Acesso ao Tribunal Constitucional: Possibilidade de ações movidas por estrangeiros Os direitos fundamentais previstos na Constituição brasileira de 1988 são igualmente garantidos aos brasileiros e aos estrangeiros, residentes ou de passagem no território nacional. Dentre esses direitos, encontra-se o direito de ação perante o Poder Judiciário, a fim de reparar ou prevenir violação a direito. É o que prevê o artigo 5º, caput e inciso XXXV, do texto constitucional: Artigo 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito; O artigo 95 do Estatuto do Estrangeiro (Lei Federal nº 6.815, de 19 de agosto de 1981) prevê o seguinte: Artigo 95. O estrangeiro residente no Brasil goza de todos os direitos reconhecidos aos brasileiros, nos termos da Constituição e das leis. Não obstante as referidas normas jurídicas refiram-se literalmente a “estrangeiros residentes no País”, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal fixou o entendimento segundo o qual também os estrangeiros que estejam de passagem no território brasileiro gozam dos mesmos direitos reconhecidos aos brasileiros: EMENTA: Ao estrangeiro, residente no exterior, também é assegurado o direito de impetrar mandado de segurança, como decorre da interpretação sistemática dos artigos 153, caput, da Emenda Constitucional de 1969 e do 5º., LIX da Constituição atual. Recurso extraordinário não conhecido. (RE 215.267, Primeira Turma, relatora Ministra Ellen Gracie, DJU 25.05.2001). “(...) No que concerne ao estrangeiro, quando a Constituição quis limitar-lhe o acesso a algum direito, expressamente estipulou. Assim, quando a própria Constituição estabelece que determinados cargos só podem ser providos por brasileiros natos, enquanto outros, por natos ou naturalizados, certo que estrangeiros, naturalizados brasileiros, nacionais brasileiros passam a ser. Quando a Constituição quis fazer essas discriminações, ela o fez. Mas, o princípio do nosso sistema é o da igualdade de tratamento. (...)” (voto do Ministro Néri da Silveira no RE 161.243, Primeira Turma, relator Ministro Carlos Velloso, DJU 19.2.1997, pp. 775-776). “(...) Ressaltou-se que, em princípio, pareceria que a norma excluiria de sua tutela os estrangeiros não residentes no país, porém, numa análise mais detida, esta não seria a leitura mais adequada, sobretudo porque a garantia de inviolabilidade dos direitos fundamentais da pessoa humana não comportaria exceção baseada em qualificação subjetiva puramente circunstancial. Tampouco se compreenderia que, sem razão perceptível, o Estado deixasse de resguardar direitos inerentes à dignidade humana das pessoas as quais, embora estrangeiras e sem domicílio no país, se encontrariam sobre o império de sua soberania. (...)” (HC 97.147, Segunda Turma, relator para o acórdão Ministro Cezar Peluso, julgamento em 4.8.2009; acórdão ainda não publicado; informação extraída do Informativo STF nº 554, disponível em português em <http://www.stf.jus.br//arquivo/informativo/documento/informativo554.htm>) Assim, independentemente do domicílio, o estrangeiro ou apátrida pode ajuizar ação ou interpor recurso perante o Poder Judiciário brasileiro, com o intuito de discutir a violação ou ameaça a direito. É o que se depreende, também, do artigo 94, § 3º, do Código de Processo Civil: Artigo 94, § 3º Quando o réu não tiver domicílio nem residência no Brasil, a ação será proposta no foro do domicílio do autor. Se este também residir fora do Brasil, a ação será proposta em qualquer foro. Todavia, há alguns requisitos gerais que também os estrangeiros precisam cumprir para o acesso ao Poder Judiciário. Um deles é o uso do idioma nacional em todos os atos processuais, podendo o juiz nomear intérprete para analisar documentos estrangeiros (artigo 13 da Constituição, e artigos 151, 152, 153, 156 e 157 do Código de Processo Civil; precedente do Supremo Tribunal Federal: HC-QO nº 72.391, Ministro Celso de Mello, DJU 17.3.1995). Outra exigência é a contratação de advogado inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), de acordo com o artigo 1º, inciso I, do Estatuto da Advocacia (Lei Federal nº 8.906, de 4 de julho de 1994), com algumas exceções: habeas corpus, ação trabalhista, Juizados Especiais. Ademais, quando o autor não for domiciliado no Brasil, ou se ausentar do território nacional na pendência da demanda, é exigível a prestação de caução suficiente às custas e aos honorários advocatícios da parte contrária, conforme previsto nos artigos 835 e 836 do Código de Processo Civil: Artigo 835. O autor, nacional ou estrangeiro, que residir fora do Brasil ou dele se ausentar na pendência da demanda, prestará, nas ações que intentar, caução suficiente às custas e honorários de advogado da parte contrária, se não tiver no Brasil bens imóveis que Ihes assegurem o pagamento. Artigo 836. Não se exigirá, porém, a caução, de que trata o artigo antecedente: I - na execução fundada em título extrajudicial; II - na reconvenção. Finalmente, o artigo 12 do Código de Processo Civil estabelece que as pessoas jurídicas estrangeiras sejam representadas em juízo pelo gerente, representante ou administrador de sua filial instalada no Brasil (inciso VIII), pois nesse caso presume-se domicílio no Brasil (artigo 88, parágrafo único); na sua ausência, pela pessoa designada no respectivo estatuto constitutivo (inciso VI): Artigo 12. Serão representados em juízo, ativa e passivamente: VI - as pessoas jurídicas, por quem os respectivos estatutos designarem, ou, não os designando, por seus diretores; VIII - a pessoa jurídica estrangeira, pelo gerente, representante ou administrador de sua filial, agência ou sucursal aberta ou instalada no Brasil (art. 88, parágrafo único); § 3º O gerente da filial ou agência presume-se autorizado, pela pessoa jurídica estrangeira, a receber citação inicial para o processo de conhecimento, de execução, cautelar e especial. Artigo 88. É competente a autoridade judiciária brasileira quando: I - o réu, qualquer que seja a sua nacionalidade, estiver domiciliado no Brasil; (...) Parágrafo único. Para o fim do disposto no nº I, reputa-se domiciliada no Brasil a pessoa jurídica estrangeira que aqui tiver agência, filial ou sucursal. Especificamente quanto ao acesso ao Supremo Tribunal Federal (que exerce o papel de Corte Constitucional brasileira), também se exige para o estrangeiro o preenchimento de alguns requisitos. Os instrumentos judiciais específicos que podem ser utilizados são: o recurso extraordinário (recurso constitucional), o mandado de segurança, o mandado de injunção, o habeas corpus e o habeas data, conforme previsão dos artigos 102, inciso III, e 5º, incisos LXIX, LXXI, LXVIII, LXXII, da Constituição brasileira de 1988. No caso do recurso extraordinário, trata-se de recurso cabível contra decisão de última instância do Poder Judiciário, a fim de que a questão constitucional seja analisada pelo Supremo Tribunal Federal. É exigível, tanto de brasileiros como de estrangeiros, o preenchimento dos respectivos requisitos legais. Quanto aos processos de competência originária do Supremo Tribunal Federal, em que incide a prerrogativa de foro, a impetração de mandado de segurança, mandado de injunção, habeas corpus e habeas data depende da autoridade coatora indicada na ação, conforme disposto no art. 102, inciso I, da Constituição (Presidente da República, Câmara dos Deputados, Senado Federal, Procurador-Geral da República etc.). Por fim, a Justiça brasileira tem competência para examinar questões extraterritoriais. É o caso, por exemplo, de crimes cometidos em mais de um país, ficando sujeitos à lei e à jurisdição brasileira nos casos do artigo 70, §§1º e 2º, do Código de Processo Penal, e do artigo 7º do Código Penal: Artigo 70. A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução. § 1º Se, iniciada a execução no território nacional, a infração se consumar fora dele, a competência será determinada pelo lugar em que tiver sido praticado, no Brasil, o último ato de execução. § 2º Quando o último ato de execução for praticado fora do território nacional, será competente o juiz do lugar em que o crime, embora parcialmente, tenha produzido ou devia produzir seu resultado. Artigo 7º Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro: I - os crimes: a) contra a vida ou a liberdade do Presidente da República; b) contra o patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito Federal, de Estado, de Território, de Município, de empresa pública, sociedade de economia mista, autarquia ou fundação instituída pelo Poder Público; c) contra a administração pública, por quem está a seu serviço; d) de genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil; II - os crimes: a) que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir; b) praticados por brasileiro; c) praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, quando em território estrangeiro e aí não sejam julgados. § 1º - Nos casos do inciso I, o agente é punido segundo a lei brasileira, ainda que absolvido ou condenado no estrangeiro. § 2º - Nos casos do inciso II, a aplicação da lei brasileira depende do concurso das seguintes condições: a) entrar o agente no território nacional; b) ser o fato punível também no país em que foi praticado; c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição; d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena; e) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável. § 3º - A lei brasileira aplica-se também ao crime cometido por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil, se, reunidas as condições previstas no parágrafo anterior: a) não foi pedida ou foi negada a extradição; b) houve requisição do Ministro da Justiça. Em matéria cível, os artigos 88 e 89 do Código de Processo Civil determinam a competência do Poder Judiciário brasileiro nos casos que especificam: Artigo 88. É competente a autoridade judiciária brasileira quando: I - o réu, qualquer que seja a sua nacionalidade, estiver domiciliado no Brasil; II - no Brasil tiver de ser cumprida a obrigação; III - a ação se originar de fato ocorrido ou de ato praticado no Brasil. o Parágrafo único. Para o fim do disposto no n I, reputa-se domiciliada no Brasil a pessoa jurídica estrangeira que aqui tiver agência, filial ou sucursal. Artigo 89. Compete à autoridade judiciária brasileira, com exclusão de qualquer outra: I - conhecer de ações relativas a imóveis situados no Brasil; II - proceder a inventário e partilha de bens, situados no Brasil, ainda que o autor da herança seja estrangeiro e tenha residido fora do território nacional. Em conclusão, os estrangeiros, os apátridas e as pessoas jurídicas estrangeiras têm direito de acesso ao Poder Judiciário brasileiro, inclusive ao Supremo Tribunal Federal, desde que atendidos os requisitos legais: idioma nacional, representação por advogado, prestação de caução, e cabimento do instrumento jurídico utilizado (recurso extraordinário, habeas corpus etc.).