GESTÃO DE RESÍDUOS QUÍMICOS E BIOLÓGICOS GERADOS NO LABORATÓRIO DE ANÁLISES MICOTOXICOLÓGICAS (LAMIC) DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA - RS Carlos Alberto Ferreira Rino(1) Engenheiro Químico (UNICAMP, 1990). Mestre em Engenharia Química (UNICAMP, 1996). Especialista em Engenharia de Controle da Poluição (USP, 1999), Gestão Ambiental (USP, 2000) e Engenharia de Saneamento Básico (UFSCar, 2001). Engenheiro de Meio Ambiente da Petrobras – RPBC. Diretor da empresa V.C. Treinamento, Consultoria e Projetos Ambientais S/C Ltda. Presidente do IBEAS – Instituto Brasileiro de Estudos Ambientais e de Saneamento. Sílvia Regina Sargenti Universidade Federal de Santa Maria João Sérgio Cordeiro Universidade Federal de São Carlos Carlos Augusto Mallmann Universidade Federal de Santa Maria Endereço(1): Rua Dr. Fuas de Mattos Sabino 15-70, CEP 17.017-332, Bauru/SP - Tel: (14) 3227-3671 - e-mail: [email protected] RESUMO O laboratório de análises micotoxicológicas (LAMIC) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) atende diversas empresas e órgãos governamentais, realizando o controle de grãos, tecidos animais e laticínios para verificar a presença de toxinas, garantindo a qualidade dos alimentos consumidos por todos os brasileiros. Também são realizadas no mesmo laboratório, pesquisas básicas com animais de corte, principalmente aves, para investigação dos danos causados por estas toxinas quando agregadas na ração. No entanto, com o constante crescimento do número de análises, tornou-se necessário criar um programa de gerenciamento para os resíduos químicos e biológicos gerados nas rotinas de trabalho do laboratório. Assim, os materiais estocados há tempos na unidade (passivos) foram rastreados a fim de fornecer alguma informação para descarte e destino final e as principais correntes de resíduos na geração contínua (ativos) foram identificadas e segregadas por classes e semelhanças. Foram então propostos tratamentos antes do descarte para aquelas que poderiam ser descartadas diretamente na pia ou lixo doméstico e mecanismos seguros para passivação e/ou disposição final para aqueles produtos que possam impactar o meio ambiente. Também foram feitas propostas para minimização na geração destes resíduos, tal como o reúso de alguns materiais. Como resultado deste trabalho criou-se uma visão mais consciente do compromisso moral do laboratório para com a sociedade, onde o tratamento e disposição final dos resíduos serão feitos de forma consciente e compromissada, gerando uma minimização do impacto ambiental. PALAVRAS-CHAVE: Resíduos de serviços de saúde, Resíduos químicos e biológicos, Gestão ambiental, Laboratório de Micotoxicologia. INTRODUÇÃO Em 1972, na Conferência Mundial das Nações Unidas sobre Meio Ambiente, realizada em Estocolmo (Suécia), a segurança química foi um tema de preocupação internacional. Vinte anos depois, na Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), realizada no Brasil, criou-se a Agenda 21. Nesta, encontrase o Capítulo 19, exclusivamente dedicado ao tema da segurança química, onde são apontados os problemas de poluição química em grande escala, reconhecendo ser a situação mais grave nos países em industrialização por conta de dois fatores: (1) a falta de dados científicos para avaliar os riscos inerentes à utilização de vários produtos químicos e; (2) a falta de recursos para avaliar os produtos químicos para os quais já se dispõe de dados. O crescimento das quantidades de produtos químicos produzidos tem alterado a composição química das águas, solo, atmosfera e sistemas biológicos do planeta, colocando em perigo não só o bem-estar, mas também a sobrevivência do planeta (FREITAS et al, 2002). A geração de resíduos nas universidades é pouco discutida no Brasil e nos países da América Latina. Pequenos geradores de resíduos, tais como instituições de ensino e pesquisa, laboratórios de análises bioquímicas e físicoquímicas, normalmente são considerados pelos órgãos fiscalizadores como atividades não impactantes, sendo, portanto, raramente fiscalizados. Levando-se em conta o grande número de pequenos geradores de resíduos existentes, e que os resíduos por eles gerados são de natureza variada, incluindo metais pesados, solventes halogenados, radioisótopos e material infectante, a afirmação de que estas atividades dispensam um programa de gerenciamento de resíduos é falsa (JARDIM, 2005). Universidades e centros de pesquisa devem, portanto, se empenhar no estabelecimento de programas gerenciais, uma vez que a composição dos resíduos de laboratório costuma ser tão variada quanto às áreas de pesquisa em que eles são produzidos (QUÍMICA/UFPr, 2005). No departamento de medicina veterinária no campus da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), encontra-se o Laboratório de Análises Micotoxicológicas (LAMIC) destinado aos estudos e análises de micotoxinas em alimentos. OBJETIVOS Este trabalho tem como objetivo apresentar o modelo de gestão dos resíduos químicos e biológicos produzidos no LAMIC. E tem como objetivos específicos: Identificar, segregar e propor destino final aos resíduos, conforme sua classificação. Identificar e propor destino final a todo produto sem especificação, com datas de validade vencidas ou sem uso. Propor tratamento a resíduos que possam ser descartados diretamente nos corpos d´água receptores ou sistema de coleta de lixo doméstico. Propor a minimização ou troca do uso de reagentes por outros menos impactantes, além do reciclo e/ou reúso de alguns reagentes e materiais de trabalho. METODOLOGIA Para o sucesso de qualquer programa de gerenciamento de resíduos é importante o compromisso explícito da unidade geradora, bem como o engajamento do pessoal envolvido. Deve-se ressaltar que um programa desta natureza sempre demanda recursos financeiros tanto na fase inicial, como na sua manutenção. A seguir, estão listados os itens que foram seguidos para o gerenciamento de resíduos gerados no LAMIC: • Inventário do Passivo; • Identificação dos diferentes tipos de resíduos; • Inventário do Ativo; • Otimização da unidade geradora; • Minimização de resíduos; • Substituição de reagentes e mudanças nos procedimentos; • Reúso; • Reciclagem; • Manutenção do resíduo produzido na forma mais passível de tratamento; • Tratamento e disposição final de resíduos. RESULTADOS No laboratório não existe um almoxarifado e nem um sistema de armazenamento de produtos químicos por classe de produtos, como em um laboratório de química usual. Isto dificultou a identificação dos produtos químicos presentes no laboratório. A segregação dos resíduos líquidos gerados na rotina, embora existente, também não segregava os produtos por classes. Não existia política para descarte de resíduos ácidos e básicos gerados em pequenas quantidades e nem descarte de material de vidro quebrado que era descartado diretamente no lixo comum. No entanto, já existia no laboratório a consciência de tratamento de resíduos gerados em grande quantidade e segregação e envio para tratamento daqueles que não poderiam ser tratados dentro da própria unidade. Identificação dos resíduos Passivos Poucos passivos foram encontrados no laboratório, talvez devido à reorganização que o mesmo sofreu durante o processo de implantação do sistema de qualidade total para implantação da ISO 17025. A tabela 1 lista os passivos encontrados e a Figura 1 dá uma idéia do sótão onde encontram-se a maioria destes passivos. Tabela 1: Listagem dos passivos encontrados no LAMIC. Descrição Geral Materiais elétricos informática Descrição específica e Cabos de rede de Cabos coaxiais Conexões e fios Lâmpadas Sonicador (1) Moedores (2) Balança (1) Manta de aquecimento(1) Equipamentos quebrados ou Liquidificador(1) fora de uso Suporte para amostras(1) Câmara de UV (1) Botijão vazio com maçarico (1) Peças de reposição para HPLC quebradas Papéis, papelão e afins Arquivo morto Materiais de aulas Cartazes de congressos Materiais gráficos Caixas de papelão Caixas com isopor Caixas com enfeites de natal Restos de soluções Substâncias químicas vencidas Restos de soluções de padrões Bentonita Substâncias químicas ou afins Celite Ração Cilindro com clorodifluormetano Adsorvente Acetonitrila Vidrarias fora de uso Outros Sistema de destilação, balões, etc. Caixas com materiais diversos Prateleira de metal Descanso de braços Cadeiras Localização Sótão e gavetas da sala de cromatografia Sótão e gavetas da sala de cromatografia Sótão Freezer, sótão Sótão Sótão Figura 1: Vista parcial do sótão. Ativos Na rotina de trabalho de preparação, extração e análise dos alimentos, os principais resíduos gerados são: papel, caixas de papelão e sacos plásticos que acondicionam as amostras analisadas, restos de amostras de alimentos moídas, frascos vazios de solventes, misturas de solventes geradas durante o processo de extração, papel de filtro com restos de amostras e solventes, misturas de solventes geradas nos processos de análises via cromatógrafos líquidos, luvas e máscaras descartáveis e solução de hidróxido de sódio e etanol usados nos processos de descontaminação das vidrarias e aparatos. As figuras 2 e 3 mostram estes resíduos. A Tabela 2 mostra a média das quantidades geradas destes resíduos diariamente. Figura 2: Embalagens dos alimentos recebidos para análise. Figura 3: Frascos vazios de solventes orgânicos. Tabela 2: Média da produção diária de resíduos na rotina de análise de amostras. DESCRIÇÃO PRODUÇÃO DIÁRIA Embalagens 3 Kg Restos de alimentos 30-50 Kg Mistura de solventes 10 L Papel de filtro com restos de alimentos e solventes 1 Kg Frascos vazios de solventes 6 Un Solução de hidróxido de sódio para 25 L descontaminação Álcool comercial 1,5 L Na rotina de trabalho dos experimentos com animais, os principais resíduos gerados são fezes de animais, penas, carcaças, sangue, materiais sujos de sangue, luvas e máscaras descartáveis. Estes experimentos são feitos a cada 2 meses (figura 4). Já para a produção de fungos e toxinas os resíduos gerados são: meios de cultura, gazes, algodão, mosto e resto de alimentos (figura 5). Figura 4: Resíduos gerados nos experimentos com animais: carcaça com penas. A B Figura 5: Resíduos gerados nos experimentos de produção de toxinas. a) Algodão, meio de cultura líquido e amostra e b) Meio de cultura e amostra. Segregação de resíduos A segregação de resíduos deve ser feita no mesmo local em que forem produzidos, levando em conta as suas características: - sólidos, líquidos ou gasosos; - meia vida curta ou longa (T1/2 > 60 dias); - compactáveis ou não compactáveis; - orgânicos ou inorgânicos; - putrescíveis ou patogênicos, se for o caso; - outras características perigosas (explosividade, combustibilidade, inflamabilidade, piroforicidade, corrosividade e toxicidade química). Armazenamento de resíduos no laboratório São armazenados nos laboratórios os resíduos passíveis de tratamento/destruição (exceto solventes a recuperar). Por questões de segurança, recomenda-se não acumular grandes quantidades de resíduos no laboratório. Quanto à rotulagem, propõe-se uma rotulagem de identificação, conforme processo de rotulagem denominado “Diagrama de Hommel”, modificado para utilização em resíduos químicos (MCA, 1980). Assim, o resíduo será classificado de acordo com seu grau de risco à saúde, inflamabilidade e reatividade (Figura 6). Figura 6: Diagrama de Hommel. Tratamento de resíduos Foram selecionados os compostos que podem ser descartados diretamente na pia, os que podem ser descartados diretamente no lixo e materiais que devem ser autoclavados antes do descarte. No LAMIC, somente as soluções de hidróxido de sódio (0,05%) usadas para a destruição das micotoxinas são descartadas diretamente na pia (figura 7), após neutralização com ácido clorídrico, conforme descrito no POP 06 (LAMIC, 2005a). Também são descartados diretamente, restos de alimentos durante a lavagem dos moedores, por serem estes considerados assemelhados aos resíduos domésticos. Figura 7: Solução de hidróxido de sódio utilizada para descontaminação de material utilizado no preparo e análise de amostras. Alguns compostos que podem ser descartados no lixo: * Orgânicos: açúcares, amido, aminoácidos e sais de ocorrência natural ácido cítrico e seus sais (Na, K, Mg, Ca, NH4); ácido lático e seus sais (Na, K, Mg, Ca, NH4). * Inorgânicos: Sulfatos, fosfatos, carbonatos: Na, K, Mg, Ca, Sr, Ba, NH4, Óxidos: B, Mg, Ca, Sr, Al, Si, Ti, Mn, Fe, Co, Cu, Zn, Cloretos: Na, K, Mg, Fluoretos: Ca, Boratos: Na, K, Mg, Ca. * Outros materiais de laboratório não contaminados com produtos químicos perigosos: adsorventes cromatográficos: sílica, alumina, etc, material de vidro, papel de filtro, luvas e outros materiais descartáveis Assim, restos de alimentos, papel de filtro com restos de alimentos e fases estacionárias usadas nos cartuchos , após adição de adsorventes para destruição de micotoxinas são descartados diretamente no lixo, onde a quantidade de adsorvente adicionada por quantidade de produto está descrita no POP 13 (LAMIC, 2005 b). Também são descartados luvas e materiais descartáveis não contaminados e todo material de embalagem (papelão, sacos plásticos, lacres, etc.). Materiais que devem ser autoclavados antes do descarte: Os materiais utilizados na produção de micotoxinas, tais como: gazes, algodão e meios de cultura, são autoclavados antes do descarte, conforme mostrado na figura 8. Figura 8: Autoclavagem de materiais utilizados na produção de micotoxinas. Minimização de resíduos Quanto à minimização dos resíduos, a proposta atual do laboratório é o reúso de alguns materiais. Os materiais que são reusados são: ponteiras de pipeta, vials, tampas e septos para cromatografia, corpo de cartuchos e fritas, cartuchos de imunoafinidade. Lavagem e descontaminação de ponteiras, vials, tampas, septos e corpo de cartuchos e lavagem e desontaminação de fritas: A lavagem destes materiais é feita seguindo os passos preconizados no POP 06 e escrita de forma resumida abaixo: Imersão em solução de hidróxido de sódio 0,1 % por no mínimo 24 h em banho de ultrasom para destruição das micotoxinas (figura 9). Lavagem com água e detergente, enxágüe com água, água deionizada e etanol comercial. Secagem em estufa a 60oC. Figura 9: Lavagem e descontaminação de ponteiras de pipetas e corpo de cartuchos. Lavagem e descontaminação de fritas: A fritas são lavadas conforme o procedimento descrito no POP 06 : - Imersão em solução de hipoclorito de sódio 1 % e sonicação por 48 horas. - Enxágüe com água, no mínimo 3 vezes e imersão em água com sonicação por 5 minutos. - Imersão em etanol comercial e sonicação por 5 minutos. - Lavagem com água deionizada e secagem em estufa a 55-65oC. Lavagem e recuperação de cartuchos de imunoafinidade: Os cartuchos de imunoafinidade são utilizados para concentrar as fumonisinas B1 e B2, após a recuperação das fumoninisas, o cartucho é lavado com água, seguido por solução de acetonitrila/água (7:3) e guardado para reuso. Este cartucho pode ser reusado por 3-5 vezes e depois sua fase sólida é descartada e o corpo de cartucho e as fritas são lavados como descrito anteriormente. O POP 30 (LAMIC, 2004) descreve o procedimento de lavagem do cartucho para reúso. CONCLUSÕES E SUGESTÕES Os passivos encontrados no LAMIC não são considerados perigosos, pois na sua maioria são constituídos por equipamentos quebrados ou fora de uso, e materiais eletrônicos ou de escritório. Os ativos já faziam parte de uma política de tratamento, segregação e destinação, embora necessitando de alguma orientação no modo correto de segregação e destinação, o que foi obtido com este trabalho. A conscientização sobre o não descarte diretamente na pia, a segregação, o reúso e o pré-tratamento antes do descarte já existia, embora não fosse explicitamente explicado à equipe a importância desta conscientização, o que ocorreu na etapa de desenvolvimento deste trabalho. A partir deste trabalho, espera-se que o almoxarifado seja construído e organizado, propõe-se a organização da sala de estoque conforme as compatibilidades químicas e o monitoramento dos compostos halogenados. Um programa de gestão de resíduos não é uma atividade que envolve apenas algumas pessoas da unidade geradora, mas toda a equipe e seu sucesso dependem de todos. Este é um compromisso que a universidade como formadora de mão de obra especializada deve ter com a sociedade. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS FREITAS, C. M. de, et al. Segurança química, saúde e ambiente: perspectivas para a governança no contexto brasileiro. Cad. Saúde Pública, vol.18, no.1, p.249-256, 2002. JARDIM, W. F. Gerenciamento de Resíduos Químicos. Disponível em: <http://lqa.iqm.unicamp.br/pdf/livrocap11.pdf>. Acesso em: 04/01/2005. LAMIC – Laboratório de Análises Micotoxicológicas – POP 06: Descontaminação e lavagem de materiais e vidrarias. 5a revisão, p 1-3, 2005a. LAMIC – Laboratório de Análises Micotoxicológicas – POP 13: Armazenagem da amostra. 4a revisão, p 1-3, 2005b. LAMIC – Laboratório de Análises Micotoxicológicas – POP 30: Purificação do extrato e análise das fumonisinas B1 e B2, utilizando o cromatógrafo HP1100. Item 3.1.2, pg 2, 2004. MCA - Manufacturing Chemists Association; Guia para rotulagem preventiva de produtos químicos perigosos. Fundacentro: São Paulo, 1980, 76. QUIMICA/UFPr. Gerenciamento de Resíduos Químicos em laboratórios de Ensino e Pesquisa. Disponível em: <http://www.quimica.ufpr.br/~tecnotrat/gerenciamentoresiduos.htm>. Acesso em: 16/02/1005.