8º Simposio de Ensino de Graduação INTERDISCIPLINARIDADE E METODOLOGIAS ATIVAS NA FORMAÇÃO DE PROFISSIONAIS DA SAÚDE - A EXPERIENCIA DA UNIMEP PARA CONSOLIDAR O SUS Autor(es) REGINALICE CERA DA SILVA Co-Autor(es) CARLA MARIA VIEIRA REGINA ZANELLA PENTEADO TEREZA HORIBE JULIA RAQUEL NEGRI 1. Introdução De acordo com as diretrizes da Educação Permanente em Saúde, a Universidade deve formar profissionais comprometidos com as demandas do Sistema Único de Saúde (SUS) e com os movimentos sociais (BRASIL, 2005), identificados com o fortalecimento da humanização, ampliação e qualificação dos serviços públicos de saúde (CECCIM, 2008). Desde os anos 80, a Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP), por meio dos cursos da Faculdade de Ciências da Saúde (FACIS), desenvolve atividades de extensão em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde de Piracicaba, em diferentes unidades da rede pública nas quais os acadêmicos de Educação Física, Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Fonoaudiologia e Nutrição realizam práticas de cuidado específicas de sua profissão. A parceria com o setor de saúde público municipal tem evidenciado a necessidade de contribuir na busca pela integração das diferentes profissões da saúde para garantir a integralidade – uma das principais diretrizes do SUS – e superar suas fragilidades. A experiência acumulada nas práticas dos cursos da FACIS e nos projetos de extensão desenvolvidos no SUS tem contribuído com o processo de definição de papéis e caminhos para nortear o conceito ampliado de saúde. No entanto, a integração das práticas comuns dos profissionais da saúde ainda é uma lacuna importante que demanda olhares e atitudes interdisciplinares (MOYSÉS, GERALDI e COLLARES, 2002). Na perspectiva de diminuir esta lacuna e avançar na formação interdisciplinar em saúde, a partir de 2010 foi oferecida, no período diurno e noturno, aos discentes do 3º semestre dos cursos da FACIS, em turmas mistas, a disciplina Saúde Coletiva, que integra o tronco comum da Faculdade e visa formar profissionais críticos, reflexivos e comprometidos socialmente, com vistas à integralidade na atenção à saúde (MACHADO e LAVRADOR, 2009; CECCIM e FEUERWERKER, 2004). Duas questões emergentes no atual contexto histórico da sociedade e da comunidade acadêmica foram propulsoras deste processo. Por um lado, o anseio antigo dos docentes identificados com o campo da Saúde Coletiva – trabalhadores da saúde, dentro e fora da academia – de promover mudanças na formação dos profissionais em saúde de acordo com as demandas do SUS. A preocupação crescente com a interação entre serviços de saúde, ensino e comunidade – a Educação Permanente – se expressa nos textos das Conferencias de Saúde, nas Diretrizes Nacionais Curriculares (BRASIL, 2002) e nos projetos do Pró-Saúde financiados pelo Ministério da Saúde, que estimula as inovações metodológicas e os novos cenários de práticas para transformar as relações de ensino-aprendizagem e formar sujeitos autônomos, com competências e habilidades exigidas para atuar na realidade concreta (SILVA, 2006). Por outro lado, as disciplinas de tronco comum representaram uma iniciativa da FACIS para reduzir custos e garantir a continuidade da oferta de vagas com manutenção da qualidade dos projetos pedagógicos vigentes. A concretização deste projeto fez emergir diferentes resultados e inquietações na Faculdade, estimulando a abertura do debate à comunidade acadêmica. Entendemos que o registro, reflexão e avaliação acerca do processo de ensino-aprendizagem desta nova disciplina e das experiências acadêmicas são importantes na medida em que possibilitam o diálogo que conduz às melhorias, adaptações e ajustes necessários. 2. Objetivos Relatar o processo de ensino-aprendizagem ocorrido na experiência de implantação da disciplina Saúde Coletiva para os cursos de graduação da FACIS/UNIMEP, durante o primeiro semestre de 2010. 3. Desenvolvimento A disciplina constituída de 2 créditos foi oferecida quinzenalmente para duas turmas do período da manhã e 3 turmas do noturno e ministrada por cinco docentes de diferentes cursos da FACIS, com experiência anterior em Saúde Coletiva (UNIMEP, 2010). O desenvolvimento da disciplina se deu por meio de metodologias ativas de elaboração dos conteúdos e a proposta de ensino-aprendizagem apoiou-se no método de problematização proposto por Freire (1987). O ensino e a aprendizagem da Saúde Coletiva nesta direção requerem mudanças na maneira de perceber os problemas e na forma de realizar atenção em saúde de modo a articular os atores sociais envolvidos na busca de mudança e solução dos problemas encontrados. Dessa forma não cabe modelo pronto, as ações coletivas são pautadas pelas necessidades percebidas e pela identificação de espaços potenciais de atuação a partir da articulação com outros atores sociais (SILVA, 2002). Essas questões justificaram a busca por uma dinâmica de ensino e aprendizagem, dentro e fora da sala de aula, que envolveu a realização de rodas de discussão motivadas por diversos recursos e estratégias dentre eles: 1) construção coletiva de cartazes, dinâmicas grupais; 2) visita aos territórios de três unidades da Estratégia Saúde da Família (ESF): para a)reconhecer e fotografar as condições de vida e relacionar com o processo saúde-doença; b) entrevistar moradores e trabalhadores sobre os problemas de saúde; 3) problematizar sobre a realidade encontrada e elaborar questões de aprendizagem 4) realizar busca ativa de bibliografia para compreender a realidade e propor ações coletivas na perspectiva da Promoção da Saúde; 5) participar de encontro com representantes da comunidade e das equipes da ESF do bairro visitado; 6) utilizar recursos expressivos para contar a História das Políticas Públicas de Saúde no Brasil e 7) realizar ações coletivas com apresentação dos resultados em sala de aula. Além da freqüência e participação ativa nas atividades propostas, a avaliação da disciplina se deu principalmente por meio da construção de portfolio que permite ao aluno refletir, adquirir conhecimento de modo processual e despertar sua criatividade, norteada pela integralidade na formação (CHUN & BAHIA, 2009). O diário de bordo, registro diário das atividades desenvolvidas na disciplina, integrou os portfólios desta disciplina além de textos pesquisados, resenhas, recortes de reportagens de jornais e revistas e texto construído em grupo para responder às questões de aprendizagem. Ao final da disciplina os estudantes avaliaram o processo ocorrido por meio de um questionário. Dada a importância do portfolio enquanto registro da disciplina e espaço de expressão de alunas/os, os resultados apresentados a seguir serão discutidos também a partir dos trechos opinativos dos discentes acerca das principais atividades realizadas na disciplina. 4. Resultado e Discussão A elaboração coletiva de cartazes foI solicitada para que os alunos explicitassem o(s) conceito(s) de saúde já adquiridos, enquanto ponto de partida para desenvolver a disciplina. Neles foram expressos os diferentes conceitos que embasam os modelos de atenção: ausência/presença de doença, o completo bem estar bio-psico-social e a determinação do processo saúde doença. Dessa forma foi possível compreender as diferenças entre os modelos vigentes e o proposto pelo SUS. Sobre esta atividade os discentes assim se expressaram: “Cada grupo trouxe sua idéia em seu cartaz e todos pudemos integrar um conceito ao outro ampliando, assim, o conhecimento do que é ser saudável” (M.S) Para visitar o território sob responsabilidade das equipes da Estratégia Saúde da Família, os alunos foram distribuídos em grupos multidisciplinares e na companhia dos docentes percorreram o bairro, fotografaram o que entenderam ser problema para aquela comunidade e entrevistaram moradores/trabalhadores sobre o que para eles era problema de saúde, visitaram unidades da ESF e o comercio local. Na perspectiva dos discentes: “A visita enriqueceu muito nosso conhecimento, pois além de conhecermos a USF vimos como ela funciona e como é sua estrutura. Pudemos ver também os pontos positivos e negativos do bairro” (O). Em sala de aula puderam problematizar sobre os achados da visita (condições de vida, SUS, ESF), os limites e possibilidades do território para promover saúde, elaborar questões de aprendizagem e realizar busca ativa de bibliografia que permitisse entender a realidade e propor ações educativas junto aos moradores e instituições. Dentre elas destacam-se: aumentar o conhecimento da comunidade sobre as ações de promoção da saúde desenvolvidas pela ESF; aumentar a segurança do bairro (iluminação precária, mato alto e ronda policial insuficiente), promover ações para prevenção de quedas e divulgar melhor os serviços oferecidos pelo curso de Educação Física que podem contribuir para melhorar a qualidade de vida e saúde da comunidade. O depoimento abaixo revela de que forma o aluno do período diurno percebeu essas atividades: “Discutimos em sala como foi a experiência de ter ido a campo e exaltamos o quão interessante e enriquecedora foi a visita, pois a maioria de nós nunca tinha ido a um posto de saúde público (...) e relacionamos a visita aos conceitos de saúde pesquisados na biblioteca” (O) Para completar conhecimentos e verificar de que forma as equipes de Saúde da Família lidam com os problemas levantados, alunos/as participaram de um encontro com representantes das 3 equipes da ESF do território e o presidente do Centro Comunitário, no qual foram abordados o processo de trabalho das Agentes Comunitárias de Saúde (ACS), o acolhimento aos usuários, as atividades grupais que realizam para promover a saúde da comunidade e o papel do controle social na construção do SUS e da ESF. A avaliação desta atividade pode ser conferida nos comentários abaixo: “A partir da discussão feita em sala pude observar que existem várias intervenções que podem ser realizadas para promover a saúde” (DR) “Essa aula foi muito esclarecedora, pois muitas dúvidas que tínhamos sobre a estrutura de saúde e do bairro em si foram esclarecidas” ((Y.M.). As intervenções elaboradas e realizadas pelos grupos multidisciplinares de alunos/as envolveram ações internas e externas à Universidade. Dentre elas destacam-se: 1) a elaboração e divulgação de cartazes e panfletos sobre as diferentes modalidades de esportes oferecidos pelo Centro de Qualidade de Vida (CQV) do Curso de Educação Física da UNIMEP, para divulgar dia e hora dos grupos de promoção da saúde desenvolvidos pelas ESF, sobre prevenção de queda de idosos e DISK 156, fixados e distribuídos no comercio local, nas unidades do SUS e no Terminal de ônibus; 2) elaboração de um vídeo para divulgação interna à UNIMEP sobre as potencialidades do bairro visitado a fim de desconstruir o preconceito existente entre os alunos; 3) visita à rádio comunitária para agradecer o acolhimento dos moradores e informar sobre ações do CQV e demais serviços oferecidos pelos cursos da FACIS; 4) elaboração de proposta para UNIMEP adotar área de lazer próxima ao Taquaral. É importante ressaltar que a mudança de período da visita – diurno ou noturno – possibilitou aos alunos do noturno verificar outros determinantes do processo saúde-doença pouco enfatizados no período da manhã, dentre eles a segurança, relevante pela ausência de iluminação em algumas ruas do bairro. Assistir ao vídeo Políticas Públicas de Saúde no Brasil (SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE, 1992) foi fundamental para que alunas/os compreendessem o processo ocorrido em nosso país que culminou com a construção do SUS e inscreveu a saúde como direito do cidadão e dever do Estado. Os recursos expressivos utilizados para mostrar o entendimento sobre o tema revelaram a criatividade dos diversos grupos multidisciplinares: construção de cartazes em forma de túnel do tempo, gravação de um “vídeo-log”; esquete de teatro e apresentação em power-point. Conhecer e trabalhar em grupo com alunos dos diferentes cursos da FACIS, aprender com metodologia ativa, realizar visita ao território, conhecer a história da saúde no Brasil e fazer intervenção foram os pontos fortes da disciplina na avaliação de alunas/os. Entretanto, para os estudantes do noturno, realizar tarefas em grupos multidisciplinares acarretou dificuldades visto que não se encontravam durante as demais disciplinas e, no contra-turno, a maioria trabalha, o que impedia o encontro para discutir e produzir as tarefas solicitadas. Esse impasse foi contornado com leituras em sala de aula, uso de internet para comunicação à distancia e ajuda de monitoras. 5. Considerações Finais Os cenários de prática e as metodologias ativas desenvolvidas, promoveram o encontro dos estudantes dos cursos da FACIS que puderam, a partir de uma realidade concreta construir olhar interdisciplinar e buscar soluções conjuntas com vistas à integralidade e à qualidade de vida da comunidade, propostas pelo SUS.O encontro com profissionais e com usuários do SUS permitiu encadear os conteúdos propostos ao longo do semestre (SILVA, 2006), ampliar o conceito de saúde, conhecer a ESF e perceber seus limites e possibilidades. Atendendo às DNC (2002) os estudantes conheceram o mundo do trabalho nas unidades de saúde e o território sob sua responsabilidade, nos semestres iniciais dos cursos.Os resultados alcançados permitiram também construir novos caminhos em direção à integração ensino/serviço/comunidade. Agradecimentos: aos moradores do bairro Cecap, Eldorado I e Eldorado II pelo carinho e acolhimento, à disponibilidade das ACS e do presidente do Centro Comunitário do Eldorado e às monitoras da disciplina Saúde Coletiva. Referências Bibliográficas BRASIL. Ministério da Saúde. Departamento de Gestão da Educação na Saúde. A educação permanente entra na roda: pólos de educação permanente em saúde: conceitos e caminhos a percorrer. – 2. ed. – Brasília, 2005.36 p. BRASIL. Resolução CNE/CES5/2002. Estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de graduação em Fonoaudiologia. DOU. Brasília, 9 de Fevereiro de 2002. CECCIM, RB. A emergência da educação e ensino em saúde: intersecções e intersetorialidades. Revista Ciência e Saúde. Porto Alegre, 1 (1): 9-23, 2008. CECCIM RB, FEUERWERKER LCM. Mudanças na graduação das profissões de saúde sob o eixo da integralidade. Cad Saúde Pública. 2004; 20(5):1400-10. CHUN RYS, BAHIA MM. O uso do portfólio na formação em fonoaudiologia sob o eixo da integralidade. Cefac, 2009; 11(4): 688-694 FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. 23ª Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,1987. MACHADO LD, LAVRADOR MCC. Por uma clínica da expansão da vida. Interface- Comunic Saúde Educ 2009;13(supl.1):515-521. MOYSÉS MAA; GERALDI JW e COLLARES CAL. As aventuras do conhecer: da transmissão à interlocução. Educ Soc 2002; 78:91-116. SECRETARIA MUNICIPAL DA SAÚDE DE SÃO PAULO. História das Políticas Públicas de Saúde no Brasil. CEFOR.Renato Tapajós. Tapiri Vídeo produções. 1992. SILVA, RC – A construção da prática fonoaudiológica no nível local norteada pela Promoção da Saúde no município de Piracicaba. [Dissertação de Mestrado] FSPUSP. São Paulo, 2002. _______-- Problematizando o ensino do SUS no Curso de Fonoaudiologia da UNIMEP. Trabalho de Conclusão do Curso de Especialização em Ativação de Processos de Mudança na Formação Superior de Profissionais de Saúde oferecido pela ENSP-Fiocruz em parceria com o Ministério da Saúde. São Paulo, 2006. UNIMEP. Plano de Ensino da disciplina Saúde Coletiva ministrada pelas docentes: Carla Maria Vieira, Júlia Raquel Negri, Regina Zanella Penteado, Reginalice Cera da Silva e Tereza Horibe. Piracicaba, 2010.