(Davi e Saul). Parte VIII: a voz Questionamento da voz e conclusão de que esse não é o defeito principal. Parte IX: Descartadas as principais causas (pessoa, estilo, matérias, ciência e voz), Vieira questiona o sentido das palavras usadas, interpretações equivocadas das escrituras. Emprego distorcido das palavras da Bíblia. Comparação entre a pregação e as comédias clássicas. Acusação violenta aos maus pregadores que se desviam do decora e se preocupam primeiramente em agradas aos ouvintes com seus dotes oratórios. Parte X: A função do pregador é a de inquietar e perturbar o ouvinte, que não pode simplesmente sair da prédica admirando as ricas palavras do orador. Exortação à prática cristã, combate aos vícios. Crença na palavra de Deus, que há de dar muitos frutos. Vieira adverte que o pregador não deve se preocupar com o gosto do ouvinte, senão com a sua persuasão. OBS: Recursos retóricos: Uso de epífrase, figura retórica que consiste “na ampliação das ideias acessórias ou componentes de um período, mediante junção de um ou mais membros nesse período”. Torna o texto polifônico e metalinguístico. No uso de metalinguagem o orador explicita a presença da linguagem figurada: “porém o que nos negou o Evangelho no semeador metafórico, nos deu no semeador verdadeiro, que é Cristo.” As metáforas são arrojadas, e vêm de forma reiterada, como no trecho: “haviam de achar homens homens, haviam de achar homens brutos, haviam de achar homens troncos, haviam de achar homens pedras.” Atente como os substantivos foram usados como adjetivos. O raciocínio, a partir da rede metafórica botânica, valoriza a repetição, o ritmo, os recursos fônicos, estabelecendo, com efeito, uma escritura poética. Recorre-se à intertextualidade bíblica e diz que: Moisés tinha voz fraca, Amós tinha estilo rude, Salomão multiplicava seus assuntos, Balaão não tinha ciência. Busca também fontes clássicas, citando autores das comédias antigas, como Plauto, Terêncio e Sêneca. Compara os maus pregadores com os autores de farsas, formas grotescas das comédias. O raciocínio do pregador (Veira) parte da parábola do semeador, submetendo a metáfora a diversas variações, dentro do universo botânico.