Departamento de Letras A REPRESENTAÇÃO DA MORTE SIMBÓLICA NO HINO HOMÉRICO À DEMÉTER (SÉC. VI a. C.) E NO CONTO O BÚFALO, DE CLARICE LISPECTOR. Aluno: Felippe José Alves Carvalho Silva Orientadora: Professora Isabela Fernandes Objetivos Esta pesquisa visa compreender as imagens que fazem referência ao simbolismo da morte e dos ritos de passagem em duas obras literárias: no Hino Homérico à Deméter, uma composição grega do séc. VI a. C. que narra o mito da deusa Perséfone; e no conto brasileiro contemporâneo O búfalo, de Clarice Lispector, inserido na obra Laços de Família (1960). Pretende-se elaborar uma interface acerca do mito e da narrativa de Lispector abordando os ritos de passagem. Introdução Esta pesquisa pretende refletir sobre as representações dos ritos de passagem em duas obras literárias. Para tanto, serão utilizadas as conceituações de Arnold Van Gennep (1977) e de Florenzano (2000) a respeito dos ritos de passagem de puberdade associados à imagem simbólica da morte. Este trabalho visa contribuir para o desenvolvimento do projeto de pesquisa intitulado Um estudo da Grécia antiga a partir das representações da morte na mitologia e na literatura, coordenado e desenvolvido pela Professora Doutora Isabela Fernandes, da PUC-Rio. A presente pesquisa divide-se em duas fases: na fase inicial será realizado um diálogo entre a narrativa mítica de Perséfone e o conto de Clarice com foco sobre a simbologia dos ritos de passagem. Na segunda fase a pesquisa visa ampliar o tema proposto a partir da conceituação teórica da psicanálise com base em Jung e Freud, assim como pretende explorar a crítica literária de Clarice Lispector. Esta pesquisa se encontra na primeira fase. Metodologia O primeiro passo da pesquisa será focado na narrativa mítica. O relato do Hino Homérico a Deméter (RIBEIRO JUNIOR, 2010) narra como a jovem deusa Perséfone estava colhendo flores quando a terra se abriu e, de dentro dela, surgiu o deus dos mortos, Hades, que raptou a moça e a levou para o subterrâneo. “Abriu-se a terra de vasta via na planície Nísia e por ali saiu o senhor Hospedeiro de muitos, filho de muitos nomes de Cronos, nos seus cavalos imortais. Tendo-a raptado, contrariada conduzia-a gemendo para as douradas carruagens [...]" (h.Hom. 2: A Deméter. RIBEIRO JÚNIOR, 2010). No conto O Búfalo, de Clarice Lispector (IN: Laços de Família, 1998), a inocência da jovem personagem é rompida no momento em que ela encontra por acaso um enorme e negro búfalo no Jardim Zoológico. O búfalo representa um mundo obscuro, ameaçador e totalmente novo que se desvela na vida da personagem. A imagem sombria e sedutora do animal afeta de tal forma a jovem que ela sofre uma experiência arrebatadora e desmaia: “O búfalo negro olhou-a um instante. No instante seguinte, a mulher de novo viu apenas o duro músculo do corpo. Talvez não a tivesse olhado. Não podia saber, porque das trevas da cabeça ela só distinguia os contornos. (...) Presa como se sua mão tivesse grudado para sempre ao punhal que ela mesma cravara. Presa, enquanto escorregava enfeitiçada ao longo das grades [...]" (LISPECTOR, 1998, p. 155). Departamento de Letras Em seguida, utilizaremos Seabra (1985) para compreender a metáfora do masculino em ambas as obras. A imagem do búfalo no conto apresenta um simbolismo muito próximo à imagem do deus Hades na narrativa mítica. Tanto o búfalo quanto o deus dos mortos representam a emergência misteriosa e violenta do masculino e da sexualidade na vida de uma moça. O Búfalo e o deus Hades empurram as jovens para uma experiência de aniquilamento em que se configuram metaforicamente as imagens do rapto e da morte. Forma-se assim o cenário simbólico dos ritos de passagem. Van Gennep elucida, em seu livro Os Ritos de Passagem (1977), que um indivíduo, ao longo de sua vida, realiza sucessivas transposições de fronteiras de um nível social para outro. Estas experiências de transposição de níveis sociais são celebradas nas comunidades em cerimônias de iniciação que o autor denomina de ritos de passagem. Dentre estes, os mais significativos são aqueles associados à puberdade, que demarcam socialmente a passagem da infância para a vida adulta. Florenzano, em seu livro Nascer, Viver e Morrer na Grécia Antiga (1996), amplia as reflexões de Gennep e discute como, na Grécia Antiga, o ritual do casamento constituía o rito de passagem principal das meninas gregas. A cerimônia do casamento estava associada a uma experiência de rapto e de morte simbólica, já que o seu modelo mítico seria o rapto de Perséfone pelo deus dos mortos. Esta identificação simbólica entre casamento e morte buscava preparar ritualmente as moças para a sua separação brusca do grupo social das crianças e sua entrada no grupo social da mulher adulta. Tanto o relato do Hino Homérico quanto o conto O Búfalo se referem a uma experiência de transformação iniciática das personagens através do contato com o masculino. O rapto de Perséfone, de um lado, e o encontro com o búfalo da personagem de Clarice, de outro, representariam um rito de passagem, uma experiência de morte simbólica da menina que se transforma na mulher a partir de seu confronto com o desconhecido. O sombrio deus da morte e o negro búfalo expressam a entrada das personagens no mundo obscuro e novo da vida adulta e da sexualidade. Bibliografia FLORENZANO, Maria Beatriz. Nascer, Viver e Morrer na Grécia Antiga. São Paulo: Atual Editora, 1996. LISPECTOR, Clarice. Laços de Família (1960). Rio de Janeiro: Rocco, 1998. RIBEIRO Júnior. Hinos homéricos. São Paulo: Unesp, 2010. SEABRA, Zelita. Identidade Feminina. Petrópolis: Vozes, 1985. VAN GENNEP, Arnold. Os Ritos de Passagem. Petrópolis: Vozes, 1977.