EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA: BASES PARA UM PROGRAMA DE PÓSGRADUAÇÃO Júlio César da Costa Ribas Universidade Federal de Santa Catarina Programa de Pós-Graduação em Engenharia e Gestão do Conhecimento [email protected] Lucilia Ipiranga Universidade Federal de Santa Catarina Programa de Pós-Graduação em Engenharia e Gestão do Conhecimento [email protected] Lúcio Eduardo Darelli Universidade Federal de Santa Catarina Programa de Pós-Graduação em Engenharia e Gestão do Conhecimento [email protected] Resumo: Epistemologia e ciência tendem a estabelecer relações pertinentes entre os conceitos e para isso propõe aplicação de métodos e procedimentos científicos que gerem autoridade intelectual à pesquisa. Relacionar conceitos ontológicos e epistemológicos em uma linha de trabalho sistematizado é de extrema importância para encontrar uma fundamentação teórica adequada. Neste artigo é revisto uma série de fatores que devem ser considerados para que um trabalho atinja seus objetivos dentro de uma concepção teórico-metodológica. Tais reflexões encaminham para a articulação teoria-prática e para a compreensão da pesquisa como uma atividade criativa. Desse processo, deve resultar a compreensão do fazer científico, da prática interdisciplinar, da articulação teoria-prática e do aprendizado integrado pesquisa/ensino. Neste sentido são abordamos os conceitos que permeiam a ciência e a epistemologia tidas como base para a interdisciplinaridade em um programa de pós-graduação. INTRODUÇÃO Conhecimento científico é conhecimento provado. As teorias científicas são derivadas de maneira rigorosa da obtenção dos dados da experiência adquiridos por observação e experimento. A ciência é baseada no que podemos ver ouvir, tocar, etc. Opiniões ou preferências pessoais e suposições especulativas não têm lugar na ciência. A ciência é objetiva. O conhecimento científico é conhecimento confiável porque é conhecimento provado objetivamente. (CHALMERS, 1976-1993, p. 23). Ciência, um termo, uma palavra, um conceito. Parece que, em si já diz tudo, porém, para muitos o conceito de ciência tem sido uma grande discussão ao longo da história da própria ciência. Hoje em dia, o fazer científico parece não se desvencilhar do método científico, é inconcebível falar em ciência sem se cogitar as regras pela qual a investigação científica se dará. É claro que tal constatação revela que tudo para ser considerada ciência tem que estar apoiado na experimentação, e será através deste último, o veículo pelo qual o cientista apresentará sua prova, ou não. Mas, se, o fazer científico, em épocas remotas foi exercido pelo puro abstracionismo não empírico - a ciência teorizadora – a partir da idade média, com as 1 revoluções que a história tão bem registra, revoluciona-se também a ciência e seus cientistas. O conhecimento deixa de ser uma possibilidade retórica, ou uma expressão teórica, para passar ao nível da experiência teórico-prática. A prova é tudo, e provar significa repercutir uns cem números de vezes o mesmo evento com os mesmos resultados refletindo um recorte especial do mundo real observável. A natureza é ‘imitável’, e o evento imitado é a prova. Com a fragmentação do conhecimento em áreas científicas, também se fragmentou a ciência. Assim, passados por alguns obstáculos conceituais e curriculares, sobre qual conhecimento poderia ser guindado à categoria de ciência específica, constatou-se, nos dias atuais, um empobrecimento do conhecimento científico como um todo. É como se, no início tudo fizesse mais sentido. Nos primórdios da civilização humana algum tipo de ciência já se fazia presente entre nós, naquela época não se falava em ciência, nem tão pouco seu operador era cientista – tão somente era um filósofo, ou sábio, ou um artista. Por muito tempo negou-se esta perspectiva de ciência por carecer de empirismo, de prática. Em resposta a uma necessidade verificada, principalmente, nos campos das ciências humanas e da educação, surge na segunda metade do século passado a interdisciplinaridade, articulando as dimensões teórico-metodológicas do pensamento, com objetivo de superar a fragmentação e o caráter de especialização do conhecimento, causados por uma epistemologia de tendência positivista em cujas raízes estão o empirismo, o naturalismo e o mecanicismo científico do início da modernidade. Hoje estamos num movimento de retorno dessas idéias, parece que o ideal é a compreensão do todo, ou pelo menos com a somatória de outras partes da ciência, para uma visão maior do ‘quase todo’. Entramos na era da interdisciplinaridade, a ciência exploradora de um evento da natureza sob o olhar de várias ciências. O mesmo objeto visto sobre vários ângulos. Será possível compreender melhor o mundo dessa perspectiva? O presente artigo aborda conceitos acerca da ciência e epistemologia, suas relações e pressupostos como bases para um programa de pós-graduação. Reflete e instiga à reflexão sobre a importância de construir o conhecimento em conjunto com outras áreas, pelo exercício da interdisciplinaridade, exemplificando no trabalho o caso do programa de pós-graduação em engenharia e gestão do conhecimento da Universidade Federal de Santa Catarina. CONTEXTUALIZANDO A CIÊNCIA A idéia de Ciência - como a conhecemos hoje - passou por várias concepções desde que o homem, com o ato de investigar, se interessou por entender e explicar as coisas que o cercam bem como toda a complexidade do mundo. Embora não possamos com exatidão apontar o início do interesse investigativo do homem, podemos remontar à antiguidade clássica, não necessariamente como ponto de partida, mas, como um referencial histórico do pleno desenvolvimento do raciocínio humano. O berço do pensamento e da sabedoria – a Grécia de 600 A.C. - legou ao mundo a Filosofia e seus filósofos. Desde as concepções de mundo (homem, natureza e coisas intangíveis) até a própria concepção de ciência como é entendida hoje, a humanidade necessitou de alguma forma, do pensamento filosófico para fundamentar suas idéias. A Ciência em si está muito atrelada ao ato de ‘fazer ciência’. E o fazer científico abordado nas perspectivas de renomados autores como Triviños, Hughes, Morgan, Kunh, Severino, Lakatos, Comte – somente para referenciar alguns dentre tantos outros 2 -, nos dão uma pequena idéia do quão complexo é o entendimento de ‘ciência’ tanto quanto o de ‘fazer ciência’. Segundo Ferreira (2004, p. 465), ciência: “Conjunto de conhecimentos socialmente adquiridos ou produzidos, historicamente acumulados, dotados de universalidade e objetividade que permitem sua transmissão, e estruturados com métodos, teorias e linguagens próprias, que visam compreender e, possivelmente, orientar a natureza e as atividades humanas”. Para Severino (2002, p. 30) “A ciência, enquanto conteúdo de conhecimentos, só se processa como resultado da articulação do lógico com o real, da teoria com a realidade.” Desta forma, o fazer científico produz como resultado um conhecimento científico, que se acumula com o tempo, e pode ou não tornar-se obsoleto dada as mudanças de todas as ordens por que pode passar a humanidade. Essa idéia parece ser ponto pacífico uma vez que descobertas científicas, modelos e métodos científicos tendem às mudanças (que são as inevitáveis adaptações ou reedições teóricas, incrementos, avanços, ou mesmo mudanças bruscas de paradigmas) e a sociedade, por sua vez, é o grande termômetro para o seu desenvolvimento. Ora, descobertas científicas nada são antes da pesquisa científica, que trilha por alguns caminhos que vai desde a trabalhosa investigação, reflexão, comprovação, até finalmente, reprodução do evento ou fenômeno. O destino de uma descoberta ou de uma proposta científica não é o de ser eterna, mas o de atender uma demanda investigativa que em dado momento histórico foi (é, e será) necessária. Portanto, a boa ciência é feita com critério, atenção, método, e, sobretudo compromisso. Isso leva tempo! Na antiguidade clássica os filósofos eram os senhores do conhecimento. O conhecimento clássico não possuía divisões, contudo, era concebido segundo dimensões: as matemáticas, as naturais e, as místicas (divindades, espirituais, ou teológicas). Ciência moderna e ciência contemporânea É de se supor, por que seja da natureza da ciência reciclar-se ao longo do tempo, que as premissas da atitude disciplinada ao ato investigativo proposta por Triviños (1987) e a necessária base filosófica para empreender investigação científica segundo Hughes (1980) sejam normas de um ‘fazer ciência’ com esmero ao compromisso científico. O positivismo, como abordagem metodológica foi muito utilizado na pesquisa das ciências sociais, principalmente nas décadas de 50 a 70. Contudo, em meados da década de 80, tem início a contestação, pela crítica mundial, do uso dessa abordagem na pesquisa em ciências sociais. Os principais críticos (historicamente) são representantes da Escola de Frankfurt (Adorno, Habermas, Mercuse). O positivismo perdeu a importância na pesquisa das ciências sociais que se realizava, especialmente nos cursos de prós-graduação das universidades, porque a prática da investigação se transformou numa atividade mecânica, muitas vezes alheia às necessidades dos países, sem sentido. (TRIVIÑOS, 1987, p.31) Hughes (1980, p. 14) afirma que: “Nenhuma técnica ou método de investigação confere autenticidade a si próprio: sua eficácia, sua própria categoria enquanto instrumento de pesquisa capaz de investigar o mundo depende, em última análise de justificação filosófica”. 3 A pesquisa em ciências sociais, Triviños (1987), não pode utilizar-se de métodos científicos que desconsiderem a questão sócio-política como inerente ao processo investigativo tanto quanto ao objeto investigado. Muito embora as abordagens positivista, marxista e fenomenológica possam cada qual dar resposta a problemas diversos, ainda assim necessitam de grande dose de disciplina metodológica, ou seja, para Triviños o grande problema da pesquisa científica não está no método, mas na indisciplina no desenvolvimento do pensamento investigativo. A indisciplina de Triviños constitui-se na ausência de coerência entre métodos científicos e abordagem conceitual ou corrente de pensamento científico. A mistura desses ingredientes torna difícil a tarefa de investigar e concluir. É quase impossível justificar de forma racional quando o método e a corrente filosófica se contrapõem. As ciências do século XIX têm influência direta com o pensamento revolucionário por que passa a Europa daquela época. Desde a revolução industrial – cujo processo demorou pelo menos três ciclos de 50 anos - até a revolução francesa de 1789, o pensamento crítico daquele período também revolucionou sua ciência. A filosofia que possuía lugar de destaque quase inabalável começa ceder espaço para as disciplinas oficiais com interesse das indústrias. A química, a física (com ênfase na mecânica e engenharias) e as geociências (mapas, cartografias, geografia), as ciências matemáticas reeditadas para subsidiar as novas disciplinas, dão origem à fragmentação do conhecimento em disciplinas isoladas. No campo das ciências sociais, a evolução ocorre mais tarde, nasce antes a política e a antropologia. Pensadores como Comte e Dürkhein contribuem para o nascimento das ciências sociais. Comte com o mérito de inaugurar o pensamento positivista como método investigativo científico, e Dürkhein – seu sucessor e não menos importante - por elevar ao nível de ciência, a disciplina de sociologia, aplicando a abordagem positivista ao estudo da sociedade de seu tempo. Para Comte e Dürkhein a sociedade é regulada por leis naturais, leis invariáveis, independentes da vontade e da ação humana, como a lei da gravidade ou do movimento da terra em torno do sol, de modo que nela reina uma harmonia semelhante à da natureza, uma espécie de harmonia natural. Assim a metodologia utilizada pelas ciências sociais tem que ser idêntica à metodologia das ciências naturais, posto que o funcionamento da sociedade seja regido por leis do mesmo tipo das da natureza. Destarte, os elementos da ciência segundo Vilela Jr. (2008, p. 6) devem conter os seguintes aspectos: Objetividade – é a identificação de características comuns (ou leis gerais) de um dado fenômeno. A busca de similaridades é o primeiro passo para sistematização que inerente ao processo científico. Funcionalidade – característica da ciência que se refere ao aumento da capacidade de compreensão do mundo possui natureza cumulativa. Formalidade – refere-se às normas e métodos específicos pelas quais uma determinada ciência estuda o mesmo objeto material. Materialidade - refere-se ao objeto de estudo em si, aquilo que se torna objeto de análise ou interpretação. 4 Figura 1 – Classificação da ciência, segundo Comte Ainda segundo Vilela Jr. (2008, p. 7), a classificação da ciência pelo modelo proposto por Comte está representada na figura 1. O método científico O pesquisador, a fim de poder realizar seu trabalho de investigação científica, necessita empregar um conjunto de processos, regras ou operações mentais que será a base de todo seu raciocínio lógico-investigativo, esse conjunto metodológico chamamos de “método científico”. Os métodos empregados, de maneira geral, em investigação científica, ao longo do tempo e ainda hoje, são: dedutivo, indutivo, hipotético-dedutivo, dialético e fenomenológico. Segundo Gil (1999, p.26) “A investigação científica depende de um “conjunto de procedimentos intelectuais e técnicos”. O Método Dedutivo proposto pelos racionalistas Descartes, Spinoza, Leibniz, que pressupõe que só a razão é capaz de levar ao conhecimento verdadeiro. O raciocínio dedutivo tem o objetivo de explicar o conteúdo das premissas por intermédio de uma cadeia de raciocínio em ordem descendente, de análise do geral para o particular chega a uma conclusão. Usa o silogismo, construção lógica para, a partir de duas premissas, retira uma terceira logicamente decorrente das duas primeiras, denominada de conclusão (GIL, 1999; LAKATOS & MARCONI, 1993). O Método Indutivo proposto pelos empiristas, Bacon, Hobbes, Locke, Hume. Considera que o conhecimento é fundamentado na experiência, não levando em conta princípios preestabelecidos. No raciocínio indutivo a generalização deriva de observações de casos da realidade concreta. “As constatações particulares levam à elaboração de generalizações.” (GIL, 1999; LAKATOS & MARCONI, 1993). 5 O Método hipotético-dedutivo proposto por Popper consiste na adoção da seguinte linha de raciocínio: “quando os conhecimentos disponíveis sobre determinado assunto são insuficientes para a explicação de um fenômeno, surge o problema. Para tentar explicar a dificuldades expressas no problema, são formuladas conjecturas ou hipóteses. “Das hipóteses formuladas, deduzem-se conseqüências que deverão ser testadas ou falseadas. Falsear significa tornar falsas as conseqüências deduzidas das hipóteses. Enquanto no método dedutivo procura-se a todo custo confirmar a hipótese, no método hipotético-dedutivo, ao contrário, procuram-se evidências empíricas para derrubá-la” (GIL, 1999, p.30). O método Dialético fundamenta-se na dialética proposta por Hegel na qual as contradições se transcendem dando origem às novas contradições que passam a requerer solução. É um método de interpretação dinâmica e totalizante da realidade. Considera que os fatos não podem ser considerados fora de um contexto social, político, econômico, etc. Empregado em pesquisa qualitativa (Gil, 1999; Lakatos & Marconi, 1993). Preconizado por Husserl, o método fenomenológico não é dedutivo nem indutivo. Preocupa-se com a descrição direta da experiência tal como ela é. A realidade é construída socialmente. A realidade é entendida como o compreendido, o interpretado, o comunicado. Então, a realidade não é única: existem tantas quantas forem as suas interpretações e comunicações. O sujeito/ator é reconhecidamente importante no processo de construção do conhecimento (Gil, 1999; Triviños, 1987). É empregado em pesquisa qualitativa. Na perspectiva de se avançar além fronteiras do conhecimento, há que se esboçar uma proposta de inter-relação das metodologias e conceitos sobre ciência. A busca pela interdisciplinaridade ou da transdisciplinariedade – tema recorrente nos meios acadêmicos – exige uma reanálise dos atuais paradigmas da ciência. O desenvolvimento humano e social, em todas as eras, deu saltos significativos toda vez que paradigmas foram quebrados. As grandes descobertas, assim como, as importantes contribuições da ciência que se fizeram notar no dia-a-dia do homem comum, foram justamente aquelas que possibilitaram a sociedade como um todo evoluir de seus estágios anteriores. Há, portanto uma evidente sinergia entre desenvolvimento social e desenvolvimento científico. Talvez, o mais importante para a sociedade humana, a partir de agora, seja considerar que a ciência – seja ela qual for – esteja a serviço de justificar a própria existência humana integrada neste e em todos o possíveis contextos que a raça humana poderá vir coexistir. Todo o esforço humano, seja técnico ou científico, tem como pano de fundo a busca pela inexorável questão existencial – quem sou eu, de onde venho, e para onde vou? Talvez as questões primárias do existencialismo sejam irrespondíveis por natureza. É como conceituar o Big-Bang, como modelo atual de criação do cosmo e de todas as coisas que se permitiu criar com esse primeiro estopim cósmico. Mas, se esse modelo é o mais provável, pergunta-se: - e antes do Big-Bang, o que havia? Sobra muito pouco da imaginação humana para tecer alguma alternativa. A mais comum seria que talvez Deus existisse antes do big-bang ou, simplesmente, de que nada mais havia. O problema é que nem Deus - que pode ser tudo para alguns, ou ‘nada’ para outros - ou o universo (que não se consegue conceber) cabem em qualquer outro modelo científico – são irrespondíveis. 6 EPISTEMOLOGIA O termo epistemologia tem origem do grego episteme que significa ciência e logos, que significa teoria. Em geral, entende-se que é a disciplina que toma as ciências como objeto de investigação com o intuito de reagrupar a crítica do conhecimento científico, a filosofia e a história das ciências (JAPIASSU e MARCONDES, 1991. p. 83). O domínio de saber da epistemologia não se inscreve somente na ciência ou na filosofia, muda de forma conforme o contexto e pode ser lógica, filosofia do conhecimento, sociologia, psicologia ou história, mas não vai distante de uma questão central: [...] estabelecer se o conhecimento poderá ser reduzido a um puro registro, pelo sujeito, dos dados já anteriormente organizados independentemente dele no mundo exterior, ou se o sujeito poderá intervir ativamente no conhecimento dos objetos (JAPIASSU e MARCONDES, 1991. p. 83). Visto por este aspecto, percebe-se a importância de refletirmos sobre a relevância acadêmica, social e cultural dos projetos de pesquisa desenvolvidos nos programas de pós-graduação e, suas devolutivas na forma de construção de conhecimento, para a sociedade e a comunidade acadêmica. A Epistemologia e Pesquisa Não há verdade absoluta e sim, possibilidades para o pensamento-ação, a procura incessante por novas verdades, comprovadas cientificamente, pode estar relacionada à produção de uma nova potência inventiva, um novo mundo, pois a vida medra rizomática e insistente por entre as pedras do caminho. Para esta análise e partindo da necessidade de compreender epistemologia e sua relação engendrada em conjunto com as ciências, é necessário visitar alguns autores e suas idéias sobre construção do conhecimento, entre eles, examinaremos a contribuição de duas vertentes epistemológicas, Gaston Bachelard e Edgar Morin, suas visões de ciência e de construção do conhecimento, pois em muitos sentidos suas teorias são convergentes. Dentre eles está a crítica a aspectos da ciência clássica e a afirmação da necessidade de construção de um pensamento complexo para a ciência. Para Bachelard (2006) é necessário dar às ciências a filosofia que elas merecem. Neste sentido, será evidenciada neste artigo sua epistemologia, principalmente no que diz respeito à produção do conhecimento e ciência gerados nos programas de pósgraduação. Uma epistemologia da complexidade é o que propõe Edgar Morin, uma epistemologia adequada ao pensamento complexo, desviando o olhar da ciência moderna e colocando o indivíduo em uma nova posição diante da realidade, propondo assim, uma nova forma de conhecimento, opondo-se diretamente a ciência moderna que se funda, segundo ele, em um paradigma da simplificação, que tem como princípios a disjunção, a redução e a abstração. Epistemologia e filosofia das ciências – Bachelard Uma Epistemologia como filosofia das ciências, assim é que Bachelard (2006) propõe a relação entre o sujeito cognocente e o objeto conhecido, mas adequada ao pensamento contemporâneo. Próprio da contemporaneidade, ele propõe uma 7 Epistemologia ligada à Filosofia, não submetida aos sistemas clássicos e busca conciliar o discurso filosófico e o discurso científico. Bachelard desenvolve um novo racionalismo, assim descrito em Japiassu: [...] se constrói instaurando uma ruptura entre o conhecimento comum e conhecimento científico. A ciência não é o aprofundamento do saber já presente ou da ilusão do saber, mas perpétua recusa. “Não há verdades primeiras, o que há são erros primeiros”. Eis o novo espírito científico: “quando se apresenta à cultura científica, o espírito nunca é jovem. Ele é mesmo muito velho, pois tem a idade de seus preconceitos. Aceder à ciência é rejuvenescer espiritualmente, é aceitar uma mutação brusca que deve contradizer um passado. Para um espírito científico, todo o conhecimento é uma resposta a uma questão. Se não há questão, não pode haver conhecimento científico. Porque, nada é dado. Tudo é construído (JAPIASSU e MARCONDES, 1991. p. 32). Em sua obra “Conhecimento Comum e Conhecimento Científico”, Bachelard argumenta sobre esta ruptura evidente e nítida: Entre o conhecimento comum e o conhecimento científico, a ruptura nos parece tão nítida que estes dois tipos de conhecimento não poderiam ter a mesma filosofia. O empirismo é a filosofia que convém ao conhecimento comum. O empirismo encontra aí sua raiz, suas provas, seu desenvolvimento. Ao contrário, o conhecimento científico é solidário com o racionalismo e, quer se queira ou não, o racionalismo está ligado à ciência, o racionalismo reclama fins científicos. Pela atividade científica, o racionalismo conhece uma atividade dialética que prescreve uma extensão constante dos métodos (BACHELARD, 1972, p. 45). A proposta de Bachelard por uma filosofia das ciências justifica-se por ela ser a única filosofia aberta, argumenta que as demais estariam apegadas ao caráter fechado. Com fundamento nesta idéia busca desenvolver uma mentalidade verdadeiramente científica, promove o rompimento com o conhecimento comum e com as noções filosóficas tradicionais que constituem obstáculos à produção do conhecimento científico. A razão deve obedecer à ciência, à ciência mais evoluída, à ciência que evolui “[...] A aritmética não se fundamenta na razão. É a doutrina da razão que se fundamenta na aritmética elementar. A geometria, a física e a aritmética são ciências; a doutrina tradicional de uma razão absoluta, imutável, nada mais é senão uma filosofia. É uma filosofia que já teve sua época” (BACHELARD apud REALE, Giovani e ANTISERI, Dario, 2003, p.1012). Bachelard (apud Reale; Antiseri, 2003, p.1014), propõe uma epistemologia que rompe com a idéia de conhecimentos universais e absolutos, propõe ainda, um movimento para o conhecimento, sendo este constantemente retificado, deslocando-se constantemente em uma dialética profícua do já constituído com o a constituir-se. Este movimento transcende à questão do ensino e da pesquisa e se coloca como problemática para todos os campos do conhecimento. Epistemologia da complexidade - Morin A grande descoberta do século é que a ciência não é o reino da certeza. Morin, e sua idéia de complexidade nos convocam para uma reforma do pensamento similar à mudança promovida pelo paradigma copernicano. A complexidade promove liberdade, 8 pois somos incluídos em um mundo que se “autoproduz”, demanda um novo sentido à ação. A epistemologia da complexidade trata de uma visão interdisciplinar acerca dos sistemas complexos adaptativos, do comportamento emergente de muitos sistemas, da complexidade das redes, da teoria do caos, do comportamento dos sistemas distanciados do equilíbrio termodinâmico e das suas faculdades de auto-organização. O pensamento complexo, segundo Morin (2007, p.17), “exige a reintegração do observador em sua observação”. Trata-se, por consequência, ao mesmo tempo de desenvolver uma teoria, uma lógica, uma epistemologia da complexidade que possa convir ao conhecimento do homem. Portanto o que se busca aqui é ao mesmo tempo a unidade da ciência e a teoria da mais alta complexidade humana (MORIN, 2007, p. 17). Há um paradoxo também no interior da complexidade, há ainda o risco de sufocar a si mesma e destruir-se. Nas palavras de Morin (2001, p. 171) “A razão não é dada, a razão não gira sobre rodas, a razão pode autodestruir-se por processos internos, a racionalização. Esta é o delírio da lógica, o delírio da coerência que deixa de ser controlada pela realidade empírica”. Uma nova concepção de espaço e tempo vem sendo vivenciado pela humanidade, é uma época de transição, pois, antes, havia parâmetros fixos que permitiam a idéia de certeza das ciências, agora complexos e exigindo uma nova postura. [...] o espaço e o tempo não são mais entidades absolutas e independentes. Não só não há mais uma base empírica simples, como também uma base lógica simples (noções claras e distintas, realidade não o substrato físico. Resulta daí uma consequência capital: o simples (as categorias da física clássica que constituem o modelo de qualquer ciência) não é mais o fundamento de todas as coisas, mas uma passagem, um momento entre complexidades, complexidade microfísica e a complexidade macrocosmofísica. (MORIN, 2007, p. 19) A complexidade é a marca do ser humano e do modo como organiza suas idéias sendo capaz de se auto-organizar e de estabelecer relações com o outro, engendrando uma relação de alteridade que o sujeito encontra a autotranscendência, superando-se, interferindo e modificando o seu meio num processo de autoecorganização a partir de sua dimensão ética que reflete seus valores, escolhas e percepções do mundo. Uma epistemologia da complexidade reúne aspectos e categorias de diferentes dimensões, como ciência, filosofia e artes, e ainda, diversos tipos de pensamento míticos, mágicos, empíricos, racionais, lógicos, numa teia de relações que faz emergir o sujeito no diálogo constante com o objeto do conhecimento. Pondera e calcula a qualidade da comunicação entre as diversas áreas do saber e compreende ordem, desordem e organização como fases importantes e necessárias de um processo que culmina no autoecorganização de todos os sistemas vivos. A categoria que atua como catalisador desta epistemologia é a transdisciplinaridade que trata da integração de diferentes disciplinas, pois não devem existir fronteiras entre áreas do conhecimento e a interação chega a um nível tão elevado que é praticamente impossível distinguir onde começa e onde termina cada disciplina. Similar ao movimento das pesquisas acadêmicas e da própria vida é que a idéia de transdisciplinaridade proporcione possibilidades de articulações e contextualizações de conhecimento. 9 As idéias destes dois autores nos levam a refletir sobre a qualidade da produção de conhecimento que vem sendo promovida na academia, qual a relevância social, que contribuições estão sendo articuladas e que novas possibilidades estão sendo engenhadas para tornar a vida humana mais digna e autoecorganizada? Quais articulações são necessárias para relação entre sustentabilidade e gestão do conhecimento? O MOVIMENTO DA IDÉIA DE INTERDISCIPLINARIDADE O século XII sinaliza o início das rupturas na visão cosmológica, antropológica e epistemológica da elite intelectual européia. Até o século XIII o conhecimento verdadeiro era alcançado pela contemplação, pelo êxtase e pela revelação. No século XVII é a razão discursiva quem passou a ser o caminho para se chegar ao conhecimento verdadeiro. Para Sommerman (2006), essas mudanças basilares na busca do conhecimento verdadeiro é o que se caracteriza como ruptura epistemológica, apoiada numa grande ruptura cosmológica e antropológica. A outra grande ruptura epistemológica ocorreria no século XIX, como consequência da ruptura anterior. O saber começa a ser fragmentado desde o século XVII, quando emerge a ciência moderna e devido as metodologias científicas propostas pelas epistemologias racionalistas e empiristas. O iluminismo apoiado no racionalismo, na metade do século XVIII, reforça a separação dos saberes conforme os objetos do conhecimento, mas ainda afirma a existência de um diálogo entre eles, como indica a obra denominada enciclopédia (kyklos, círculo e paidéia, cultura), que significa encadeamento circular do conhecimento. Até o século XVIII os grandes pensadores tinham formação universal. A educação e a pesquisa disciplinares só se instituíram, de fato, no século XIX, em função das rupturas descritas anteriormente (século XIII e XIX) e da especialização crescente do trabalho na civilização industrial em construção, vindo a tornar-se uma hiperespecialização disciplinar na metade do século XX, pelo processo histórico em tela e ainda pelo crescimento exponencial do volume e complexidade dos conhecimentos, bem como a multiplicação e sofisticação da tecnologia. Em síntese, a epistemologia tradicional (multidimensional) até o século XIII deu lugar ao racionalismo (bidimensional: matéria e espírito) no século XVII que foi substituída pelo empirismo (unidimensional: matéria) no século XIX. Segundo Pineau (apud Sommerman, 2006, p. 25) a definição de disciplina é apresentada a partir de um seminário organizado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, em 1970, como sendo “conjunto específico de conhecimentos que tem suas características próprias no plano do ensino, da formação, dos mecanismos, dos métodos e das matérias”. Partindo da análise dos campos semânticos apresentada por Pineau para o conceito de disciplina, o autor sugere outra definição como sendo “o aprendizado ou o ensino de uma ciência, seguindo as regras e métodos da ciência a que corresponde”. Em meados do século XX, como já exposto, presenciamos a hiperespecialização disciplinar e como estratégia de compensar essa hiperespecialização propunham-se diferentes níveis de cooperação entre disciplinas com o objetivo de minimizar os problemas herdados pelo volume e complexidade de conhecimentos gerados além da sofisticação tecnológica. Estas propostas receberam diversas denominações. Ao longo deste trabalho serão utilizadas algumas dessas denominações, portanto buscamos alguns referenciais teóricos para elucidar determinados conceitos como: multidisciplinaridade, pluridisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade. 10 Para Piaget (1973) multidisciplinaridade se faz presente quando “a solução de um problema torna necessário obter informação de duas ou mais ciências ou setores do conhecimento sem que as disciplinas envolvidas no processo sejam elas mesmas modificadas ou enriquecidas”. Sustentado por diversos teóricos como Coimbra (1990) e Japiassu (1992), entre outros, define a multidisciplinaridade como ausência de nexo, relações ou ainda cooperação entre as disciplinas. A pluridisciplinaridade como justaposição de disciplinas mais ou menos próximas, com certo nível de relação, que se limita à troca de informações, não existindo, no entanto, uma profunda interação e coordenação. Para Cardoso (2008, p. 25): ... a palavra multidisciplinaridade refere-se a diferentes conteúdos de disciplinas distintas trabalhadas num mesmo momento, não havendo uma real integração entre eles. A multidisciplinaridade permite ainda trabalhar diferentes conteúdos de uma mesma disciplina integrados no mesmo contexto. Diferentemente no que se refere a pluridisciplinaridade, esta ocorre quando um único tema é desenvolvido por várias disciplinas com objetivos distintos. A característica está no fato de que, embora com o mesmo tema, não há integração das disciplinas. No que tange à interdisciplinaridade e transdisciplinaridade, encontraremos várias significações que emergem de diversos autores. Encontraremos interdisciplinaridade como um nexo entre duas ou mais disciplinas, como sistema de dois níveis e de objetivos múltiplos, como método de pesquisa e de ensino promovendo a interação desde a simples comunicação das idéias até a integração mútua de conceitos, da epistemologia, da terminologia, dos procedimentos. Segundo Philippi (2000, p. 58) “O interdisciplinar consiste num tema, objeto ou abordagem em que duas ou mais disciplinas intencionalmente estabelecem nexos e vínculos entre si para alcançar um conhecimento mais abrangente, ao mesmo tempo diversificado e unificado”. Segundo Piaget (1973), o termo interdisciplinaridade deve ser reservado para designar “o nível em que a interação entre várias disciplinas ou setores heterogêneos de uma mesma ciência conduz a interações reais, a uma certa reciprocidade no intercâmbio levando a um enriquecimento mútuo”. Quanto ao termo transdisciplinaridade, foi cunhado e referenciado por Piaget no Seminário sobre a Pluridisciplinaridade e a Interdisciplinaridade, realizado em Nice, França, em 1970. Diversos eventos internacionais foram acontecendo e com isso clarificando o conceito de transdisciplinaridade. Logo, este conceito foi sendo construído paulatinamente em diversos eventos que contaram com a organização da UNESCO em 1986 em Veneza, depois em 1991, em Paris, em 1994 em Arrábida, Portugal e 1997 em Locarno, Suiça. Mas foi em 1994, por ocasião do I Congresso Mundial da Transdisciplinaridade, organizado pelo Centro Internacional de Pesquisas e Estudos Transdisciplinares (CIRET), sediado em Paris e realizado em Arrábida (Portugal) que ocorreram significativos ganhos. Neste evento foi elaborada a Carta da Transdisciplinaridade, onde se observam avanços em relação ao conceito e metodologias transdisciplinares. O conceito de transdiciplinaridade registrado naquela Carta enaltece a visão transdisciplinar como uma visão aberta em relação ao domínio das diversas disciplinas, àquilo que as atravessa e as ultrapassa que conduz a uma atitude aberta em relação aos mitos, às religiões. 11 A transdisciplinaridade de acordo com Piaget (1973) é um conceito que envolve “não só as interações ou reciprocidade entre projetos especializados de pesquisa, mas a colocação dessas relações dentro de um sistema total, sem quaisquer limites rígidos entre as disciplinas”. A Figura 2 ilustra o modelo de Jantsch. Uma representação gráfica que sintetiza os conceitos apresentados. Figura 2 - Modelo de Jantsch (1995) INTERDISCIPLINARIDADE E O PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA E GESTÃO DO CONHECIMENTO O Programa de Pós-Graduação em Engenharia e Gestão do Conhecimento O programa de Pós-Graduação em Engenharia e Gestão do Conhecimento (EGC) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) é decorrente de uma reestruturação do Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção (PPGEP). Referido programa está inserido na área interdisciplinar, nova denominação desde 2008 em substituição a denominação multidisciplinar, (COMISSÃO, 2009), da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, a CAPES, um órgão governamental criado no Ministério da Educação (MEC), em 11 de julho de 1951, pelo Decreto nº. 29.741, com o objetivo de “assegurar a existência de pessoal especializado em quantidade e qualidade suficientes para atender às necessidades dos empreendimentos públicos e privados que visam ao desenvolvimento do país.” (HISTÓRICO, 2010). A CAPES comunicou à UFSC, através do ofício nº 164/2004 de 31/03/2004 a recomendação do programa de Pós-Graduação em Engenharia e Gestão do Conhecimento/EGC, nos níveis de mestrado e doutorado com conceito inicial 4 12 (quatro), em uma escala que varia de 1 a 7 (CARTA, 2004). Atualmente o conceito do programa nos níveis de mestrado e doutorado é 4 (quatro). Conforme detalhamento do anteprojeto da Pós-Graduação em Engenharia e Gestão do Conhecimento (DETALHAMENTO, 2004) um dos principais pontos reside na visão epistemológica sobre o objeto de pesquisa do Programa e, em particular, seu caráter de multidisciplinaridade e o relacionamento intrínseco entre suas áreas de concentração. O objeto de pesquisa do Programa é o processo de criação, codificação, gestão e disseminação de conhecimento. Esse objeto está inserido em um ambiente constituído de espaço semântico, mecanismos de comunicação, atores e lógica de relação entre esses elementos. Nesse ambiente o objetivo do programa consiste em pesquisar, conceber, desenvolver e aplicar modelos, técnicas e instrumentos no ciclo de atividades do processo que caracteriza seu objeto de pesquisa. A Figura 3 ilustra o ambiente de inserção do objeto de pesquisa do programa. Figura 3 – Ambiente em que se insere o objeto de pesquisa do Programa. A caracterização multidisciplinar do programa se dá pela articulação de três áreas de concentração na busca dos objetivos dos cursos de mestrado e doutorado, a saber: Engenharia do Conhecimento, Gestão do Conhecimento e Mídias e Conhecimento. A Figura 4 ilustra a relação entre as áreas do conhecimento e o objeto de pesquisa do programa. Figura 4 – Relação entre as áreas de concentração e o objeto de pesquisa do programa Em um dos planos da articulação entre as áreas, está a relação entre a área de Engenharia do Conhecimento com as áreas de Mídia e Conhecimento e Gestão do Conhecimento. Neste cenário, a Engenharia do Conhecimento, focada na codificação e descoberta de conhecimento, provê metodologia e ferramentas para os processos de 13 gestão e disseminação do mesmo. As áreas de Mídia e Conhecimento e Gestão do Conhecimento a Engenharia encontra objetos de pesquisa para a concepção e aplicação de novos instrumentos. Em outro plano, ocorre a interação entre as áreas de Mídia e Conhecimento e Gestão do Conhecimento. A área de Mídia oferece à Gestão, metodologias e ferramentas de compartilhamento e disseminação, tornando a comunicação mais efetiva no processo de gestão. No sentido inverso, é na área de Gestão que os integrantes do Programa ligados à área de Mídia encontrarão elementos de pesquisa. Finalmente, a área de Gestão do Conhecimento oportuniza às outras duas áreas novas abordagens, dada sua visão de organização como uma estrutura de conhecimento, o que permite à Engenharia e à Mídia novas bases cognitivas para concepção e desenvolvimento de suas pesquisas. Deve-se ter sempre presente que, nesse contexto, a separação de qualquer das áreas descaracteriza a proposta de multidisciplinaridade do Programa, dado a modificação de sua abordagem quanto ao objeto de pesquisa. A Interdisciplinaridade no Contexto da Capes A coordenação de área multidisciplinar criada em 1999, onde a Pós-Graduação em Engenharia e Gestão do Conhecimento estava inserida, foi nomeada Área Interdisciplinar em 2008, passando a compor a Grande Área Multidisciplinar. Esta mudança ocorreu (COMISSÃO, 2009): “... da necessidade de se dar conta de novos problemas, de diferentes naturezas e com níveis de complexidade crescentes, que emergem no mundo contemporâneo, muitas vezes decorrentes do próprio avanço dos conhecimentos científicos e tecnológicos, baseados em uma construção do saber notadamente disciplinar”. De acordo com a CAPES (COMISSÃO, 2009), ao longo do tempo tem sido observado amadurecimento nos procedimentos e instrumentos de avaliação dos Programas de Pós-Graduação Interdisciplinares. Mesmo considerando a elevada taxa de não recomendação de novos cursos, a Área Interdisciplinar é aquela com o maior número de cursos reconhecidos. Esta constatação chama a atenção para a necessidade de uniformização na proposição e aplicação de procedimentos e critérios de avaliação. Segundo a CAPES (COMISSÃO, 2009), desde que foi criada, em 1999, a Coordenação de Área Interdisciplinar tem apresentado o maior taxa de crescimento na CAPES. Dois fatores são reconhecidos como os responsáveis por esta constatação: A existência da Área propiciou e induziu na Pós-Graduação brasileira a proposição de cursos em áreas inovadoras e interdisciplinares, acompanhando a tendência mundial de aumento de grupos de pesquisa e programas acadêmicos tratando de questões intrinsecamente interdisciplinares e complexas; e a comissão serviu de abrigo para propostas de novos cursos de universidades mais jovens ou distantes, com estruturas de Pós-Graduação em fase de formação e consolidação, com dificuldades naturais de constituir densidade docente. Em função do expressivo número de cursos abrigados pela Área Interdisciplinar as atividades foram organizadas de forma a responder ao desafio imposto pelo seu porte, ao mesmo tempo em que se preservava a qualidade das avaliações. Como solução apontada para atender a demanda, em 2006, que de certo modo consolidou a prática de organização dos trabalhos que vinha ocorrendo desde 2004, foi a criação de quatro 14 Câmaras Temáticas: CAInter I - Meio Ambiente & Agrárias; CAInter II - Sociais & Humanidades; CAInter III - Engenharia, Tecnologia & Gestão; e CAInter IV - Saúde & Biológicas. A evolução da área de avaliação pode ser observada nas Figuras 5 e 6, onde são apresentadas a evolução da quantidade de cursos na Coordenação de Área Interdisciplinar (CAInter). Figura 5 - Evolução do número de cursos de Pós-Graduação da CAInter credenciados pela CAPES. Figura 6 - Evolução anual do número de cursos de Pós-Graduação submetidos à CAInter e Credenciados pela CAPES. Segundo a Coordenação de Área Interdisciplinar da CAPES (COMISSÃO, 2009), a natureza complexa dos problemas pede diálogos não só entre disciplinas próximas, dentro da mesma área do conhecimento, mas entre disciplinas de áreas diferentes, bem como entre saberes disciplinares e saberes não disciplinares da sociedade e das culturas, dependendo do nível de complexidade do fenômeno a ser tratado. Daí a relevância, no mundo contemporâneo, de novas formas de produção de conhecimento que tomam como objeto fenômenos que se colocam entre fronteiras disciplinares, quando a complexidade do problema requer diálogo entre e além das disciplinas. Diante disso, desafios teóricos e metodológicos colocam-se para diferentes campos da ciência e da tecnologia. Na medida em que os pensamentos disciplinar, pluri, multi e interdisciplinar, antes de se oporem, constituem-se em formas diferenciadas e complementares de geração de conhecimentos, o desafio que se coloca, do ponto de vista epistemológico, é o de identificar características e âmbito de atuação de cada uma dessas modalidades de 15 geração de conhecimento nas diferentes áreas, assim como as suas possibilidades e limites (COMISSÃO, 2009). De acordo com a Coordenação de Área Interdisciplinar (COMISSÃO, 2009), “de uma proposta de Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar, espera-se que o produto final, em geração de conhecimento e qualidade de recursos humanos formados, seja maior que a soma das contribuições individuais das partes envolvidas”. Pelo exposto, depreende-se que a interdisciplinaridade ocupa um lugar de destaque em função de sua natureza transversal caracterizada pelo seu prefixo, avançando além das fronteiras disciplinares, ultrapassando os limites do conhecimento disciplinar por estabelecer pontes entre distintos níveis realidades e formas de produção do conhecimento. CONSIDERAÇÕES FINAIS Sabe-se que “O mundo acadêmico” é o mundo das disciplinas. O avanço da ciência e o progresso tecnológico devem, em boa parte, à verdadeira explosão da pesquisa disciplinar. “A complexificação dos problemas tornou necessária a aproximação e a associação gradual das disciplinas, em diferentes graus, do mais simples – o da multidisciplinaridade, ao mais completo – o da transdisciplinaridade.” (CHAVES, 1988, p. 5). Para Fazenda (1993), a interdisciplinaridade não é ciência, nem ciência das ciências, mas é o ponto de encontro entre o movimento de renovação da atitude frente aos problemas de ensino e pesquisa e a aceleração do conhecimento científico. A interdisciplinaridade, portanto, nos remete para um aprofundamento reflexivo, isto é, para a tomada de consciência da influência do investigador no processo de pesquisa. O investigador faz parte da problemática a estudar. Assim sendo, a ciência de modo geral, e o mundo acadêmico especificamente, não podem estar a serviço deste ou daquele princípio metodológico – engessador, míope e tendencioso -, sob pena de se tornarem reféns de políticas que nem sempre servem aos interesses maiores da humanidade, ou, pior, podem estar a serviço de grupos econômicos ditadores do desenvolvimento humano e social como referência de verdade. O pensamento científico deve ser questionador – pois a verdade pode ser vista por vários ângulos -; deve ser libertador – pois o conhecimento quer ser livre e expandir a própria idéia de conhecimento -; deve ser honesto – pois admitir os erros e fracassos também é uma virtude do conhecimento -, a ciência enfim, nada é sem o fazer científico, de um fazer contínuo, diuturno e incansável. Mesmo porque, a ciência não é eterna, mas, é feita de tempo. Além de ser originário do senso comum, o conhecimento é fundamentado em atividade de pesquisa, com métodos e técnicas apropriadas resultando no que se denomina “conhecimento científico”. Assim, a pesquisa é elemento essencial nessa construção do conhecimento científico, uma vez que a mesma se apresenta como um caminho procedimental para obter esse conhecimento e fazer ciência de forma interdisciplinar, concebendo pesquisa como uma atividade inerente ao ser humano, sendo também um instrumento de ensino, representando, assim, possibilidades de apreensão da realidade. Neste trabalho salienta-se que o conhecimento deve ser construído em conjunto com outras áreas. É através da convergência entre as áreas da engenharia, gestão e mídias que atingiremos a interdisciplinaridade, fator primordial e relevante dentro do programa de Pós-Graduação apresentado. A pesquisa científica deve encontrar formas 16 de relacionar e resgatar, através de métodos e experimentos, o conceito de autoridade intelectual. Deve formalizar e sustentar uma fundamentação teórica que esteja relacionada com a prática. Pelo exposto, percebe-se que a academia ainda tem muito por fazer e articular com o objetivo de atingir resultados cada vez mais convergentes dentro desse propósito. REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS BACHELARD, G. A epistemologia. Lisboa: Edições 70, 2006. ____________. Conhecimento comum e conhecimento científico. In: Tempo Brasileiro. São Paulo, n. 28, p. 47-56, jan-mar 1972. CARDOSO, F. S. et al. Interdisciplinaridade: fatos a considerar. Revista Brasileira de Ensino de Ciência e Tecnologia, v. 1, nº 1, 2008, p. 22-37. CARTA de Aprovação. 2004. Disponível <http://www.egc.ufsc.br/pdfs/Figura4.pdf>. Acesso em: 12 de maio de 2010. em: CHALMERS, A. F., 1976 (tradução, 1993), O que é ciência afinal? Ed. Brasiliense, São Paulo, 225 p. CHAVES, M. M. Complexidade e Transdisciplinaridade: uma abordagem multidimensional do setor saúde. 1988. Disponível em: < http://www.ufrrj.br/leptrans/arquivos/Chaves.pdf >. Acesso em: 10 de maio de 2010. COIMBRA, C. M. B., 1990. 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