A GRANDE CICATRIZ SOBRE AS ÁGUAS DA BAÍA DE TODOS OS SANTOS: ELEMENTOS PARA DISCUSSÃO José Augusto Saraiva Peixoto Professor do Centro Universitário Jorge Amado – UNIJORGE, Mestre em Engenharia Ambiental Urbana pela UFBA, integrante do GRAU – Grupo de Risco Ambiental e Urbano da UFBA e do GERMEN – Grupo de Defesa e Promoção Socioambiental. [email protected] RESUMO Uma ponte sobre a Baía de Todos os Santos (BTS) passará a ser um novo elemento no seu conjunto cênico podendo formar uma cicatriz de ampla extensão, marcando para sempre a sua paisagem, com modificações nas suas perspectivas, visuais e pontos de fuga. Pela dimensão do empreendimento ocorrerão interferências e direcionamentos no planejamento e na dinâmica do ordenamento territorial regional. Com a ligação física entre os lados leste e oeste, poderá facilitar e intensificar novos fluxos migratórios, ampliando conflitos socioambientais existentes. Esta macroestrutura será também considerada um marco referencial espacial e temporal: haverá o Antes e o Depois da Ponte (AP e DP). Assim, longe de querer atrapalhar sua concepção, as nossas expectativas são, de lutar para, entre outros fatores, que se prevalença uma boa unidade visual e estética nesse monumento de perspectivas colossais. Em outras palavras, este artigo propõe uma análise espacial das características e atribuições do referido complexo viário, enquanto intrusão visual, propondo que este seja abrangente, multimodal (intervenção rodoferroviária) e com beleza cênica integrada à configuração espacial, modelagem e potencialidades cênicas da BTS, que requer cuidados especiais, e seja fruto de um concurso de ideias que contemple amplos e profundos conhecimentos consistentes e com ênfase nas características funcionais e estéticas peculiares do lócus patrimonial (ambiente natural e construído) do povo baiano. PALAVRAS-CHAVE: Baía de Todos os Santos, riscos ambientais e urbanos, paisagem e cenários, patrimônio ambiental, intrusão visual. Introdução Este trabalho visa incentivar a troca de experiências e contribuir com a busca de uma gestão inclusiva com prática mais participativa, através de desafios socioambientais na grande área protegida que é a larga, ampla e profunda Baía de Todos os Santos (BTS), enquanto Unidade de Conservação (UC) e pertencente à Zona Costeira brasileira, patrimônio nacional, de acordo com a Constituição Federal (CF, 1988), área prioritária para a conservação da biodiversidade. Conforme o Artigo 225 da CF: Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. A BTS foi batizada com esse nome pela antiga Corôa Portuguesa, pois fora encontrada pelo “Velho Mundo” em 1º de novembro de 1501 (Dia de Todos os Santos). Em 5 de abril de 1989 torna-se Patrimônio Estadual, ambiental (natural e cultural), conforme o inciso V do art.216 da Constituição do Estado e suas águas passaram a ser Área de Proteção Ambiental (APA/BTS) pelo Decreto Estadual nº 7.595, de 5 de junho de 1999. A construção de uma ponte sobre o corpo hídrico deste acidente geográfico de extraordinária beleza, um bem coletivo repleto de valores e interesses difusos, que confere naturalidade aos baianos requer, pela sua relevância, um aprofundado e amplo debate público, pelas modificações nas suas perspectivas, visuais, imagens cênicas e pontos de fuga. Portanto, deverão ser estabelecidos exames minuciosos, sobre os desafios (sociais e ambientais), enfrentamentos, oportunidades e possíveis implicações. Vários questionamentos já foram estabelecidos sobre o mega empreendimento em discussões promovidas pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Bahia (FAU-UFBA). Vários debates e textos foram articulados, realizados e elaborados em conjunto com diversas instituições e entidades da sociedade civil organizada e movimentos sociais e populares, provocando embates sobre sua necessidade e os impactos socioambientais atinentes à toda a Rede Urbana da Região Metropolitana de Salvador, em busca do aprofundamento dos seus direitos de cidadania e do tão propalado dinamismo para o desenvolvimento sustentável. O fato é que, pela dimensão do empreendimento proposto, após essa grande intervenção cirúrgica interurbana, ocorrerão interferências e direcionamentos no planejamento e na dinâmica do ordenamento territorial em boa parte da metrópole. Dessa forma, a ligação física entre os lados leste e oeste da BTS poderá facilitar a intensificação de novos fluxos migratórios, ampliando conflitos, socioambientais existentes, a exemplo de: uso e ocupação do solo, sobretudo em áreas de preservação permanente; lançamento de efluentes domésticos e industriais; disposição inadequada de resíduos sólidos ao longo das margens, ilhas e arredeores. Tudo isso poderá ocorrer, além de dinamizar diversas atividades sócio-econômicas impactantes, potencilizando riscos urbanos-ambientais no vulnerável e ameaçado Recôncavo Baiano. Com esta conexão inter-regional de duas estradas federais: BR-101Sul e BR-324 (Salvador - Feira de Santana), acentua-se a convergência de veículos (de passeio e de carga) para o Centro Antigo de Salvador, na zona urbana do seu território municipal, podendo congestionar de modo irreversível a mobilidade da Capital do Estado. Desse modo, esse processo cicatricial de origem antropogência, ao ser concebido para ser incrustado no mosaico heterogêneo e diversificado das unidades de paisagem da BTS, deverá, enquanto longo caminho a ser percorrido, ser estabelecido enquanto aportes licitatórios de concorrência pública, no mínimo de abrangência nacional. Isto se justifica pela importância histórica (palco de diversos eventos) que esse acidente geográfico e sua ambiência têm para o mundo das navegações, das interconexões oceânicas e para a naturalidade do povo baiano. Em seguida, em se tratando de definição enquanto obra de parceria públicoprivada advinda do intelecto e do fenômeno humano sobre o ambiente natural, a sociedade baiana e o Conselho Gestor da APA BTS devem interceder, provocar e pressionar os poderes públicos sobre a máxima mitigação possível dos impactos territorias. Devem ser questionados e se buscar soluções para os efeitos colaterais, negativos e adversos relevantes que ocorrerão, como a magnânima intrusão visual que modificará, para sempre e de forma irreversível, sua paisagem e o equilíbrio deste cenário panorâmico milenar, desde os idos da Quirimurê dos Tupinambá e de ancestrais povoamentos humanos na região e neste lugar específico. Esta macro-estrutura será também considerada um marco referencial espacial e temporal: haverá o Antes e o Depois da Ponte (AP e DP), geradoras de mudanças significativas, com ações complexas e de diversas ordens, em toda a região. Assim, longe de querer atrapalhar sua concepção, as nossas expectativas são, de lutar para, entre outros fatores, que se prevalença uma boa unidade visual e estética nesse monumento de perspectivas colossais. Em outras palavras, este artigo propõe uma análise espacial das características e atribuições do referido complexo viário, enquanto intrusão visual. É fundamental que o empreendimento seja abrangente, multimodal (intervenção rodoferroviária) e com beleza cênica integrada à configuração espacial, modelagem e potencialidades cênicas da BTS. Desse modo, requer cuidados especiais, sendo, portanto, fruto de um concurso de ideias que contemple amplos e profundos conhecimentos consistentes e com ênfase nas características funcionais e estéticas peculiares do lócus patrimonial (ambiente natural e construído) do povo baiano. Assim, de acordo com a Lei Federal nº 6938, de 31 de agosto de 1981, que institui a Política Nacional de Meio Ambiente , deve-se promover a conciliação entre os impactos do grande empreendimento, não somente na estrutura aéreo-portante propriamente dita, mas sobretudo nos que serão gerados nas cabeceiras e instalações de apoio, a exemplo de futuras praças de pedágios e deslocamento de populações e adensamento para polos de atração com a abertura de novas fronteiras para a urbanização. Desse modo, para o licenciamento ambiental desse empreendimento é fundamental que se estabeleça a condição da Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) no planejamento gestão ambietnal e econômica da BTS, incluindo sua capacidade de suporte, em conformidade com o Art 9º da referida Lei Federal. De todo modo, antes de qualquer pretensão, haverá a necessidade da plena definição do Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) ou Zoneamento Ambiental e a fundamental elaboração do Plano de Manejo da Área de Proteção Ambiental da Baía de Todos os Santos (APA/BTS), de forma participativa, plural e democrática, com práticas interativas e dialógicas, buscando a reparação e a dignidade desse Território de Identidade e Cidadania. Assim, considerando a percepção pública, pressões sociais precisam ser implementadas ou continuar sendo estabelecidas, exigindo das autoridades, ao menos, o cumprimento da legislação vigente. Deve-se buscar a inclusão social nas esferas de tomada de decisão, construindo uma posição tecnicamente embasada, com independência, internalizando e socializando as diretrizes consensuadas, contribuindo com o avanço da cidadania, na mitigação de tensores socioambientais. 1- Impactos Socioambientais Diversos impactos aos meios (natural, físico e antrópico), notadamente os socioambientais, poderão advir com este mega empreendimento, desde os iniciais, no tocante à desapropriação de áreas para a montagem dos canteiros da obra, até, quando da implantação, com aterramento e docagem no mar, obtaculação física, desenrocamento e explosões para a locação e construção das fundações e pilares. Em relação aos impactos em Unidades de Conservação criadas, como a Reserva Florestal e Parque Ecológico da ilha de Itaparica, a APA municipal do Recife das Pinaúnas e o Parque Ecológico do Baiacu, observa-se a possibilidade de intensificar conflitos socioambientais, com a ampliação da ocupação em zonais mais sensíveis. As Áreas de Preservação Permanente (APP), como os manguezais poderão sofrer com o adensamento populacional. Também modificações no comportamento dos animais marinhos poderão vir a ocorrer com o sombreamento gerado pelos vãos (efeito sombra das estruturas de suporte, durante o dia) e a iluminação noturna, em toda a sua extensão, com pavimento e eixo viário de mais de 13 km, com cinco faixas de rolamento em cada sentido. Dessa forma, nessas circunstâncias poderá acarretar e propiciar o afugentamento de cetáceos e outros mamíferos marinhos, que freqüentam as águas da BTS, como os golfinhos (sotália guianenses), além de desorientar peixes (cardumes de tainhas, vermelhos, dentre outras espécies) e demais componentes da biota aquática, a exemplo de quelônios, como as tartarugas, contribuindo para alterações nas condições de sobrevivência e na manutenção da biodiversidade. Além de tudo isso, possíveis engarrafamentos, gerados nas interseções das cabeceiras e outros pontos críticos de afluência de tráfego, provocadores de poluição (atmosférica e sonora), que também para os usuários humanos gera desconforto, com irritabilidade, incômodo e mais demanda para o consumo de energia, com aumento dos custos da viagem. É sempre bom lembrar que a ponte, seu complexo viário e fluxo de veículos interferirão em toda a região, com a conexão entre as duas rodovias federais citadas, necessitando, pois, de diversos elementos construtivos, como viadutos, passagem de níveis, acessos em declives e aclives, passarelas, praças de pedágio, dentre outros. No entanto, este trabalho restringe-se apenas aos impactos gerados à paisagem cênica, no tocante à infra e a superestrutura viária (rodo-ferro) e a necessidade de serem construídas novas interseções em desnível. Desse modo, encontram-se, a seguir, algumas preocupações que precisam ser levantadas para a reflexão e discussão, sobretudo quando implicar em legislação urbanística contemporânea, como o Estatuto da Cidade (Lei Federal nº 10.257, de 10 de julho de 2001), com instrumentos previstos, a exemplo do Estudo de Impacto de Vizinhança, no que tange à busca por cidades sustentáveis. 1.1 - Intrusão Visual A introdução de novos elementos à paisagem decorrentes da implantação de uma ponte sobre a BTS poderá vir a ser gerador, ad eterno, de vertiginosa intrusão e obstrução visual, interferindo no equilíbrio e beleza do cenário, provocando desconforto visual e contribuindo com o seu desfigurar, devido a sua magnitude e escala arquitetônica monumental. Os componentes desta intrusão, provisórios ou permanentes, alterarão definitivamente o equilíbrio e os valores estéticos e a percepção visual deste belíssimo cenário paisagístico e espaço geográfico, em seus aspectos geomorfológicos e insulares, “desde que este mundo é mundo”. A BTS é patrimônio natural do Estado da Bahia desde a promulgação de nossa atual Constituição, contendo todas os seus rincões, as suas persperctivas e visuais cênicos peculiares. Segundo GRIFFTH (1995) apud RODRIGUES (2009): “a história de um lugar, sua diversidade ecológica e seus atributos naturais devem ser objetos de ações controladas de manejo sustentável, buscando sua maior integridade ambiental dentro de um cenário atual e futuro”. Desse modo, a ponte será um elemento gerador de grande impacto visual, com sérias ameaças (riscos externos) na maculação de sua imagem vulnerável (riscos internos), conforme SARAIVA PEIXOTO (2008), dependendo do grau de suscetibilidade, fragilidade e capacidade de suporte. Assim, o processo de licitação e concorrência pública para o empreendimento deverá ser de âmbito internacional, no mínimo nacional, haja vista que interferirá definitivamente na paisagem e nas intrínsecas e atávicas relações sócio-antrópicas do nosso povo. Portanto, deverá indicar soluções plásticas com elementos esteticamente adequados, agradáveis, coerentes e que sejam de bom senso e do interesse da maioria dos baianos e visitantes e que propiciem o menor impacto e questionamentos, evitandose a degradação e o caos do lugar, território de rara beleza. 1.2 - Patrimônio Cultural da Humanidade A UNESCO em 1985 reconheceu o Centro Histórico de Salvador como Patrimônio Cultural da Humanidade. Esta área da capital baiana, atualmente incorporada ao chamado Centro Antigo de Salvador (CAS), é formada por um monumental, belíssimo e relevante acervo arquitetônico e cultural, que inclui também algumas comunidades de baixa renda, notadamente ocupando áreas de risco geomorfológico, nas íngremes encostas e em parte da majestosa escarpa, conhecida nos meios técnicos com a Falha [Geológica] de Salvador. Esta ocorrência natural, com desnível médio de 80 m acompanha, em paralelo, boa parte da borda natural da BTS, configurando e delimitando a nítida separação entre a Cidade Alta e a Cidade Baixa. Desse modo, mais um motivo para que esse organismo internacional seja consultado no que tange aos impactos (sociais, ambientais e econômicos) gerados pelo empreendimento, além de ameaças sobre a imagem da cidade e do sítio monumental de importância mundial, essência da história social do nosso povo. Assim, rogam-se, urgentemente, para que os órgãos de preservação e conservação da memória histórica, como o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural (Ipac) e a Superintendência do Uso e Ocupação do Solo Urbano (Sucom/PMS), sejam provocados e se pronunciem, utilizando-se de instrumentos legais, normas técnicas de proteção e os limites estabelecidos, antes que alguma calamidade e maculação da imagem e beleza cênica da cidade ocorram. Sobre este aspecto, evidente que aqui não estamos livrando a responsabilidade das autoridades constituídas, nas três esferas de poder republicano, pelo abandono na defesa da salvaguarda e consequente deterioração física e degradação social nesse tradicional centro da cidade. Apesar dos esforços empreendidos pelos técnicos das agências e autarquias governamentais, continua lamentável o estado em que o mesmo se encontra com descaso e pouco incentivo à conservação, sobretudo pela fragrante descontinuidade do processo de recuperação, revitalização, reabilitação e requalificação do sítio tombado, permanecendo como “letra morta”. 2. Necessidade de Análise Multicritério Para o desenvolvimento dos estudos sobre a necessidade da ponte é preciso buscar, desde o início do processo, a seleção da melhor alternativa na tomada de decisão para o seu traçado, assim como na multimodalidade de usos e na viabilidade na transposição e transbordo. A análise multricritério é uma importante ferramenta no auxílio de uma rápida tomada de decisão frente aos riscos socioambientais e a possíveis efeitos ambientais adversos, sobretudo quando há objetivos e aspectos conflitantes, segundo FERREIRA e GOMES (1994) apud HOTTA (2007). Eles indicam que este tipo de análise facilita em muito quando ocorre “grande número de informações, relações e objetivos comumente presente em uma situação de decisão”. HOTTA (2007) também informa que a estrutura hierárquica em sistemas complexos, como é o caso desta ponte, possui três níveis de detalhamento: meta, critérios e alternativas, onde: “as técnicas de análise multicritério usam escalas apropriadas de medidas para ordenar alternativas com respeito aos diferentes critérios e também para medir a importância relativa dos critérios com respeito aos critérios ou objetivos mais elevados”. Em se tratando de fatores que influem na qualidade do transporte público urbano [e interurbano] que deverão trafegar sobre a citada ponte, analogamente, busca-se informações em FERRAZ e TORRES (2001) apud HOTTA (2007), nos seguintes termos e itens: acessibilidade, frequência de atendimento, tempo de viagem, lotação, confiabilidade, segurança, características dos veículos, características dos locais de parada, sistema de informações, transbordabilidade, comportamento dos operadores e estado das vias. Nesses termos, busca-se avaliar os traçados e as tecnologias mais adequadas, dentre outros fatores, utilizando-se métodos como o Analytic Hierarchy Process (AHP), visando a sustentabilidade do empreendimento, tanto sob o aspecto socioambiental, quanto socioeconômico, na eficácia e necessidade de equilíbrio financeiro para a gestão do futuro sistema operacional. Outra situação a ser perseguida é a busca pela remoção de obstáculos que possam contribuir para a diminuição ou redução das imensas desigualdades sociais e adversidades existentes no território da BTS, sobretudo na melhoria das condições de vida do povo, visando garantir um crescimento e um desenvolvimento sustentável, com a elaboração e implementação de políticas públicas inclusivistas, compensatórias e mitigadoras. Com essas medidas, busca-se fomentar o resgate da cidadania, através de mecanismos e instrumentos que possam servir e proporcionar outras melhoras em situações socioambientais adversas, despertando potencialidades existentes nas comunidades afetadas e sob sua influência, sobretudo as mais vulneráveis, que vivem em piores condições de pobreza. 3. Compensação Ambiental A BTS é uma UC, categorizado como Área de Proteção Ambiental (APA), com ambiente complexo, composto de diversificado mosaico de paisagens, submetida a diversificados mecanismos legais de proteção ambiental. Em consequência, também às exigências feitas pelos órgãos que deveriam estar regulando sua implementação. Assim, mega empreendimentos como este, que provocarão danos irreversíveis ao meio ambiente, notadamente o antrópico no que se refere à intrusão visual e interferência em sítios e monumentos tombados, precisam ser submetidos a esta legislação, como a necessária Compensação Ambiental, instituída conforme a Lei Federal nº 9.985, de 18 de julho de 2000, que criou o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza – SNUC, sendo regulamentada pelo Decreto nº 4340/2002. A Compensação Ambiental é, portanto uma obrigação legal de todos os empreendimentos causadores de significativo impacto ambiental. Desse modo, o complexo viário sobre a BTS deverá dispor de, no mínimo, 0,5% (meio por cento) dos custos totais previstos para a sua implantação, na manutenção da APA/BTS. Segundo esta Lei Federal, a BTS, caracterizada no grupo de Unidades de Uso Sustentável, como APA e de acordo com a classificação da União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN) é descrita como: “São áreas geralmente extensas, com um certo grau de ocupação humana, dotadas de atributos abióticos, bióticos, estéticos ou culturais especialmente importantes para a qualidade de vida e o bem-estar das populações humanas, e tem como objetivos básicos proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais”. 3.1 - Revegetação da Falha de Salvador Outra situação que poderá servir como contrapartida e medida mitigadora do empreendimento é a promoção de estímulos à regeneração do ambiente natural, através do plantio paisagístico com cobertura vegetal nativa, típica do bioma Mata Atlântica em partes do solo da Falha Geológica. Desse modo, haverá uma enorme contribuição na revitalização cênica da paisagem, com a instauração de processos de recuperação dessas áreas degradadas, ao longo do tempo. É fundamental que sejam desenvolvidas técnicas para esta solução paisagística com orientação e especificação técnica tanto no planejamento, quanto nas ações de execução. 3.2 - Revitalização da Zona Portuária da Cidade de Salvador Em contrapartida, devem ser estabelecidos parâmetros para um maior afluxo de recursos (financeiros, humanos e materiais) e preocupações quanto à investimentos. Necessários planos setoriais para a revitalização da borda marítima da BTS precisam ser elaborados o quanto antes, com o mínimo de impactos nas feições do modelado urbano, resgatando ao máximo a cidadania e o jeito de ser do baiano (soteropolitano). Desse modo, a segurança constitucional do cidadão pelo direito à terra e à moradia deve ser resguardado, na hora da pactuação de possíveis desapropriações. No mínimo, as comunidades afetadas e atingidas pelo empreendimento devem ser informadas e comunicadas sobre as (pré)intenções, desde a concepção inicial do projeto. 4. Os Canteiros da Obra e a Construção Propriamente Dita Devem ser planejadas ações visando tanto o desenvolvimento de áres usadas provisoriamente para os canteiros da obra e suas posteres recuperações; a construção propriamente dita e a manutenção da via, bem como seus impactos nas cercanias e áreas de influência, visando, sobretudo a conservação ambiental e a territorialidade das populações tradicionais. 5. Considerações Finais Diante desse panorama, graves e diversos são os problemas socioambientais gerados a partir do anúncio oficial da possibilidade de existir a ponte leste-oeste na BTS, a exemplo de: pressão sobre o preço das terras, sobretudo na ilha de Itaparica; ameaça à comunidades tradicionais, ao Patrimônio Cultural da Humanidade e a degradação ambiental do sistema Ferry boat. Todos esses assuntos são relevantes e, concretizando-se, extremamente prejudicial e impactante no território. Assim, é preciso, urgentemente aprofundar os questionamentos necessários com características estratégicas e desejáveis, apontando soluções viáveis. Portanto, deve-se estabelecer um posicionamento crítico nas variadas situações que caracterizam as diversas intervenções urbanas, propostas e pensadas, para este mega empreendimento, não somente nas cabeceiras da ponte, mas nos sítios, sobretudo os de interesse do patrimônio ambiental, natural e construído, em suas diversificadas vertentes (histórico, artístico, cultural, dentre outras). Também a análise multicritério deve ser estabelecida nas comunidades e localidades a serem afetadas com a intrusão visual, bem como nas existentes ao longo da via, cercanias, áreas e raio de influência, enquanto conexão entre dois eixos viários (rodovias federais) de intenso e pesado tráfego, de cargas e passageiros. Assim, os questionamentos e dúvidas devem ser debatidos e esclarecidas, respectivamente, da forma mais ampla possível, com pactuação no necessário exercício do controle social e da cidadania, visando contrapartidas e a necessária compensação ambiental e social, sobretudo quando afeta o espaço público, principalmente nos aspectos e interesses socioculturais e socioambientais comunitários e populares, a exemplo da revitalização da zona portuária e da revegetação da Falha de Salvador. Desse modo, pelo exposto, inevitavelmente, ocorrerão ajustes, adaptações e alternativas ao projeto, visando a melhoria da qualidade de vida urbana e interurbana em diversos aspectos e fatores, como localização, traçado, capacidade e nível de serviços, segurança, para satisfazer e atender, ao máximo, os interesses coletivos, para a grande maioria da sociedade nas localidades afetadas e áreas de influência Por fim, espera-se que ocorram amplos, democráticos e participativos debates ao longo de todo o processo, estabelecendo sinergia de propósitos, contribuindo com reflexões críticas sobre o papel do Conselho Gestor da APA/BTS no ordenamento e gestão do território e mobilidade urbana e regional. Que se vislumbre o empoderamento social, a mitigação das desigualdades sócio-espaciais e a descaracterização do patrimônio, em todas as suas vertentes e modalidades, a harmonia com a natureza e o respeito à cultura e arte, à história e tradição e aos saberes e fazeres do nosso povo. 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