ISSN 1413-3555 Vol. 8 No. 2004 Vol. 8, No. 3 (2004), 179-185 Rev. bras.3,fisioter. ©Revista Brasileira de Fisioterapia Torque e EMG após Lesão Muscular 179 ANÁLISE DO TORQUE ISOMÉTRICO E DA ATIVIDADE ELÉTRICA APÓS LESÃO MUSCULAR INDUZIDA POR EXERCÍCIO EXCÊNTRICO EM HUMANOS Serrão, F. V.,1 Foerster, B.,2 Pedro, V. M.,3 Tannús, A.2 e Salvini, T. F.1 1 Laboratório de Neurociências, Unidade de Plasticidade Muscular, Departamento de Fisioterapia, Universidade Federal de São Carlos, UFSCar, São Carlos 2 Grupo de Ressonância Magnética, Instituto de Física de São Carlos, Universidade de São Paulo, USP, São Carlos 3 Laboratório de Avaliação e Intervenção em Ortopedia e Traumatologia, Departamento de Fisioterapia, Universidade Federal de São Carlos, UFSCar, São Carlos Correspondência para: Tânia de Fátima Salvini, Departamento de Fisioterapia, Laboratório de Neurociências, Unidade de Plasticidade Muscular, Universidade Federal de São Carlos, UFSCar, Rod. Washington Luís, km 235, CEP 13565-905, São Carlos, SP, Brasil, e-mail: [email protected] Recebido em: 25/11/2003 – Aceito em: 9/6/2004 RESUMO Este estudo avaliou e relacionou as alterações funcionais do músculo quadríceps femoral após lesão induzida pelo exercício excêntrico. O torque isométrico máximo médio desse músculo e a eletromiografia de superfície (raiz quadrada da média dos quadrados, root mean square – RMS; freqüência mediana – FM) dos músculos vasto medial oblíquo (VMO) e vasto lateral (VL) foram avaliados antes, imediatamente após e durante os 7 dias após o exercício excêntrico. As imagens de ressonância magnética nuclear (RMN) de três voluntárias foram usadas para evidenciar a presença de lesão muscular. Nove mulheres (21,7 ± 1,48 anos), sedentárias e saudáveis, foram avaliadas. A lesão foi induzida por meio de contrações isocinéticas excêntricas. O torque isométrico máximo médio e a atividade elétrica foram mensurados por meio da contração isométrica máxima com o joelho a 90º de flexão. O torque isométrico máximo médio diminuiu imediatamente após o exercício excêntrico (p < 0,01), com recuperação gradual na primeira semana. O RMS do músculo VL diminuiu imediatamente após o exercício excêntrico (p < 0,05). Por outro lado, somente no músculo VMO ocorreu aumento na FM imediatamente após o exercício excêntrico (p < 0,01). Correlação significativa foi observada entre o torque isométrico máximo médio e a FM do músculo VMO entre o 1o e 7o dia após o exercício (r = –0,32, p < 0,05). Extensas áreas de lesão no músculo quadríceps femoral foram identificadas pela RMN. Em conclusão, o exercício excêntrico diminuiu o torque isométrico máximo médio e alterou o sinal eletromiográfico, os quais se recuperaram gradualmente na primeira semana, apesar da presença de lesão muscular. Palavras-chave: lesão muscular, exercício excêntrico, EMG, torque isométrico, ressonância magnética nuclear. ABSTRACT This study evaluated and reported the functional changes of quadriceps femoris muscle after injury induced by eccentric exercise. The medium maximal isometric torque of the quadriceps femoris muscle and the surface electromyography (root mean square – RMS; median frequency – MDF) of the vastus medialis oblique (VMO) and vastus lateralis (VL) muscles were examined before, immediately after and during the 7 days after the eccentric exercise. Images from nuclear magnetic resonance (NMR) of three volunteers were used to identify muscle injury. Nine healthy and sedentary female (21.7 ± 1.48 years old) were evaluated. Injury was induced by maximal isokinetic eccentric contractions. The medium maximal isometric torque and electrical activity were measured at maximal isometric contraction at 90º knee flexion. The medium maximal isometric torque decreased immediately after the eccentric exercise (p < 0.01), with gradual recovery in one week. The RMS of the VL muscle decreased immediately after the eccentric exercise (p < 0.05). On the other hand, the MDF increased immediately after the eccentric exercise only in the VMO muscle (p < 0.01). Significant correlation was found between medium maximal isometric torque and MDF of the VMO muscle between the 1st and 180 Serrão, F. V. et al. Rev. bras. fisioter. 7th days after the exercise (r = –0.32, p ± 0.05). Large areas of injury in the quadriceps femoris muscle were found by NMR. In conclusion, eccentric exercise decreased the medium maximal isometric torque and changed the electromyography signals, which were gradually recovered in one week, despite the presence of muscle injury. Key words: muscle damage, eccentric exercise, EMG, isometric torque, nuclear magnetic resonance. INTRODUÇÃO O exercício excêntrico tem sido utilizado como um modelo fisiológico de indução de lesão muscular em humanos. Segundo Ebbeling & Clarkson,1 o exercício excêntrico é considerado um dos mais lesivos ao músculo, em razão do aumento de tensão no disco Z dos sarcômeros. A lesão muscular induzida pelo exercício excêntrico tem sido associada à diminuição da força,2 a alterações no sinal eletromiográfico,3 à presença de dor muscular4 e ao aumento do nível sérico de proteínas musculares, como a creatina quinase.5 Alterações na imagem obtida por meio de ressonância magnética nuclear (RMN), permitindo evidenciar a lesão muscular, também têm sido relatadas.5 Técnicas não-invasivas, como a eletromiografia de superfície,6 a dinamometria isocinética7 e a imagem por RMN8 têm sido utilizadas em estudos em humanos para avaliação muscular. Um melhor conhecimento das alterações funcionais e morfológicas do músculo de humanos após sua lesão poderia auxiliar tanto na avaliação como na elaboração de procedimentos terapêuticos que visam a sua recuperação. O objetivo deste estudo foi avaliar e relacionar o torque isométrico máximo médio do músculo quadríceps femoral e a atividade elétrica dos músculos vasto medial oblíquo (VMO) e vasto lateral (VL) antes, imediatamente após e durante os 7 dias após a lesão muscular induzida pelo exercício excêntrico. Além disso, para avaliar a eficácia do protocolo de exercício excêntrico utilizado para induzir a lesão muscular, foram obtidas imagens por RMN do músculo quadríceps femoral de três voluntárias, nos períodos pré e pós-lesão. MATERIAL E MÉTODOS Voluntários Participaram deste estudo 9 mulheres saudáveis (21,7 ± 1,48), sedentárias, sem problemas cardiovasculares e que não haviam participado de programas de treinamento com peso nos 3 meses anteriores ao experimento. Vários estudos piloto foram realizados para a elaboração do protocolo de indução de lesão. No entanto, o protocolo utilizado neste estudo foi testado somente em mulheres. Em função disso, optou-se por restringir a amostra a indivíduos do sexo feminino. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética para estudos com humanos da Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, SP, Brasil, e foi conduzido de acordo com o Conselho Nacional de Saúde, Resolução 196/96. Antes do início do experimento, todas as voluntárias assinaram um termo de consentimento formal. Instrumentação Um dinamômetro isocinético (Biodex Medical Systems, Biodex Multi-Joint System 2, New York, NY, USA) foi utilizado para a indução da lesão pelo exercício excêntrico e para a mensuração do torque isométrico máximo médio do músculo quadríceps femoral. A atividade elétrica dos músculos VMO e VL foi captada por meio de eletrodos diferenciais ativos simples de superfície (Lynx Tecnologia Eletrônica, SP, Brasil). Além disso, um módulo condicionador de sinais de 16 canais (MCS 1000-V2 – Lynx Tecnologia Eletrônica) foi utilizado. Os eletrodos diferenciais ativos simples são constituídos de duas barras paralelas de Ag/AgCl (1 cm de comprimento, 0,2 cm de largura e separadas por 1 cm) acopladas a uma cápsula de resina acrílica retangular. Os eletrodos apresentam índice de rejeição pela modulação comum com mínimo de 80 dB, ganho interno de 20 vezes e impedância de entrada maior que 10 GΩ. O módulo condicionador de sinais apresenta um conversor analógico-digital (CAD 12/32-60K, Lynx Tecnologia Eletrônica) com resolução de 12 bits, freqüência de aquisição de 1000 Hz por canal, um filtro tipo Butterworth com uma largura de banda de 10,6 a 509 Hz, ganho de 50 vezes e programa de aquisição de dados Aqdados versão 4.6. Para verificar a efetividade do exercício excêntrico em induzir a lesão, a avaliação da imagem do músculo quadríceps femoral por RMN foi realizada usando o equipamento Torm 0.5 Tesla NMR scanner desenvolvido pelo Grupo de Ressonância Magnética do Instituto de Física da Universidade de São Paulo, São Carlos, Brasil. Procedimentos Antes do início do experimento, as voluntárias foram submetidas a um período de familiarização com os procedimentos adotados para a avaliação do sinal eletromiográfico e do torque isométrico máximo médio. Além disso, durante esse período, as voluntárias também foram familiarizadas, utilizando o membro inferior contralateral, com as contrações isocinéticas excêntricas usadas na indução da lesão. Vol. 8 No. 3, 2004 Torque e EMG após Lesão Muscular Torque Isométrico Máximo Médio O torque isométrico máximo médio do músculo quadríceps femoral do membro inferior direito (dominante) foi avaliado por meio da contração isométrica voluntária máxima (CIVM) e mensurado pelo dinamômetro isocinético. Esse torque é uma medida fornecida pelo dinamômetro e representa o valor médio do torque durante o período de coleta (contração). Antes das CIVM foram realizadas 3 contrações isométricas voluntárias submáximas com a voluntária na posição de teste, a fim de familiarizá-la com o procedimento. O torque isométrico máximo médio foi mensurado com a voluntária posicionada com as articulações do quadril e do joelho a 100º e 90º de flexão, respectivamente. A voluntária foi estabilizada na cadeira do equipamento por meio de dois cintos em X, que transpassam o tronco, e um cinto pélvico. O eixo mecânico de rotação (eixo mecânico do braço de resistência) foi alinhado ao epicôndilo lateral do fêmur e a resistência foi aplicada no terço distal da perna, imediatamente acima ao maléolo medial. Foram realizadas 6 CIVM. Cada contração foi mantida por 4 s, com um período de repouso de 2 min entre cada uma. Assim, foram obtidos 6 valores de torque isométrico máximo médio, um para cada contração. O torque isométrico máximo médio foi mensurado antes, imediatamente após e durante os 7 primeiros dias após a lesão muscular induzida pelo exercício excêntrico. Avaliação Eletromiográfica A atividade elétrica dos músculos VMO e VL foi captada de forma simultânea, porém não sincrônica, com o registro do torque isométrico máximo médio, durante a CIVM. Dessa forma, os procedimentos adotados para a avaliação eletromiográfica foram aqueles descritos para a mensuração do torque isométrico máximo médio. Com a finalidade de diminuir a resistência elétrica, a pele foi previamente tricotomizada e limpa com álcool 70%, e os eletrodos foram fixados à pele com esparadrapo. Para a colocação dos eletrodos, foi realizada a palpação do ventre dos músculos VMO e VL durante a contração isométrica submáxima do músculo quadríceps femoral, com a voluntária na posição de teste. Os eletrodos foram fixados na linha média do músculo, paralelamente às fibras musculares, como descrito por De Luca.9 Um eletrodo de referência, constituído de uma placa metálica, foi fixado na tuberosidade da tíbia. Para reproduzir a colocação dos eletrodos nas diferentes avaliações eletromiográficas foi utilizado um molde de plástico fino e deformável. Com a voluntária na posição de teste, foi marcado o posicionamento dos eletrodos no molde, adotando como referência a patela. O mesmo molde de cada voluntária foi utilizado para as avaliações subseqüentes. A atividade elétrica dos músculos VMO e VL foi mensurada antes, imediatamente após e durante os 7 primeiros dias após a lesão muscular induzida pelo exercício excêntrico. 181 Os sinais eletromiográficos obtidos foram armazenados no Software Aqdados 4.6 e posteriormente convertidos para a Linguagem ASCAii por meio de uma função do próprio software. Em seguida, os registros foram tratados por meio do Software MatLab 5.0. Para o tratamento dos registros eletromiográficos foram utilizadas algumas funções de pós-processamento do sinal biológico. Essas funções foram inseridas no Matlab 5.0 e permitiram análise mais detalhada dos sinais eletromiográficos, além da verificação da qualidade dos sinais captados. Do sinal eletromiográfico, foram analisadas a raiz quadrada da média dos quadrados (root mean square – RMS) e a freqüência mediana (FM). Para a análise da FM foi aplicado um filtro com largura de banda de 10 a 450 Hz e os dados foram normalizados pelo valor médio do sinal. A janela Hanning com uma sobreposição de 90% para o processamento da Transformada Rápida de Fourier foi utilizada para calcular a FM. Indução da Lesão Muscular A lesão muscular foi induzida pelo exercício isocinético excêntrico realizado por meio do dinamômetro isocinético. A voluntária foi posicionada no equipamento mantendo-se os mesmos alinhamentos e estabilizações descritos para a mensuração do torque. A contração isocinética excêntrica do músculo quadríceps femoral foi realizada na amplitude de movimento de 40o a 110º de flexão da articulação do joelho, na velocidade angular de 5º/s. O retorno à posição inicial (40º de flexão) foi realizado passivamente. As voluntárias foram submetidas a 4 séries de 15 contrações isocinéticas excêntricas, com período de repouso de 5 min entre cada série. Uma das voluntárias não foi capaz de desenvolver todas as contrações da última série, em razão da fadiga muscular. Essa voluntária realizou apenas 6 contrações da última série, totalizando, assim, 51 contrações isocinéticas excêntricas. Avaliação por Ressonância Magnética Nuclear por Imagem Para verificar a efetividade do exercício excêntrico em induzir a lesão muscular, são demonstrados neste estudo os resultados qualitativos da avaliação por RMN do músculo quadríceps femoral de três voluntárias. Para isso, dois examinadores identificaram as áreas de lesão, sem o conhecimento do dia da avaliação e da voluntária avaliada. Para a avaliação da lesão foram obtidas imagens axiais da coxa usando o protocolo Seqüência Inversão-Recuperação, com as seguintes características: tempo de repetição (TR) de 2.000 ms; tempo ao eco de 70 ms; tempo de inversão de 140 ms; números de médias de 4; espessura da fatia de 15 mm; distância entre as fatias (interslice) de 17 mm; field of view de 256 × 256; resolução (X:Y) de 150 × 250; flow compensation de 2a ordem em x, y, z; largura de banda de rádio-freqüência: 6 KHz. A avaliação foi realizada antes, no 2o e no 7o dias após a indução da lesão. 182 Serrão, F. V. et al. Análise Estatística Para a análise estatística foi utilizado o software GBStat School Pak. Os resultados pré e pós-exercício excêntrico foram comparados por meio da Análise de Variância de medidas repetidas. Quando houve diferença significativa entre os grupos, aplicou-se o teste de Dunnett´s. O coeficiente de correlação de Pearson foi utilizado para analisar a relação entre o torque isométrico máximo médio do músculo quadríceps femoral e a atividade elétrica (RMS e FM) dos músculos VMO e VL antes, imediatamente após e durante os 7 primeiros dias após o exercício excêntrico. O nível de significância considerado foi de α = 0,05. RESULTADOS Os resultados deste estudo demonstraram que imediatamente após o exercício excêntrico houve diminuição Rev. bras. fisioter. significativa no torque isométrico máximo médio em relação aos níveis pré-exercício (p < 0,01). Embora tenha ocorrido recuperação progressiva, o torque continuou significativamente menor durante os 1o, 2o, 3o, 4o, 5o e 7o dias após a lesão (p < 0,01 do 1o ao 4o dia após, p < 0,05 no 5o e no 7o dia após; Figura 1). Imediatamente após a indução da lesão houve diminuição significativa no RMS do músculo VL comparado ao RMS pré-exercício (p < 0,05), com recuperação no 1o dia pósexercício. Para o músculo VMO, não houve diferença significativa em nenhum período avaliado (p = 0,07; Figura 1). Imediatamente após o exercício excêntrico houve aumento significativo na FM do músculo VMO quando comparado à obtida antes do exercício (p < 0,01). Para o músculo VL não houve diferença significativa (p = 0,37) na FM quando comparados os valores pré e pós-exercício (Figura 1). Torque isométrico máximo médio (Nm) 140 120 ** 100 ** ** * * ** 80 ** 60 40 20 0 A Pré Pós 1 2 3 4 5 6 7 Dias RMS do músculo VMO (uV) RMS do músculo VL (uV) 150 100 ** 50 0 B Pré Pós 1 2 3 4 5 6 7 600 550 500 450 400 350 300 250 200 150 100 50 0 C Pré Pós 1 2 88 Freqüência mediana do músculo VMO (Hz) Freqüência mediana do músculo VL (Hz) 88 86 84 82 80 78 76 74 D Pré Pós 1 2 3 Dias 3 4 5 6 7 3 4 Dias 5 6 7 Dias Dias 4 5 6 7 ** 86 84 82 80 78 76 74 E Pré Pós 1 2 Figura 1. Média e desvio-padrão do torque isométrico máximo médio (A), do RMS do músculo VL (B), do RMS do músculo VMO (C), da FM do músculo VL (D) e da FM do músculo VMO (E), antes (pré), imediatamente após (pós) e nos 7 dias após o exercício excêntrico (1-7).** = p < 0,01 e * = p < 0,05, testes Anova e Dunnett´s, comparado com a medida pré-exercício. Vol. 8 No. 3, 2004 Torque e EMG após Lesão Muscular O torque isométrico máximo médio não demonstrou correlação significativa com o RMS do músculo VL antes (r = 0,09, p > 0,05), imediatamente após (r = 0,36, p > 0,05) e entre o 1o e o 7o dia após (r = 0,18, p > 0,05) o exercício excêntrico. O torque isométrico máximo médio também não se correlacionou significativamente com o RMS do músculo VMO antes (r = –0,41, p > 0,05), imediatamente após (r = –0,19, p > 0,05) e entre o 1o e o 7o dia após (r = –0,24, p > 0,05) o exercício excêntrico. Não foi constatada correlação significativa entre o torque isométrico máximo médio e a FM do músculo VL antes (r = –0,14, p > 0,05), imediatamente após (r = 0,06, p > 0,05) e entre o 1o e o 7o dia após (r = –0,13, p > 0,05) o exercício excêntrico. O torque isométrico máximo médio também não se correlacionou significativamente com a FM do músculo VMO antes (r = –0,32, p > 0,05) e imediatamente após (r = –0,29, p > 0,05), porém, uma correlação significativa foi constatada entre o 1o e o 7o dia após (r = –0,32, p < 0,05) o exercício excêntrico. Em relação aos exames de RMN, os dois examinadores identificaram a presença de lesão nos músculos VMO e VL nas 3 voluntárias avaliadas, tanto no 2o como no 7o dia após 183 o exercício excêntrico. As imagens de ressonância do músculo quadríceps femoral de uma das voluntárias são apresentadas (Figura 2). As imagens de RMN mostram regiões musculares hiperintensas (áreas mais claras) no 2o e 7o dia após o exercício excêntrico se comparadas com a imagem pré-exercício, indicando a presença de lesão muscular. DISCUSSÃO Este estudo avaliou as alterações funcionais (torque e eletromiografia) associadas ao processo de lesão e regeneração muscular induzidas pelo exercício excêntrico. A RMN por imagem tem sido uma ferramenta útil na avaliação da lesão muscular induzida pelo exercício.10 No presente estudo, a eficácia do protocolo de exercício excêntrico utilizado em induzir a lesão muscular foi verificada por meio da identificação de áreas hiperintensas (áreas mais claras) no músculo quadríceps femoral de três voluntárias. Foi constatada a presença de lesão nos músculos VL e VMO no 2o dia após o exercício excêntrico, que persistiu até o 7o dia. Figura 2. Imagens de RMN, do terço médio da coxa de uma voluntária, antes (Pré), no 2o e no 7o dia pós-exercício. Notam-se áreas claras indicando lesão muscular (asteriscos). Vasto medial (VM), vasto lateral (VL) e fêmur (•). 184 Serrão, F. V. et al. A diminuição prolongada da força após o exercício excêntrico é considerada uma das medidas indiretas mais válidas e confiáveis da lesão muscular em humanos. Os resultados deste estudo demonstraram diminuição significativa no torque isométrico máximo médio imediatamente após e durante os 1o, 2o, 3o, 4o, 5o e 7o dias após o exercício excêntrico. Especificamente, constatou-se diminuição de 56% no torque isométrico máximo médio imediatamente após o exercício excêntrico. Esses achados estão de acordo com os de Clarkson et al.,11 que observaram diminuição de 50% no torque isométrico máximo do músculo bíceps braquial imediatamente após o exercício excêntrico máximo, com recuperação gradual do torque, porém ainda com déficit presente por volta do 10o dia pós-lesão. O mecanismo exato da diminuição da força muscular após o exercício excêntrico não é bem conhecido.10 Uma manifestação da perda de força muscular após o exercício excêntrico é o fenômeno da fadiga de baixa freqüência. Após a lesão muscular induzida pelo exercício, há diminuição na capacidade de produzir força em estimulações de baixa freqüência, que pode se estender até uma semana após o exercício.12 Edwards et al.13 sugeriram que a fadiga de baixa freqüência ocorria em razão de uma falha no processo de acoplamento excitação-contração. Estudos realizados em animais indicam a redução na quantidade de cálcio no retículo sarcoplasmático após a lesão muscular induzida pelo exercício excêntrico como a causa primária da fadiga de baixa freqüência e oferecem evidências de que a incapacidade do músculo em produzir força máxima após o exercício excêntrico resulta da falha no processo de acoplamento excitaçãocontração.14 Alguns estudos também indicam a falha no processo de acoplamento excitação-contração como uma provável causa da diminuição da força muscular após exercício excêntrico em humanos. Hill et al.12 relataram que juntamente com uma diminuição de 33% no torque voluntário máximo do quadríceps femoral houve uma diminuição significativa na produção de torque em estimulações de baixas freqüências, e isto apresentou uma correlação significativa com a diminuição na liberação de cálcio. O valor de RMS representa o número de unidades motoras ativas durante a contração muscular.15 Os resultados deste estudo demonstraram diminuição dos valores de RMS imediatamente após o exercício excêntrico para o músculo VL, sem alteração significativa no músculo VMO. Os resultados verificados para o músculo VL concordam com aqueles encontrados por Hortobágyi et al.,16 que também observaram diminuição no RMS do músculo VL imediatamente após o exercício excêntrico. Uma possível hipótese para a diminuição no RMS do músculo VL é a de uma falha no processo de acoplamento excitação-contração decorrente da fadiga muscular. Travnik et al.17 relataram que o músculo VL apresenta proporção significativamente maior de fibras rápidas tipo IIb quando comparado ao músculo VMO. Em função de as fibras tipo IIb apresentarem baixa resistência Rev. bras. fisioter. à fadiga, o músculo VL estaria mais propenso à fadiga quando comparado ao VMO. Pode-se então sugerir que a maior resistência do VMO à fadiga pode ter colaborado com a não alteração no RMS após o exercício excêntrico, o mesmo não acontecendo com o VL. Imediatamente após o exercício excêntrico, foi demonstrado aumento significativo na FM do músculo VMO. Por outro lado, não houve alteração na FM após o exercício excêntrico para o músculo VL. Tem sido demonstrado que a freqüência mediana e média estão relacionadas à velocidade média de condução na fibra muscular.18 Entretanto, há controvérsias na literatura em relação ao comportamento da FM após o exercício excêntrico. Os resultados do presente estudo, para o músculo VMO, corroboram os encontrados por McHugh et al.6 Esses autores relataram aumento na freqüência média durante a contração isométrica imediatamente após a lesão muscular induzida por exercício excêntrico nos músculos posteriores da coxa, com retorno aos níveis pré-lesão nos 1o, 2o e 3o dias após o exercício. Por outro lado, outros estudos demonstraram diminuição na FM após o exercício excêntrico.19 Uma possível explicação para as diferenças entre os estudos diz respeito à velocidade da contração excêntrica utilizada no protocolo de indução de lesão. Linnamo et al.19 sugeriram que a diminuição na FM poderia ser decorrente da lesão seletiva das fibras musculares rápidas. Com a lesão seletiva das fibras musculares rápidas após o exercício excêntrico, as fibras musculares lentas seriam preferencialmente recrutadas. Uma vez que a velocidade de condução do potencial de ação das fibras lentas é menor, uma diminuição na FM seria observada. Entretanto, o tipo de fibra muscular recrutada durante a contração excêntrica é dependente da velocidade em que o movimento ocorre. Walmsley et al.20 evidenciaram que durante a locomoção em baixa velocidade as unidades motoras lentasoxidativas (constituídas pelas fibras musculares lentas) são preferencialmente recrutadas durante a contração excêntrica. Linnamo et al.19 realizaram contrações excêntricas a 115º/s durante o protocolo de lesão, o que pode ter resultado em lesão preferencial de fibras musculares rápidas e conseqüente diminuição na FM. Por outro lado, no presente estudo as contrações excêntricas para induzir a lesão foram realizadas a uma velocidade de 5º/s, o que provavelmente causou um recrutamento primário das unidades motoras lentas-oxidativas, sem lesão isolada ou preferencial das fibras musculares rápidas. Assim, sugere-se que após o exercício excêntrico as fibras musculares rápidas continuaram ativadas, não resultando em diminuição da FM. As diferenças metodológicas, principalmente em relação aos métodos de pós-processamento do sinal eletromiográfico, também poderiam estar envolvidas com as diferenças nos resultados entre os estudos. Ainda em relação à avaliação eletromiográfica, um resultado curioso é que o RMS apresentou-se alterado no músculo VL e a FM, no músculo VMO, imediatamente após o exercício excêntrico. Entretanto, é difícil explicar fisiologicamente esse comportamento. Vol. 8 No. 3, 2004 Torque e EMG após Lesão Muscular O presente estudo somente constatou uma correlação significativa entre o torque isométrico máximo médio e a FM do músculo VMO entre o 1o e o 7o dia após o exercício excêntrico. Embora essa correlação tenha sido significativa, ela foi fraca (r = –0,32, p < 0,05). Além disso, deve-se observar que o coeficiente de correlação indica que as duas variáveis variaram em sentidos opostos, ou seja, à medida que os valores do torque isométrico máximo médio aumentaram, os valores da FM do VMO diminuíram. Entretanto, é possível que essa correlação significativa tenha ocorrido por acaso, ou pelo menos que o significado fisiológico seja pequeno. Os resultados obtidos com a eletromiografia de superfície sugerem também que ela pode ser usada para avaliar as alterações musculares que ocorrem imediatamente após a lesão ou a fadiga induzidos pelo exercício. No entanto, a ausência de alterações na eletromiografia de superfície no período em que ainda havia sinais de lesão e déficit no torque sugere uma limitação desse recurso para avaliar a função durante o período de regeneração muscular. CONCLUSÕES Os resultados deste estudo permitem concluir que: a) o torque isométrico máximo médio diminuiu significativamente imediatamente após o exercício excêntrico; b) houve recuperação gradual do torque isométrico máximo médio ao longo da 1a semana pós-exercício, porém não retornou aos valores pré-exercício; c) os sinais eletromiográficos dos músculos VMO e VL apresentam comportamentos distintos, embora ambos tenham sofrido algum tipo de alteração (RMS ou FM); d) o RMS do músculo VL diminuiu significativamente imediatamente após o exercício excêntrico; e) a freqüência mediana do músculo VMO aumentou significativamente imediatamente após o exercício excêntrico; f) as alterações no sinal eletromiográfico são recuperadas já no 1o dia pós-exercício, apesar da presença de lesão muscular. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Ebbeling CB, Clarkson PM. Exercise-induced muscle damage and adaptation. Sports Med 1989; 7: 207-234. 2. 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