FEBRASGO - Manual de Perinatologia MANUAL DE PERINATOLOGIA Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia DIRETORIA Presidente: Etelvino de Souza Trindade Secretária Executiva: Vera Lúcia Mota da Fonseca Vice Presidente da Região Sul: Jorge Abi Saab Neto Vice-Presidente Região Norte: Júlio Eduardo Gomes Pereira Diretor Científico: Nilson Roberto de Melo Vice-Presidente Rigião Nordeste: Olímpio Barbosa Moraes Filho Diretor Financeiro: Francisco Eduardo Prota Vice-Presidente Região Centro-Oeste: Paulo Roberto Dutra Leão Assessoria da Diretoria: Hitomi Miura Nakagawa Vice-Presidente Região Sudeste: Agnaldo Lopes da Silva Filho Diretor de Defesa Profissional: Hélcio Bertolozzi Soares 3 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 3 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Preparada pela Biblioteca da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo ©reprodução autorizada pelo auto Manual de perinatologia / [coordenado por] Eduardo Sérgio Valério Borges da Fonseca. – São Paulo : Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia, 2013. 118 p. 1.Perinatologia. 2. Pré-termo. 3. Perinatologia (Ética) I. Fonseca, Eduardo Sérgio Valério Borges da. II. Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia. NLM WQ210 4 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 4 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia MANUAL DE PERINATOLOGIA Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia MANUAL DE ORIENTAÇÃO Comissão Nacional de Perinatologia Presidente: Eduardo Sérgio Valério Borges da Fonseca (PB) Vice-Presidente: Jorge Fonte de Rezende Filho (RJ) Secretário: Patricia Costa Fonseca Meirelles Bezerra (RN) Membros Rone Peterson Cerqueira Oliveira (BA) Frederico Vitório Lopes Barroso (MA) Keila Santos Pereira (GO) Willian Schneider da Cruz Krettli (MG) Glaucio de Moraes Paula (RJ) Alfredo Bauer (SP) Belmiro Gonçalves Pereira (SP) Eduardo de Souza (SP) Ricardo Porto Tedesco (SP) Roberto Eduardo Bittar (SP) Marcos Takimura (PR) Edson Nunes de Morais (RS) Comissão Nacional de Medicina Fetal Presidente: Renato Augusto Moreira de Sá (RJ) Vice-Presidente: Antonio Fernandes Moron (RJ) Secretário: Coridon Franco da Costa (ES) Membros Lilian Cristina Caldeira Thomé (PA) Antonio Carlos Vieira Lopes (BA) Franscisco Herlânio Costa Carvalho (CE) Alex Sandro Rolland de Souza (PE) Ernesto Antonio Figueiro Filho (MS) Marcos Murilo de Lima Faria (MG) Paulo Roberto Nassar de Carvalho (RJ) Maria de Lourdes Brizot (SP) Denise Araujo Lapa Pedreira(SP) Luciano Marcondes Machado Nardozza (SP) Rafael Frederico Bruns(PR) José Antonio de Azevedo Magalhães (RS) Outros Colaboradores Fernanda Campos da Silva Mário Júlio Franco Regina Amélia Pessoa de Aguiar Sidney Garcia 5 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 5 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia FEBRASGO – Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia Presidência SCES – Trecho 03 conjunto 06, sala 204 – Brasilia – DF e-mail: [email protected] Diretoria Administrativa Avenida das Américas, 8445 – Sala 711 Barra da Tijuca – Rio de Janeiro / RJ – CEP: 22793-081 Tel: (21) 2487-6336 Fax: (21) 2429-5133 e-mail: [email protected] Todo conteúdo deste manual de orientações pode ser encontrado no site: www.febrasgo.org.br Todos os direitos reservados à Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia 6 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 6 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia Índice Seção 1 Perinatologia e cuidados antenatais Perinatologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9 Avaliação pré-concepcional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12 Genética para o obstetra: bases do aconselhamento genético . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25 Seção 2 Complicações maternas e obstétricas: prevenção, diagnóstico e conduta Prematuridade: aspectos relevantes na paciente assintomática . . . . . . . . . . . . . . . . . . Prematuridade: aspectos relevantes na paciente sintomática . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Prematuridade: vitabilidade, viabilidade e via de parto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Corticoterapia antenatal: quando e como indicar? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Rotura prematura das membranas ovulares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Restrição de crescimento fetal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Encefalopatia hipóxico-isquêmica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Manejo do terceiro período do parto: prevencão e tratamento da hemorragia pós-parto . . . 45 53 66 72 76 82 91 99 Seção 3 Parto em situações especiais Parto do feto com restrição de crescimento fetal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Parto do feto macrossômico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Parto do feto portador de malformações congênitas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Parto do feto pós-termo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Parto na gestação gemelar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Anestesia: efeitos sobre o concepto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 107 108 109 110 111 112 Seção 4 Ética em perinatologia Aspectos importantes da ética em perinatologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Interrupção eletiva da gestação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Cirurgia materna de urgência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Prematuridade extrema - limite da viabilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Procedimentos invasivos para tratamento ou diagnóstico materno e/ou fetal durante a gestação e conflitos éticos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 115 116 116 117 117 7 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 7 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia MANUAL DE PERINATOLOGIA APRESENTAÇÃO A Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia, numa ação conjunta das comissões nacionais de medicina fetal e perinatologia, traz esta versão revisada do MANUAL DE PERINATOLOGIA, abordando temas importantes na prevenção da mortalidade e morbidade neonatal. Nosso objetivo é, através de informações atualizadas, proporcionar uma base para a racionalização do emprego dos melhores conhecimentos, incluindo os métodos diagnósticos e terapêuticos em situações clínicas específicas. Este manual não se destina a exaurir todas as possibilidades existentes em cada tema abordado; tampouco pretende substituir o raciocínio clínico que, como se sabe, é elemento de relevância ímpar na prática clínica. Assim, constitui-se apenas em fonte de consulta e, dentro do possível, em um documento normalizador. De forma didática, este manual, dividido em quatro seções, tem por objetivo servir como roteiro para a condução de situações frequentes na perinatologia, buscando melhorar a qualidade da vida desde seu início, alicerçado no cuidado fetal e neonatal. 8 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 8 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia Seção 1 Perinatologia e cuidados antenatais PERINATOLOGIA A morte fetal, do recém-nascido ou de uma mulher na gravidez ou no parto, constitui-se sempre em uma tragédia. A redução destas mortes precoces faz parte das metas do milênio da ONU. Estas mortes decorrem, no mais das vezes, de uma combinação de fatores biológicos, sociais, culturais e de falhas no sistema de saúde. As causas diretas de morte materna, fetal e neonatal, ou seja, a situação clínica final, decorre de uma sequência de eventos prejudiciais ao longo do ciclo de vida, assim como das etapas da assistência da saúde. O termo perinatologia foi introduzido em 1936 por um pediatra alemão, Pfaundler, para definir um período em torno do nascimento, caracterizado por alta mortalidade fetal e neonatal, mas com causa de morte diferente das observadas em crianças mais velhas. O período fetal e o neonatal são, portanto, os períodos estudados na perinatologia. Comparações internacionais de mortalidade neonatal e perinatal e seus componentes são de grande importância. Esta informação procura identificar problemas, desafios temporais e geográficos e diferenças, além de facilitar a proposta de mudanças na política de saúde pública e na sua prática. Uma terminologia precisa se faz necessária para descrever todos os eventos associados com os resultados perinatais. O período fetal estudado na perinatologia se inicia com 22 semanas completas (154 dias de gestação) e se estende até o parto. O período neonatal, por sua vez, corresponde ao decorrido do nascimento até o sétimo dia de vida (período neonatal precoce). Assim, o período perinatal se inicia com 22 semanas completas (154 dias) de gestação, que corresponde a um peso fetal estimado de 500g, até o sétimo dia de vida (Figura 1). Figura 1: Esquema sumarizando algumas definições usadas em perinatologia Mortalidade fetal Precoce Intermediária Mortalidade infantil Tardia Neonatal Precoce Pós-neonatal Tardia Mortalidade perinatal 20 semanas 28 semanas Nascimento 07 dias 28 dias 01 ano Modificado de Aguiar et al. (2007) A perinatologia vem sendo alvo de crescente preocupação para a saúde pública no Brasil desde a década de 1990, quando a mortalidade neonatal passou a responder pela maior proporção de óbitos infantis (60% a 70%), em decorrência da redução mais acentuada das mortes no período pós-neonatal (28 dias de vida a um ano). As afecções perinatais são a primeira causa de mortalidade neonatal e infantil no país, além de corresponderem a 85% das mortes de menores de 05 cinco anos. 9 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 9 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia A mortalidade neonatal precoce representa três quartos das mortes neonatais, cujas origens obstétricas são similares às do natimorto. Considerando-se que a maioria das mortes ocorre próximo ao momento do parto, o estudo da mortalidade perinatal constitui um bom indicador da saúde materna e da qualidade do cuidado obstétrico e neonatal (Tabela 1). Entendem-se como vantagens do uso deste marcador a facilidade de reconhecimento e a especificidade do evento, a possibilidade de agrupamento das causas de morte fetal e neonatal e o fato de não ser necessário o conhecimento da causa. Por outro lado, são consideradas desvantagens a falta de informação em relação às causas evitáveis, os baixos registros em muitas regiões e o fato de não refletir a idade gestacional e o peso ao nascimento. Tabela 1: Estatística vital TMF = (NM/TN) X 1.000 TMNP = (MNP/NV) X 1.000 TMP = [(NM+MNP)/TN] X 1.000 TMF - Taxa de morte fetal NM - Natimorto TN - Total de nascidos TMNP - Taxa de morte neonatal precoce MNP – Mortes neonatais precoces NV – Nascidos vivos TMP – Taxa de morte perinatal. Modificado de Aguiar et al. (2007) 10 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 10 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia Leitura complementar 1. LANSKY, S. Perinatologia – Situação Atual e Perspectivas. In: ALVES FILHO, N; CORRÊA, MD (eds.). Perinatologia Básica. 3ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006, p. 1-6. 2. CABERO, L; CARRERA, JM (orgs.). Perinatology. 1ª ed. Bologna: Monduzzi, 2001. 3. AGUIAR, RALP; AGUIAR, MLP; ABBAS, AP. Mortalidade Perinatal. In: CHAVES NETTO, H; MOREIRA DE SÁ, RA. Obstetrícia Básica. São Paulo: Atheneu, 2007, p. 1021-1032. 4. PRUDENT, L. Conflictos Bioéticos en La Relación Maternofetal. El Feto como Paciente. In: GADOW, EC; FIORILLO, AE. Obstetricia en Esquemas. Buenos Aires: El Ateneo, 2004, p. 420-424. 11 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 11 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia AVALIAÇÃO PRÉ-CONCEPCIONAL O cuidado pré-concepcional tem por objetivo primário a promoção da saúde da mulher em idade reprodutiva antes da concepção para, assim, melhorar os resultados perinatais, tanto maternos quanto infantis. Sabe-se que diversas intervenções antes da gestação, que serão abordadas nesta seção, melhoram o desfecho gestacional. Em linhas gerais, essas intervenções podem ser divididas em quatro categorias: (1) planejamento familiar; (2) identificação de fatores de risco; (3) intervenções e aconselhamento; (4) vacinação. A procura espontânea por avaliação pré-concepcional por parte das mulheres ainda não é comum no Brasil, já que mais da metade das gestações não são planejadas. Além disso, ainda temos uma taxa baixa de assistência pré-natal: somente 45,6% das mulheres tiveram sete ou mais consultas de pré-natal em 2001. É necessária a conscientização, principalmente do profissional de saúde responsável pela atenção primária, seja ele médico ou enfermeiro, sobre a importância do cuidado pré-concepcional, incluindo o planejamento familiar. Muitas dessas gestações não planejadas, ou mesmo a baixa adesão ao pré-natal, devem-se à falta de orientação adequada. Além disso, para algumas condições clínicas, iniciar um tratamento após o diagnóstico de gravidez pode ser tarde demais. As orientações a seguir têm como meta tornar a avaliação pré-concepcional mais acessível às mulheres brasileiras, de forma que elas concebam com maior planejamento e gozando de boa saúde, reduzindo os riscos e as complicações perinatais. 1. PLANEJAMENTO FAMILIAR Toda mulher em idade reprodutiva, ao frequentar qualquer consulta médica, deveria ser questionada sobre seu planejamento reprodutivo. É a oportunidade de se abordarem questões como o desejo de ter ou não filhos, número de filhos e o momento e o espaçamento entre as gestações. A consulta incluiria também orientação sobre contracepção para alcançar esse plano, como melhorar a saúde para aumentar o sucesso da gestação e aconselhamento sobre riscos relacionados à idade. Os principais objetivos do planejamento familiar são expostos a seguir: Objetivos: • Orientação em relação ao planejamento da vida reprodutiva da mulher, incluindo a contracepção, especialmente nos grupos de risco (adolescentes, portadoras de doenças crônicas). • Diminuir gestações não planejadas e abortos provocados. • Diminuir taxa de cesarianas para ligadura tubária. • Aumentar o intervalo interpartal. 12 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 12 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia 2. IDENTIFICAÇÃO DE FATORES DE RISCO GESTACIONAIS: Durante o período pré-concepcional, alguns fatores de risco para a gestação, seja para a mãe ou para o feto, podem ser identificados e muitas vezes corrigidos. Uma avaliação de risco pré-concepcional deve considerar: • Avaliação pessoal de risco • • • História pessoal e familiar, exame clínico e rastreamento laboratorial Prevenção • Planejamento familiar • Nutrição, suplementos, controle do peso e exercícios • Vacinação Riscos individuais • Doenças crônicas • Uso de medicações • Abuso de substâncias, exposição ambiental Muitas comorbidades clínicas são agravadas pela gestação ou pioram o prognóstico da gestação em si. É importante que na concepção as mulheres estejam na sua melhor condição clínica. As diabéticas, por exemplo, precisam de um bom controle glicêmico, da suspensão de hipoglicemiantes orais e de uma avaliação do seu estado de saúde, já que aquelas com nefropatia podem ser desaconselhadas a engravidar. O controle glicêmico adequado parece diminuir em três vezes o risco de abortamento espontâneo ou malformações congênitas. Em outras doenças, as drogas usadas para controle são sabidamente teratogênicas, como o ácido valproico e os anticoagulantes orais. Além de doenças crônicas, muitas mulheres que engravidam têm comportamento de risco, ou seja, hábitos que sabidamente afetam a gestação, como: o fumo, que tem relação com parto prematuro e baixo peso; o consumo de álcool que está ligado à síndrome alcoólica fetal, uma das maiores causas de retardo mental; o uso de algumas substâncias lícitas ou ilícitas; ou um comportamento sexual com risco de exposição a doenças sexualmente transmissíveis. É interessante uma abordagem com questionário a ser respondido pela própria paciente, talvez antes mesmo do início da consulta, para que o rastreio de fatores de risco seja completo, a fim de que o aconselhamento e as intervenções sejam melhor direcionados (Quadro 1). A identificação de algum fator de risco impõe que este seja mais bem detalhado na anamnese, no exame físico e, possivelmente, em exames complementares. 13 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 13 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia Quadro 1: Formulário de avaliação de risco pré-concepcional Nome: Data: Sim Não 1. A senhora pretende engravidar no próximo ano? 2. Acha que está acima ou abaixo do peso? 3. Realiza atividade física regular? 4. Está realizando alguma dieta especial (por exemplo, vegetariana, redução de peso)? 5. Ingere mais que três xícaras de café por dia? 6. Fuma? 7. Faz uso de bebida alcoólica? 8. Faz uso de drogas ilícitas? 9. Faz uso regular de alguma medicação? Qual? 10. Tem alergia a alguma medicação? 11. Tem alguma doença crônica, como hipertensão arterial, diabetes mellitus ou disfunção de tireoide? 12. Teve algum episódio de infecção urinária nos últimos três anos? 13. Teve catapora ou rubéola? 14. Já ouviu falar em toxoplasmose e suas formas de transmissão? 15. Fica exposta a infecções ou agentes químicos no trabalho? 16. Já sofreu abuso físico, mental ou sexual? 17. Tem história familiar de defeitos congênitos ou doenças hereditárias? 18. Teve três ou mais perdas gestacionais por abortamento? 19. Teve alguma perda gestacional após 14 semanas? 20. Teve algum problema de saúde na gestação anterior? Diabetes mellitus? Hipertensão arterial? 21. Algum filho anterior nasceu prematuro (antes de 37 semanas)? 22. Algum filho anterior foi encaminhado à UTI neonatal após o nascimento? 23. Já teve sífilis? 24. Já foi testada para HIV? 25. Já teve herpes oral ou genital? 26. Já foi vacinada para hepatite B e rubéola? 3. INTERVENÇÕES E ACONSELHAMENTO Uma história clínica e exame físico completos são fundamentais para a decisão das intervenções e do aconselhamento. Algumas intervenções e exames laboratoriais devem ser realizados de forma rotineira para completar a avaliação de risco pré-concepcional. No entanto, a identificação de fatores de risco pelo questionário proposto implica em ações de aconselhamento e intervenções específicas em relação à história clínica e obstétrica pregressas, hábitos sociais e história familiar. 14 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 14 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia NUTRIÇÃO, PESO E EXERCÍCIOS Hábitos de vida e de dieta saudáveis e exercícios físicos regulares devem ser iniciados antes da concepção. Essas medidas podem evitar complicações na gestação, como diabetes gestacional e hipertensão arterial. Dentre as orientações dietéticas, é importante o cozimento adequado das carnes e peixes, lavagem exaustiva de verduras e frutas e ingestão de ovos e laticínios pasteurizados. Em relação ao peso, mulheres com índice de massa corpórea (IMC) fora da faixa normal (19 a 25) devem ser aconselhadas em especial. Naquelas com baixo peso, deve ser investigada a possibilidade de bulimia ou anorexia, e naquelas com sobrepeso, a alternativa de redução de peso. O exercício físico deve ser estimulado na pré-concepção. Exemplos de atividades que podem ser continuadas na gestação incluem: ioga, caminhada, corrida, natação, andar de bicicleta, entre outros. A atividade física deve ser realizada por 30 a 60 minutos, cinco vezes ou mais por semana. SUPLEMENTOS A suplementação com benefício mais estabelecido é o ácido fólico na dose de 400μg/ dia para a prevenção de defeitos do tubo neural (DTN). Essa suplementação deve ser iniciada 30 dias antes da concepção e mantida por dois ou três meses após. Ela reduziu em 93% a incidência de DTN. Em mulheres que já tiveram uma gestação com feto com DTN, a dose deve ser de 4 mg/dia, o que reduziu a reincidência em 69%. O uso do ácido fólico também parece diminuir a incidência de defeitos cardíacos e fendas faciais. Desde 2002, a lei brasileira obriga a adição de ácido fólico nas farinhas de trigo e de milho, sendo a proporção de 150μg de ácido fólico a cada 100g de farinha, na tentativa de reduzir a incidência dessas malformações. Em 2012, a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia fez uma recomendação formal que incluía as recomendações acima descritas, a exemplo de organismos internacionais como a Organização Mundial de Saúde (OMS), o Congresso Americano de Obstetras e Ginecologistas (ACOG), o Colégio Real de Obstetrícia e Ginecologia (RCOG), entre outros. DOENÇAS INFECCIOSAS Busca-se o estado sorológico das mulheres em relação a doenças infecciosas que tenham algum tipo de repercussão negativa sobre a gestação. O Quadro 2 resume o rastreio e o aconselhamento em relação a doenças infecciosas. 15 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 15 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia Quadro 2: Doenças infecciosas e pré-concepção Doença HIV Força de evidência A Qualidade da evidência Recomendação I-b Todo casal deve ser encorajado a saber seu estado sorológico para HIV. Caso negativo, orientar sobre formas de transmissão. Caso positivo, orientar sobre risco de transmissão vertical, oferecer contracepção. Caso opte por gestar, iniciar tratamento antes da concepção. Não há evidência de que o rastreamento universal para hepatite C melhore o desfecho gestacional. Mulheres com alto risco devem ser testadas. As com sorologia positiva devem ser aconselhadas sobre risco para a saúde e transmissão, as que estão em tratamento devem ser desaconselhadas de gestar. Hepatite C C III Tuberculose B II-2 Mulheres com alto risco devem ser rastreadas e tratadas antes da gestação. Não há evidência clara de que o aconselhamento e o rastreamento reduzam a infecção. Quando testadas, aquelas positivas podem ser confortadas de que não estão em risco de aquisição na gestação. As negativas devem ser aconselhadas sobre formas de transmissão. Toxoplasmose C III Citomegalovírus C II-2 Listeriose C III Aconselhar mulheres a evitar patês e queijo fresco produzido com leite não pasteurizado e a cozinhar comidas enlatadas como salsichas. Parvovírus E III Sem evidência de melhora de desfecho com rastreio ou aconselhamento. Mulheres que têm filhos pequenos ou que trabalham com crianças devem ser aconselhadas sobre redução de risco com cuidados de higiene. 16 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 16 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia Doença Força de evidência Qualidade da evidência Malária C III Gonorreia B II-2 Mulheres com alto risco devem ser rastreadas e tratadas. Clamídia A I-a Todas as mulheres abaixo de 25 anos ou com fatores de risco devem ser rastreadas em consultas rotineiras antes da gestação. Sífilis A II-1 É recomendado o rastreio universal antes da concepção e tratamento dos casos. Recomendação Aconselhar a evitar viagem para áreas endêmicas. Caso não seja possível, orientar contracepção e fornecer quimioprofilaxia. Herpes simples B II-1 Mulheres com histórico de herpes genital devem ser aconselhadas sobre transmissão. As sem histórico, sobre formas de aquisição. O rastreio sorológico universal não é recomendado. Bacteriúria assintomática E II-1 O rastreio e tratamento na pré-concepção não diminui a infecção e suas consequências na gestação. Não é recomendado. I-b O rastreio e o tratamento de doenças periodontais, apesar de benéficos para a mãe, não fazem parte do cuidado pré-concepcional por não terem benefício direto para o feto comprovados. D/C I-b Em mulheres sem histórico de parto prematuro, não há benefício do rastreio universal (D). Naquelas com parto prematuro anterior, o rastreio e tratamento parecem ser benéficos (C). E I-2 O rastreio de colonização na pré-concepção não é recomendado. Doenças periodontais Vaginose bacteriana Streptococcus do grupo B C 17 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 17 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia DOENÇAS CRÔNICAS A identificação de doenças crônicas através do questionário deve ser melhor explorada na anamnese e no exame físico, de forma que um aconselhamento correto possa ser realizado. Algumas situações específicas em relação a comorbidades clínicas e hábitos sociais são abordadas também no Quadro 3. • DIABETES MELLITUS Há aumento do risco de malformações congênitas, principalmente cardíacas e do tubo neural, relacionado ao mau controle glicêmico. Este controle glicêmico deve ser feito com dieta, exercícios físicos e insulina quando indicado. Além de ajustar a glicemia, a avaliação pré-concepcional também deve rastrear as complicações vasculares do diabetes e desestimular a gravidez na presença de doença cardíaca isquêmica, retinopatia proliferativa, nefropatia com clearance de creatinina abaixo de 50mL/min, proteinúria acima de 2g/24h ou creatinina acima de 2mg/dL, hipertensão não controlada e gastroparesia. É interessante a dosagem do TSH, já que 40% das diabéticas tipo 1 têm hipotireoidismo. • HIPERTENSÃO ARTERIAL A hipertensão está relacionada a complicações graves maternas e fetais. Todas as mulheres hipertensas, antes de engravidar, devem realizar a dosagem de creatinina, proteinúria de 24 horas, clearance de creatinina, eletrocardiograma e exame oftalmológico. É importante a identificação de fatores de risco cardiovasculares, de causas reversíveis de hipertensão e de possível comprometimento de órgãos alvo. Hipertensão secundária, lesão de órgão alvo (insuficiência cardíaca, retinopatia, nefropatia, acidente vascular cerebral prévio), dislipidemia, idade maior que 40 anos, pressão arterial sistólica maior ou igual a 160mmHg ou diastólica maior ou igual 110mmHg estão associados a maior risco na gestação. Medidas como controle de peso, exercícios físicos regulares e restrição de sódio na dieta são recomendadas. Quando necessário o uso de medicações, os inibidores da enzima conversora de angiotensina e os antagonistas de receptores de angiotensina devem ser evitados por serem teratogênicos. • EPILEPSIA A concepção deve ser adiada até que as crises estejam controladas com dose baixa de medicação e, de preferência, com monoterapia. A melhor droga é aquela que melhor controla as crises. A maioria das drogas é classificada como categoria C, exceto carbamazepina, primidona, ácido valproico e fenitoína, que são potenciais teratógenos. Mulheres que estão sem crise há dois anos e com eletroencefalograma normal podem ser candidatas a suspensão da medicação após consultar um neurologista. Muitos anticonvulsivantes interferem no metabolismo do ácido fólico, de forma que sua suplementação deve ser com a dose de 4mg/dia. 18 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 18 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia HÁBITOS SOCIAIS O fumo na gestação está associado a diversos desfechos adversos. Os benefícios da interrupção do fumo são significativos: prevenção de 10% das mortes perinatais, 35% dos recém-natos de baixo peso e 15% dos partos prematuros. O consumo de um a cinco cigarros por dia está associado à incidência de baixo peso ao nascer 55% maior do que que em não fumantes. A consulta pré-concepcional deve enfatizar esses riscos e aconselhar a cessação do fumo. A síndrome alcoólica fetal é uma das principais causas de retardo mental preveníveis no mundo. A estimativa do consumo de álcool na gravidez é de mais de 12%, e nenhuma dose de álcool é segura em nenhum momento da gestação. Seu uso deve ser desestimulado na orientação pré-concepcional. Quadro 3: Intervenções pré-concepcionais para mulheres com fatores de risco específicos Fator de risco Intervenção Prevenção Tabagismo Cessar o fumo PMT, BPN etc. Álcool Evitar ingestão Anomalias congênitas, retardo mental Obesidade Dieta e exercícios para normalizar IMC. Rastreio para DM Infertilidade, DTN, PMT, PC, HAS, DM, TEV Diabetes mellitus Euglicemia, rastreio de bacteriúria assintomática Anomalias congênitas, abortamento, mortalidade perinatal, hospitalização materna, doença renal materna Hipertensão arterial Evitar inibidores da ECA, rastreio de lesão renal, oftálmica e cardíaca Anomalias congênitas, complicações hipertensivas, PC, CIUR, DPP, PMT, morte perinatal Hipotireoidismo Suplementação de tiroxina para manter TSH normal (0,5 – 2,0mUI/L) Infertilidade, HAS, PE, anemia, PMT, morte fetal, possíveis problemas neurológicos na criança Hipertireoidismo Suplementação com propiltiouracil para T4l normal superior e TSH normal inferior Perda gestacional espontânea, PMT, PE, morte fetal, CIUR, ICC materno, crise tireotóxica, doença de Gravis neonatal Epilepsia Menor dose segura de anticonvulsivante, monoterapia, ácido fólico 4mg/dia Anomalias congênitas Asma Controle clínico como em não gestantes PMT, BPN, PE, mortalidade perinatal Lúpus eritematoso sistêmico Mais que seis meses de estabilidade clínica HAS, PE, PMT, morte fetal, CIUR, lupus neonatal HIV Iniciar ou ajustar medicação para: 1- carga viral inferior a 1000c/mL, 2- evitar drogas teratogênicas Infecção perinatal pelo HIV 19 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 19 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia PMT: prematuridade BPN: baixo peso ao nascimento IMC: índice de massa corpórea DM: diabetes mellitus DTN: defeito do tubo neural PC: parto cesáreo HAS: hipertensão arterial TEV: tromboembolismo venoso ECA: enzima conversora de angiotensina CIUR: crescimento intrauterino restrito DPP: descolamento prematuro de placenta PE: pré-eclâmpsia ICC: insuficiência cardíaca congestiva HIV: vírus da imunodeficiência adquirida. HISTÓRIA REPRODUTIVA • ANTECEDENTE DE RECÉM-NATO COM BAIXO PESO O peso ao nascimento menor que 2.500g inclui os nascidos antes de 37 semanas e os com crescimento fetal restrito. Trinta por cento dos prematuros também sofreram restrição do crescimento fetal, de forma que muitos fatores de risco e medidas de prevenção são comuns. Mulheres que tiveram um parto prematuro anterior têm risco aumentado de prematuridade em uma futura gestação. Quanto mais precoce o nascimento, maior esse risco. Após um parto antes de 35 semanas, a mulher tem 16% de chance de um segundo parto prematuro. Esse risco aumenta para 41% após dois partos prematuros e 67% após três. O antecedente de prematuridade é o fator de risco com maior impacto para outro parto prematuro. Outros fatores importantes são o peso materno abaixo de 50kg, o IMC abaixo de 19,8, raça negra, fumo, pequeno intervalo interpartal, história de incompetência istmocervical ou colo curto ao ultrassom na gestação. Já a restrição de crescimento fetal tem outros fatores de risco maternos, fetais e placentários. Dentre os maternos, estão a doença vascular crônica materna, hipertensão arterial, insuficiência renal, diabetes mellitus e doenças do colágeno. Os fetais incluem alterações cromossômicas, diversas síndromes genéticas e infecções. Os placentários, por sua vez, são o descolamento crônico, placenta prévia e infartos placentários. Esse conhecimento dos fatores de risco é fundamental para um bom aconselhamento pré-concepcional. É a oportunidade de identificar essas mulheres através da história clínica e tentar reverter os riscos modificáveis. Em especial, a manutenção do peso adequado, a interrupção do fumo, orientação sobre correção da incompetência 20 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 20 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia istmocervical na gestação e o possível uso de progesterona nos casos de parto prematuro anterior espontâneo. • ABORTAMENTO ESPONTÂNEO ANTERIOR As perdas gestacionais no primeiro trimestre podem ser esporádicas ou de repetição. As primeiras acontecem ao acaso ao longo da vida reprodutiva e em 10% a 15% das gestações reconhecidas. Já o aborto de repetição é definido como três ou mais perdas consecutivas espontâneas. As pacientes que sofreram uma perda esporádica antes de 14 semanas de gestação podem ser aconselhadas em relação ao bom prognóstico para futuras gestações e seguir orientação pré-concepcional de rotina. Aquelas cuja perda foi após 14 semanas podem ser melhor avaliadas na tentativa de relacionar a perda a um parto prematuro ou natimorto. Já no caso de abortamento de repetição, a investigação deve incluir a pesquisa de anticorpos antifosfolipídeos, cariotipagem dos pais e ultrassonografia do útero para a pesquisa de anomalias uterinas. A avaliação da função tireoidiana, o teste de tolerância a glicose ou deficiência da fase lútea não têm comprovação de relação com aborto de repetição, não havendo evidências suficientes para a recomendação. A presença de anticorpos antifosfolipídeos pode indicar o uso de aspirina e heparina, que, em um estudo, diminuiu a taxa de aborto em 54%. Os casais com alteração cromossômica devem ser encaminhados para aconselhamento genético na pré-concepção, e as anomalias uterinas como os septos ou alguns tipos de miomas devem ser removidos também antes da próxima gestação. Quando não é identificada uma causa, o prognóstico é favorável (I-a). • ANTECEDENTE DE NATIMORTO Os natimortos correspondem à metade da mortalidade perinatal e 50% têm causa desconhecida. O risco de recorrência é de duas a 10 vezes aumentado em relação a uma mulher sem esse antecedente. O risco depende das características do episódio anterior, como a etiologia, a idade gestacional no acontecimento e a presença de restrição de crescimento. Muitas condições clínicas maternas aumentam o risco fetal e, com isso, os óbitos (Quadro 4). Além disso, um natimorto anterior aumenta o risco de diversas outras complicações obstétricas. O ideal é que o maior número de informações seja conseguido no momento do óbito fetal. É muito importante a autópsia do feto, o exame patológico da placenta e cariotipagem quando possível. A orientação pré-concepcional é muito baseada nesses relatórios de autópsia e patologia da placenta. Como cerca de metade dos casos tem restrição de crescimento associada, as intervenções relacionadas ao CIUR devem ser consideradas, como controle de comorbidades clínicas e interrupção do fumo. 21 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 21 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia Quadro 4: Risco de natimortalidade em relação a fatores de risco maternos Condição clínica Prevalência (%) Taxa de natimortos por 1000 6,4 1,0 80 4-4,5 0,86 6-10 6-25 1,5-2,7 Todas as gestações Gestações de baixo risco Razão de chances Doenças hipertensivas • HAS crônica • Pré-eclâmpsia • Leve 5,8-7,7 9-51 1,2-4,0 • Grave 1,3-3,3 12-29 1,8-4,4 Diabetes mellitus • Uso de dieta • Uso de insulina 2,5-5 6-10 1,2-2,2 2,4 6-35 1,8-4,4 Lupus eritematoso sistêmico <1 40-150 6-20 Doença renal <1 15-200 2,2-30 0,2-2 12-20 2,2-3,0 1-5 18-40 2,8-5,0 10-20 10-15 1,7-3,0 Doenças da tireoide Trombofilias Fumo acima de 10 cigarros/dia Obesidade (pré-concepção) • IMC 25-29,9kg/m² 21 12-15 1,9-2,7 • IMC * 30kg/m² 20 13-18 2,1-2,8 Antecedente de CIUR Antecedente de natimorto 6,7 12-30 2-4,6 0,5-1 9-20 1,4-3,2 Gestação múltipla (atual) • Dupla 2,7 12 1,0-2,8 • Tripla 0,14 34 2,8-3,7 15-18 11-14 1,8-2,2 2 11-21 1,8-3,3 15 12-14 2,0-2,2 Idade materna avançada • 35-39 anos • * 40 anos Raça negra x raça branca 4. VACINAÇÃO Muitas doenças que podem ser prevenidas com vacinação podem ter consequências graves para a mãe e o feto durante a gestação, de forma que a imunização no período pré-concepcional é uma questão importante. Algumas vacinas agem evitando a infecção 22 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 22 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia congênita e outras evitando a transmissão perinatal. Algumas são recomendadas na préconcepção porque não podem ser administradas na gestação, outras por terem uma vantagem para a saúde materna pelas doenças terem tratamento contraindicado na gestação. O Quadro 5 resume as indicações de vacinação no período pré-concepcional. Quadro 5: Vacinas recomendadas na pré-concepção Todas as mulheres em idade reprodutiva • Gestação planejada durante a época de epidemia de gripe: influenza • Sem evidência de imunidade a rubéola ou varicela: MMR e/ou varicela (orientar contracepção por três meses) • Tétano, difteria, pertussis caso cartão de vacinação não esteja em dia Idade • Todas entre nove e 26 anos: HPV • Todas abaixo de 18 anos: hepatite B Ocupacional • Profissionais de saúde: hepatite B, influenza, MMR, varicela • Qualquer profissão com risco de contaminação com sangue: hepatite B • Militares: meningococo História social • Múltiplos parceiros sexuais: hepatite B • Contato próximo com pessoa infectada cronicamente pelo vírus da hepatite B: hepatite B • Usuários de drogas injetáveis: hepatite B • Fumo, abuso de álcool: pneumococo Viagens/imigração • Viagem para áreas endêmicas de hepatite A, ou febre amarela ou meningococo: hepatite A, febre amarela ou meningococo Doenças crônicas • Pulmonar incluindo asma: pneumococo • Cardiovascular: influenza, pneumococo • Renal: influenza, pneumococo, hepatite B (quando em diálise) • Diabetes mellitus: influenza, pneumococo • Hematológica/imunológica: • Distúrbios de coagulação: hepatite A • Esplenectomizadas ou com asplenia funcional: pneumococo, influenza • Imunocomprometidos (HIV, câncer, quimioterapia, uso de corticoide): pneumococo • Hepática: hepatite A e B, pneumococo Infecções • DST: hepatite B • HIV: hepatite B, influenza, pneumococo, considerar meningococo 23 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 23 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia Leitura complementar 1. MOOS, MK; CEFALO, RC. Preconceptional health promotion: a focus for obstetric care. Am J Perinatol. 1987; 4: 63-7. 2. JACK, BW; CULPEPPER, L. Preconceptional care: risk reduction and health promotion in preparation for pregnancy. JAMA. 1990; 264: 1147-9. 3. [IBGE] Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. 2002. Disponível em: http:// www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/12062003indic2002.shtm. Acessado em: 24 jan. 2010. 4. [ACOG] American Congress of Obtetricians and Gynecologists. ACOG Committe opinion n. 313. The importance of preconceptional care in the continuum of women’s health care. Obstet Gynecol. 2005; 106: 665-6. 5. JOHNSON, K; POSNER, SF; BIERMANN, J; CORDERO, JF; ATRASH, HK; PARKER, CS; BOULET, S; CURTIS, MG; GROUP, CDC. ATSDR Preconception Care Work e Care. Select Panel on Preconception. Recommendations to improve preconception health and health care – United States. MMWR Recomm Rep. 2006; 21(55): 1-23. 6. [ICSI] Institute for Clinical Systems Improvement. ICSI – Health Care Guidelines: Routine Prenatal Care. 2009. Disponível em: http://www.icsi.org/guidelines_and_ more/gl_os_prot/womens_health/prenatal_care_4/prenatal_care__routine__3. html. Acessado em: 24 jan. 2010. 7. TIEU, J; CROWTER, CA; MIDDLENTON, P. Dietary advice in pregnancy for preventing gestational diabetes mellitus. Cochrane Database Syst Rev. 2008; CD006674. 8. BERGHELLA, V; BUCHANAN, E; PEREIRA. L; BAXTER, JK. Preconception Care. Obstet Gynecol Survey. 2010; 65: 119-31. 9. LUMLEY, L; WATSON, L; WATSON, M et al. Preconceptional supplementation with folate and/or multivitamins to prevent neural tube defects. Cochrane Database Syst Rev. 2005; CD001056. 10. [ANVISA] Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução – RDC nº 344, de 13 de dezembro de 2002. D.O.U. – Diário Oficial da União; Poder Executivo. 2002. 11. JACK, BW; ATRASH, HA; COONROD DV; MOOS MK; O’DONNEL, J; JOHNSON. K. The clinical content of preconception care: an overview and preparation of this supplement. Am J Obstet Gynecol. 2008; 199(6): S266-79. 12. American Diabetes Association. Preconceptional care of women with diabetes. Diabetes Care. 2004; 27: S76-8. 13. American Academy of Neurology. Practice parameter: management issues for women with epilepsy (summary statement). Report of the Quality Standards Subcommitte of the American Academy of Neurology. Neurology. 1998; 51: 944-8. 14. Center of Disease Control and Prevention. The Health benefits of smoking cessations. JAMA. 1990; 264: 1930. 15. Center of Disease Control and Prevention. Alcohol consumption among women who are pregnant or who might become pregnant. MMWR. 2004; 53: 1178-81. 24 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 24 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia GENÉTICA PARA O OBSTETRA: BASES DO ACONSELHAMENTO GENÉTICO A genética é a especialidade médica que lida com o diagnóstico, tratamento e o controle dos distúrbios hereditários. Com o advento da ultrassonografia e das técnicas de reprodução assistida, a genética passou a fazer parte do dia a dia da obstetrícia criando, com isso, a necessidade de que o obstetra tenha conhecimento de conceitos básicos e princípios do aconselhamento genético. A idealização do filho perfeito é, em algumas circunstâncias, interrompida com a identificação de uma anomalia congênita ou doença genética. A introdução da ultrassonografia na rotina da obstetrícia tem permitido que, pelo menos nos casos das anomalias anatômicas maiores, essa identificação seja antecipada para o período pré-natal. Anomalia congênita é qualquer anomalia anatômica, estrutural ou funcional presente ao nascimento, embora possa não ser aparente neste momento, sendo o seu diagnóstico realizado somente mais tarde, algumas vezes já na vida adulta. A ocorrência de uma anomalia congênita não é evento raro na prática obstétrica. Cerca de 2% a 4% dos recém-nascidos vivos apresentam alguma anomalia congênita identificável ao nascimento. Ao fim do primeiro ano de vida, esse número dobra. Entre as perdas perinatais, essa proporção é ainda maior. Estima-se que 20% das mortes perinatais se devem a anomalias congênitas. É importante ter em mente que nem toda anomalia congênita é genética e também nem toda síndrome genética se manifesta com anomalias congênitas identificáveis durante a gestação ou mesmo no parto. Além dos conceitos apresentados nesse capítulo, é preciso estar atento para o significado de alguns termos em genética para evitar a interpretação equivocada do texto. Em genética, quando utilizamos o termo “portador” estamos nos referindo a um indivíduo sem a presença da doença, mas que carrega uma alteração, seja cromossômica, seja gênica, que está etiologicamente relacionada à doença presente em um dos seus filhos. Quando nos referimos ao indivíduo com o diagnóstico firmado de uma doença genética utilizamos o termo “afetado”. 1. ETIOLOGIA DAS ANOMALIAS CONGÊNITAS Embora seja difícil determinar com precisão as causas das anomalias congênitas, estimase que as causas genéticas, isoladamente ou em conjunto com fatores ambientais, estejam etiologicamente envolvidas em um terço dessas anomalias. As anomalias congênitas podem ser divididas em dois grandes grupos: induzidas por teratógenos ou de etiologia genética. 25 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 25 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia 1.1 TERATÓGENOS Denomina-se teratógeno qualquer agente que seja capaz de produzir uma alteração permanente na estrutura ou função de um organismo após a exposição durante a vida embrionária ou fetal. Os teratógenos englobam, então, fatores ambientais, medicamentos, drogas de abuso e químicos ocupacionais. O Quadro 1 apresenta os principais teratógenos relacionados a anomalias congênitas em humanos. Quadro 1: Teratógenos e anomalias congênitas Doenças maternas: diabetes mellitus, fenilcetonúria, distrofia miotônica, lúpus eritematoso sistêmico, tumores secretores de androgênios Doenças infecciosas: sífilis, toxoplasmose, rubéola, citomegalovírus, herpes, varicela, parvovírus Agentes ionizantes: radiação terapêutica (radioterapia), iodo radioativo Drogas e medicamentos: álcool, cocaína, talidomida, metotrexate, difenilhidantoína, ácido valproico, carbamazepina, fenobarbital, ácido retinoico e seus derivados, lítio, warfarina e seus derivados, inibidores da ECA (enzima de conversão da angiotensina), antagonistas dos receptores da angiotensina, misoprostol, anti-inflamatórios não esteroides (após 32 semanas de gestação), metimazole, ciclofosfamida, danazol e outros androgênios, ribavirina, antilipedêmicos (sinvastatina, fluvastatina, lovastatina, cerivastatina, atorvastatina, pravastatina), fluorouracil, antineoplásicos, luprolide, bosentan, xenodiol, mifepristone, estrogênios Agentes ambientais: metilmercúrio e chumbo 1.2 DOENÇAS GENÉTICAS A informação genética das células humanas é transmitida através do DNA – ácido desoxirribonucleico. O DNA é encontrado, em sua maior parte, no núcleo da célula, e o restante nas mitocôndrias, no citoplasma. O conteúdo haploide do DNA de um gameta humano (óvulo ou espermatozoide) é denominado genoma e é composto por 22 cromossomos autossômicos, numerados de um a 22, e um cromossomo sexual, X ou Y. Um indivíduo normal tem duas cópias de cada cromossomo autossômico e um par de cromossomos sexuais, ou seja, um total de 46 cromossomos. A estrutura anatômica do DNA carrega a informação química que permite a transmissão exata da informação genética durante a divisão celular e, em consequência, de uma geração para a próxima. Cada cromossomo humano é constituído de uma dupla hélice de DNA contínua e única, totalizando mais de 6 bilhões de nucleotídeos. Um gene é uma sequência de nucleotídeos do DNA que codifica (transcreve) moléculas funcionais de RNA. O produto da maioria dos genes é uma proteína, cuja estrutura determina sua função particular na célula. A posição ocupada por um gene em um cromossomo é denominada locus. A informação genética em determinado locus é denominada alelo. Embora existam outros padrões de herança, as doenças genéticas são classicamente 26 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 26 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia divididas em três grupos: doenças cromossômicas, doenças monogênicas (ou mendelianas) e doenças de herança complexa (ou multifatoriais). Diversas doenças genéticas apresentam heterogeneidade, ou seja, uma mesma doença pode ter mecanismos diferentes de herança ou ter apresentação clínica diferente. Isso ocorre porque elas podem ser determinadas por mutações em loci diferentes ou por mutações diferentes em um mesmo locus. A Tabela 1 apresenta a frequência dos diferentes tipos de doenças genéticas na população humana. Tabela 1: Frequência das doenças genéticas (por 1.000) Tipos Incidência ao nascimento Prevalência aos 25 anos Prevalência na população 6 10 ~ 50 1,8 3,6 ~ 50 3,8 20 ~ 600 Doenças causadas por mutações genômicas e cromossômicas Doenças monogênicas Doenças com herança complexa 1.2.1 DOENÇAS CROMOSSÔMICAS As anomalias cromossômicas são causadas por alterações no número ou estrutura dos cromossomos e podem envolver autossomos, cromossomos sexuais ou ambos. A grande maioria das doenças cromossômicas pode ser investigada pela realização do cariótipo. Algumas anomalias estruturais podem passar despercebidas ao estudo cromossômico que utiliza as técnicas habituais de citogenética. Por isso, em situações particulares, algumas técnicas especiais de análise cromossômica podem ser necessárias. 1.2.1.1 ANOMALIAS CROMOSSÔMICAS NUMÉRICAS O tipo mais comum da anomalia cromossômica com repercussão clínica é a aneuploidia, termo que representa um número anormal de cromossomos. Entre as aneuploidias, as mais comuns são as trissomias e as monossomias. Na trissomia existem três cópias de um dos cromossomos, enquanto na monossomia existe apenas uma cópia de um dos cromossomos. Os indivíduos euploides, ou seja, com número de cromossomos normal, têm duas cópias de cada um dos cromossomos. As alterações numéricas mais frequentes (trissomias e monossomias), em geral, são resultantes da falha na separação de dois cromossomos homólogos (fenômeno de não disjunção) durante a gametogênese (meiose). Existe influência direta da idade da mulher no risco de filhos afetados com trissomias livres: quanto maior a idade materna, maior o risco. As trissomias frequentemente vistas em amostras fetais (material de aborto, vilo corial, amniocentese e cordocentese) são as que envolvem o cromossomo 16 (mais comum em abortamentos precoces) e os cromossomos 13 (síndrome de Patau), 18 (síndrome de Edwards) e 21 (síndrome de Down). A monossomia do cromossomo X 27 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 27 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia (Síndrome de Turner) é também comum em material de abortamentos e em material obtido por técnicas invasivas de diagnóstico pré-natal, mas não sofre influência da idade materna. A trissomia do cromossomo 21 e a monossomia do cromossomo X são compatíveis com a vida em longo prazo, enquanto as trissomias 13 e 18 raramente ultrapassam o período neonatal precoce. Outros tipos de doenças cromossômicas numéricas são as poliploidias – presença de um conjunto extra de cromossomos, ou seja, 69 cromossomos (triploidia), 92 cromossomos (tetraploidia). As poliploidias são mais frequentemente encontradas em abortamentos e podem estar associadas à degeneração molar. 1.2.1.2 ANOMALIAS CROMOSSÔMICAS ESTRUTURAIS As anomalias cromossômicas estruturais resultam da quebra, seguida pela reconstituição com uma combinação anormal na sequência dos genes no cromossomo. Elas são consideradas balanceadas quando o rearranjo se dá de tal forma que não determina perda ou excesso de material cromossômico, e não balanceadas quando há perda ou excesso de material cromossômico. São mais raras que as alterações numéricas, mas muitas são familiares, o que exige uma investigação genética cuidadosa quando achado um portador dessa alteração. Em geral, o indivíduo portador de anomalia cromossômica balanceada apresenta fenótipo normal, mas tem alto risco de ter filhos com anomalias cromossômicas não balanceadas. Nos casos familiares, o risco de recorrência pode ser alto e depende do tipo de anomalia do cromossomo envolvido e de qual dos membros do casal é o portador. Por isso, diante de um diagnóstico de anomalia cromossômica estrutural em um feto, se impõe o estudo cromossômico dos pais para identificar se um deles é portador de uma anomalia balanceada ou se se trata de um arranjo cromossômico de novo, de ocorrência acidental. Essa informação é imprescindível para prover um adequado aconselhamento genético ao casal. Anomalias cromossômicas estruturais também são etiologicamente relacionadas a perdas gestacionais de repetição. Sendo assim, o estudo cromossômico é parte integrante na avaliação de casais com perdas repetidas (abortamentos, natimortalidade). 1.2.1.3 NOMENCLATURA CROMOSSÔMICA O resultado do estudo cromossômico é feito utilizando nomenclatura específica padronizada por normas internacionais. A compreensão dessa nomenclatura auxilia ao clínico compreender o resultado citogenético. Primeiro, é apresentado o número de cromossomos, lembrando que o normal é 46. A 28 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 28 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia seguir, é colocado o par sexual – XX ou XY. No caso de alterações estruturais, elas são descritas a seguir utilizando abreviações como mostrado no Quadro 2. Quadro 2: Abreviações das anomalias cromossômicas pelas normas do ISCN (2009) del: deleção t: translocação p: braço curto do cromossomo q: braço longo do cromossomo mar: cromossomo marcador dup: duplicação cromossômica r: cromossomo em anel (ring) I: isocromossomo fra: sítio frágil ins: inserção inv: inversão dic: cromossomo dicêntrico der: cromossomo derivativo Por exemplo, um resultado 46, XX significa uma mulher cromossomicamente normal. Um cariótipo com resultado 45, XY, t (13q; 14q) representa um homem com uma translocação balanceada entre os braços longos dos cromossomos 13 e 14. Como os cromossomos 13 e 14 são acrocêntricos, essa translocação gera a “fusão” de dois cromossomos, ficando o número em 45. Essa translocação é denominada robertsoniana. Um cariótipo com resultado 47, XX + 21, representa uma mulher com um cromossomo 21 a mais, ou seja, uma trissomia livre do cromossomo 21 (síndrome de Down). 1.2.2 DOENÇAS MONOGÊNICAS As doenças monogênicas são causadas por um alelo (forma alternativa de um gene) mutante ou um par de alelos mutantes em um mesmo locus gênico. Na dependência do padrão de herança, elas se subdividem em autossômicas dominantes, autossômicas recessivas, dominantes ligadas ao cromossomo X e recessivas ligadas ao cromossomo X. Enquanto as doenças cromossômicas podem ser investigadas por meio de um único exame – cariótipo –, as doenças monogênicas exigem técnicas de diagnóstico mais complexas, em geral, utilizando metodologias de biologia molecular, embora para algumas doenças possam ser aplicados testes bioquímicos. Outra dificuldade no diagnóstico das doenças monogênicas é que, para cada doença ou mutação na qual o defeito gênico já está estabelecido, existe um teste diagnóstico específico. Por isso, a investigação de uma doença gênica, por meio de teste de biologia molecular, exige alta suspeição clínica para seleção dos exames a serem solicitados. Em algumas situações, ainda não existe conhecimento do defeito molecular e o diagnóstico é feito por meio de parâmetros clínico-genéticos. 1.2.2.1 DOENÇAS AUTOSSÔMICAS DOMINANTES São determinadas pela presença do alelo mutante em heterozigose, ou seja, a presença da mutação no gene de apenas um cromossomo homólogo determina a ocorrência da doença. A doença autossômica dominante pode ocorrer por uma mutação nova (proporção significativa dos casos) ou ser herdada de um dos pais. São exemplos de doenças autossômicas dominantes a acondroplasia, síndrome de Marfan, entre outras. Existe relação direta entre o risco de doença autossômica dominante e a idade paterna. O Quadro 3 apresenta as principais características das doenças autossômicas dominantes. 29 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 29 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia Quadro 3: Características das doenças autossômicas dominantes Distribuição vertical de indivíduos afetados no heredograma Ambos os sexos são afetados em proporções iguais Há transmissão de pai para filho Se um dos genitores é afetado, a probabilidade de cada filho herdar a doença é de 50% Genitores normais não transmitem a doença aos filhos 1.2.2.2 DOENÇAS AUTOSSÔMICAS RECESSIVAS Esse grupo de doenças é determinado pela presença do alelo mutante em homozigose, ou seja, o indivíduo afetado apresenta a mutação nas duas cópias dos cromossomos homólogos. São exemplos de doenças autossômicas recessivas: hiperplasia congênita de suprarrenal, fenilcetonúria, algumas hidropisias não imunitárias, síndrome de Meckel-Gruber, síndrome de Roberts, entre outras. O Quadro 4 apresenta as principais características das doenças autossômicas recessivas. Quadro 4: Características das doenças autossômicas recessivas Em geral, a distribuição da doença no heredograma é horizontal ou pula gerações. A doença pode ser vista em irmãos do afetado, mas não em seus pais ou outros parentes Ambos os sexos são afetados em proporções iguais. Algumas doenças autossômicas recessivas podem ser mais letais em um sexo, dando a impressão de predominância para um sexo quando se analisa apenas os indivíduos vivos de uma família Os pais do afetado, na quase totalidade das vezes, são sadios, mas são obrigatoriamente portadores de um alelo mutante (heterozigotos) A consanguinidade entre os genitores favorece a ocorrência desde grupo de doenças. O risco de recorrência em gravidezes de casal com um filho afetado é de 25% 1.2.2.3 DOENÇAS LIGADAS AO CROMOSSOMO X O tipo de herança mais comum entre as doenças ligadas ao cromossomo X é o padrão recessivo. O exemplo mais clássico de doença recessiva ligada ao cromossomo X é a hemofilia. Outros exemplos são a insensibilidade androgênica (síndrome dos testículos feminilizantes), distrofia muscular de Duchene, entre outras. As principais características dessas doenças são apresentadas no Quadro 5. Proporção significativa das doenças com herança recessiva ligada ao cromossomo X é determinada por mutação nova. Quadro 5: Características das recessivas ligadas cromossomo X A doença afeta principalmente homens Os indivíduos afetados são, em geral, conectados no heredograma através de mulheres não afetadas (heterozigotas, portadoras). Cinquenta por cento dos filhos (sexo masculino) de uma portadora serão afetados e 50% das filhas de uma portadora serão também portadoras Os afetados são filhos de pais sem a doença e, em geral, de mães portadoras sãs Um pai afetado não transmite a doença para seus filhos homens (o pai passa o cromossomo Y para o filho homem), mas todas as suas filhas serão portadoras do alelo mutante Existem poucas doenças dominantes ligadas ao cromossomo X, sendo as suas principais características apresentadas no Quadro 6. 30 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 30 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia Quadro 6: Principais características das doenças dominantes ligadas ao X Acomete ambos os sexos, mas com maior frequência mulheres As mulheres afetadas costumam apresentar a doença de forma mais leve e mais variável do que os homens A mulher afetada tem 50% de risco de ter um filho afetado Todos os filhos de um homem afetado são saudáveis e todas as filhas afetadas 1.2.2.4 PADRÕES ATÍPICOS DE HERANÇA GENÉTICA Algumas raras doenças monogênicas não seguem os clássicos padrões mendelianos de herança. As doenças mitocondriais são de herança exclusivamente materna, já que todas as mitocôndrias do ovo são herdadas do gameta feminino. Consequentemente, uma mulher com uma mutação em seu DNA mitocondrial irá transmitir essa mutação para todos os seus filhos. Homens afetados não transmitem a doença. Como na divisão celular o DNA mitocondrial é transmitido à célula-filha de forma aleatória, a expressão fenotípica vai depender da proporção entre DNA normal e DNA mutante herdado. Atualmente, sabemos que em algumas doenças genéticas a expressão do fenótipo dependerá da origem do gene mutante, se paterno ou materno. Diferenças na expressão do gene entre o alelo herdado da mãe e do pai são resultantes do fenômeno denominado impressão genômica (imprinting). A impressão genômica é causada por alteração, ainda não completamente compreendida, na cromatina que afeta a expressão do gene, mas não a sequência do seu DNA. As síndromes de PraderWilli e de Angelman são os exemplos mais bem estudados do papel da impressão genômica nas doenças humanas. O fenótipo em cada uma delas é bastante diferente, tanto no aspecto físico quanto comportamental, e em cerca de 70% dos casos são determinadas pela ausência de um mesmo segmento do braço longo do cromossomo 15. A ausência do segmento de origem paterna determina a síndrome de Prader-Willi e a do segmento de origem materna determina a síndrome de Angelman. A dissomia uniparental é determinada pela presença de uma linhagem celular com dois cromossomos ou segmentos destes, vindos de um único genitor, se dois cromossomos estão presentes. 1.2.3 DOENÇAS DE HERANÇA COMPLEXA Também denominadas doenças multifatoriais, resultam da interação entre fatores genéticos e ambientais. Acredita-se que os fatores genéticos envolvam vários genes aumentando ou diminuindo a suscetibilidade a uma doença e que os fatores ambientais podem iniciar, acelerar, exacerbar ou proteger contra a progressão da doença. As doenças de herança complexa afetam ambos os sexos, mas algumas são mais frequentes em um sexo. O risco de recorrência, em geral, é bem menor que o das doenças monogênicas, mas depende do número de indivíduos afetados na família, da gravidade da doença e, às vezes, do sexo do afetado. Os exemplos mais clássicos de doença multifatorial são defeito de fechamento do tubo neural e a maioria das cardiopatias. 31 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 31 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia 1.3 CONCEITOS BÁSICOS DA AVALIAÇÃO DE RISCO PARA ANEUPLOIDIAS 1.3.1 CASAIS COM RISCO AUMENTADO PARA FILHOS COM DOENÇAS CROMOSSÔMICAS: • Idade reprodutiva elevada: mulheres com 35 anos ou mais apresentam risco aumentado de vir a ter filhos com doenças cromossômicas numéricas, especialmente síndrome de Down. • Casais com perdas gestacionais de repetição: cerca de 3% a 5% dos casais com duas ou mais perdas gestacionais, sejam elas abortamentos ou natimortos, são portadores de anomalia cromossômica estrutural balanceada, com risco aumentado de novas perdas gestacionais e de vir a ter filhos com malformações e retardo mental. Assim, esses casais, antes de engravidar novamente, devem realizar estudo cromossômico. • Filho anterior com anomalias congênitas: em porcentagem significativa de casos, as anomalias congênitas têm etiologia cromossômica. O risco de recorrência de anomalias cromossômicas numéricas, principalmente as trissomias, é em torno de 1%. Nos casos de filho com anomalia estrutural não balanceada, o casal pode ser portador de anomalia cromossômica estrutural balanceada que influencia o risco de recorrência. • Diagnóstico de anomalia cromossômica estrutural balanceada em um dos parceiros: o risco para filhos futuros dependerá dos cromossomos envolvidos e do sexo do parceiro portador. Em casos raros, o risco pode ser de até 100%. • Anomalias congênitas em parentes próximos: anomalias congênitas podem ser de natureza gênica, cromossômica ou multifatorial. Os casais com este tipo de história devem ter esclarecidos o diagnóstico e a etiologia da anomalia para uma avaliação correta de riscos e da propedêutica a ser realizada. • Retardo mental em parente próximo: também o retardo mental pode ter etiologias múltiplas e casais com este tipo de história também devem ter esclarecido a etiologia do retardo mental para uma avaliação correta de riscos e da propedêutica a ser realizada. 1.3.2 CASAIS COM RISCO AUMENTADO PARA FILHOS COM DOENÇAS GÊNICAS • História familiar de doença autossômica dominante: a determinação de risco nas doenças autossômicas dominantes pode ser complexa devido a problemas como expressividade variável, não penetrância, mutações novas, antecipação, mosaicismo gonadal, expressão tardia, sendo mais prudente uma avaliação pelo geneticista quando existir na família do casal história deste tipo de doença. Com as técnicas moleculares hoje disponíveis, em algumas situações já é possível avaliar com precisão se um dos membros é heterozigoto para um gene mutante determinado, bem como realizar o diagnóstico pré-natal. • Consanguinidade: a consanguinidade é fator de risco para doenças autossômicas 32 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 32 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia recessivas. Quanto mais próxima for esta consangüinidade, maior o risco. Através da história familiar, é possível estabelecer esse risco com relativa precisão. Quando na avaliação for detectada a presença de doença autossômica recessiva, ou a existência de portadores de genes deste tipo de doença na família, em algumas ocasiões, pode-se oferecer o diagnóstico molecular para identificação de portadores. • História de doença recessiva ligada ao cromossomo X na família da mulher: quando este tipo de doença existir, o risco para filhos pode ser muito baixo ou de 25%. Com a construção do heredograma, pode-se avaliar melhor este risco e em diversos casos identificar ou afastar a possibilidade da mulher ser portadora do gene em questão, através de exames moleculares. • Portadores de genes mutantes para doenças autossômicas recessivas: com a disseminação da triagem neonatal, certamente essa situação tende a ser mais frequentemente identificada na prática cotidiana. Sempre que um dos membros do casal for reconhecidamente portador de um gene para doença autossômica recessiva, o outro membro merece investigação para avaliação de riscos. Com a triagem neonatal rotineira da anemia falciforme, esta tende a ser a doença mais frequentemente identificada nesta situação. • Idade paterna elevada: a idade paterna elevada se associa a risco maior de mutações novas de doenças autossômicas dominantes. Há controvérsia a partir de que idade este risco é significativo, com alguns autores preconizando a mesma idade considerada elevada para a mulher, ou seja, 35 anos. • Outras situações: deve ser lembrado que as síndromes de anomalias congênitas múltiplas, o retardo mental e as perdas gestacionais podem também ser determinados por doenças gênicas. Assim, em algumas situações, este tipo de etiologia deve ser avaliado. 1.3.3 CASAIS COM RISCO AUMENTADO PARA FILHOS COM DOENÇAS MULTIFATORIAIS Grande número de anomalias congênitas isoladas é de natureza multifatorial, com risco de recorrência não desprezível. Deve ser lembrado que esse risco de recorrência depende do sexo do afetado, da gravidade da doença e da presença de outros casos em parentes próximos. As doenças mais importantes que exigem atenção são: • Filho anterior com defeito de fechamento do tubo neural: os defeitos do tubo neural (anencefalia, meningocele, mielomeningocele) apresentam risco de recorrência em torno de 5%. Este risco pode ser reduzido a cerca de 1% pelo uso periconcepcional de 4mg diários de ácido fólico nos meses (idealmente três) que antecedem a gestação. • Filho anterior com cardiopatia congênita: as cardiopatias congênitas podem ser determinadas por diversos mecanismos, embora, na maioria das vezes, sejam de natureza multifatorial. O risco de recorrência dependerá do tipo de cardiopatia e da história familiar. 33 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 33 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia • Filho anterior com outras malformações isoladas: para as demais malformações, é aconselhável uma avaliação por geneticista. As mais frequentes são: polidactilia, fendas labiais e palatinas, malformações de vias urinárias, malformações do sistema nervoso central. 2. RASTREAMENTO PRÉ-NATAL Apesar da identificação de diversas situações de risco para doenças genéticas, a maioria das crianças com anomalias congênitas são filhos de pais nos quais estas situações de risco não são identificadas. Assim, desenvolveram-se diversos testes de triagem para a identificação de gravidezes com risco maior de resultar em recém-nascido com anomalias congênitas. Tratam-se de procedimentos não invasivos, com o objetivo de identificar, entre as gravidezes, um grupo no qual o risco de anomalias fetais é maior do que o esperado na população. Um teste de triagem alterado indica uma situação de risco, não firma um diagnóstico. Assim, ele exige um diagnóstico específico posterior que confirme ou afaste a doença suspeitada. Os métodos de rastreamento para anomalias congênitas mais comuns são a medida da translucência nucal, avaliação do osso nucal e os testes bioquímicos. 2.1 TRANSLUCÊNCIA NUCAL A medida ultrassonográfica da área anecoica da porção posterior do pescoço fetal realizada entre 11 e 14 semanas é um dos testes não invasivos mais utilizados em nosso meio para rastreamento de anomalias congênitas. Para sua correta aplicação, o embrião deve ter comprimento cabeça-nádega (CCN) mínimo de 45mm e máximo de 84mm. Existem programas computadorizados que relacionam a medida obtida com a idade gestacional e com a idade materna, fazendo uma estimativa de risco. É considerada anormal a medida acima do percentil 95 para a idade gestacional. Desenvolvida para triagem da trissomia do cromossomo 21, a translucência nucal pode estar aumentada em outras anomalias cromossômicas, defeitos anatômicos, principalmente cardiopatias e doenças gênicas, devendo a gestante ser alertada sobre isto antes da realização do exame. 2.2 OSSO NASAL Mais recentemente, foi incorporada ao exame ultrassonográfico do primeiro trimestre a avaliação da presença ou não do osso nasal. Parcela significativa dos fetos com síndrome de Down não apresenta o osso nasal nessa fase. Assim como no caso da translucência nucal, a avaliação do osso nasal é teste de rastreamento e não permite firmar a presença da doença nem a ausência da mesma. 34 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 34 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia 2.3. TESTES BIOQUÍMICOS EM SORO MATERNO Amplamente utilizados em países desenvolvidos como parte da avaliação rotineira de todas as gestações, os testes bioquímicos ainda são pouco usados em nosso meio. Voltados inicialmente para a triagem de anomalias cromossômicas, hoje eles podem ser utilizados para algumas outras doenças. O mais utilizado é o teste tríplice, com a dosagem simultânea da alfa-fetoproteína, gonadotrofina coriônica e estriol conjugado. Quando se opta por rastreamento bioquímico no primeiro trimestre, a dosagem da alfa-fetoproteína é substituída pela dosagem da proteína plasmática associada à gravidez (PAPP-A). 2.3.1 DOSAGEM DA ALFA-FETOPROTEÍNA A alfa-fetoproteína é sintetizada pelo saco vitelino, trato gastrintestinal e fígado fetal, e em menor quantidade pela placenta e rins fetais. Ela atravessa a placenta e é encontrada na circulação materna. As seguintes situações se associam a níveis de alfa-fetoproteína aumentados na circulação materna: defeitos de fechamento do tubo neural (anencefalia, encefalocele, meningomielocele), defeitos de fechamento da parede abdominal (onfalocele, gastrosquise, extrofia de cloaca), obstruções do trato digestivo, agenesia renal, rins policísticos, nefrose congênita, osteogênese imperfeita, higroma cístico, defeitos de pele e outras menos frequentes. Níveis reduzidos de alfa-fetoproteína são descritos em doenças cromossômicas fetais, especialmente trissomias e doença trofoblástica. A dosagem da alfa-fetoproteína no soro materno é utilizada como teste de triagem pré-natal para doenças cromossômicas, especialmente da síndrome de Down e dos defeitos de fechamento do tubo neural. Deve ser realizada entre 15 e 20 semanas de gravidez. Seus resultados são expressos como múltiplos da mediana (MoM). Sua utilização com esses objetivos exige laboratório experiente e curva de normalidade na população alvo. Como os níveis de alfa-fetoproteína variam em função da idade gestacional, esta tem de ser conhecida com certeza. Baixo peso fetal, oligoidrâmnio, gemelaridade e baixo peso materno podem elevar os níveis séricos maternos da alfa-fetoproteína. Morte fetal e peso materno elevado são causas de níveis baixos. 2.3.2 DOSAGEM DE GONADOTROFINA CORIÔNICA É o marcador bioquímico mais sensível para a triagem pré-natal da síndrome de Down. Entre 15 e 20 semanas de gestação, os níveis de gonadotrofina coriônica no soro materno se encontram significativamente elevados em gravidezes de fetos com esta síndrome. Diferentemente, na trissomia do cromossomo 18, são encontrados níveis muito baixos da fração livre da subunidade ` da gonadotrofina coriônica (`-hCG). Os seus resultados são expressos em múltiplos da mediana da população (MoM). 35 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 35 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia 2.3.3. ESTRIOL NÃO CONJUGADO Os níveis de estriol não conjugado no soro materno se encontram diminuídos no segundo trimestre de gravidezes de fetos com síndrome de Down. Seus resultados também são expressos em múltiplos da mediana da população (MoM). 2.3.4. PROTEÍNA PLASMÁTICA ASSOCIADA À GRAVIDEZ – PAP-A A proteína plasmática associada à gravidez (PAP-A) é de origem placentária, e aumenta exponencialmente no soro materno até o fim da gravidez. Níveis reduzidos da mesma, já no primeiro trimestre de gravidez, se associam a doenças cromossômicas numéricas fetais. 2.3.5. TESTES DUPLO, TRIPLO E QUÁDRUPLO As dosagens bioquímicas no soro materno são testes de triagem. Assim, quando alterados, exigem a realização de testes diagnósticos, como a amniocentese e biópsia de vilo corial, para sua confirmação. A utilização de apenas um desses marcadores faz com que grande número de testes diagnósticos tenha resultados normais, o que implica gastos econômicos e estresse emocional desnecessários. Para reduzir estas perdas, criou-se a estratégia de associar as dosagens de alfa-fetoproteína e da `-hCG (teste duplo) ou as três dosagens, incluindo o estriol (teste triplo). O período ótimo para a sua realização é entre 16 e 18 semanas de gravidez, podendo ser estendido para 15 e 20 semanas. O rastreamento no primeiro trimestre é feito entre 11 e 13 semanas, sendo a alfa-fetoproteína substituída pela PAP-A. O teste quádruplo associa os testes bioquímicos em soro materno e a medida da translucência nucal. 3. DIAGNÓSTICO PRÉ-NATAL Atualmente, um grande número de doenças é passível de diagnóstico pré-natal e este número não para de crescer. Seguem-se basicamente quatro abordagens para o diagnóstico pré-natal de anomalias fetais: estudos ultrassonográficos, estudos cromossômicos, testes bioquímicos e análise do DNA. 3.1. ESTUDOS ULTRASSONOGRÁFICOS A ultrassonografia é um método importante para estudar a anatomia fetal. As anomalias maiores mais frequentemente diagnosticadas pela ultrassonografia são: hidrocefalia, defeitos de fechamento do tubo neural, holoprosencefalia, microcefalia, macrocefalia, hidranencefalia, cistos de plexo coroide, anomalia de Dandy-Walker, higromas císticos, cardiopatias, hérnias diafragmáticas, onfalocele, gastrosquise, extrofias de bexiga e de cloaca, atresias do tubo digestivo, agenesia renal, hidronefrose, rins policísticos, cistos renais e obstruções uretrais com megabexiga. Entre as síndromes dismórficas, diversas displasias ósseas podem ter o seu diagnóstico estabelecido. 36 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 36 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia Ao ser identificada uma anomalia fetal, está indicado um estudo cuidadoso da anatomia fetal em busca de outras anomalias. É também indispensável o estudo cromossômico fetal, pois as doenças cromossômicas se associam às mais diversas anomalias congênitas. Diante de um feto com anomalias estruturais e estudo cromossômico normal, é preciso ter muita cautela e evitar as tentativas de diagnósticos sindrômicos ou tranquilizar o casal precipitadamente (“o feto é normal exceto por este achado ultrassonográfico”). Mesmo após o nascimento, com o exame físico completo e todos os demais exames disponíveis, os melhores centros de diagnóstico dismórfico do mundo não conseguem estabelecer um diagnóstico sindrômico em cerca de 40% dos pacientes. A abordagem desta situação deve ser feita preferencialmente por equipe multidisciplinar que conte com a participação de ultrassonografista experiente em morfologia fetal, geneticista, obstetra, neonatologista e, algumas vezes, cirurgião pediátrico e psicólogo. 3.2. CARIÓTIPO FETAL O exame de natureza genético indicado na grande maioria das situações na qual está indicado o diagnóstico pré-natal é o cariótipo fetal. Suas principais indicações são: • Idade materna elevada. • Resultado anormal em testes de triagem pré-natal. • Anomalias fetais detectadas na ultrassonografia. • Filho anterior com anomalias cromossômicas numéricas. • Anomalias cromossômicas estruturais balanceadas em um dos membros do casal e determinação do sexo fetal. • Mãe portadora de gene de doença recessiva ligada ao X. 3.3. ESTUDOS DO DNA Embora um grande número de doenças genéticas já tenha o seu gene identificado, isto não significa que seja sempre possível o seu diagnóstico molecular, porque, em muitas delas, o número de mutações possíveis é muito grande (para algumas doenças, centenas), em outras, mais de um gene pode ser responsável por sua gênese. O diagnóstico molecular pode utilizar métodos diretos ou indiretos. Os métodos diretos estudam a própria estrutura molecular do gene. Na maioria das vezes, utilizam enzimas de restrição associadas ao Southern Blot ou à Reação em Cadeia da Polimerase (PCR). Nas abordagens indiretas, são realizados estudos de ligação. Para que isso seja possível, é necessário que se conheça um locus polimórfico próximo a um gene que, quando mutado, predispõe ou determina a manifestação de uma doença. O princípio do estudo de ligação é que dois loci próximos não sofrem recombinação na meiose, sendo então segregados por várias gerações. O locus polimórfico funciona como um sinal que prediz a presença ou ausência do gene no feto. Para isso, são analisados o 37 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 37 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia DNA do feto e dos pais, que serão tipados por Southern Blot ou PCR, para o locus polimórfico conhecido. Os estudos de ligação são indicados quando o gene é desconhecido, sendo impossível procurar mutações, ou quando o gene apresenta um grande número de mutações e nenhuma delas é prevalente na população, sendo uma procura sistemática das diversas mutações muito dispendiosa. 3.3.1. OUTRAS TÉCNICAS CITOGENÉTICAS O FISH e citogenética molecular são técnicas essencialmente moleculares, mas se situam na fronteira entre os estudos cromossômicos e os de DNA. Trata-se do estudo de regiões críticas do DNA de diversas regiões cromossômicas para identificar a sua presença em dose extra (trissomias, por exemplo) ou sua ausência (monossomias). Em diagnóstico pré-natal, elas são usadas, muitas vezes, para um resultado rápido, que não depende de culturas celulares, ou para o diagnóstico de algumas síndromes específicas, como deleções cromossômicas muito pequenas e síndromes de genes contíguos. O cariótipo multicolorido, conhecido como M-FISH (Multiplex-FISH), SKY (Spectral Karyotyping) ou CCK (Color Changing Karyotyping), marca e identifica cada cromossomo humano com uma cor diferente. São utilizadas misturas de sondas específicas, desenhadas para cobrir todo o cromossomo, e marcadas com diferentes fluoróforos. O cariótipo multicolorido é bastante útil para detectar e identificar rearranjos estruturais não identificáveis por outros métodos, especialmente em casos de câncer, em que os rearranjos cromossômicos podem ser bastante variáveis. Além do alto custo, as principal limitação do cariótipo multicolorido é que, além de necessitar de preparações cromossômicas, ou seja, cultivo celular prévio, essa metodologia também não identifica com segurança rearranjos como microdeleções ou rearranjos muito pequenos, inversões, duplicações e deleções, sendo necessária a confirmação por FISH. A CGH (Comparative Genomic Hybridization) analisa, comparativamente, as variações de número de cópias do DNA entre uma amostra controle (amostra de DNA normal) e a amostra a ser testada (por exemplo, uma amostra de tumor). O princípio da técnica é a hibridização in situ competitiva entre duas sequências de DNA marcadas com fluorescências diferentes. A principal vantagem da CGH é a possibilidade de se estudar o genoma inteiro, sem, necessariamente, uma hipótese diagnóstica. A maior limitação da CGH é a incapacidade de detectar rearranjos cromossômicos como translocações recíprocas ou inversões, e há dificuldade em detectar mosaicismos. Além disso, como é uma técnica muito sensível para detectar desbalanços quantitativos no DNA, resultados de CGH tendem a ser complexos, sendo ainda difícil determinar quais diferenças detectadas são realmente significativas e quais correspondem apenas a polimorfismos sem implicação médica. A MLPA (Multiplex Ligation-Dependent Probe Amplification) é uma técnica em que até 45 sequências diferentes no genoma podem ser utilizadas em uma única reação de PCR semiquantitativa. As principais vantagens da MLPA são: seu custo relativamente 38 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 38 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia baixo, a rapidez de execução e a utilização de equipamentos usualmente presentes na maioria dos laboratórios de biologia molecular. As limitações da MLPA envolvem a confecção elaborada das sondas e o fato de que cada conjunto de sondas é construído para analisar cromossomos específicos (até 45 segmentos de DNA), existindo, portanto, a necessidade de haver uma hipótese diagnóstica prévia. 3.4. ESTUDOS BIOQUÍMICOS Diversas doenças metabólicas, como mucopolissacaridoses, lipidoses e erros do metabolismo dos aminoácidos, podem ter o seu diagnóstico pré-natal através de dosagens enzimáticas ou de metabólitos, realizadas em líquido amniótico ou vilo corial. No entanto, em nosso país, são muito poucos laboratórios que as realizam, e as técnicas de diagnóstico molecular as vêm substituindo com vantagens. 3.5. TÉCNICAS INVASIVAS PARA COLETA DO MATERIAL FETAL O objetivo dessas técnicas é a coleta de células fetais que permitam a realização dos estudos cromossômicos, de DNA ou dosagens bioquímicas. A escolha da melhor técnica dependerá, muitas vezes, de avaliação prévia de cada caso. As técnicas mais importantes são coleta de vilo corial, amniocentese, cordocentese e diagnóstico préimplantação. A discussão dos detalhes técnicos de cada uma delas não é objeto deste Manual. 3.5.1. COLETA DE VILO CORIAL Consiste na retirada de uma pequena quantidade do córion frondoso, que é geneticamente representativo do feto, como amostra dos exames a serem realizados. Pode ser realizada, com segurança, a partir de 10 semanas de gravidez. Quando realizada a partir de 12 semanas, alguns autores denominam este procedimento de biópsia de placenta. Apesar de inicialmente ter sido utilizada a via transcervical, hoje esse procedimento está praticamente restrito à via transabdominal, onde o risco de complicações é bem menor. Utilizando esta via, a coleta pode ser realizada até o final da gravidez. A quantidade de material a ser colhido dependerá da habilidade do laboratório e, algumas vezes, dos exames a serem realizados. Em geral, para estudos cromossômicos, a quantidade ideal é de 20mg de vilo, no entanto, alguns laboratórios conseguem resultados em quantidades tão pequenas como 1mg a 5mg. Quando se deseja material para estudos de DNA (diagnóstico de doenças gênicas, determinação de paternidade), este é o método de escolha, pois, para este tipo de análise, não é necessária a realização de cultura. Para estudos cromossômicos, alguns laboratórios preferem a cultura em curto prazo (24 horas), que permite o resultado entre três e cinco dias. 39 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 39 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia A grande vantagem da coleta de vilo corial é a sua precocidade, reduzindo o período de incerteza do casal. Em cerca de 1% dos casos, são encontrados mosaicismos cromossômicos. Na maioria das vezes, esses mosaicismos estão restritos a tecidos trofoblásticos. No entanto, para essa definição, é necessária a realização posterior de amniocentese. Nos poucos casos em que a amniocentese confirmar o mosaicismo encontrado no vilo, o aconselhamento genético é complexo e exigirá a consulta com geneticista experiente em diagnóstico pré-natal. Embora pouco frequentes, as divergências entre o cariótipo fetal obtido por meio de vilo corial e o cariótipo e/ou fenótipo do nascimento podem ocorrer na prática clínica. Os resultados falsos negativos têm uma incidência de 0,1%, ou seja, um a cada mil diagnósticos. Outro tipo de discrepância de resultados que podemos encontrar ocorre, por exemplo, no vilo corial apresentando trissomia livre e líquido amniótico com cariótipo normal. Esse fenômeno pode ser explicado pelo mecanismo de resgate trissômico, que pode determinar a ocorrência de um feto cromossomicamente normal ou a existência da chamada dissomia uniparental. Na dissomia uniparental, fenômeno que ocorre em um terço dos casos de mosaicismo confinado à placenta (MCP), os cromossomos presentes no feto são provenientes de um dos progenitores, ou seja, um par de cromossomos herdado do pai ou da mãe. Ela pode manifestar-se clinicamente como doenças específicas (por exemplo, síndrome de Prader-Willi), doenças recessivas e/ou retardo mental, além de atraso de crescimento fetal. Os riscos maternos mais frequentes da coleta de vilo corial são sangramento vaginal, infecção e sensibilização pelo fator Rh. Eles são minimizados com a experiência dos profissionais envolvidos na coleta e com o uso de imunoglobulina após o procedimento em mulheres Rh-negativas. O risco de abortamento é menor que 1%. Estudo conduzido sob controle da Organização Mundial de Saúde abrangendo 138.996 coletas de vilo corial concluiu que este tipo de exame é seguro, com taxa de perda fetal comparável à da amniocentese e com a mesma incidência de defeitos de membros da população em geral. Este mesmo estudo concluiu pela inexistência de qualquer anomalia congênita associada à biópsia de vilo corial. LIMITAÇÕES O diagnóstico molecular pode ser realizado por FISH, PCR e, mais recentemente, pela avaliação com “microarrays”, tanto para avaliação de aneuploidias quanto de doenças genéticas específicas (talassemia, determinação do fator Rh etc.). Nesta situação, usualmente é necessária uma pequena amostra de vilo corial. O resultado pode levar de um a cinco dias. O diagnóstico citogenético depende de cultura das células que só podem ser avaliadas durante a sua divisão. Nesta situação, usualmente é necessária uma amostra maior de vilo corial. O resultado pode levar de cinco a 10 dias. Neste exame, a falha de cultura é muito menos frequente, porém, a ocorrência de 40 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 40 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia mosaico placentário é três vezes maior do que no líquido amniótico. Como estes mosaicos podem estar confinados à placenta, a amniocentese pode ser indicada se estes forem encontrados no vilo corial. É possível fazer a utilização de heparina na agulha para evitar a coagulação de sangue dentro dela, levando a perda de parte do material já extraído e facilitando a avaliação primária da amostra para saber se será ou não suficiente para a análise. A realização de PCR para pesquisa dos principais cromossomos envolvidos em aneuploidias fetais – X, Y, 13, 18 e 21 –, quando aliada à análise direta, pode encurtar o tempo do resultado para 12 horas a partir da chegada no laboratório. O laboratório de citogenética deve ser de alta qualidade, assegurando a correta identificação das amostras e liberação correta dos laudos. Lembrando-se que o médico que realiza a coleta é também corresponsável pelo resultado laboratorial (acurácia e insucesso). PERSPECTIVAS A possibilidade de avaliar as células, ou o próprio DNA do feto, livres na circulação materna abre uma oportunidade para a avaliação genética fetal, sem a necessidade de exames invasivos. Desta forma, estaria disponível para todas as gestantes. Os princípios básicos de isolamento deste material, células fetais íntegras ou DNA fetal livre na circulação da mãe, estão sendo estudados, porém, ainda não se mostraram clinicamente aplicáveis. 3.5.2 AMNIOCENTESE Consiste na utilização de líquido amniótico, colhido pela punção da cavidade amniótica, como amostra para a realização dos estudos necessários. Habitualmente, são aspirados cerca de 20mL de líquido amniótico, dos quais são extraídas células fetais (fibroblastos) provenientes da descamação da pele, vias urinárias e tubo digestivo, após cultura. Podem ser realizados estudos cromossômicos, análise do DNA, testes bioquímicos e dosagens hormonais. Em geral, a amniocentese é realizada a partir de 15 semanas, e o seu resultado, como depende de cultura celular, demora cerca de 10 a 14 dias. Alguns laboratórios, para um resultado mais rápido em relação às anormalidades mais comuns neste exame (trissomias 21, 13, 16, 18, 22, monossomia X, triploidias) e tranquilidade materna, realizam técnicas de citogenética molecular ou FISH para estas alterações. Estas técnicas permitem um resultado preliminar em relação a estas anormalidades em um a dois dias e, posteriormente, um resultado definitivo, com o estudo citogenético tradicional. A amniocentese é um procedimento bastante seguro, com risco de abortamento de menos de 0,5%. Suas complicações mais frequentes são sangramento vaginal e sensibilização pelo fator Rh. 41 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 41 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia LIMITAÇÕES O diagnóstico molecular pode ser realizado por FISH (Fluorecent in Vitro Hybridization), PCR (Polimerase Chain Reaction) e, mais recentemente, pela avaliação com “microarrays”, tanto diagnóstico de aneuploidias quanto de doenças genéticas específicas (talassemia, determinação do fator Rh etc.). Nesta situação, usualmente é necessária uma pequena amostra (1mL a 3mL) de líquido amniótico. O resultado pode levar de um a cinco dias. O diagnóstico citogenético depende de cultura das células que só podem ser avaliadas durante a sua divisão, pois os cromossomos são contados quando as células estão em metáfase (condensados no núcleo celular). Nesse caso, habitualmente é necessária uma amostra mínima de 15mL a 20mL de líquido amniótico. O resultado pode levar de 10 a 21 dias. Na eventualidade de haver falha de cultura (1% a 5% dos casos) ou de não se atingir um número mínimo de metáfases a serem avaliadas, o resultado pode ser inconclusivo, levando a grande frustração do médico e do paciente. Dessa forma, cuidados no armazenamento e transporte do material são essenciais para evitar esta ocorrência. Deve-se solicitar que o laboratório de citogenética armazene, ou extraia, o DNA da amostra antes da colocação em cultura. Esta medida tem por objetivo permitir que, em caso de falha de cultura, este material separado seja enviado para o laboratório de biologia molecular para realização de PCR, permitindo pelo menos a pesquisa dos principais cromossomos envolvidos em aneuploidias fetais: X, Y, 13, 18 e 21. Com esta medida, pelo menos se obtém um resultado parcial afastando-se as principais trissomias. Alguns autores no Reino Unido têm preconizado que apenas o diagnóstico molecular seja realizado nas amostras fetais, por uma questão de custo e padronização. O laboratório de citogenética, para o qual a amostra será enviada, deve ser de alta qualidade, assegurando a correta identificação do material e liberação correta dos laudos. Lembrando-se que o médico que realiza a coleta é também corresponsável pelo resultado laboratorial (acurácia e insucesso). A presença de mosaico no resultado citogenético, ou seja, quando se identificam duas linhagens celulares numa amostra, é muito rara (0,3%) e sua interpretação necessita de avaliação conjunta com o geneticista clínico. PERSPECTIVAS A possibilidade de avaliar as células, ou o próprio DNA do feto, livres na circulação materna abre uma oportunidade para a avaliação genética fetal, sem a necessidade de exames invasivos. Dessa forma, a avaliação estaria disponível para todas as gestantes. 42 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 42 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia Os princípios básicos de isolamento deste material, células fetais íntegras ou DNA fetal livre na circulação da mãe, estão sendo estudados, porém, ainda não se mostraram clinicamente aplicáveis. 3.5.3 CORDOCENTESE É a coleta de sangue diretamente do cordão umbilical, guiada por ultrassonografia. O sangue obtido pode ser utilizado para estudos cromossômicos, estudos do DNA, dosagens bioquímicas, diagnósticos de hemoglobinopatias, dosagens de IgG e IgM fetais e uma variedade crescente de novos exames. Suas indicações mais frequentes são: achado de anomalia fetal pelo estudo ultrassonográfico, falha em obter resultado e resultado ambíguo na amniocentese ou para doenças que só podem ser diagnosticadas por testes bioquímicos em plasma fetal ou células sanguíneas. Pode ser realizada a partir de 18 semanas de gravidez e é um procedimento tecnicamente mais difícil do que a coleta de vilo corial e amniocentese. A perda fetal pelo procedimento se situa em torno de 1%. Suas complicações mais comuns são: sangramento no local da punção, hematoma de cordão umbilical, bradicardia fetal, hemorragia feto-materna, sensibilização pelo fator Rh, descolamento prematuro da placenta e parto pré-termo. LIMITAÇÕES O diagnóstico molecular pode ser realizado por FISH, PCR e, mais recentemente, pela avaliação com “microarrays”, tanto para avaliação de aneuploidias quanto de doenças genéticas específicas. Nesta situação, usualmente é necessária uma pequena amostra (0,5mL a 1,0mL) de sangue. O resultado pode levar de um a cinco dias. O diagnóstico citogenético depende de cultura das células que só podem ser avaliadas durante a sua divisão. Nesse caso, habitualmente é necessária uma amostra mínima de 1,5mL e o resultado pode levar de 10 a 21 dias. É recomendação deste autor que o teste de Kleihauer-Betke deva ser sempre solicitado para avaliação da pureza da amostra de sangue fetal, que pode ser contaminado por sangue materno, principalmente se a punção ocorrer na inserção placentária do cordão. PERSPECTIVAS No passado, o diagnóstico das infecções fetais era realizado principalmente através da cordocentese, atualmente, a pesquisa de DNA ou RNA do agente em questão pode ser realizada unicamente no líquido amniótico, na maioria das infecções congênitas. 43 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 43 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia Leitura complementar 1. JAUNIAUX, E; RODECK C. Use, risks and complications of amniocentesis and chorionic villous sampling for prenatal diagnosis in early pregnancy. Early Pregnancy. 1995; 1(4): 245-52. Review. 2. KAGAN, KO; ETCHEGARAY, A; ZHOU, Y; WRIGHT, D; NICOLAIDES, KH. Prospective validation of first-trimester combined screening for trisomy 21. Ultrasound Obstet Gynecol. 2009; 34(1): 14-8. 3. NDUMBE, FM; NAVTI, O; CHILAKA, VN; KONJE, JC. Prenatal diagnosis in the first trimester of pregnancy. Obstet Gynecol Surv. 2008; 63(5): 317-28. 4. PATHAK, B; KHAN, A; ASSAF, SA; MILLER, DA; CHMAIT, RH. Amniopatch as a Treatment for Rupture of Membranes following Laser Surgery for Twin-Twin Transfusion Syndrome. Fetal Diagn Ther. 2010. Epub ahead of print. 5. WILSON, RD; LANGLOIS, S; JOHNSON, JA. Society of Obstetricians and Gynaecologists of Canada. Mid-trimester amniocentesis fetal loss rate. J Obstet Gynaecol Can. 2007; 29(7): 586-95. Review. 6. WRIGHT, CF; BURTON, H. The use of cell-free fetal nucleic acids in maternal blood for non-invasive prenatal diagnosis. Hum Reprod Update. 2009; 15(1): 139-51. Review. 7. MACIULEVICIENE, R; GAURILCIKAS, A; SIMANAVICIUTE, D; NADISAUSKIENE, RJ; GINTAUTAS, V; VAITKIENE, D; BALIUTAVICIENE, DK. Fetal middle cerebral artery Doppler velocimetry in cases of rhesus alloimmunization. J Matern Fetal Neonatal Med. 2008; 21(6): 361-5. 8. ROMANELLI, RM; MAGNY, JF; JACQUEMARD, F. Prognostic markers of symptomatic congenital cytomegalovirus infection. Braz J Infect Dis. 2008; 12(1): 38-43. 44 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 44 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia Seção 2 Complicações maternas e obstétricas: prevenção, diagnóstico e conduta PREMATURIDADE: ASPECTOS RELEVANTES NA PACIENTE ASSINTOMÁTICA O parto prematuro, definido como a ocorrência do nascimento antes de 37 semanas completas de gestação, apresenta incidência variável de acordo com as características populacionais. Na Europa, sua incidência varia de 6% a 10%. Nos Estados Unidos EUA, tem sido observado aumento de sua frequência, sendo que, em 2006, atingiu 12,8% dos nascidos vivos. Outros países desenvolvidos, tais como o Canadá, a Austrália e a Dinamarca, também têm revelado aumento das taxas da prematuridade. As informações publicadas pelo Ministério da Saúde mostram que os nascimentos prematuros na população brasileira têm se mantido constantes nos últimos anos, com média de 6,6%, sendo variáveis de estado para estado, podendo atingir taxas de até 9% e com tendência à elevação em algumas metrópoles. Embora a sobrevida dos recém-nascidos prematuros tenha melhorado nos últimos anos, a prematuridade ainda é a principal causa de morbidade e mortalidade neonatal. Além disso, as implicações econômicas desfavoráveis que se estendem além do período neonatal têm sido cada vez mais preocupantes. A prematuridade pode ser classificada, segundo a sua evolução clínica, em eletiva ou espontânea. Na prematuridade eletiva, a gestação é interrompida em virtude de complicações maternas (por exemplo, doença hipertensiva, descolamento prematuro de placenta, placenta prévia etc.) e/ou fetais (como restrição do crescimento fetal ou sofrimento fetal) nas quais o fator de risco é geralmente conhecido e corresponde a 25% dos nascimentos prematuros. A prematuridade espontânea corresponde a 75% dos casos e decorre do trabalho de parto prematuro (TPP). Nesse grupo, a etiologia é complexa e multifatorial ou desconhecida. As estratégias de prevenção primária devem ser focadas em medidas gerais de promoção da saúde antes mesmo da mulher engravidar e na qualidade do pré-natal. Entre as principais medidas, destacam-se: prevenção do fumo e drogas ilícitas, redução do estresse e controle nutricional. Levando-se em conta que, na maioria das vezes, a prevenção primária é difícil de ser implementada e tendo em vista que muitos dos fatores de risco não podem ser modificados antes ou durante a gestação, assumem importância a prevenção secundária e terciária. 45 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 45 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia A prevenção secundária consiste no reconhecimento de sinais e sintomas precoces do TPP além do emprego de outros indicadores preditivos. Entre estes, destacam-se as modificações do colo uterino detectadas pela ultrassonografia transvaginal e os métodos bioquímicos. Com a melhora na detecção desses casos, torna-se possível a adoção de medidas preventivas secundárias (repouso, circlagem do colo uterino e progesterona) e também terciárias (tocólise, corticoterapia antenatal, antibioticoterapia profilática para o estreptococo do Grupo B e a transferência da gestante para unidade de referência). No entanto, ainda existem dúvidas sobre a real eficácia da maioria dessas intervenções em relação à diminuição da morbidade e mortalidade neonatal. Nesse texto, discutiremos os principais indicadores de risco para o parto prematuro espontâneo. FATORES DE RISCO A realização de anamnese detalhada é o primeiro passo para se identificar a mulher com risco para o parto prematuro. A busca por indicadores clínicos deve ser instituída, de preferência, antes da concepção, para permitir o controle dos riscos e contribuir para uma evolução favorável da gestação. Apesar de o parto prematuro ser considerado de etiologia desconhecida em cerca de 50% dos casos, com frequência ocorre associação de fatores de risco maternos e fetais que podem ser classificados em epidemiológicos, obstétricos, ginecológicos, clínico-cirúrgicos, genéticos, iatrogênicos e desconhecidos. Entre os possíveis fatores que conferem maiores riscos, destacam-se a história de parto prematuro espontâneo, a gemelidade e os sangramentos persistentes de segundo trimestre. Após um parto prematuro espontâneo, o risco de repetição varia de 14% a 22%, é de 28% a 42% após dois e de 67% após três partos prematuros. A ocorrência de partos a termo diminui o risco de partos prematuros em gestações subsequentes. A gemelidade corresponde ao intervalo de 2% a 3% de todos os nascimentos, mas está presente em 17% dos nascimentos abaixo de 37 semanas e em 23% dos nascimentos abaixo de 32 semanas12. A maior disponibilidade de técnicas de reprodução assistida tem sido responsável pela maior incidência de gestações múltiplas e, consequentemente, maior risco de nascimentos prematuros. O sangramento decidual persistente manifestado pelo sangramento vaginal de segundo trimestre é fator de risco para rotura prematura de membranas ovulares e parto prematuro. Há vários estudos que associam as infecções genitourinárias ao parto prematuro espontâneo. No entanto, o diagnóstico e o tratamento das infecções vaginais constituem intervenções ainda não comprovadas para reduzir a prematuridade. Por outro lado, o mesmo não pode ser dito em relação à bacteriúria assintomática. O seu diagnóstico e tratamento diminuem o risco de parto prematuro. A relação direta entre os possíveis fatores de risco e o parto prematuro espontâneo é, 46 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 46 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia muitas vezes, difícil de ser estabelecida. Geralmente, ocorre apenas a suspeita entre a exposição e a ocorrência do nascimento prematuro. A diversidade de etiologias, o fato de que muitos desses nascimentos ocorrem em mulheres sem fatores de risco e a não existência de modelo animal adequado para testar o parto prematuro e suas causas não permitem que esses indicadores sejam utilizados com sucesso para a predição do parto prematuro. Dessa maneira, outros marcadores de risco para a prematuridade vêm ganhando importância nos últimos anos. MARCADORES ULTRASSONOGRÁFICOS A avaliação do colo uterino, durante a gestação, pode ser útil na identificação do risco para o parto prematuro espontâneo. Quanto menor o comprimento do colo, maior a probabilidade de prematuridade, uma vez que o esvaecimento cervical constitui uma das primeiras etapas do processo de parturição e precede o trabalho de parto em quatro a oito semanas. O exame do colo uterino pode ser feito pelo toque vaginal e pela ultrassonografia abdominal ou vaginal. O toque vaginal com objetivo de verificar as características do colo (dilatação, esvaecimento e posição) revela baixa sensibilidade e baixo valor preditivo positivo para a detecção do parto prematuro. Obtém-se melhor desempenho para o rastreamento do parto prematuro com a ultrassonografia transvaginal. Em comparação com a técnica abdominal, a via vaginal é mais vantajosa, pois permite a avaliação da porção supravaginal do colo uterino com menor interferência das partes fetais no segmento inferior do útero, além de não necessitar do enchimento da bexiga materna e evitar erros na medição pelo falso alongamento do colo uterino. O comprimento do colo é o indicador ultrassonográfico mais importante, e a sua medida é feita linearmente entre o orifício externo e interno, delimitados pelo início e fim da mucosa endocervical ecogênica. Outros achados secundários também podem ser obtidos com o exame, tais como a presença de afunilamento, detectado pela abertura do orifício interno do colo uterino superior a 5mm e a ausência do eco glandular endocervical. Algumas limitações estão presentes nos estudos de predição do parto prematuro pela ultrassonografia transvaginal, entre elas a ausência de padronização em relação à idade gestacional da avaliação inicial e a indefinição do ponto de corte abaixo do qual o risco de parto prematuro torna-se significante. A medida do comprimento do colo uterino antes de 15 semanas não apresenta bons resultados para a predição e a maioria dos estudos a utilizam durante o segundo trimestre da gestação, principalmente entre a 22ª e 24ª semanas, quando os resultados preditivos são melhores. A definição de colo curto varia entre os diferentes autores, na dependência dos melhores valores de sensibilidade e especificidade para gestantes sintomáticas ou assintomáticas e de acordo com a idade gestacional da ocorrência do parto. Atualmente, há tendência da literatura internacional em utilizar como ponto de corte comprimento inferior a 25mm. Entre nós, a Clínica Obstétrica do HC-FMUSP preconiza 47 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 47 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia a avaliação ultrassonográfica transvaginal para medir o comprimento do colo uterino em todas as gestantes assintomáticas com ou sem risco para o parto prematuro, entre a 22ª e 24ª semana, por ocasião da ultrassonografia morfológica fetal, utilizando 20 mm como ponto de corte. Na gestação gemelar, considera-se o colo curto quando inferior a 25mm. Na presença de colo curto, recomendamos o repouso, a investigação de infecções genitourinárias, o acompanhamento seriado das contrações uterinas, do comprimento do colo e realização de testes bioquímicos. Da mesma maneira, orientamos para o uso da progesterona natural, 200mg/dia, pela via vaginal até a 36ª semana. Na gestante sintomática, ou seja, quando o diagnóstico de trabalho de parto prematuro é duvidoso, consideramos de risco para o parto prematuro a medida do comprimento do colo uterino inferior a 15mm. Nesta situação, deve ser realizada a prevenção terciária – internação para tocólise e corticoterapia antenatal. MARCADORES BIOQUÍMICOS Dos possíveis marcadores bioquímicos conhecidos, podem ser citados: as interleucinas (IL 6 e 8), hormônio liberador da corticotropina (CRH), estriol salivar, a fibronectina fetal e, mais recentemente, a proteína-1 fosforilada ligada ao fator de crescimento insulina-símile (phIGFBP-1). As interleucinas, o CRH e o estriol demonstraram baixas sensibilidades e baixos valores preditivos e não trazem benefícios para a predição do parto prematuro. Entre todos os indicadores bioquímicos, a fibronectina fetal (fFN) é a que apresenta os melhores resultados para a predição do parto prematuro. A fFN é uma glicoproteína produzida pelo trofoblasto, cuja função fisiológica é assegurar a aderência do blastocisto à decídua. Normalmente, a fFN está presente no conteúdo vaginal na primeira metade da gestação. Após a 22ª semana, ocorre a fusão do âmnio com o cório e a fFN desaparece da vagina até a 35ª semana, a menos que haja rotura de membranas, presença de fator mecânico, infeccioso, inflamatório ou isquêmico na interface materno-fetal. Portanto, o teste só tem utilidade quando realizado entre 22 e 34s6d. Para a detecção da fFN, podem ser utilizados dois tipos de teste – o quantitativo e o qualitativo. Em nosso meio, dispomos apenas do teste rápido (qualitativo), em que o resultado é obtido em 10 minutos. A gestante é colocada em posição ginecológica e introduz-se um espéculo estéril na vagina para a coleta do conteúdo vaginal da porção posterior do colo, por meio de swab de Dácron, por aproximadamente 10 segundos. Posteriormente, o swab com o material coletado é introduzido em frasco com solução tampão, onde é vigorosamente agitado por 10 segundos. Em seguida, o swab é descartado e insere-se a fita de leitura na solução tampão e, a partir de então, aguardam-se 10 minutos para a realização da leitura. O teste é considerado positivo quando são formadas duas linhas róseas na fita de leitura, o que significa a presença da fFN em concentrações superiores a 50mg/mL. É importante destacar que, antes 48 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 48 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia da obtenção da amostra, não pode haver manipulação do colo pelo toque vaginal ou ultrassonografia de colo, coito, uso de lubrificantes ou medicamentos por um período de 24 horas, devido à possibilidade de resultados falsos positivos ou negativos. O teste da fFN pode ser utilizado em gestantes sintomáticas, em que há dúvidas em relação ao diagnóstico do trabalho de parto prematuro, ou em gestantes assintomáticas com risco para o parto prematuro espontâneo. A utilidade do teste em gestantes sintomáticas pode ser confirmada pela revisão sistemática em que foram incluídos 40 estudos prospectivos. Cerca de 80% das mulheres que tiveram parto prematuro tiveram o teste positivo para a fFN uma semana antes do nascimento, ou seja, trata-se de um teste sensível que geralmente é positivo quando ocorre o parto prematuro. Apenas 13% das que não tiveram o parto em uma semana apresentaram resultado positivo do teste da fFN, ou seja, raramente é positivo quando a gestação evolui para o termo. O principal benefício do teste da fFN reside no seu elevado valor preditivo negativo (superior a 90%), ou seja, a probabilidade de parto a termo em mulheres com teste negativo é alta. Diante de um teste negativo, pode-se evitar internações e intervenções desnecessárias. Por outro lado, o valor preditivo positivo é mais baixo (inferior a 50%), mas superior a outros marcadores bioquímicos, tais como o estriol, interleucinas e CRF. Diante do teste positivo, recomenda-se a internação, corticoterapia antenatal e tocólise. Em gestantes sintomáticas, há um sinergismo evidente entre a medida do comprimento do colo uterino pela ultrassonografia transvaginal e o teste da fFN. Em estudo com 215 gestantes sintomáticas, entre 22 e 35 semanas, verificou-se que quando o comprimento do colo era inferior a 15mm e a fFN positiva, todos os partos ocorriam dentro de 20 dias. Por outro lado, diante do comprimento do colo maior ou igual a 15mm e fFN negativa, a ocorrência do parto era postergada. Em gestantes assintomáticas com antecedente de parto prematuro, o teste da fFN revela melhores valores de sensibilidade quando em combinação com a medida do comprimento do colo uterino pela ultrassonografia transvaginal. Em estudo multicêntrico com 1.282 gestantes assintomáticas e com partos prematuros anteriores, demonstrou-se que diante do comprimento do colo menor que 25mm e fFN positiva na 24ª semana, o risco de repetição do parto prematuro foi de 64%, e de 25% quando a fFN era negativa. No entanto, observou-se que mesmo com colo longo (maior que 35mm) houve repetição do parto prematuro em 28% dos casos quando a fFN era positiva e de 7% quando a fFN era negativa. Sem dúvida, a medida do comprimento do colo uterino é útil, mas a fFN consegue identificar aquelas gestantes de risco que já possuem alterações bioquímicas mas que ainda têm um colo longo. Quando a ultrassonografia transvaginal e o teste da fFN revelam resultados negativos, menos de 1% têm chance de parto prematuro nas duas semanas seguintes. Nesses casos, recomenda-se que ambos os exames sejam repetidos a cada duas semanas. O manejo dos casos com positividade apenas do teste da fFN ainda é discutível, pois a sensibilidade é menor e os falsos positivos maiores. Embora exista maior risco de parto 49 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 49 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia prematuro quando os dois exames são positivos em gestantes assintomáticas, o parto geralmente não ocorre nos próximos sete dias. No entanto, em tal situação, a partir de 26 semanas deve ser considerada a administração do corticoide e possível internação para a tocólise. Até o momento, não se sabe se o uso da progesterona nesses casos pode trazer benefícios. Recentemente, surgiram evidências de que o parto prematuro seria precedido pela presença da proteína-1 fosforilada ligada ao fator de crescimento insulina-símile (phIGFBP-1) no conteúdo cervical. A phIGFBP-1 é uma proteína produzida pela decídua humana, cuja função ainda não está totalmente esclarecida. Supõe-se que o seu aparecimento na segunda metade da gestação seja semelhante ao que acontece com a liberação da fFN, ou seja, secundário a um processo mecânico, inflamatório/infeccioso ou isquêmico na interface materno-fetal. A maioria dos estudos disponíveis utilizou gestantes sintomáticas nas quais o teste revelou valor preditivo negativo elevado (90%). No entanto, ainda não há estudos com casuística suficiente que comprovem sua utilidade prática. CONCLUSÃO A identificação de alguns fatores de risco modificáveis antes da concepção ou no início da gestação pode evitar o parto prematuro. No entanto, a maioria dos partos prematuros espontâneos ocorre em mulheres sem fatores de risco. Embora até o momento não exista nenhum teste preditivo ideal em termos de sensibilidade e valores preditivos, a predição do parto prematuro tornou-se mais precisa com o advento da medida do comprimento do colo uterino pela ultrassonografia transvaginal e com o teste da fibronectina fetal. Os melhores valores de predição são obtidos quando ambos os exames são utilizados simultaneamente tanto em gestantes sintomáticas quanto assintomáticas de risco. A principal utilidade dos exames reside nos elevados valores preditivos negativos (acima de 90%) e não nos valores preditivos positivos, que são mais baixos. 50 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 50 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia Leitura complementar 1. HAMILTON, BE; MARTIN, JA; VENTURA, SJ. Births: preliminary data for 2006. Natl Vital Stat Rep. 2007; 56: 17. 2. LANGHOFF-ROOS, J; KESMODEL, U; JACOBSSON, B; RASMUSSEN, S; VOGEL, I. 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No entanto, ao se conseguir adiar o parto por pelo menos 48 horas, torna-se possível a realização da corticoterapia antenatal e, com isso, reduz-se o risco de complicações neonatais, tais como a síndrome do desconforto respiratório (SDR), a hemorragia cerebral, a enterocolite necrosante e de morte neonatal. Além disso, tal medida permite a eventual transferência da gestante para outro serviço hospitalar com melhores condições de atendimentos a prematuros. DIAGNÓSTICO DO TRABALHO DE PARTO PREMATURO A primeira dificuldade é o reconhecimento do início do trabalho de parto (TP). O útero apresenta atividade contrátil durante toda a gestação, com contrações de dois tipos: de baixa amplitude e de grande amplitude (Braxton Hicks). No último trimestre da gestação, as contrações de Braxton Hicks vão se tornando cada vez mais frequentes e podem ser confundidas com contrações de trabalho de parto. Tal fato é responsável pelas internações desnecessárias em cerca de 50% das gestantes supostamente em TPP. As dificuldades existentes para o diagnóstico inicial do TPP fazem com que até o momento não exista protocolo, baseado em evidências, sobre quais alterações de contratilidade uterina e do colo uterino justificam a realização do tratamento. Dessa maneira, os critérios para o diagnóstico do TPP variam na literatura2. A seguir, os critérios mais aceitos para o diagnóstico de TPP: • Contrações uterinas regulares a cada cinco minutos. O American Congress of Obstetricians and Gynecologists enfatiza a importância da persistência das contrações, ou seja, pelo menos quatro contrações em 20 minutos ou oito contrações em 60 minutos. • Dilatação cervical de pelo menos 1cm. • Presença de esvaecimento cervical. No falso trabalho de parto (FTP), não ocorre a mudança progressiva do colo e as contrações cessam espontaneamente após um período de observação (Quadro 1). Quadro 1: Diferenças clínicas entre trabalho de parto e falso trabalho de parto TRABALHO DE PARTO FALSO TRABALHO DE PARTO Contrações em intervalos regulares Contrações em intervalos irregulares Contrações com intensidade crescente Intensidade variável Dores predominantemente na região sacral Dores abdominais Aumento das contrações ao deambular O deambular não exerce efeito Esvaecimento e dilatação progressivos do colo uterino Esvaecimento e dilatação: se presentes, não evoluem 53 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 53 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia Para o diagnóstico diferencial em casos duvidosos, é importante que a gestante seja observada durante duas a três horas antes de se iniciar a tocólise. Nesse sentido, o teste rápido para detecção da fibronectina fetal (fFN) e a ultrassonografia transvaginal para avaliação do comprimento do colo (CC) uterino são medidas úteis para diferenciar o falso do verdadeiro trabalho de parto prematuro e evitar internação e medicalização desnecessárias. Diante de teste positivo para fFN e medida do CC uterino menor ou igual a 15mm é altamente provável que o parto ocorra nos próximos sete dias. Por outro lado, quando o teste da fFN for negativo e a medida do CC uterino for maior ou igual a 15mm, sugere-se FTP. Infelizmente, a dificuldade de se diagnosticar o verdadeiro TPP e os diferentes critérios utilizados para o seu diagnóstico torna difícil a interpretação dos resultados de trabalhos científicos sobre os diferentes tipos de uterolíticos. AVALIAÇÃO INICIAL Antes de se instituir a terapêutica inibitória, deve-se estar atento às indicações e contraindicações da tocólise (Tabelas 1 e 2). A gestante deve ser hospitalizada e as seguintes providências e avaliações devem ser realizadas: • Vitalidade fetal: desde que haja viabilidade fetal, ou seja, idade gestacional igual ou superior a 26 semanas, deve ser realizada a cardiotocografia fetal. Posteriormente, durante a tocólise, os batimentos cardíacos fetais também devem ser monitorados em intervalos regulares. Com tal medida, também são monitoradas as contrações uterinas. • Ultrassonografia para confirmar a apresentação fetal, analisar o volume de líquido amniótico, estimar o peso fetal, a idade gestacional e pesquisar possíveis malformações fetais. • Exame bacterioscópico e cultura de conteúdo vaginal e anal para o estreptococo do Grupo B, coleta do conteúdo cervical para pesquisa de Chlamydia trachomatis e Neisseria gonorrhoea. Na impossibilidade destes testes, deve-se considerar a gestante com colonizada pelo estreptococo do Grupo B. • Acesso venoso e coleta de hemograma. Coleta de urina para exame de urina tipo I e cultura de urina. Tabela 1: Condições para o uso de uterolíticos Período de latência do trabalho de parto (dilatação cervical < 3 cm) Esvaecimento não pronunciado Idade gestacional entre 22 e 34 semanas Ausência de contraindicações 54 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 54 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia Tabela 2: Contraindicações para a tocólise Morte fetal Sofrimento fetal Malformações fetais incompatíveis com a vida Restrição do crescimento fetal Rotura da bolsa das águas Infecção amniótica Descolamento prematuro de placenta Placenta prévia sangrante Síndromes hipertensivas Diabetes insulino-dependente instável Cardiopatias Hipertireoidismo não compensado Anemia falciforme TOCÓLISE 1. LIMITES INFERIORES E SUPERIORES PARA A TOCÓLISE A idade gestacional mínima para se realizar a tocólise é motivo de controvérsia e não existem recomendações baseadas em evidências. Alguns autores consideram 15 semanas, momento em que as perdas decorrentes de alterações genéticas são menos frequentes. Outros adotam 20 ou 22 semanas. Quanto ao limite superior de idade gestacional, a maioria dos autores adota 34 semanas – período a partir do qual diminuem consideravelmente a morbidade e a mortalidade neonatal –, que não justificam as complicações maternas e fetais decorrentes da tocólise. Além disso, a administração do corticoide antenatal só é indicada até 34 semanas. 2. HIDRATAÇÃO Estudos randômicos demonstraram que a hidratação não reduz a taxa de partos prematuros. No entanto, nos casos em que as contrações uterinas e alterações cervicais são pouco pronunciadas e existe dúvida quanto ao diagnóstico do TPP, podese infundir por via IV soro fisiológico e glicosado a 5%, em partes iguais, num total de 1.000mL. Se, após uma hora, persistirem as contrações uterinas, introduz-se a terapêutica medicamentosa. 3. UTEROLÍTICOS As drogas uterolíticas são utilizadas para inibir o TPP há quase 50 anos. Durante todos esses anos, apenas duas drogas foram desenvolvidas especialmente para esse fim: a ritodrina (agonista beta-adrenérgico) e a atosibana (antagonista do receptor de ocitocina). As outras drogas foram adaptadas para a tocólise. Atualmente, há três tipos de uterolíticos mais utilizados: agonistas beta-adrenérgicos, bloqueadores do canal de cálcio e antagonistas do receptor de ocitocina. Outras drogas também utilizadas para inibir o TPP (sulfato de magnésio, inibidores de prostaglandinas e doadores de óxido nítrico) carecem de comprovação quanto à eficácia ou são responsáveis por efeitos colaterais importantes. 55 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 55 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia ESCOLHA DO UTEROLÍTICO Devem ser levadas em conta a eficácia e a segurança. Quanto à eficácia, o ideal seria a diminuição da taxa de partos prematuros, da morbidade e da mortalidade neonatal, e não apenas o adiamento do parto por 48 a 72 horas ou sete dias, como a maioria dos estudos relatam. Além disso, a droga deve ser segura para a mãe, o feto e o recémnascido. FALHAS DE TOCÓLISE Diante da incapacidade de inibir as contrações uterinas com determinado uterolítico, pode-se substituí-lo por outro. No entanto, antes da utilização de um segundo tocolítico, deve-se excluir a presença de corioamnionite e de alterações da vitalidade fetal. TRABALHO DE PARTO PREMATURO RECORRENTE Não existem estudos controlados sobre o uso repetido de uterolíticos para o tratamento do parto prematuro recorrente, embora recomendemos que, se necessária, a repetição da tocólise seja feita apenas uma só vez. AGONISTAS BETA-ADRENÉRGICOS Em 1961, pela primeira vez, propôs-se o emprego de um agente betamimético, a isoxsuprina, para inibir as contrações uterinas. Com ação predominantemente em receptores beta-1 (coração e intestinos), causa mais efeitos colaterais cardiovasculares e deve ser evitada. Em seu lugar, deve-se dar preferência às drogas de efeito predominantemente beta-2 (com ação em miométrio, vasos sanguíneos e bronquíolos), tais como a terbutalina, o salbutamol e a ritodrina. Destas três, apenas a ritodrina está aprovada pela Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos para inibir o TPP. MECANISMO DE AÇÃO Ao atuarem em receptores da célula miometrial, determinam o seu relaxamento por diminuição do cálcio livre no interior das células. O mecanismo envolvido nesse efeito consiste na ativação da enzima adenilciclase, que catalisa a conversão do ATP em AMP cíclico. Este último, por sua vez, diminui o cálcio livre intracelular. EFICÁCIA Em revisão da Cochrane, na qual foram incluídas 1.332 gestantes pertencentes a 11 estudos randômicos e placebo-controlados, verificou-se que os agonistas betaadrenérgicos evitam o parto prematuro nas primeiras 48 horas (RR 0,63, IC 95% 0,530,75) e possivelmente antes de sete dias (RR 0,67, IC 95% 0,48-1,01). Observou-se também uma tendência em reduzir a síndrome do desconforto respiratório (SDR) dos recém-nascidos, mas que não foi significante (RR 0,87, IC 95% 0,71-1,08), e nenhum 56 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 56 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia efeito sobre a mortalidade neonatal (RR 1,00, IC 95% 0,48-2,09). Entre as críticas desta pesquisa, destaca-se a de que vários estudos que participaram dessa metanálise não utilizavam o corticoide antenatal de rotina, o que pode ter influenciado nos resultados. EFEITOS COLATERAIS Os agonistas beta-adrenérgicos também agem em outros órgãos e, no sistema cardiovascular, contribuem para o aparecimento de dor torácica, taquicardia, dispneia, mal-estar e edema agudo de pulmões. Além disso, atuam no SNC e causam cefaleia, tonturas e tremores. Tais efeitos colaterais contribuem para a descontinuidade do tratamento. Além disso, atravessam a placenta, tendo sido descritos inúmeros efeitos colaterais no feto e no recém-nascido, como taquicardia, hiperinsulinismo, hipoglicemia, hipocalemia e hipotensão arterial. Em virtude dos efeitos colaterais, alguns cuidados devem ser tomados por ocasião do uso de tais drogas: realizar eletrocardiograma materno prévio; controlar com cuidado o pulso e a pressão arterial, mantendo o pulso materno abaixo de 120bpm; auscultar periodicamente os pulmões e coração; e monitorar os batimentos cardíacos fetais. Deve-se salientar que os efeitos colaterais cardiovasculares, como o edema agudo de pulmões, são mais frequentes em situações de hipervolemia materna, como no polidrâmnio, na gestação gemelar e em pacientes submetidas à infusão de grande quantidade de líquidos. É importante destacar que, diante da tocólise com betaagonistas, a administração de líquidos não deve ultrapassar 2L em 24 horas. ESQUEMA TERAPÊUTICO Diluem-se cinco ampolas de terbutalina (1 amp = 0,5mg) em soro glicosado a 5% (500mL), que são infundidas por via intravenosa, iniciando-se com 2,5μg/min (10 gotas/min); a seguir, aumentam-se 10 gotas/min a cada 20 minutos até um máximo de 80 gotas/ min; uma vez obtida a dose mínima capaz de cessar as contrações, mantém-se o gotejamento por 24 horas. Caso as contrações não diminuam em seis horas ou se a tocólise for necessária por mais de 24 horas, deve-se pesquisar a presença de corioamnionite ou insuficiência placentária. Após as 24 horas de administração da droga, diminuem-se 10 gotas a cada 20 minutos, até a suspensão total da mesma. A paciente deve ser mantida em repouso absoluto e sob vigilância por mais 24 horas e, caso ocorra o retorno das contrações, utiliza-se o esquema intravenoso mais uma vez. BLOQUEADORES DO CANAL DE CÁLCIO MECANISMO DE AÇÃO Inibem a entrada do cálcio extracelular através da membrana citoplasmática, impedem a liberação do cálcio intracelular do retículo sarcoplasmático e aumentam a saída do cálcio da célula miometrial. 57 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 57 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia EFICÁCIA Até o momento, não existem estudos placebo-controlados que avaliem a eficácia dos bloqueadores de canal do cálcio em inibir o TPP. Há apenas estudos comparativos com outras drogas, os quais devem ser interpretados com cautela. Em metanálise de nove estudos (679 gestantes) em que se comparou a nifedipina com terbutalina ou ritodrina, verificou-se que a nifedipina foi mais eficaz em inibir o TPP nas primeiras 48 horas (OR 1,52, IC 95% 1,03-2,24). Posteriormente, o mesmo grupo de autores realizou nova metanálise com 12 estudos (1.029 gestantes), em que comparou-se o uso de bloqueadores do canal de cálcio com outras drogas uterolíticas (principalmente agonistas beta-adrenérgicos), e observou-se que os bloqueadores do canal de cálcio não reduziram significantemente o risco de parto prematuro nas primeiras 48 horas (RR 0,80, IC 95% 0,61-1,05), mas conseguiram reduzir o risco quando considerado o intervalo de sete dias para a ocorrência do parto (RR 0,76; IC 95% 0,60-0,97). Segundo os resultados desse estudo, houve redução significante da SDR, enterocolite necrosante e hemorragia cerebral nos recém-nascidos com a utilização dos bloqueadores do canal do cálcio. Entre as críticas, destacase o fato de que dois estudos participantes da metanálise exerceram forte influência sobre os resultados e pertenciam ao mesmo grupo de autores. Além disso, não houve seguimento dos recém-nascidos após a alta do berçário. Recentemente, foi realizada revisão sistemática do uso da nifedipina para inibir o TPP. Foram identificados 45 estudos sobre o tema; entretanto, nessa revisão, foram incluídos apenas 31, dos quais 77% apresentavam vieses de amostragem, de aferição, de seleção e confusão. Além disso, o próprio fabricante não indica o seu uso para a inibição do TPP. Portanto, ainda há necessidade de estudos clínicos controlados para determinar com maior precisão a aplicabilidade dessas drogas. EFEITOS COLATERAIS Por serem vasodilatadores periféricos, os bloqueadores do canal de cálcio podem causar rubor facial, cefaleia, tonturas, palpitações e hipotensão arterial, sendo de menores intensidades do que com os agonistas beta-adrenérgicos. Nas doses habitualmente utilizadas para inibir o TPP, não há dados sobre os efeitos colaterais fetais. ESQUEMA TERAPÊUTICO A posologia ideal é desconhecida. Há vários esquemas que podem ser utilizados, entre eles: 30mg VO, seguidos de 20mg VO a cada quatro ou seis horas; 20mg VO, seguidos de 20mg VO em 90 minutos e 10mg VO a cada 20 minutos, num total de quatro doses. ANTAGONISTAS DE RECEPTOR DA OCITOCINA MECANISMO DE AÇÃO O Atosibana é o primeiro antagonista específico da ocitocina utilizado clinicamente. Sua estrutura química, muito semelhante à da ocitocina, lhe permite ocupar os receptores específicos, impedindo a contração uterina. Entre tais drogas, destaca-se o Atosibana, comumente utilizado na Europa. 58 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 58 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia EFICÁCIA Estudos comparativos de tamanhos amostrais relevantes têm demonstrado que a atosibana é tão eficaz quanto à ritodrina, salbutamol e terbutalina em inibir o TPP, sendo, porém, mais seguro e mais bem tolerado que os agonistas beta-adrenérgicos. Da mesma forma, a morbidade e mortalidade neonatal foram semelhantes nos grupos avaliados. Quanto à comparação da atosibana com o placebo, em revisão da Cochrane na qual foram avaliados seis estudos com 1.695 gestantes, verificou-se que o primeiro elevou o risco de parto prematuro nas primeiras 48h após o início do tratamento (RR 2,50, IC 95% 0,51-12,35), elevou o risco de nascimento abaixo de 28 semanas (RR 2,25, IC 95% 0,80-6,35) e também abaixo de 37 semanas (RR 1,17, IC 95% 0,99-1,37). No entanto, nenhum desses aumentos apresentou significância estatística. A morbidade e a mortalidade neonatal foram semelhantes nos dois grupos. Há de se destacar que o emprego do corticoide antenatal variou amplamente entre os estudos. Além disso, dois estudos que fizeram parte dessa metanálise, num total 613 gestantes, revelaram que a atosibana associou-se à menor média de peso ao nascimento e complicações neonatais. Posteriormente, verificou-se que a randomização dos grupos foi inadequada, pois havia duas vezes mais mulheres com idade gestacional menor que 26 semanas no grupo atosibana do que no grupo placebo, ou seja, os grupos não eram homogêneos. Naquelas com idade gestacional superior a 28 semanas, os resultados maternos e neonatais foram melhores no grupo atosibana. Diante de tais controvérsias, a mesma revisão Cochrane demonstrou que a atosibana foi igualmente eficaz aos agonistas beta-adrenérgicos em evitar o nascimento prematuro dentro das primeiras 48 horas (RR 0,98, IC 95% 0,68-1,41) ou dentro dos primeiros sete dias de tratamento (RR 0,91, IC 95% 0,69-1,20). A atosibana também demonstrou menores efeitos colaterais maternos (RR 0,04, IC 95% 0,02-0,11) quando comparado aos agonistas beta-adrenérgicos. EFEITOS COLATERAIS Entre os efeitos colaterais maternos mais observados, destacam-se: náuseas, tonturas e cefaleia. Não foram observados efeitos cardiovasculares. Em relação aos efeitos colaterais fetais e neonatais, há um único estudo em que se demonstrou maior taxa de complicações neonatais com o uso de atosibana em prematuros extremos. Conforme já discutido anteriormente, a interpretação desses dados é discutível porque a randomização desses grupos foi inadequada. Estudo nacional prospectivo e randomizado envolvendo 80 pacientes em trabalho de parto prematuro comparou o uso do atosibana com a terbutalina. O antagonista de ocitocina apresentou melhor desempenho (sucesso tocolítico em 97,5% dos casos, contra 77,5% no grupo terbutalina) sem efeitos colaterais. O tratamento tocolítico com a terbutalina precisou ser suspenso, devido à presença de efeitos adversos em 10% dos casos; isto não foi necessário em nenhum caso do grupo com atosibana” ESQUEMA TERAPÊUTICO O atosibana pode ser administrado, inicialmente, em duas etapas: • Dose de ataque de 0,9mL (6,75mg) injetada diretamente na veia durante um minuto. 59 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 59 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia • Manutenção: infundem-se duas ampolas de 5mL em 90mL de SG5% (solução de 100mL), IV, durante três horas na velocidade de 24mL/h (300mg/min); posteriormente, infundem-se os 28mL restantes da solução anterior em três horas e 30 minutos na velocidade de 8mL/h, totalizando seis horas e 30 minutos. Antes de continuar com a administração da droga, devem ser monitoradas as contrações uterinas. Em nossas observações, a administração da droga por seis horas e 30 minutos é suficiente para inibir as contrações uterinas em 75% dos casos. • Caso as contrações persistam, realiza-se a terceira etapa: solução IV de 90mL de SG5% com duas ampolas de 5mL de atosibana na velocidade de 8mL/h até que totalize 48 horas desde o início do tratamento. SULFATO DE MAGNÉSIO MECANISMO DE AÇÃO Ainda não se tem conhecimento exato de como age o magnésio sobre as contrações uterinas, mas provavelmente compete com o cálcio, impedindo a sua entrada pela membrana da célula miometrial. EFICÁCIA Na última revisão da Cochrane, a qual envolveu 190 gestantes, comparado ao placebo, o sulfato de magnésio não reduziu o nascimento prematuro antes de 48 horas (RR 0,57, IC 95% 0,28-1,15) e nem a SDR (RR 1,09, IC 95% 0,98-1,22). No mesmo estudo, também se verificou que o sulfato de magnésio não foi melhor e nem pior do que outros uterolíticos (beta-adrenérgicos, bloqueadores de canais de cálcio e inibidores da ciclo-oxigenase). No entanto, o tamanho amostral foi pequeno e o corticoide antenatal também não foi utilizado em todos os casos. EFEITOS COLATERAIS Apesar dos riscos potenciais, poucos efeitos colaterais maternos são observados quando a concentração sérica de magnésio é mantida em níveis terapêuticos (4 a 6 mEq/L – mg/dL). No entanto, na hipermagnesemia surgem náuseas, vômitos, cefaleia, distúrbios visuais, letargia, fraqueza muscular, diminuição de reflexos, hipotensão arterial, palpitações e depressão respiratória. O magnésio atravessa facilmente a barreira placentária e a hipermagnesemia pode causar hiporreatividade e hipotonia fetal. Dessa maneira, a gestante deve ser cuidadosamente monitorada em relação à diurese, frequência respiratória e reflexos patelares. Além disso, deve-se avaliar a magnesemia materna a cada seis horas. ESQUEMA TERAPÊUTICO A dose preconizada é de 4g diluídos em soro glicosado a 10% e infundidos IV em 20 minutos, como dose de ataque, seguidos de 2 a 3g/h até cessarem as contrações uterinas. 60 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 60 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia INIBIDORES DE PROSTAGLANDINAS MECANISMO DE AÇÃO Atuam inibindo a ciclo-oxigenase, enzima responsável pela síntese de prostaglandinas a partir do ácido aracdônico. Entre essas drogas, a indometacina é a mais utilizada para a inibição do TPP. EFICÁCIA Em revisão realizada pela Cochrane com apenas 70 casos, comparada ao placebo, a indometacina reduziu o risco de parto em 48 horas (RR 0,20, IC 95% 0,03 – 1,28) e em sete dias (RR 0,41, IC 95% 0,10 -1,66). Não houve diferença nos resultados neonatais. No mesmo estudo, comparou-se a indometacina a outros uterolíticos (agonistas beta-adrenérgicos e sulfato de magnésio) em 415 casos. A indometacina revelou-se mais eficaz em evitar o parto em 48 horas (RR 0,59, IC 95% 0,34-1,02), embora os resultados não tenham sido estatisticamente significantes. Portanto, em vista do tamanho pequeno da amostra, quando comparada ao placebo, e dos resultados duvidosos quando comparada a outras drogas, a sua eficácia ainda é discutível. EFEITOS COLATERAIS Entre os efeitos colaterais maternos, destacam-se: náuseas, vômitos e disfunção plaquetária. Entre os efeitos colaterais fetais mais comumente relacionados, podem ser citados o oligoâmnio e o fechamento precoce do ducto arterioso, principalmente quando a droga é utilizada acima de 32 semanas. Outras complicações neonatais estão associadas à indometacina: enterocolite necrosante, leucomalácia e hemorragia intraventricular. ESQUEMA TERAPÊUTICO O esquema mais comumente empregado é o de uma dose inicial de 100mg por via retal, seguida de 25mg por via oral a cada seis horas, por um período máximo de 48 horas, para idades gestacionais de até 32 semanas. A ultrassonografia fetal e a ecocardiografia fetal devem ser realizadas periodicamente caso o tratamento exceda 48 horas. DOADORES DE ÓXIDO NÍTRICO O óxido nítrico atua na atividade do sistema enzimático da quinase de cadeia leve da miosina e promove o relaxamento da célula miometrial. A nitroglicerina transdérmica é a mais utilizada na inibição do TPP. 61 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 61 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia EFICÁCIA Ainda não existem evidências suficientes para o uso dessas drogas no TPP. Em estudo randômico com 153 parturientes entre 24 e 32 semanas, comparou-se a nitroglicerina com placebo. Entre as que utilizaram a nitroglicerina (n = 74), houve risco neonatal mais baixo (hemorragia intraventricular, leucomalácia, complicações pulmonares e enterocolite necrosante) quando comparado com placebo (n = 79) (RR 0,29, IC 95% 0,08-1,00). Não se observou diferença significante entre os dois grupos na diminuição do risco de parto antes de 28 semanas e nem de prolongamento da gestação por sete dias23. Em outro estudo, com 238 parturientes, comparou-se o óxido nítrico com agonistas beta-adrenérgicos (salbutamol ou ritodrina). A inibição do TPP foi mais eficaz com os agonistas beta-adrenérgicos. EFEITOS COLATERAIS Hipotensão arterial materna, tonturas, palpitações. Até o momento, não há relatos de efeitos colaterais fetais e neonatais. ESQUEMA TERAPÊUTICO Embora possa se utilizar a via intravenosa, a mais utilizada é a via transdérmica, por meio de adesivos de nitroglicerina. Apesar de a dose ideal ainda não ser conhecida, recomenda-se, pela via transdérmica, o uso de adesivo de 10mg aplicado na pele do abdome. Após uma hora, caso persistam as contrações, aplica-se mais um adesivo, sendo que ambos podem permanecer no local durante 24 horas e depois ser removidos. MANUTENÇÃO PÓS-TOCÓLISE Ainda não existem estudos com tamanhos amostrais adequados e bem conduzidos sobre a utilização de uterolíticos após o sucesso da tocólise. Em revisão da Cochrane na qual foram avaliados 11 estudos randômicos com agonistas beta-adrenérgicos e placebo, não se observou diferenças significantes entre os grupos quanto ao prolongamento da gestação. Outros estudos, em que foram avaliados o sulfato de magnésio, a nifedipina e o antagonista da ocitocina, também não demonstraram vantagens em relação ao placebo. É possível que a progesterona possa trazer algum benefício para a manutenção da gestação após a tocólise. Assim, após a inibição do TPP e por ocasião da alta hospitalar, a gestantes pode ser orientada para repouso físico, sexual e utilização da progesterona 62 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 62 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia natural – uma cápsula de 200mg, via vaginal, a cada 12 horas, até a 36ª semana. Não utilizamos outro tipo de medicamentos para a manutenção. O seguimento da gestação é feito por meio de controle semanal em ambulatório especializado. CONCLUSÕES A tentativa de bloquear o trabalho de parto prematuro, utilizando-se drogas tocolíticas, constitui estratégia importante para amenizar os relevantes efeitos da parturição em idade gestacional precoce. Entre as opções tocolíticas de melhor desempenho, mais disponíveis em nosso meio, temos a terbutalina, nifedipina, indometacina e a atosibana. Embora a eficácia desses medicamentos seja considerada muito semelhante, a atosibana é o único medicamento específico para inibir o trabalho de parto prematuro; os outros já foram empregados em tratamentos de doenças pulmonares, cardiovasculares e inflamatórias, com maiores riscos de aparecimento de efeitos adversos até graves para a mãe e/ou concepto. Além disso, a atosibana é o único a possuir esquema posológico bem padronizado de uso, tornando sua ministração mais fácil, prática e segura. Os custos referentes ao uso da atosibana são maiores; dependendo do local de atendimento isto tem sido destacado como fator dificultador para sua aquisição. Lembramos que cerca de 70 a 80% dos casos de trabalho de parto prematuro podem ser inibidos com sucesso com a ministração das fases 1 e 2 do medicamento; a utilização da fase 3, nos casos mais refratários realmente tornam o tratamento mais dispendioso. Devemos, entretanto, ressaltar que os custos destes tratamentos não podem ser avaliados de forma simplista. A interrupção da tocólise em função de efeitos colaterais relevantes pode significar em muitos casos o nascimento prematuro, impondo tratamento muito mais oneroso, além dos riscos de sequelas neonatais inerentes à prematuridade. Estudos iniciais de farmacoeconomia comparando os custos do nascimento pré-termo com aqueles decorrentes da utilização do atosibana, indicam relação custo/benefício a favor do uso do fármaco. Por fim, outro aspecto a ser valorizado é que o processo de tocólise, na atualidade, deve ser encarado como uma associação de drogas. O tocolítico raramente vai ser utilizado isoladamente; seu uso será associado ao corticoide (para acelerar a maturidade pulmonar fetal), antibiótico (para prevenção da sepse neonatal pelo estreptococo do grupo B) e em alguns casos ao sulfato de magnésio (como neuroproteção do concepto). Em função dessas observações, torna-se mais favorecido o uso de medicamentos específicos, nitidamente associados a menores índices de efeitos colaterais. 63 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 63 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia Leitura complementar 1. MCPHEETERS, GA; MILLER, WC; HARTMANN, KE. The epidemiology of threatened preterm labor: a prospective cohort study. Am J Obstet Gynecol. 2005; 192: 1325. 2. [ACOG] American Congress of Obtetricians and Gynecologists. Practice Bulletin. Clinical management guidelines for obstetrician-gynecologist. Management of preterm labor. Obstet Gynecol. 2003; 101: 1039. 3. BITTAR, RE; ZUGAIB, M. Tratamento do trabalho de parto premature. Rev Bras Ginecol Obstet. 2009; 31(8): 415-22. 4. GOMEZ, R; ROMERO, R; MEDINA, L. Cervicovaginal fibronectin improves the prediction of preterm delivery based on sonographic cervical length in patients with preterm uterine contractions and intact membranes. Am J Obstet Gynecol. 2005; 192: 350. 5. BITTAR, RE; PEREIRA, PP; LIAO, AW. Prematuridade. In: ZUGAIB, M (ed.). Obstetrícia. Barueri: Manole, 2008, p. 645-66. 6. GOLDENBERG, RL. The management of preterm labor. Obstet Gynecol. 2002; 100: 1020. 7. KORENBROT, CC; AALTO, LH; LAROS, RK. The cost effectiveness of stopping preterm labor with beta-adrenergic treatment. N Engl J Med. 1984; 310: 691. 8. PIRCON, RA; STRASSNER, HT; KIRZ, DS; TOWERS, CV. Controlled trial of hydration and bed rest versus bed rest alone in the evaluation of preterm uterine contractions. Am J Obstet Gynecol. 1989; 161: 775. 9. GUINN, DA; GOEPFERT, AR; OWEN, J. Management options in women with preterm uterine contractions: a randomized clinical trial. Am J Obstet Gynecol. 1997; 177: 814. 10. SIMHAN, H; CARITIS, S. Inhibition of acute preterm labor. Up to Date. 2009. Disponível em: http://www.uptodateonline.com. Acessado em: 6 out. 2013. 11. BISHOP, EH; WOUTERXZ, TB. Isoxsuprine, a myometrial relaxant. Obstet Gynecol. 1961; 17: 442-6. 12. ANOTAYANONTH, S; SUBHEDAR, NV; GARNER, P. Betamimetics for inhibiting preterm labour. Cochrane Database Syst Rev. 2004; CD004352. 13. TSATSARIS, V; PAPATSONIS, D; GOFFINET, F. Tocolysis with nifedipine or betaadrenergic agonists: a meta-analysis. Obstet Gynecol. 2001; 97: 840. 14. KING, JF; FLENADY, VJ; PAPATSONIS, DN. Calcium channel blockers for inhibiting preterm labour. Cochrane Database Syst Rev. 2003; CD002255. 15. LAMONT, RF; KHAN, KS; BEATTIE, B. The quality of nifedipine studies used to assess tocolytic efficacy: a systematic review. J Perinat Med. 2005; 33(4): 287-95. 16. MOUTQUIN, JM; SHERMAN, D; COHEN, H. Double-blind, randomized, controlled trial of atosiban and ritodrine in the treatment of preterm labor: A multicenter effectiveness and safety study. Am J Obstet Gynecol. 2000; 182: 1191-9. 64 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 64 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia 17. The Worldwide Atosiban versus Beta-agonists Study Group. Effectiveness and safety of the oxytocin antagonist atosiban versus beta-adrenergic agonists in the treatment of preterm labour. Br J Obstet Gynecol. 2001; 108: 133-42. 18. PAPATSONIS, D; FLENADY, V; COLE, S; LILEY, H. Oxytocin receptor antagonists for inhibiting preterm labour. Cochrane Database Syst Rev. 2005; CD004452. 19. ROMERO, R; SIBAI, BM; SANCHEZ-RAMOS, L; VALENZUELA, GJ; VEILLE, JC; TABOR, B et al. An oxytocin receptor antagonist (atosiban) in the treatment of preterm labor: a randomized, double-blind, placebo-controlled trial with tocolytic rescue. Am J Obstet Gynecol. 2000; 182(5): 1173-83. 20. CABAR, FR; BITTAR, RE; GOMES, CM; ZUGAIB, M. O atosibano como agente tocolítico: uma nova proposta de esquema terapêutico. Rev Bras Ginecol Obstet. 2008; 30(2): 87-92. 21. CROWTHER, CA; HILLER, JE; DOYLE, LW. Magnesium sulphate for preventing preterm birth in threatened preterm labour. Cochrane Database Syst Rev. 2002; CD001060. 22. KING, J; FLENADY, V; COLE, S; THORNTON, S. Cyclo-oxygenase (COX) inhibitors for treating preterm labour. Cochrane Database Syst Rev. 2005; CD001992. 23. Smith, GN; Walker, MC; Ohlsson, A. Randomized double-blind placebo-controlled trial of transdermal nitroglycerin for preterm labor. Am J Obstet Gynecol. 2007; 196: 37. 24. BISITS, A; MADSEN, G; KNOX, M. The randomized nitric oxide tocolysis trial (RNOTT) for the treatment of preterm labor. Am J Obstet Gynecol. 2004; 191: 683. 25. DODD, J; CROWTHER, C; DARE, M; MIDDLETON, P. Oral betamimetics for maintenance therapy after threatened preterm labour. Cochrane Database Syst Rev. 2006; CD003927. 26. LYELL, DJ; PULLEN, KM; MANNAN, J. Maintenance nifedipine tocolysis compared with placebo: a randomized controlled trial. Obstet Gynecol. 2008; 112: 1221. 27. VALENZUELA, GJ; SANCHEZ-RAMOS, L; ROMERO, R. Maintenance treatment of preterm labor with oxytocin antagonist atosiban. The Atosiban PTL-098 Study Group. Am J Obstet Gynecol. 2000; 182: 1184. 28. 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Intercorrências obstétricas e fetais – mau passado obstétrico, rotura prematura das membranas ovulares, gemelidade, aloimunização Rh, placenta prévia, restrição do crescimento fetal, oligoidrâmnio e polidrâmnio, infecções fetais e malformações fetais. MÉTODOS DE AVALIAÇÃO DA VITALIDADE FETAL Com o intuito de diminuir a morbidade fetal e perinatal, utilizam-se métodos subsidiários para detectar precocemente as modificações indicadoras de frequência. Nesse sentido, as técnicas biofísicas mais comumente utilizadas são: 1. Cardiotocografia anteparto 2. Perfil biofísico fetal 3. Dopplervelocimetria De maneira geral, na insuficiência placentária com hipoxemia fetal progressiva, o doppler de artéria umbilical revela as primeiras alterações, seguidas pelas anormalidades da frequência cardíaca fetal (FCF) detectadas pela cardiotocografia e, por últimos, pelos outros parâmetros do PBF (movimentos respiratórios, corpóreos e tônus). Embora as alterações do doppler de artéria umbilical sejam mais precoces, posteriormente surgem alterações no fluxo de outros vasos fetais (na sequência – aorta, artéria cerebral média, ducto venoso e pulsação da veia umbilical). Tais métodos apresentam vantagens, desvantagens e predições diferentes. Desse modo, a literatura tem demonstrado que a utilização de uma única técnica propedêutica não avalia suficientemente as condições de vitalidade fetal, sendo necessário associar as várias metodologias de investigação. A dopplervelocimetria é a técnica mais recente incorporada ao arsenal propedêutico obstétrico, que passou a desempenhar papel importante no seguimento das gestações de alto risco, particularmente na avaliação da hipoxemia do prematuro antes da 32ª semana. Trata-se de um método que efetua a mensuração das velocidades de fluxo em vasos da circulação materna e fetal (artéria uterina, artéria umbilical, artéria cerebral média, ducto venoso e veia umbilical). Os casos que mais se beneficiam da dopplervelocimetria são aqueles com diagnóstico de restrição do crescimento fetal. Por meio desta metodologia, 66 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 66 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia pode-se identificar o momento adequado para a resolução da gravidez. Dessa maneira, a aplicabilidade e os significados das alterações na dopplervelocimetria serão discutidos na apresentação do tema restrição do crescimento fetal. A cardiotocografia de repouso e com estímulo sônico têm sido os métodos mais comumente utilizados na avaliação da vitalidade fetal, por serem inócuos, não invasivos, de fácil execução e de baixo custo. A interpretação do traçado exige a adoção de critérios bem estabelecidos. De maneira geral, a presença de variabilidade normal da FCF e acelerações transitórias em resposta à movimentação fetal sugerem adequada oxigenação do feto. As desacelerações da FCF indicam anormalidades. A elevação da FCF basal e a redução da variabilidade são sinais adicionais de acidose metabólica fetal. A interpretação dos resultados exige a adoção de critérios bem estabelecidos que podem ser encontrados em textos específicos sobre o tema. Nesse método, a prematuridade extrema pode prejudicar a interpretação dos resultados. Uma vez que a influência do sistema parassimpático sobre a FCF aumenta gradativamente com o avanço da idade gestacional, o método está mais indicado a partir da maturidade do sistema nervoso autônomo fetal, ou seja, ao final do segundo trimestre da gestação. O perfil biofísico fetal (PBF) avalia variáveis biofísicas fetais (movimentos respiratórios, movimentos corpóreos, tônus fetal e resultados da cardiotocografia) e o volume de líquido amniótico5. O índice de PBF varia de 0 a 10, sendo que cada parâmetro recebe pontuação 2, durante um período máximo de 30 minutos de observação. O valores 8 e 10 são considerados normais; 6, suspeito; e inferior a 6, provável asfixia ou asfixia já instalada. Na prematuridade, já a partir da 26ª semana, espera-se que em situações normais o índice de PBF seja de pelo menos 8, desconsiderando-se a FCF. O PBF não é considerado um método sensível para detecção de infecção intrauterina, uma das possíveis causas de prematuridade. Não se demonstrou relação entre sinais histológicos de inflamação aguda da placenta e os resultados do PBF em casos de rotura prematura das membranas ovulares antes da 32ª semana. LIMITE DA VIABILIDADE: PREMATURIDADE EXTREMA Os prematuros fazem parte de um grupo bastante amplo e heterogêneo, onde estão incluídos aqueles recém-nascidos no limite da viabilidade até os que nascem próximo ao termo da gestação, apresentando características fisiológicas e patológicas muito variáveis. Considerando-se a idade gestacional ao nascimento, classificamos a prematuridade segundo os critérios de Lumley: • Prematuridade extrema: de 20 a 27 semanas. • Prematuridade moderada: de 28 a 31 semanas. • Prematuridade leve: de 32 a 36 semanas. 67 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 67 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia As complicações neonatais mais comuns da prematuridade incluem a síndrome do desconforto respiratório, a hemorragia intraventricular, a enterocolite necrosante e a sepse. Tais intercorrências são mais frequentes em idades gestacionais inferiores a 32 semanas e tornam-se ainda mais importantes abaixo de 28 semanas. A capacidade de sobrevivência, ou seja, a viabilidade de fetos prematuros é variável e depende de vários fatores. Embora em centros de excelência, a partir de 24 semanas, a maioria dos prematuros sobreviva à custa de atendimento intensivo adequado, a viabilidade varia de acordo com a etiologia envolvida e de instituição para instituição, pois depende do suporte dado à parturiente durante o trabalho de parto e ao recémnascido. Torna-se fundamental o conhecimento dos limites de cada serviço para se adequar à idade gestacional de nascimento. Na maioria dos Serviços Terciários no Brasil, adota-se 26 semanas como o limite da viabilidade. Apesar de a evolução da assistência em unidades adequadamente equipadas e com equipe multidisciplinar especializada ter contribuído em diminuir o limite da viabilidade fetal para níveis inimagináveis até poucas décadas atrás, as sequelas da prematuridade e os custos crescentes continuam sendo as principais preocupações para os familiares e gestores de saúde. VIA DE PARTO O melhor tipo de parto no prematuro ainda é motivo de controvérsia, e a decisão deve ser precedida por avaliação criteriosa de cada caso. Devem ser considerados: idade gestacional (viabilidade), peso estimado do feto, apresentação fetal, condições do colo uterino, integridade das membranas ovulares e a possibilidade de monitoração fetal e experiência da equipe envolvida. No trabalho de parto, quando o feto é considerado inviável, deve-se preferir a via vaginal para se evitar os riscos médicos associados à cesárea. APRESENTAÇÃO CEFÁLICA Alguns autores optam pela cesárea na apresentação cefálica com idade gestacional inferior a 28 semanas (abaixo de 1.000g). Como ainda não há estudos randômicos controlados com tamanho amostral adequado que comprovem que a cesárea é mais benéfica na apresentação cefálica, preconizamos o parto vaginal, independente do peso fetal calculado, desde que as condições materno-fetais sejam adequadas. Deve ser enfatizado que o feto prematuro tem menor tolerância à asfixia do que o de termo 68 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 68 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia e, portanto, os batimentos cardíacos fetais devem ser cuidadosamente monitorados. Compete ao obstetra, no decurso da assistência ao parto, evitar os traumatismos obstétricos, importantes no desencadeamento de fraturas e hemorragias intracranianas. Para isso, é necessário avaliar se as condições são satisfatórias para um parto vaginal. A avaliação da bacia obstétrica é fundamental para que se evite a moldagem excessiva do crânio com consequente hemorragia cerebral. Não se recomenda a aplicação do fórcipe no prematuro quando o peso fetal estimado for inferior a 1.500g pelo maior risco de trauma fetal e hemorragia intracraniana. Em outras situações em que haja indicação obstétrica, não se deve utilizar o vácuo extrator, pois proporciona maior risco de hemorragia intracraniana. Em relação ao parto prematuro induzido, por indicação materna e/ou fetal, as condições devem ser ideais para a sua realização. Julgamos que a via abdominal é a preferencial para fetos com pesos estimados abaixo de 1.500g, quando os riscos da indução passam a ser maiores do que seus possíveis benefícios. APRESENTAÇÃO PÉLVICA A via vaginal na apresentação pélvica traz maior risco de complicações perinatais do que na apresentação cefálica. É importante salientar que a apresentação pélvica é mais frequente no parto prematuro do que no parto a termo, podendo estar presente em 25% dos casos na 28ª semana de gestação. As tentativas de parto vaginal na apresentação pélvica estão mais associadas a riscos de traumatismos fetais e prolapso de cordão do que na apresentação cefálica. A cabeça fetal é relativamente maior que o tronco e pode haver dificuldade de seu desprendimento em virtude do colo uterino estar insuficientemente dilatado. Nesse caso, manobras de extração podem causar hipoxia, lesões traumáticas e, consequentemente, sequelas neurológicas. Nós realizamos sistematicamente a cesárea nos prematuros em apresentação pélvica. No entanto, tal conduta é baseada apenas em estudos retrospectivos, pois não há estudos prospectivos e randômicos sobre o tema na literatura. Tal carência é explicada pela necessidade de tamanho amostral elevado diante da incidência reduzida desses casos na população geral. Além disso, outros fatores, tais como as causas relacionadas ao parto prematuro, o tipo de assistência durante o trabalho de parto e a assistência neonatal, também podem interferir e produzir resultados que desviam dos valores verdadeiros. Contudo, a prática da cesárea também pode conduzir a complicações e o obstetra deve estar atento aos cuidados para facilitar a extração fetal e evitar traumatismos. 69 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 69 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia Leitura complementar 1. HAMILTON, BE; MARTIN, JA; VENTURA, SJ. Births: preliminary data for 2006. Natl Vital Stat Rep. 2007; 56: 17. 2. LANGHOFF-ROOS, J; KESMODEL, U; JACOBSSON, B; RASMUSSEN, S; VOGEL, I. Spontaneous preterm delivery in primiparous women at low risk in Denmark: population based study. Br Med J. 2006; 332(7547): 937-9. 3. Secretaria de Vigilância em Saúde; Ministério da Saúde. Uma análise dos nascimentos no Brasil e regiões 2000-2004. 2006. Disponível em: http://www. saude.gov.br/svs. Acessado em 6 out. 2013. 4. [SEADE] Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados. Declaração de Nascidos Vivos. Sistema de tabulação dos microdados do registro civil para o Estado de São Paulo. 2006. Disponível em: http://seade.gov.br/produtos/mrc. 5. CHANDIRAMANI, M; SHENNAN, A. Preterm labour: update on prediction and prevention strategies. Curr Opin Obstet Gynecol. 2006; 18: 618-24. 6. DA FONSECA, EB; BITTAR, RE; CARVALHO, MH; ZUGAIB, M. Prophylatic administration of progesterone by vaginal suppository to reduce the incidence of spontaneous preterm birth in women at increased risk: A randomized placebocontrolled double-blind study. Am J Obstet Gynecol. 2003; 188: 419-24. 7. MEIS, PJ; KLEBANOFF, M; THOM, E et al. Prevention of recurrent preterm delivery by 17 alpha-hidroxyprogesterone caproate. N Engl J Med. 2003; 348: 2379. 8. DA FONSECA, EB; CELIK, E; PARRA, M et al. Progesterone and the risk of preterm birth among women with a short cervix. N Engl J Med. 2007; 357: 462. 9. DA FONSECA, EB; BITTAR, RE; DAMIÃO, R; ZUGAIB, M. Prematurity prevention: the role of progesterone. Curr Opin Obstet Gynecol. 2009; 21: 142-7. 10. BITTAR, RE; PEREIRA, PP; LIAO, AW. Prematuridade. In: ZUGAIB, M (ed.). Obstetrícia. Barueri: Manole, 2008, p. 646-66. 11. MCMANEMY, J; COOKE, E; AMON, E; LEET, T. Recurrence risk for preterm delivery. Am J Obstet Gynecol. 2007; 196: 576. 12. [ACOG] American Congress of Obtetricians and Gynecologists. Practice Bulletin # 56: Multiple Gestation: Complicated Twin, Triplet, and High-Order Multifetal Pregnancy. Obstet Gynecol. 2004; 104: 869. 13. ACOG Practice Bulletin # 56: Multiple Gestation: Complicated Twin, Triplet, and High-Order Multifetal Pregnancy. Obstet Gynecol. 2004; 104:869. 14. VILLAR, J; GULMEZOGLU, AM; DE ONIS, M. Nutritional and antimicrobial interventions to prevent preterm birth: An overview of randomized controlled trials. Obstet Gynecol Surv. 1998; 53: 575. 70 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 70 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia 15. YAMASAKI, AA; BITTAR, RE; FONSECA, EVB; MARTINELLI, S; SASAKI, S; ZUGAIB, M. Prevenção do parto prematuro: emprego do toque vaginal e da ultra-sonografia transvaginal. Rev Bras Ginecol Obstet. 1998; 20: 35-46. 16. CARVALHO, MHB; BITTAR, RE; BRIZOT, ML; MAGANHA, PPS; FONSECA, ESVB; ZUGAIB, M. Cervical length at 11-14 week’s gestation evaluated by transvaginal sonography, and gestational age at delivery. 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Embora já exista consenso desde 1995 sobre as vantagens da corticoterapia antenatal para os casos de risco de parto prematuro1, ainda se discute sobre o tipo ideal de corticoide, suas doses e as vantagens de repetição dos ciclos. QUAL CORTICOIDE DEVE SER UTILIZADO? Atualmente, são preconizadas duas opções para a corticoterapia: com betametasona ou com dexametasona (Quadro 1). Os consensos do NIH publicados em 1995 e 2001 concluíram que ambos aceleram a maturidade pulmonar fetal e reduzem a incidência da hemorragia intraventricular e da enterocolite necrosante. As doses assinaladas no Quadro 1 foram inicialmente escolhidas arbitrariamente, mas avaliações posteriores demonstraram que as mesmas disponibilizam concentrações semelhantes aos níveis de cortisol secundários ao estresse fisiológico que ocorrem após o nascimento. Doses maiores não trazem benefícios. Não foram feitas avaliações com doses menores. Quadro 1: Opções para a corticoterapia anteparto Esquema de Liggins e Howie (1972) Betametasona – 12mg IM/dia – dois dias Esquema de Morales et al. (1986) Dexametasona – 6mg IM duas vezes ao dia – dois dias Embora a betametasona e a dexametasona tenham estruturas semelhantes, a primeira tem demonstrado resultados melhores quanto à prevenção da síndrome do desconforto respiratório, hemorragia intraventricular e morte neonatal. Além disso, há 70 um estudo que constatou maior incidência de leucomalácia periventricular com o uso da dexametasona, enquanto que a betametasona diminuiu a incidência da mesma quando comparada ao placebo. Em vista dos resultados acima citados, preferimos a betametasona na forma de 3 mg de acetato de betametasona mais 3 mg de fosfato dissódico de betametasona, como a maioria dos autores. Entretanto, na falta da betametasona, deve-se utilizar a dexametasona, porque os seus benefícios ainda são maiores que os riscos. 72 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 72 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia QUANDO UTILIZAR O CORTICOIDE? O corticoide está indicado para as gestantes com risco de parto prematuro dentro de sete dias, entre 26 e 34 semanas. Estão incluídas aquelas gestantes que entram espontaneamente em trabalho de parto e aquelas que têm a gestação interrompida de maneira eletiva. Tal medida constitui nível de evidência 1, segundo a classificação da US Preventive Services Task Force. Apesar de alguns autores considerarem o seu uso a partir de 24 semanas, entre 24 e 26 semanas os dados disponíveis ainda são escassos e discutíveis. Acima de 34 semanas, as vantagens são ainda menos evidentes. O número de mulheres que teriam que ser tratadas para se evitar um caso de SDR é muito elevado. Em 2005, surgiu um estudo que causou polêmica por ter utilizado corticoide em 998 gestantes antes de cesáreas eletivas entre 37 e 39 semanas. No grupo que utilizou a betametasona nas 48 horas que antecederam a cesárea, houve menor número de admissões na UTI devido à SDR (redução de 50%). Não ocorreu nenhum óbito no grupo-controle, mas houve maior número de internações em UTI. Na verdade, o estudo confirmou o que já se sabia de estudos anteriores – que a cesárea eletiva antes de 39 semanas eleva o risco da SDR. Além disso, o estudo falhou por não ter avaliado a evolução neurológica das crianças que receberam o corticoide. Vários são os estudos que já demonstraram que o corticoide em animais eleva a taxa de morte celular em regiões cerebrais mitoticamente ativas, retarda a mielinização cerebral e reduz crescimento dos tecidos cerebrais. Em humanos, pode reduzir o peso do RN, associa-se a distúrbios de comportamento na idade de três anos e resistência à insulina. Tais achados foram observados principalmente com ciclos repetidos de corticoide, mas o ciclo único também está relacionado a complicações. Diante de tais riscos, não utilizamos o corticoide em idades gestacionais mais avançadas, quando o risco de complicação respiratória é mais baixo. Seguimos o Consenso do NIH de 1995 e 2001, assim como o Consenso Europeu de 2008, em que o seu emprego acima de 34 semanas só se justifica nos casos em que houver evidência de imaturidade pulmonar pela análise do líquido amniótico. Há situações, como na gemelidade, de rotura prematura das membranas ovulares (RPMO), restrição do crescimento fetal, síndromes hipertensivas e diabetes, em que ainda existem questões não esclarecidas. No entanto, nestes casos os benefícios superam os riscos. 73 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 73 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia Na última revisão da Cochrane, verificou-se que diante da RPMO o uso do corticoide diminuiu a morte neonatal, a SDR, a hemorragia cerebral e a enterocolite necrosante sem evidência de elevar o risco de infecções maternas e neonatais. No diabetes mellitus, o corticoide pode ser administrado desde que haja monitoração da glicemia. Após a administração de corticóide, o controle glicêmico deve ser rigoroso nos próximos três dias. Se houver evidência de imaturidade pulmonar fetal pela análise do líquido amniótico, após 34 semanas, o corticoide poderá ser administrado. COMO UTILIZAR O CORTICOIDE? Utilizamos apenas um ciclo de corticoide, de preferência com betametasona – 12mg IM/dia – em dois dias seguidos, entre 26 e 34 semanas. Essa orientação segue os últimos consensos americano e europeu. Além desses consensos, em 2008 foi publicado estudo multicêntrico, randômico e controlado, com 1858 casos, do qual participaram vários países. Nele, ficou demonstrado que os ciclos múltiplos de corticoide a cada 14 dias, entre 25 e 32 semanas, quando comparados ao placebo, não reduzem a morbidade e mortalidade neonatal. Além disso, comprometem o peso, o comprimento e a circunferência cefálica fetal. Dessa maneira, a repetição dos ciclos não é recomendada. 74 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 74 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia Leitura complementar 1. NIH Consensus Development Panel on the effect of corticosteroids for fetal maturation on perinatal outcomes. Effects of corticosteroids for fetal maturation on perinatal outcome. JAMA. 1995; 273: 413-8. 2. NIH Consensus Development Conference Statement. Antenatal corticosteroids revisited: repeat courses. Obstet Gynecol. 2001; 98: 144-50. 3. LIGGINS, GC; HOWIE, RN. A controlled trial of antepartum glucocorticoid treatment of the respiratory distress syndrome in premature infants. Paediatrics. 1972; 50: 515-25. 4. MORALES, WJ; DIEBEL, ND; LAZAR, AJ; ZADROZNY, D. The effect of antenatal dexamethasone on the prevention of respiratory distress syndrome in preterm gestation with premature rupture of membranes. Am J Obstet Gynecol. 1986; 154: 591. 5. JOBE, AH; SOLL, RF. Choice and dose of corticosteroid for antenatal treatments. Am J Obstet Gynecol. 2004; 190: 878-81. 6. LEE, BH; STOLL, BJ; MCDONALD, SA; HIGGINS, RD. Adverse neonatal outcomes associated with antenatal dexamethasone versus antenatal betamethasone. Pediatrics. 2006; 177: 1503-10. 7. BAUD, O; FOIX-L’HELIAS, L; KAMINSKI, M. Antenatal glucocorticoid treatment and cystic periventricular leukomalacia in very premature infants. N Engl J Med. 1999; 341: 1190-6. 8. Current Methods of the US Preventive Services Task Force: A Review of the Process. Am J Prev Med. 2001; 20(3S): 21-34. 9. DALZIEL, SR; LIM, VK; LAMBERT, A. Antenatal exposure to betamethasone: psychological functioning and health related quality of life 31 years after inclusion in randomized controlled trial. BMJ. 2005; 331: 665. 10. MIRACLE, X; DI RENZO, GC; STARK, A. Guideline for the use of antenatal corticosteroids for fetal maturation. J Perinat Med. 2008; 36: 191-6. 11. ROBERTS, D; DALZIEL, S. Antenatal corticosteroids for accelerating fetal lung maturation for women at risk of preterm birth. Cochrane Database Syst Rev. 2006; 3: CD004454. 12. AMORIM, MM; SANTOS, LC; FAUNDES, A. Corticosteroid therapy for prevention of respiratory distress syndrome in sever preeclampsia. Am J Obstet Gynecol. 1999; 180: 1283. 13. HARDING, JE; PANG, JM; KNIGHT, DB; LIGGINS, GC. Do antenatal corticosteroids help in the setting of preterm rupture of membranes? Am J Obstet Gynecol. 2001; 184: 131. 14. MURPHY, KE; HANNAH, ME; WILLAN, AR. Multiple courses of antenatal corticosteroids for preterm birth (MACS): a randomised controlled trial. Lancet. 2008; 372: 2143-51. 75 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 75 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia ROTURA PREMATURA DAS MEMBRANAS OVULARES A prematuridade, fator diretamente relacionado ao baixo peso ao nascer, é a principal causa de morte e morbidade neonatal. Apesar de todos os esforços para a redução da frequência de parto pré-termo, mesmo países que investem muito em saúde mantêm taxas de RN pré-termo praticamente estáveis, restando, portanto, investir na atenção neonatal a estes RN com todas as complicações da prematuridade. A necessidade crescente de UIT neonatal, de profissionais altamente qualificados, de tecnologia complexa de equipamentos para tratamento e diagnósticos, os altos custos de internação nesta área e a crescente demanda da clientela por resultados satisfatórios vêm se tornando um problema de saúde pública. Agrava este fato a realidade atual de interrupções eletivas de gestações precoces, em decorrência do diagnóstico de ambiente intrauterino hostil, para gravidezes cujo peso fetal e idade gestacional antes eram considerados inviáveis. São, portanto, importantíssimos estudos epidemiológicos dos fatores ligados à prematuridade, na busca de possíveis ações que reduzam as taxas de parto pré-termo e de seus fatores causas etiológicos ou de associação, constituindo uma das prioridades em saúde pública no mundo e em nosso meio. Dentro dessa visão, a rotura prematura de membranas (RPM), intrinsecamente ligada à prematuridade, incide em aproximadamente 10% das gestações, é responsável por um terço dos partos prematuros e por 10% das mortes neonatais. CONCEITO A rotura prematura das membranas ovulares é definida como a rotura das membranas (âmnio e cório) que ocorre antes do desencadeamento do trabalho de parto. O período de latência, isto é, aquele que demanda entre a rotura de membranas e o desencadeamento do trabalho de parto, deve ter duração de mais de duas horas para esta definição. Para que as condutas sejam dirigidas a particularidades relacionadas à idade gestacional, utilizam-se os termos rotura prematura de membranas no termo (RPMT) para esta ocorrência após 37 semanas e de rotura prematura de membranas pré-tremo (RPM-PT) para a ocorrência antes de 37 semanas de gravidez. EPIDEMIOLOGIA As frequências de RMP são semelhantes nos textos sobre o assunto, pois são poucas as formas de intervenção ou de prevenção desta entidade. É importante se notar que ocorrência da RPM em 10% das gestações determina o nascimento de um número enorme de RN com complicações da prematuridade e da presença ou risco de infecção e anoxia. A etiologia da RPM é multifatorial, sendo que os processos inflamatórios infecciosos têm papel importante em sua gênese. Demonstra-se que a infecção subclínica e a inflamação corio-decidual compõem esta etiologia. A via mais frequente de inflamação e infecção decidual é a ascendente, e a flora bacteriana é a do trato genital inferior. A liberação local de fatores inflamatórios promove degradação da matriz extracelular, perda da elasticidade e apoptose celular das membranas ovulares, implicando fragilidade e rotura. 76 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 76 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia FISIOPATOLOGIA Uma vez rotas as membranas, existe perda do isolamento da câmara âmnica, com exposição do feto e anexos, bem como de tecidos uterinos, às agressões biológicas e bioquímicas que se estabelecem e se mantêm até que parto seja resolvido. A colonização do ambiente uterino e fetal é certa e conhecida. As decorrências da RPM são: o desencadeamento do trabalho de parto, o risco de corioamnionite, da prematuridade, da infecção neonatal e de infecção puerperal materna. Desta forma, a ação mais correta é a interrupção da gravidez antes de instalado o quadro de infecção, mas com possibilidade de sobrevida assegurada para o RN. Tal raciocínio tem implicação, como veremos, na conduta em casos de RPM. FATORES DE RISCO Descrevem-se como fatores de risco para a RPM: história anterior de prematuridade ou de RPM, intervenções obstétricas (como amniocentese, fetoscopia, circlagem cervical), infecções do trato genital inferior e coriomanionite. Outros fatores relacionados são déficit de vitamina C, tabagismo, hemorragia anteparto e superdistensão uterina. O fator de risco mais evidente, no entanto, é a exposição de membranas através do colo uterino pérvio. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS A perda de líquido por via vaginal é a manifestação clínica mais evidente e que faz o diagnóstico. Enquanto perdurarem os mecanismos de tolerância microbiana materna e fetal, a sintomatologia que se observa é a de manutenção da perda líquida vaginal. Em geral, quanto mais avançada a gestação, mais curto o período de latência após a RPM e o trabalho de parto se desencadeia com a presença de contrações de frequência e intensidade evolutivas e com maior desconforto. O feto, enquanto não houver manifestação clínica de coriomanionite, tem respostas fisiológicas nas avaliações de vitalidade fetal, como a cardiotocografia e a movimentação fetal, indicando boa oxigenação do SNC. O perfil biofísico fetal se mostra normal, exceto pelo volume de líquido amniótico que, por ser reduzido pela RPM, não deve constituir fator de análise nesta situação. Instalado quadro infeccioso, os sinais clínicos de corioamnionite são: febre materna, taquicardia fetal, taquicardia materna, fisometria (líquido amniótico fétido) e presença de dor uterina (indicando dinâmica). Na presença de infecção, o parto se processa, resultando em RN com sinais de infecção, fisometria e placenta com membranas opacas, espessadas, mostrando evidência clínica de corioamnionite. O RN infectado terá, na evolução neonatal, evidências clínicas e laboratoriais de infecção. Além do risco de infecção materna e fetal, a RPM pode complicar-se com prolapsos de cordão e a consequências do oligoâmnio prolongado, como a hipoplasia pulmonar, as deformidades fetais por acolamento à parede uterina e as compressões de cordão. É mandatório, portanto, a propedêutica seriada da vitalidade fetal. 77 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 77 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia DIAGNÓSTICO O diagnóstico se faz com base na informação materna de perda de líquido por via vaginal. Na maioria das vezes, este diagnóstico é simples e evidente, pela constatação de líquido exteriorizando-se pela vulva, pela constatação desta perda através de exame especular e, quando necessário, pelo toque vaginal. Existem, no entanto, situações em que estas evidências clínicas não estão presentes ou claramente demonstradas, fato que constitui dúvidas diagnósticas e necessidade de complementação subsidiária. O diagnóstico mediado por exames utiliza: 1. Verificação de pH neutro ou menos ácido (acima de 6,0 a 6,5) na vagina, pela neutralidade do líquido amniótico. Para tanto, se utilizam substâncias corantes ou dispositivos que indicam viragem de pH vaginal, como o fenol vermelho ou fitas de mensuração de pH. Limitações: condições ou infecções vaginais que alcalinizam o pH vaginal. Uso de substâncias antissépticas para a aplicação do espéculo ou para o toque etc. 2. A cristalização do muco cervical, recolhido na vagina, em folha de samambaia também evidencia a presença de cloreto de sódio no conteúdo vaginal, oriundo da presença de líquido amniótico. Limitações: técnica de coleta, necessidade de microscópio, presença de cloreto de sódio no conteúdo vaginal por outras causas. 3. Pesquisa de células alaranjadas coradas pelo sulfato de azul do Nilo a 0,1% pela presença de gordura que não existem na vagina e têm origem fetal, portanto indicando solução de continuidade das membranas ovulares. Este método, inicialmente descrito por Brosens e Gordon, que estudavam o diagnóstico de rotura de membranas, teve, como consequência indireta, o mérito de resultar também em forma de avaliação da maturidade fetal, uma vez que a quantidade destas células fetais tem correlação com a idade gestacional. A limitação deste método é o fato de que as células alaranjadas surgem e aumentam em percentual somente após a 34ª semana de gravidez, portanto seu uso em gestações mais precoces não obtém a meta desejada de confirmar a perda de líquido amniótico. Também depende da disponibilidade de microscópio. 4. Fibronectina. Esta substância, quando encontrada no conteúdo vaginal, também se associa à rotura de membranas, porém, pode ser detectada em casos de integridade da bolsa, portanto não constitui método diagnóstico de certeza. 5. Ultrassonografia. Mostra oligoâmnio, relacionado à perda de líquido. A limitação deste método é o fato de que o feto repõe permanentemente o volume de líquido amniótico, portanto a presença de volume normal de líquido não afasta o diagnóstico de RPM. O método é utilizado, como rotina, para avaliação da idade gestacional, peso fetal, localização placentária e apresentações anômalas. DIAGNÓSTICO DE INFECÇÃO Subsidiário: utiliza-se o leucograma seriado. Níveis acima de 15 mil leucócitos ou aumento progressivo do número de leucócitos indicam possibilidade de infecção. Da 78 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 78 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia mesma forma, a proteína C reativa (PCR) elevada indica possibilidade de infecção. Trata-se de formas indiretas de suspeição de quadro infeccioso e não é frequente que a decisão clínica de interrupção da gestação se faça exclusivamente com base nesta propedêutica se não existirem manifestações clínicas de infecção. TRATAMENTO E MANEJO A RPMT (no termo) indica interrupção da gestação assim que feito o diagnóstico. Dois fatores são os pilares de base para estabelecer condutas: a prematuridade – decorrente do parto antecipado pela conduta ativa – e a infecção – que pode ocorrer com a conduta expectante, com repercussões fetais e maternas. Com relação a estes riscos, a literatura é praticamente unânime em aconselhar a interrupção da gravidez após a 34ª semana, pois as mortes por insuficiência respiratórias são mais raras, o peso fetal se encontra em torno de 2 mil g e a sobrevida é semelhante à das gestações de termo. Evidentemente, cada instituição deve estudar e conhecer suas taxas de mortalidade e morbidade perinatal específicas (por exemplo, limitações de berçário ou de UTI neonatal) e adequar este limite para mais de 34 semanas. Antes desta idade gestacional, existem ações a serem adotadas. Existe discussão atual sobre o limite de viabilidade relacionada à idade gestacional. A sobrevida em idades gestacionais muito precoces tem feito com que sejam realizados investimentos no feto já a partir de 24 semanas, limite para o início da função alveolar e a partir da qual a corticoterapia pode reduzir a gravidade das hemorragias cerebrais, típicas do prematuro. Gestações com idade abaixo de 22 semanas com RPM-PT devem ser encaradas como abortamentos. A RPM-PT deverá ter conduta particularizada, tanto pela idade gestacional quanto pelo quadro clínico de presença ou ausência de infecção. O uso de corticoide para maturação pulmonar está indicado, uma vez que mostra vantagens para o feto e RN, assim como não determina mascaramento do quadro clínico ou riscos maternos. A repetição periódica do corticoide ainda não é consenso. O desencadeamento do trabalho de parto já é evidência de infecção, portanto não deve ser bloqueado e sim permitir-se que o parto se processe, independentemente da idade gestacional. O bloqueio do trabalho de parto em casos de rotura prematura de membranas só teria indicação para a administração de corticoide por no máximo 48 horas, mas tal conduta deve constituir exceção. A antibioticoterapia profilática ainda não é consenso. Existem evidências de que o uso profilático de antibióticos retarda o trabalho de parto e reduz a mortalidade perinatal7. Tal revisão, porém, foi realizada com gestações de menos de 37 semanas, incluindo aquelas com idade gestacional entre 34 e 36 semanas e seis dias, em que a maioria dos autores adota a conduta ativa e interrompe a gestação. Algumas questões se colocam para esta ausência de consenso do uso de antibioticoterapia na RPM-PT com tratamento expectante: 79 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 79 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia 1. Qual antibiótico usar, uma vez que a flora vaginal é múltipla? 2. Por quanto tempo utilizar enquanto a expectação é a conduta, que pode ter duração prolongada? 3. Há possibilidade de seleção de cepas resistentes aos medicamentos utilizados? Em relação à profilaxia para septicemia neonatal por streptoccoccus do Grupo B, a RPM-PT contempla duas das indicações para sua utilização, ou seja: o parto pré-termo e a rotura prolongada de membranas. Sendo assim, deve-se utilizar a profilaxia para sepse neonatal nestes casos quando da proximidade ou decisão do parto. Com base no exposto, sugere-se o fluxograma apresentado no Quadro 1. Quadro 1: Fluxograma de condutas na rotura prematura de membranas Gestação < 22 semanas Abortamento Gestação entre 24 e 34 semanas Gestação > = 34 semanas Uso de corticoide Avaliação seriada da vitalidade fetal Pesquisa de outros focos de infecção Sinais clínicos de infecção Comprometimento fetal Trabalho de parto Instalação de antibioticoterapia para coriomnionite Normal Profilaxia para sterptoccoccus B 34 semanas Parto PROGNÓSTICO Nas gestações com idades gestacionais iguais ou maiores que 34 semanas, o prognóstico é bom, com baixas taxas de mortalidade, uma vez que as mais frequentes causas de mortes neonatais em RN de pré-tremo são as síndromes de desconforto respiratório. Após 34 semanas, se presentes, estas em geral não levam a mortes. Nas gestações com menos de 34 semanas, com a adequada utilização de corticoide e -profilaxia de sepse neonatal, a sobrevida e sequelas dependerão da idade gestacional ao nascer e da presença de infecção. É relevante considerar que, mesmo sobrevivendo ao desconforto respiratório e demais complicações relacionadas à prematuridade, estes RN terão longos períodos de internação em unidades de terapia intensiva neonatal, com os riscos inerentes de infecções hospitalares e das terapêuticas necessárias instituídas, como a retinopatia por O2. 80 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 80 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia Leitura complementar 1. BRASÍLIA. Ministério da Saúde. Pacto Nacional pela redução da Mortalidade Materna e Neonatal. Disponível em: http://drt2002.saude.gov.br/proesf/Site/ Arquivos_pdf_word/pdf/Protoclo%20de%20Inten_347_365es%20-Pacto-%20 MS-COANASS-CONASEMS.pdf. 2. RIVERA, RZ; CABA, FB; SMIRSON, MS; AGUILERA, JT; LARRAIN, AH. Fisiopatologia de la rotura prematura de membranas ovulares en embarazos pretermino. Rev Chil Obstet Ginecol. 2004; 69(3): 249-55. 3. MERCER, BM. Preterm premature rupture of membranes. ACOG. Obstet Gynecol. 2003; 101(1): 178-93. 4. MERCER, BM. Preterm premature rupture of membranes: diagnosis and management. Clin Perinatol. 2004; 31: 765-82. 5. OCHOA, PA; PÉREZ, DJ. Preterm labour. Premature rupture of membranes: Chorioamnionitis. An Sist Sanit Navar. 2009; 32(1): 105-19. 6. HARDING, JE; KNIGTH, DB; LIGGINS, GC. Do antenatal corticosteroids help in the setting of preterm rupture of membranes? Am J Obstet Gynecol. 2001; 184(2): 131-139. 7. KENON, S; BOULVAIN NIELSON, J. Antibióticos para rotura prematura de membranas. (Cochrane review). In: Resumo de revisões sistemáticas em português. Issue. CD001058-PT. 81 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 81 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia RESTRIÇÃO DE CRESCIMENTO FETAL A restrição do crescimento fetal (RCF), também denominada crescimento intrauterino restrito (CIUR), atinge cerca de 15% das gestações e está associada à elevada morbidade e mortalidade perinatal. Além disso, há evidências de que pode causar alterações permanentes na fisiologia e metabolismo fetal, dando origem a doenças que surgirão posteriormente, na idade adulta, como a hipertensão arterial, hipercolesterolemia, coronariopatias e diabetes. Muitos aspectos relacionados a essa entidade continuam desafiando os obstetras tais como a sua definição, fisiopatologia, diagnóstico e tratamento. Há de se considerar que o mecanismo fisiológico do crescimento fetal ainda não está totalmente esclarecido, mas sabe-se que é resultante da interação entre o potencial genético e vários fatores ambientais, muitos dos quais ainda desconhecidos. DEFINIÇÃO Não há uma definição universalmente aceita, mas a mais utilizada é a do crescimento fetal abaixo do 10º percentil para a idade gestacional, empregando-se curvas-padrão específicas de cada população1. Outros autores consideram percentis menores2,3. É importante salientar que nem todos os recém-nascidos abaixo do percentil adotado apresentam maior risco neonatal; alguns são constitucionalmente pequenos. A incidência desses casos pode atingir 70% dos casos quando é considerado o 10º percentil4. Por outro lado, alguns portadores de RCF podem revelar peso acima do 10º percentil. Um concepto com potencial de crescimento que resultaria em peso de 4 mil g pode, por não ter sido adequadamente suprido, alcançar somente 3 mil g. Independentemente do percentil adotado, é fundamental conhecer com exatidão a idade gestacional, sem a qual é impossível fazer o diagnóstico. FATORES ETIOLÓGICOS Vários são os fatores que podem estar envolvidos na gênese da RCF (Tabela 1)5. Tais agentes podem ser de origem exclusivamente fetal, placentária, materna, ambiental ou pode haver associação entre os mesmos. Alguns desses fatores, se diagnosticados e tratados no período pré-concepcional, podem evitar os seus efeitos danosos durante a organogênese e o crescimento fetal. Já durante a gravidez, uma das poucas medidas que evita a RCF é o abandono do fumo ainda no primeiro trimestre (nível de evidência 2-1). É importante destacar que em cerca de 40% dos casos, a etiologia é desconhecida. 82 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 82 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia Tabela 1: Fatores de risco para a restrição do crescimento fetal FATORES FETAIS CROMOSSOMOPATIAS Trissomia 21 (síndrome de Down) Trissomia 18 (síndrome de Edwards) Trissomia 13 (síndrome de Patau) Monossomia X (síndrome de Turner) Mosaicismos OUTRAS ANOMALIAS GENÉTICAS Defeitos do tubo neural Acondroplasia Condrodistrofias Osteogênese imperfeita MALFORMAÇÕES CONGÊNITAS Sistema cardiovascular Sistema nervoso Sistema genitourinário Sistema digestivo Sistema músculo-esquelético INFECÇÕES VIRAIS Citomegalovírus Rubéola Herpes Varicela-zoster HIV PROTOZOÁRIOS Toxoplasmose Malária GESTAÇÃO GEMELAR FATORES PLACENTÁRIOS PATOLOGIAS PLACENTÁRIAS Placenta prévia Placenta circunvalada Corioangiomas Inserção velamentosa de cordão Artéria umbilical única TRANSFERÊNCIA PLACENTÁRIA DEFICIENTE FATORES MATERNOS Síndromes hipertensivas Cardiopatias Anemias Diabetes mellitus Doenças autoimunes Trombofilias Desnutrição FATORES AMBIENTAIS Estresse, ansiedade e depressão Drogas Álcool Fumo 83 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 83 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia As gestantes com fatores de risco devem receber maior atenção no que se refere ao crescimento fetal – acompanhamento cuidadoso da altura uterina e ultrassonografia seriada. DIAGNÓSTICO O acompanhamento obstétrico adequado durante o pré-natal é de suma importância para o diagnóstico da RCF. As gestantes com fatores de riscos devem receber maior atenção em relação ao crescimento fetal. O diagnóstico da RCF só é possível diante da determinação exata da IG. Datando-se a gestação, podem ser valorizadas as medidas da altura uterina e os futuros exames ultrassonográficos. A datação da gestação deve levar em conta a certeza da data da última menstruação (DUM) concordante com a ultrassonografia obstétrica realizada até a 12ª semana ou, pelo menos, duas ultrassonografias compatíveis até a 20ª semana. Daí a importância da realização da ultrassonografia precoce na gestação. Em situações em que a IG é incerta, a avaliação do crescimento fetal torna-se difícil e deve ser realizada por meio de ultrassonografias seriadas a cada duas semanas. MEDIDA DA ALTURA UTERINA A medida da altura uterina (AU) menor do que a esperada para a idade gestacional, ou seja, abaixo do percentil 10, constitui sinal clínico suspeito de RCF e deve ser sempre utilizada para o seu rastreamento. É importante que tais medidas sejam seriadas, utilizando-se curvas-padrão próprias da população a ser avaliada (Figura 2). Figura 2: Medidas uterinas em função da idade gestacional A L T U R A P90 P10 U T E R I N A (cm) IDADE GESTACIONAL (semanas) Nossa opinião é que a medida da altura uterina com a fita métrica apresenta boa taxa de detecção da RCF, com sensibilidade e especificidade acima de 80%. Quando a medida obtida encontra-se acima do percentil 10, a probabilidade de crescimento normal também é superior a 90%. Por outro lado, quando a medida obtida é inferior ao percentil 10, a probabilidade de ser um feto com crescimento restrito é cerca de 84 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 84 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia 60%, ou seja, o seu valor preditivo positivo é baixo. Dessa maneira, a RCF pode ser sobrediagnosticada em cerca de 40% dos casos. Entre as principais causas de erros do método destacam-se o desconhecimento da idade gestacional e a imprecisão na medida da altura uterina. Seu emprego tem pouco valor na situação transversa, gestação gemelar, polidrâmnio e obesidade extrema. ULTRASSONOGRAFIA O diagnóstico provável da RCF é feito pela ultrassonografia, que é mais precisa do que a medida da AU, embora cerca de 30% dos casos de RCF não sejam detectados pela ultrassonografia. Na avaliação do crescimento fetal pela ultrassonografia, diversos parâmetros permitem a detecção e classificação do RCF. São importantes as medidas do diâmetro biparietal (DBP), circunferência cefálica (CC), circunferência abdominal (CA), relação CC/CA, comprimento do fêmur (F), relação F/CA. Entre essas medidas, a CA é um dos marcadores mais importantes do estado nutricional do feto por refletir o volume do fígado e da gordura subcutânea abdominal. O volume do fígado depende da quantidade de glicogênio armazenado, que é influenciada por fatores que levam à RCF, especialmente do tipo II. Mesmo diante da estimativa de peso fetal acima do percentil 10, se a CA for inferior à esperada para a IG, deve-se manter a vigilância. Para o cálculo do peso fetal, utilizam-se as medidas da cabeça, do abdome e do fêmur. Consideramos a presença de RCF quando o peso fetal encontra-se abaixo do percentil 10 em relação à IG (Figura 3). Figura 3: Peso fetal estimado pela ultrassonografia em função da idade gestacional P E S O (gramas) IDADE GESTACIONAL (semanas) Feito o diagnóstico de RCF, a relação CC/CA pode sugerir o tipo de RCF. Em fetos com crescimento normal, a relação CC/CA é superior a 1,0 antes de 32 semanas; é de aproximadamente 1,0 entre 32 e 34 semanas, e torna-se inferior a 1,0 após 34 semanas. Na RCF do tipo I, a relação CC/CA mantém-se normal, já que tanto a 85 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 85 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia CC como a CA estão diminuídas. Na RCF do tipo II, tal relação mantém-se elevada. Igualmente ao DBP, em alguns casos, a medida da CC pode ser dificultada pela posição fetal e, nestas situações, recomenda-se a medida do fêmur. Na RCF do tipo II, o fêmur é preservado e uma relação F/CA superior a 23,5 sugere RCF do tipo assimétrico. A medida do volume de líquido amniótico (LA) tem grande valor prognóstico, pois a sua diminuição é indicativa de queda da diurese fetal consequente à insuficiência uteroplacentária. Para avaliação do volume de LA, utilizamos a técnica dos quatro quadrantes. Em cada quadrante é medido o diâmetro vertical do maior bolsão de LA. As quatro medidas são somadas e o resultado, em centímetros, é denominado índice de líquido amniótico (ILA), sendo considerado oligoidrâmnio quando inferior a 5,0cm e oligoidrâmnio grave quando inferior a 3,0cm. Quanto menor o volume de LA, maior a mortalidade perinatal. É importante lembrar que a RCF é importante fator de risco para a presença de anomalias estruturais fetais. Portanto, diante do crescimento fetal restrito, deve-se realizar a ultrassonografia morfológica e a ecocardiografia fetal para a detecção de possíveis malformações fetais. Apesar da ajuda incontestável da ultrassonografia no diagnóstico da RCF, sua confirmação só é feita após o nascimento, quando o RN é classificado como pequeno para a idade gestacional (PIG) diante do peso inferior ao percentil 10 para a IG correspondente (Figura 4). Figura 4: Peso ao nascer em função da idade gestacional P E S O (gramas) IDADE GESTACIONAL (semanas) DOPPLERVELOCIMETRIA Diante do diagnóstico de RCF, com volume de LA normal e sem anomalias congênitas, a dopplervelocimetria permite diferenciar o feto pequeno patológico do pequeno constitucional, além de proporcionar a avaliação do grau de insuficiência placentária. Inicialmente, devem ser avaliadas as artérias umbilicais. Nas situações patológicas por 86 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 86 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia placentação inadequada, eleva-se a resistência de perfusão e, consequentemente, diminui-se o fluxo diastólico. Com isso, aumenta a relação sístole/diástole (A/B). Com o agravamento, o fluxo diastólico torna-se nulo (diástole zero) ou reverso (diástole reversa). Vários estudos têm demonstrado que tais alterações de fluxo nas artérias umbilicais constituem preditores importantes de morbidade e mortalidade perinatal (evidência nível I)10. Por outro lado, os fetos pequenos com fluxo normal de artérias umbilicais não demonstram risco perinatal e são considerados constitucionalmente pequenos. O estudo da artéria cerebral média (ACM) fetal nos informa sobre a redistribuição do fluxo sanguíneo para os territórios mais nobres (centralização), em decorrência da hipoxia. A diminuição do índice de pulsatilidade de ACM (A-B/média) reflete vasodilatação secundária à hipoxia. É importante salientar que, isoladamente, os valores anormais servem de alerta, mas não devem ser considerados indicativos de interrupção imediata da gestação. A avaliação do ducto venoso, por meio do índice de pulsatilidade para veias – IPV, quando elevado, está associado à acidose fetal, caracterizando estágio mais avançado de sofrimento fetal. A gravidez deve ser interrompida diante da elevação do IPV. Predição da restrição de crescimento fetal pela dopplervelocimetria de artérias uterinas: Segundo alguns estudos, a presença de relação A/B e índice IP elevados (quando acima da 20ª semana) e incisura protodiastólica nas artérias uterinas (esta última fisiológica abaixo da 26ª semana) indicam provável invasão trofoblástica inadequada e risco para RCF. Em revisão sistemática de 15 estudos, verificou-se que o aumento da resistência em artérias uterinas identificou apenas 20% dos casos, em população geral, que evoluíram para a RCF. Segundo revisão da Fundação Cochrane, não há evidências que justifiquem o emprego rotineiro do doppler de artérias uterinas, na população geral, com o objetivo de rastrear a RCF. CONDUTA CLÍNICA Embora não existam evidências científicas de que o repouso materno melhore o crescimento fetal, nos casos em que há insuficiência placentária, se recomenda o repouso, pois supõe-se que possa melhorar o fluxo uteroplacentário. A gestante deve ser desencorajada quanto ao fumo ou ao uso de drogas ilícitas e receber dieta adequada (acima de 2.500 calorias) se for desnutrida. A alimentação parenteral deve ser utilizada apenas diante de complicações gastrointestinais, tais como hiperemese gravídica, pancreatite aguda, retocolite ulcerativa, doença de Crohn, esofagite aguda, gastrite hemorrágica e neoplasias gastrointestinais. Apesar de ainda existirem dúvidas quanto à composição da solução parenteral a ser utilizada durante a gestação, a maioria dos estudos comprova boa tolerabilidade materna e fetal. Não há evidências científicas que justifiquem a administração materna de hiperoxigenação, expansão do volume plasmático, beta-adrenérgicos e ácido acetilsalicílico. 87 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 87 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia Diante da possibilidade da participação de aspectos psicossociais no comprometimento do crescimento, fetal é importante o trabalho em conjunto com outros profissionais para ajudar a gestante a lidar com os problemas do dia a dia. Pelo exposto, são evidentes as dificuldades de abordagens clínicas diante da RCF. Consideramos mais importante a realização da propedêutica obstétrica, com o controle da vitalidade fetal ao se atingir a viabilidade, e o planejamento da interrupção da gestação no momento oportuno. CONDUTA OBSTÉTRICA A propedêutica da vitalidade fetal é realizada a partir da 26ª semana, por meio da cardiotocografia anteparto de repouso, e estimulada e complementada pelo perfil biofísico fetal (PBF) e a dopplervelocimetria. Tais exames são realizados pelo menos uma vez por semana e, nos casos mais graves, diariamente. Com esta abordagem, individualizamos o momento do parto para as situações em que o risco de o feto permanecer no útero torna-se maior do que o de receber os cuidados no berçário. Diante de peso fetal estimado inferior ao 10o percentil e quantidade de líquido amniótico normal, realizamos a dopplervelocimetria de artéria umbilical para diferenciar o feto pequeno constitucional daquele com RCF decorrente de insuficiência placentária (Figura 5). Figura 5: Conduta obstétrica na RCF a partir da 26ª semana de gestação Restrição do crescimento fetal Peso fetal Oligoidramnia Abaixo do 10º percentil Diástole reversa Doppler a. umbilical Anormal DIÁSTOLE ZERO IG≥34 sem se maturidade (+) PARTO NORMAL Doppler de ducto venoso Anormal - IPV>1 PARTO IG≥37 sem PARTO Se PF>500g 88 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 88 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia Quando o doppler de artéria umbilical mantém-se normal, o diagnóstico mais provável é de um pequeno constitucional e não há necessidade de hospitalização, podendo a gestante ser seguida em ambulatório. Nestes casos, a interrupção da gestação pode ser programada a partir da 37ª semana. Diante do achado de doppler de artéria umbilical anormal, ou seja, relação A/B acima do percentil 95 para a IG, interrompemos a gravidez a partir da 34ª semana se houver maturidade fetal comprovada pela amniocentese. Embora hoje em dia a amniocentese para pesquisa de maturidade venha sendo realizada com menos frequência, ainda é um recurso importante e que deve ser utilizado diante da possibilidade de interrupção da gestação e dúvida de maturidade fetal. Diante de condições que prejudicam o crescimento fetal, a interrupção da gravidez na presença de maturidade fetal constitui-se na melhor maneira de favorecer o prognóstico perinatal. Quando o estudo do LA, por meio de seus componentes, revela maturidade, nos dá segurança para a interrupção da gestação, uma vez que o risco de falsos positivos é muito pequeno e não ultrapassa 1%. Na presença de diástole zero, internamos a gestante e realizamos o doppler de ducto venoso. Se o índice de pulsatilidade para veias (IPV) situar-se entre 1,0 e 1,5, fazemos um ciclo de corticoterapia (desde que entre a 26ª e a 34ª semana) e interrompemos a gravidez após 48 horas. Entretanto, interrompemos a gravidez imediatamente quando o IPV é superior a 1,5. Constatada oligoidrâmnia ou diástole reversa pelo doppler de artéria umbilical, preconizamos a interrupção da gestação a partir da viabilidade fetal (26ª semana), independente da maturidade fetal. A interrupção da gestação na ausência de maturidade comprovada só é indicada na presença de sinais de sofrimento fetal ou por indicação materna decorrente de doença com agravamento clínico. 89 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 89 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia Leitura complementar 1. BATTAGLIA, FC; LUBCHENCO, LO. A practical classification of newborn infants by weight and gestational age. J Pediatr. 1967; 71: 159. 2. USHER, R; MCLEAN F. Intrauterine growth of live-born caucasian infants at sea level: standards obtained from measurements in 7 dimensions of infants born between 25 and 44 weeks gestation. J Pediatr. 1969; 74: 901. 3. MANNING, FA; HOHLER, C. Intrauterine growth retardation: diagnosis, prognostication and management based on ultrasound methods. In: FLEISHER, AC; ROMERO, R; MANNING, FA (eds.). The principles and practice of ultrasonography in obstetrics and gynecology. Norwalk: Appleton & Lange. 1991. 4. OTT, WJ. Intrauterine growth retardation and preterm delivery. Am J Obstet Gynecol. 1993; 168: 1710. 5. BITTAR, RE; PEREIRA, PP; LIAO, AW. Restrição do crescimento fetal. In: ZUGAIB, M (ed.). Obstetrícia. Barueri: Manole, 2008, p. 630-44. 6. MARTINELLI, S; BITTAR, RE; ZUGAIB, M. Proposta de Nova Curva de Altura Uterina para Gestações entre a 20a e a 42a Semana. Rev Bras Ginecol Obstet. 2001; 23(4): 235-241. 7. HADLOCK, FP; HARRIST, RR; MARINEZ-POYER. In utero analysis of fetal growth: a sonographic weight standard. Radiology. 1991; 181: 129-33. 8. ALEXANDER, GR; HIMES, JH; KAUFMAN, RB; MOR, J; KOGAN, M. A United States National Reference for Fetal Growth. Obstet Gynecol. 1996; 87(2): 163-8. 9. [ACOG] American Congress of Obtetricians and Gynecologists. Practice Bulletin. American Congress of Obstetricians and Gynecologists. Intrauterine growth restriction. Int J Ginecol Obstet. 2001; 72: 85. 10. MAULIK, D. Doppler velocimetry for fetal surveillance: adverse perinatal outcome and fetal hypoxia. In: MAULIK, D (ed.). Doppler Velocimetry in Obstetrics and Gynecology. 2 ed. Heidelberg: Springer, 2005. 11. FRANCISCO, RPV; MIYADAHIRA, S; ZUGAIB, M. Predicting pH at Birth in Absent or Reversed End-Diastolic Velocity in the Umbilical Arteries. Obstet Gynecol. 2006; 107(5): 1-7. 12. CAMPBELL, S; PEARCE, JMF; HACKETT, G et al. Qualitative assessment of uteroplacental blood flow: Early screening test for high risk pregnancies. Obstet Gynecol. 1986; 68: 649. 13. TRUDINGER, BJ; GILES, WB; COOK, CM. Uteroplacental blood flow velocity-time waveforms in normal and complicated pregnancy. Br J Obstet Gynaecol. 1985; 92: 39. 14. SCHULMAN, H; DUCEY, J; FARMAKIDES, G et al. Uterine artery Doppler velocimetry: the significance of divergent systolic/diastolic ratios. Am J Obstet Gynecol. 1987; 157: 1539. 15. PAPAGEORGHIOU, AT; YU, CK; CICERO, S et al. Second-trimester uterine artery Doppler screening in unselected popupations: a review. J Matern Fetal Neonatal Med. 2002; 12: 78. 16. BRICKER, L; NEILSON, JP. Routine Doppler ultrasound in pregnancy. Cochrane Database Syst Rev. 2000; (2): CD001450. 17. AMIN JÚNIOR, J; LIMA, MLA; FONSECA, ALA; CHAVES NETTO, H, Montenegro CAB. Dopplervelocimetria da artéria umbilical: valores normais para a relação A/B, índice de resistência e índice pulsátil. J Bras Ginec. 1990; 100(10): 337. 90 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 90 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia ENCEFALOPATIA HIPÓXICO-ISQUÊMICA O obstetra, com foco dirigido particularmente à assistência à gravidez e ao parto, muitas vezes deixa de ver os resultados tardios que se observam no recém-nascido (RN) após o parto. A tarefa de entregar o RN vivo ao neonatologista não é mais suficiente, sendo também missão daquele que o RN tenha as melhores condições de vitalidade e, em decorrência, o melhor prognóstico futuro de desenvolvimento. Desta forma, a asfixia perinatal constitui quadro que deve, sempre, indicar preocupação e responsabilidade dos profissionais que assistem gestações e partos. A asfixia perinatal permanece, apesar de todo o arsenal propedêutico e terapêutico disponível, causando morte e sequelas. Aproximadamente 2% dos RN apresentam algum grau de asfixia. Em decorrência dos mecanismos fetais de defesa, na maioria dos casos de asfixia, o insulto é leve, sem repercussões. Aproximadamente 0,4% dos RN asfixiados apresentam repercussões que levam à disfunção cerebral e de múltiplos órgãos, sendo que, em 0,1% dos casos, a asfixia determina comprometimento neurológico, no desenvolvimento psicomotor, com paralisia cerebral, retardamento mental, convulsões, cegueira e surdez. Trata-se, portanto, de quadro com enormes repercussões sociais, psicológicas e que implicam desagregação familiar, além do alto custo dos tratamentos multidisciplinares aos quais esta criança deverá ser submetida. Dependendo da idade gestacional, 10% a 60% dos RN acometidos por encefalopatia hipóxico-isquêmica (EIH) podem morrer e 25% dos sobreviventes apresentarão sequelas neurológicas2. Apesar das limitações da fonte, a asfixia perinatal constitui o terceiro diagnóstico em frequência como causa de óbito na mortalidade neonatal (zero a 28 dias de vida) documentado nas certidões de óbito. CONCEITO A EHI constitui um quadro decorrente de lesão tissular neurológica devido à asfixia perinatal, que resulta em comprometimento neurológico e de múltiplos órgãos, podendo resultar em morte ou sequelas de vários graus. EPIDEMIOLOGIA A EIH pode resultar de asfixia nos períodos anteparto, intraparto e pós-parto, portanto não tem ligação exclusiva com o parto. Dessa forma, fatores que complicam a gestação, como patologias maternas, fatores que complicam o parto e complicações após o nascimento podem resultar em déficit de oxigenação e causar lesões do tecido cerebral, com desenvolvimento de EIH. FISIOPATOLOGIA A EIH decorre de asfixia perinatal, portanto a fisiopatologia se inicia com a redução de oxigenação tissular, particularmente a cerebral, no feto ou no RN. Cinco fatores ou mecanismos, didaticamente causadores de asfixia no RN, são apresentados no Quadro 1. 91 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 91 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia Quadro 1: Mecanismos determinantes de asfixia perinatal 1. Falência de trocas gasosas pela placenta 2. Interrupção do fluxo sanguíneo pelo cordão umbilical 3. Perfusão materna inadequada da placenta 4. Feto comprometido que não suporta a hipoxia transitória do trabalho de parto 5. Impossibilidade de o feto iniciar e manter o mecanismo de insuflação pulmonar após parto O diagnóstico de asfixia pode ser feito através dos critérios definidos pelo Colégio Americano de Obstetrícia e Ginecologia, em 1992, devendo todos estar presentes, apresentados no Quadro 2. Quadro 2: Características da asfixia perinatal - Acidemia profunda, metabólica ou mista (pH < 7,00), ou BE > -12, em amostra de sangue de artéria umbilical - Persistência de boletim de Apgar de 0 a 3 por mais de cinco minutos - Sequelas neurológicas clínicas no período neonatal imediato, que incluem a presença de convulsões, hipotonia, coma ou EIH - Evidências de disfunção de múltiplos órgãos Em consequência da hipoxemia, hipercarbia e acidose metabólica, os mecanismos de controle, que são muito eficazes no feto, perdem suas ações. Assim, frente aos fatores citados, a resposta bioquímica de vasodilatação cerebral, a autorregulação da pressão vascular cerebral e a centralização hemodinâmica fetal, que atuam durante determinado tempo, se mostram ineficazes para manter a homeostase. Mantendo-se a perfusão inadequada e ultrapassados os mecanismos protetores fetais, têm-se, como consequência, alterações no nível celular, tanto bioquímicas quanto inflamatórias, resultando em morte e apoptose celular. FATORES DE RISCO Os fatores de risco para asfixia perinatal, consequentemente para o desenvolvimento de EIH, se ligam às seguintes condições: 1- Falência de trocas gasosas pela placenta. - Placenta prévia, descolamento prematuro de placenta. 2- Interrupção do fluxo sanguíneo pelo cordão umbilical. - Prolapso de cordão, nó verdadeiro de cordão. 3- Perfusão materna inadequada da placenta, qualitativa e quantitativamente. - Síndromes hipertensivas, diabetes, anemias maternas, droga-adição e alcoolismo, parto prolongado. 4- Feto comprometido que não suporta a hipoxia transitória do trabalho de parto. - Restrição de crescimento intrauterino, sofrimento fetal agudo, infecções congênitas, rotura prematura de membranas, feto exposto a parto prolongado. 92 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 92 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia 5- Impossibilidade de o feto iniciar e manter o mecanismo de insuflação pulmonar após parto. - Feto de pré-termo, asfixia intraparto, aspiração de mecônio, hidropsia, sedação fetal, infecção. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Apesar de o diagnóstico da EHI ligar-se fundamentalmente às manifestações neurológicas, as alterações sistêmicas da asfixia se mostram presentes em variados graus, em vários sistemas, a depender da intensidade, da duração ou do momento em que se iniciou o evento asfixico. Complicando a EHI, existem quadros de acometimento asfíxico de pulmões (hipertensão pulmonar, aspiração de mecônio, comprometimento do sistema surfactante), rins (oligúria e insuficiência renal aguda), cardiovasculares (insuficiência tricúspide, necrose miocárdica, hipotensão, choque), metabólicas (acidose metabólica, hipoglicemia, hiponatremia, hipocalcemia), gastrointestinais (disfunção hepática, enterocolite necrosante) e hematológicas (trombocitopenia e coagulação intravascular disseminada), além do quadro neurológico em pauta, que são fatores agravantes. Assim, as manifestações clínicas da EIH são tanto neurológicas quanto relacionadas a múltiplos órgãos e sistemas, como um quadro sindrômico. DIAGNÓSTICO O Comitê de Encefalopatia Neonatal da Academia Americana de Pediatria e do Colégio Americano de Ginecologia e Obstetrícia, em 2003, estabeleceram critérios para o diagnóstico de EIH, descritos no Quadro 3. Quadro 3: Critérios diagnósticos para EHI Critérios essenciais - Ph da artéria umbilical ou de artéria periférica < 7 ou BE > -12 - Presença precoce de sinais clínicos de encefalopatia moderada a grave em RN por mais de três semanas - Paralisa cerebral do tipo quadriplegia espástica ou discinesia - Exclusão de outras causas de encefalopatia (trauma, infecções, causas genéticas etc.) Critérios adicionais - Identificação de evento ou situação hipóxica antes ou durante o parto - Bradicardia ou perda de variabilidade normal da FCF em cardiotocografia, desacelerações tardias ligadas a situação hipóxica quando era normal a FCF - Boletim de Apgar menor ou igual a 3 por mais de cinco minutos - Exame de imagem cerebral mostrando comprometimento difuso 93 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 93 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia ULTRASSONOGRAFIA A abordagem diagnóstica por métodos por imagem inicia-se pela ultrassonografia transfontanela, que pode demonstrar sinais de edema cerebral pelo colabamento dos ventrículos laterais. Uma vez que as áreas cerebrais mais afetadas não são as que têm acesso ao US (ventrículos laterais e regiões periventriculares), isso limita este tipo de propedêutica. O US pode ainda detectar sangramentos periventriculares e intraventriculares, além da leucomalácia, mais tardia. TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA O edema cerebral pode ser detectado pelo método, assim como o colabamento ventricular e lesões isquêmicas focais. As alterações são melhor detectadas com o exame sendo realizado entre o segundo e o quarto dia. O prognóstico, no entanto, é melhor avaliado pelo exame realizado após a regressão do edema cerebral, entre duas e seis semanas. RESSONÂNCIA MAGNÉTICA Determina melhor diferenciação das lesões agudas e crônicas, permitindo avaliação de alterações metabólicas e funcionais dos tecidos sadios e comprometidos. O valor prognóstico da RM também é melhor avaliado pelo exame realizado tardiamente, ou seja, quarto mês de vida. Este método vem sendo sensibilizado pela utilização de complementações, como a RM com difusão e aquela com espectroscopia. TRATAMENTO As ações que se adotam para o tratamento da EIH se iniciam com o diagnóstico de probabilidade, dado que o quadro é evolutivo. Além da morte celular precoce, a apoptose que resultará nos grupos celulares que estão lesionados e ainda não destruídos desencadeará esta evolução. A perfusão inadequada e o edema cerebral estabelecidos serão os fatores atuantes desta evolução. Medidas de suporte são adotadas nesta fase. Paro o lado do SNC, as medidas que devem ser estabelecidas se referem ao suporte da perfusão cerebral, ou seja, à manutenção da pressão arterial, tratando-se a hipotensão com reposição volêmica e uso de drogas vasoativas. A dopamina está indicada nos casos em que existe disfunção miocárdica devido à isquemia e ao controle do edema cerebral. O edema cerebral (mais intenso entre 36 e 72 horas) decorrente de lesão neuronal é fundamental para redução da manutenção da perfusão. Deve ser manejado com restrição hídrica. Uso de manitol e corticosteroides não se mostra efetivo para esta finalidade. A secreção inadequada de hormônio antidiurético e a insuficiência renal devem ser detectadas, pois agravam a retenção hídrica e o edema cerebral. As convulsões devem ser tratadas, tendo como droga de escolha o fenobarbital, associandose a difenilhidantoina, se necessário. O midazolan é utilizado em infusão contínua se as 94 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 94 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia medidas anteriores não surtirem o efeito desejado; o thiopental também pode ser utilizado. Os efeitos de depressões do SNC e do miocárdio podem ser indesejáveis. Para as alterações mutissistêmicas da asfixia, as medidas propostas são: • Pulmonar: cuidados com a apneia decorrente de sedação, convulsões e lesão neurológica. A PaO2 e a PaCO2 devem ser mantidas em níveis normais. A aspiração de mecônio se associa a estes quadros de EHI, com implicações nas trocas gasosas e com desenvolvimento de hipertensão pulmonar. • Renal: por vários mecanismos, a oligúria se estabelece e o combate à hipotensão é mandatório. O uso de teofilina tem sido proposto, em dose única. • Cardíaco: a isquemia transitória do miocárdio é acompanhada por sinais a ela ligados, ou seja, cianose, desconforto respiratório, insuficiência cardíaca e choque. A análise evolutiva comparativa dos níveis das enzimas miocárdicas, bem como o ecocardiograma mostrando disfunção miocárdica, é utilizada para este diagnóstico. A CK-MB com valores superiores a 10% da CK implica dano miocárdico. O uso de dopamnina é indicado na presença de disfunção contrátil. • Aparelho digestivo: a nutrição parenteral deve ser iniciada precocemente, pois o risco de enterocolite necrosante indica adiamento da dieta enteral, por pelo menos 72 horas. • Hematológico: tratamento adequado da plaquetopenia e reposição de fatores de coagulação quando diagnosticada CIVD. • Matabolismo: controle da hipoglicemia decorrente de depleção de glicogênio por liberação de catecolaminas e hiperinsulinemia. Como visto, a EHI tem repercussões sistêmicas várias, que agravam as possibilidades de lesão neurológica, independentemente da injúria cerebral primária. O tratamento pode incluir a adoção de medidas com ação neuroprotetoras, visando à redução da necrose e da apoptose sequencial. Quanto mais precoce a intervenção, maiores serão as possibilidades de sucesso (duas a seis horas após a agressão), que são: • Farmacológicas: alopurinol, sulfato de magnésio, bloqueadores de cálcio e barbitúricos. Destes, o alopurinol mostrou redução da formação de radicais livres que se formam após a reperfusão tissular. • Hipotermia: a hipotermia, com aplicação em animais submetidos à hipóxia, demonstrou vantagens na sobrevida7, passando e ser utilizada em RN como terapia coadjuvante, mostrando resultados semelhantes em relação à sobrevida. Outros estudos, no entanto, mostraram efeitos adversos desta utilização em RN, desestimulando, assim, seu uso. Atualmente, após períodos de otimismo e de abandono, estudos sobre a hipotermia, cuja aplicação se deu tanto em todo o corpo quanto no corpo e crânio, estão sendo conduzidos para verificação de sua eficácia 95 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 95 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia no tratamento do EIH. As discussões sobre a segurança, período de implementação, duração do tratamento, grau de hipotermia, entre outras questões, ainda reservam a aplicação desta metodologia a estudos científicos. PROGNÓSTICO O prognóstico, ou seja, probabilidade de morte ou de sequelas, baseia-se nos seguintes fatores: • Grau de intensidade do agravo asfíxico. • Convulsões, particularmente de início precoce e de difícil controle, que perdurem por mais de duas semanas. • Aumento da pressão intracraniana. • Padrões específicos de fraqueza muscular. • Anormalidades persistentes do tronco cerebral. • Estádio da EHI, baseado no quadro a seguir. Quadro 4: Avaliação cliniconeurológica do RN (adaptado de Sarnat e Sanar, 1976 apu Segre, 2002). Estádio I Estádio II Hiperalerta Letargia Coma Motricidade espontânea Exacerbada Diminuída Ausente Tônus muscular Hipotonia Flacidez Nível de consciência Normal Estádio III Reflexos próprios do RN Pouco reduzidos Diminuídos Ausentes Pupilas Midriáticas Mióticas Levemente fotorreativas Ritmo cardíaco Taquicardia Bradicardia Variável Respiração Espontânea Espontânea/apneia Apneia Crises convulsivas Ausentes Focais ou multifocais Ausentes Os casos de EHI nos estádios I e II têm prognóstico bom. No estádio III, a mortalidade é de 80% e os sobreviventes podem apresentar anormalidades como paralisia cerebral, retardo mental grave, cegueira cortical e distúrbios convulsivos. PERSPECTIVAS Todos os textos que tratam sobre asfixia perinatal e EHI se iniciam com a afirmação de que a prevenção da asfixia é o fator em que se deve investir, uma vez que os tratamentos, como citado, têm aspecto ainda meramente expectante, não existindo 96 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 96 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia ações ou procedimentos específicos a serem adotados quando da instalação da síndrome. É importante notar que o diagnóstico é pós-natal e que os únicos critérios relacionados ao período ante e intraparto são as alterações da cardiotocografia e, mesmo assim, como critério adicional e não essencial. Trata-se, portanto, de quadro de patologia neonatal e não obstétrica. Do ponto de vista obstétrico, as ações que são de sua competência são: 1. Procurar identificar fatores de risco que possam motivar déficit de oxigenação intraútero, durante a gestação e durante o parto. 2. Administração de corticoide para os casos de evidência de risco ou necessidade de antecipação do parto em idades gestacionais precoces, por suas ações no sistema surfactante e, particularmente, pela redução de hemorragias cerebrais. 3. Procurar evidências da possibilidade de sofrimento fetal através da cardiotocografia, particularmente a presença de desacelerações tardias e variáveis graves e perda de variabilidade. Os casos em que o líquido é meconial devem ser avaliados, tanto por sua associação a sofrimento fetal quanto pela possibilidade de aspiração de mecônio. É sabido, no entanto, que qualquer método de avaliação da vitalidade fetal, incluída aí a cardiotocografia e, após o parto, o boletim de Apgar (os dois métodos mais utilizados em nosso meio) não guarda correlação perfeita com o diagnóstico e prognóstico de asfixia ou de SHI. 4. Realização da assistência ao parto em instituições que possam oferecer todas as condições de atendimento neonatal imediato ao RN anoxiado, com treinamento de toda a equipe profissional envolvida em reanimação neonatal. 5. Ter clara consciência de que mesmo os partos que não se mostram de risco ou distócicos podem ter complicações emergentes determinantes de asfixia e que sua assistência deve ser adequada em qualquer nível de complexidade. Com relação ao tratamento – que é sempre neonatal –, além da utilização de fármacos (que se mostra limitada para o manejo da EHI, sendo tal arsenal terapêutico limitado à teofilina) e da hipotermia (alvo de pesquisas em andamento), a mais nova perspectiva para esta meta é a utilização de células-tronco, que se mostram capazes de regenerar tecidos específicos. Particularmente, as células-tronco de cordão umbilical se mostram capazes de diferenciar-se em células do estroma de medula óssea, tecido cartilaginoso, ósseo, muscular e conjuntivo, e ainda hepatócitos, endotélio e neurônios. O reparo neuronal vem sendo testado em estudos e ensaios em humanos no caso de doenças degenerativas do SNC, como esclerose lateral amiotrófica. 97 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 97 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia Leitura complementar 1. LOW, JA. Intrapartum fetal asphyxia, diagnosis and classification. AM J Obstet Gynecol. 1977; 176: 957-60. 2. SEGRE, CAM. Asfixia perinatal. In: SEGRE, CAM. Perinatologia: fundamentos e prática. São Paulo: Sarvier, 2002, p. 465. 3. BELET, N; BELET, U; LUTFI; UYSAL, S; OZINAL, S; KESKIN, T; SUNTER, T; KUÇUKODUK, S. Hypoxic-Ischemic Encephalopathy: correlation of serial MRI and outcome. Pediatr Neurol. 2004; 31(4): 267-274. 4. MOSELY, M; COHEN, Y; KUCHARCZYK, J et al. 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A maioria das mortes acontece nas primeiras quatro horas após o parto, o que indica relação com o terceiro período do parto. Quando não é fatal, contribui com a morbidade materna aumentando o número de procedimentos intervencionistas: anemia ferropriva, infarto pituitário (síndrome de Sheehan), coagulopatias e lesão de órgãos como consequência de hipotensão e choque. Como todas as gestantes estão em risco de HPP, os profissionais da saúde devem estar habilitados na prática do manejo ativo do terceiro período do parto para prevenir a HPP, além de reconhecer e tratar a perda excessiva de sangue. DEFINIÇÃO HHP primária é definida como a perda sanguínea excessiva que acontece nas primeiras 24 horas do parto. Tradicionalmente, essa perda é excessiva quando maior que 500mL após um parto vaginal e 1.000mL após uma cesariana. Na prática clínica, a HPP pode ser definida como um sangramento pós-parto nque produz sinais de instabilidade hemodinâmica. O volume de sangue perdido capaz de causar instabilidade hemodinâmica depende da condição clínica prévia da paciente. Aquelas com anemia ou estados de vasoconstrição (pré-eclâmpsia e desidratação) são mais propensas a uma repercussão clínica significativa ao sangramento. O sangramento excessivo resulta em diminuição do volume intravascular e da oferta de oxigênio aos tecidos e órgãos. Mecanismos compensatórios como taquicardia reflexa, vasoconstrição periférica e aumento da contratilidade miocárdica ajudam a manter a perfusão. Uma perda sanguínea maior resulta em colapso circulatório, lesão de órgãos alvo e, finalmente, na morte. Idealmente, o profissional assistente deve ser capaz de estimar a quantidade de sangue perdido para estimar o volume a ser reposto. Os sinais e sintomas expostos na Tabela 1 vêm a ajudar na estimativa do volume de perda. Tabela 1: Sinais e sintomas de choque por hemorragia Grau do choque Perda sanguínea Sinais e sintomas Leve < 20% - Diaforese - Aumento do enchimento capilar - Extremidades frias - Ansiedade Moderada 20% a 40% - Todos os a cima mais: - Taquicardia e taquipneia - Hipotensão postural - Oligúria Grave > 40% - Todos os a cima mais: - Hipotensão - Agitação/confusão - Instabilidade hemodinâmica Adaptado de Leduc et al. (2009) 99 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 99 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia ETIOLOGIA A principal causa de HPP é a atonia uterina. O mecanismo primário de proteção para hemostasia primária imediatamente após o parto é a contração miometrial, que causa oclusão dos vasos uterinos, mecanismo chamado de “ligaduras vivas de Pinard”. Os principais fatores de risco para HPP podem ser lembrados pelos quatro “T”s: tônus, tecido, trauma e trombina. Estão listados na Tabela 2. Tabela 2: Fatores de risco para hemorragia pós-parto (HPP) Categoria e processo etiológico Fatores de risco clínicos Tônus: • Sobredistensão uterina • Exaustão do miométrio • Infecção intra-amniótica • Distorsão anatômica ou funcional do útero • Medicações uterolíticas • Polidrâmnia, gestação múltipla, macrossomia • Trabalho de parto rápido ou prolongado, multiparidade, uso de ocitocina • Febre, rotura de membranas ovulares prolongada • Miomatose, anormalidades uterinas • As usadas para tocólise, anestésicos halogenados Tecido: retenção • Retenção de produtos da concepção: placentação anormal, lobo sucenturiado, cotilédones • Retenção de coágulos • Placenta incompleta no delivramento, cirurgia uterina prévia, multiparidade • Atonia uterina Trauma: do trato genital • Laceração do colo, vagina ou períneo • Extensão ou laceração na cesariana • Rotura uterina • Inversão uterina • • • • Trombina: distúrbios da coagulação • Estados pré-existentes: hemofilia A, doença de Von Willebrand, antecedente de HPP • Adquiridas na gravidez: púrpura trombocitopênica idiopática, trombocitopenia com pré-eclâmpsia, coagulação intravascular disseminada, hipertensão na gestação com feto morto, infecção grave, descolamento de placenta, embolia amniótica • Anticoagulação terapêutica • História de coagulopatias hereditárias ou doença hepática • Equimoses, aumento da pressão arterial, óbito fetal, febre, neutrofilia ou neutropenia, hemorragia anteparto, colapso súbito • História de doença trombótica Parto precipitado ou operatório Mau posicionamento, insinuação profunda Cirurgia uterina prévia Multiparidade, placenta fúndica, tração excessiva do cordão Adaptado de Leduc et al. (2009) PREVENÇÃO DA HPP O manejo ativo do terceiro período do parto envolve intervenções para assistir a expulsão da placenta com o objetivo de prevenir ou diminuir a perda sanguínea. Essas intervenções incluem o uso de uterotônicos, o clampeamento do cordão umbilical e a tração controlada do cordão. Enquanto isso, o manejo expectante ou fisiológico permite a expulsão espontânea da placenta com intervenção subsequente quando necessário. A partir de uma meta-análise de 2000 – que demonstrou que o manejo ativo diminuiu de forma significativa o risco de HPP –, em 2004, a International Confederation of Midwives e a Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO) endossaram a assistência ativa ao delivramento com uterotônicos, tração controlada do cordão e massagem do fundo uterino. A Organização Mundial de Saúde (OMS), em 2007, realizou revisão que gerou as seguintes recomendações: 100 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 100 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia • O manejo ativo deve ser oferecido a todas as parturientes por profissionais treinados. • Profissionais treinados devem oferecer uterotônicos (preferencialmente a ocitocina) para prevenção de HPP. • O clampeamento precoce do cordão é recomendado somente quando o recémnato precisa de ressuscitação. • Apesar da falta de evidência que suporte a tração do cordão, a prática deve ser continuada. UTEROTÔNICOS Promovem contrações uterinas para prevenir atonia e aumentar a velocidade do delivramento. Os agentes uterotônicos incluem a ocitocina, a ergonovina, a carbetocina, o misoprostol e a sintometrina (uma combinação de ergonovina e ocitocina não disponível no Brasil). • Ocitocina x ergonovina: diversos estudos avaliaram o uso de ocitocina e ergotamina no terceiro período do parto. Esses estudos foram avaliados por duas revisões do grupo Cochrane, em 2001 e 2004, que constataram uma superioridade da ocitocina em relação à ergotamina, além desta última ter mais efeitos colaterais maternos. Houve menor incidência de sangramento (abaixo de 500mL e acima de 1.000mL), menor incidência de retenção placentária e menor necessidade de uso de outros uterotônicos. A ergotamina foi associada ao aumento da pressão arterial, náusea e vômitos. • Esquemas de uso na profilaxia de HPP: • Ocitocina: • 5 UI IM após o desprendimento do ombro anterior nos partos vaginais de baixo risco (esquema preferencial – IA). • 20 a 40 UI em 1.000 mL, 150 mL/h (esquema alternativo – IB). 5 a 10 UI IV em bôlus, administrados de um a dois minutos, podem ser • utilizados para prevenção de HPP em partos vaginais, mas ainda não é recomendado após cesariana (IIB). • Ergonovina: • • 0,2 mg IM. Segunda escolha para prevenção de HPP, pela maior incidência de efeitos colaterais maternos e maior necessidade de extração manual placenta em relação à ocitocina. Contraindicada em pacientes hipertensas (IA). Misoprostol: Prostaglandina com efeito uterotônico e interessante para uso na prevenção de HPP pela via de administração, segurança, custo e facilidade de armazenamento. Algumas características: • Menor intervalo de tempo até o pico de ação quando administrado por via oral e não vaginal ou retal. 101 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 101 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia • A administração sublingual resulta em início mais rápido do efeito e pico de concentração mais alto. • O aumento inicial do tônus com a administração oral é maior do que com a vaginal. • Os efeitos têm início mais lento, porém mais duradouros, com administração retal ou vaginal do que com a oral. • Febre é mais comum com dose maior que 600μg. • Dose: 600 a 800μg por via oral, vaginal ou retal. Pode ser usado também como segunda escolha quando a ocitocina não estiver disponível. MANEJO DA PLACENTA • Clampeamento do cordão: O momento ideal do clampeamento do cordão umbilical varia na literatura mundial. Os países ocidentais usualmente fazem o clampeamento precoce do cordão. Estudos de fisiologia indicam que 25% a 60% da circulação fetoplacentária se encontra na placenta. O clampeamento precoce no recém-nato a termo pode diminuir até 20 a 40mL/kg de sangue para ele. O clampeamento tardio, por outro lado, aumenta o volume circulatório, que pode evoluir com complicações como angústia respiratória, icterícia neonatal e policitemia. Algumas revisões sistemáticas abordaram essa questão. Nos prematuros, o clampeamento após 30 a 120 segundos diminuiu a necessidade e transfusão sanguínea e a hemorragia intraventricular. Nos recém-natos a termo, não houve diferença em relação à HPP, mas ocorreu maior incidência de icterícia com necessidade de fototerapia. Aos seis meses, essas crianças tinham ferritina e hemoglobina em níveis maiores. • • Recomendação: sempre que possível, atrasar o clampeamento do cordão em um minuto nos recém-natos com menos que 37 semanas de gestação, já que há menor incidência de hemorragia intraventricular e necessidade de hemotransfusão (IA). Momento da dequitação: A dequitação placentária é essencial para a contração urterina e redução do sangramento pós-parto. O processo se completa em cinco minutos em 50% dos partos, e em 15 minutos em 90%. A retenção placentária é um conhecido fator de risco para HPP e é classicamente definida como a falha na dequiação por mais de 30 a 45 minutos do parto. • Recomendação: não há evidência de que, no parto não complicado sem sangramento, intervenções que aceleram a dequitação para menos que 30 a 45 minutos reduzam o risco de HPP (II2C). TRATAMENTO DA HPP RECONHECIDA Tem-se demonstrado que os profissionais habitualmente subestimam a perda sanguínea. Os sinais e sintomas clínicos expostos na Tabela 1 são bons indicadores 102 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 102 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia à beira do leito da quantidade de sangramento e podem ajudar no tratamento. É indispensável um plano de ação para o tratamento da HPP para o caso de falha das medidas preventivas. Esse plano deve incluir medidas de ressuscitação volêmica, de controle do sangramento e acesso a um centro cirúrgico e a profissionais de suporte. O objetivo das medidas de ressuscitação é manter estabilidade hemodinâmica e a correta oxigenação dos tecidos. A reposição deve ser feita com soluções cristalóides, a serem infundidas com jelco de calibre grosso, e oxigênio deve ser administrado. A determinação da causa do sangramento exige a avaliação do tônus uterino e o exame do trato genital inferior à procura de lesões de trajeto. A avaliação do estado clínico e a resposta ao tratamento exigem a monitorização dos sinais vitais, do débito urinário e da saturação de oxigênio, além de testes laboratoriais que devem ser colhidos em paralelo à instalação das medidas terapêuticas. A Tabela 3 resume a proposta de tratamento de HPP. Tabela 3: Tratamento da hemorragia pós-parto Avaliação inicial e tratamento primário da HPP Etiologia Útero amolecido e Atonia uterina relaxado Solicitar ajuda Ressuscitação • “ABC” • “Oxigênio sob máscara • Acesso venoso • Cristaloides/ fluidos isotônicos • Monitorização dos sinais vitais • Esvaziar bexiga, avaliar débito urinário Testes laboratoriais • Hemograma • Testes de coagulação • Tipagem sanguínea e prova cruzada Placenta não separada Hemorragia logo após o parto, útero contraído Terapia direcionada Compressão uterina não cirúrgica: • Compressão uterina bimanual Massagem uterina • Compressão Uterotônicos aórtica externa • Empacotamento uterino • Tamponamento com balão Retenção placentária Retenção total • Uterotônicos • Tração controlada do cordão Retenção parcial • Aspiração a vácuo • Exploração manual • Curetagem cuidadosa Trauma do trato genital inferior Reparação do períneo, vulva e colo Rotura uterina Laparotomia: reparação ou histerectomia Fundo uterino não palpável no Inversão uterina abdome ou visível na vagina Coagulação Continuação do sangramento Correção sob anestesia Placenta ainda retida: extração manual Continuação do sangramento Suturas compressivas • B-Lynch • Compressão vertical Embolização das artérias uterinas Placenta ainda retida (acreta): Remoção da placenta por laparotomia Continuação do sangramento Ligadura arterial (uterina, hipogástrica) Histerectomia total ou subtotal Histerectomia Cirurgia: Se a correção não cirúrgica não Correção por funcionar, manter laparotomia Histerectomia útero contraído Distúrbios da coagulação: tratar com hemoderivados Adaptado de WHO (2007). 103 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 103 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia MASSAGEM UTERINA E UTEROTÔNICOS Já que a causa mais comum de HPP é atonia uterina, os esforços iniciais devem ser direcionados ao tratamento desta causa, inicialmente com manobras básicas de massagem do fundo uterino e administração de uterotônicos, que incluem: 1- Ocitocina a- 10 UI IM. b- 5 UI IV em bôlus. c- 20 a 40 UI em 250mL de solução salina, 500 a 1.000mL/h IV. 2- Misoprostol a- 400 a 800μg. O início do efeito é mais rápido na administração oral. b- 800 a 100μg. O efeito é mais duradouro com administração via vaginal ou retal. 3- Ergonovina a- 0,25mg IM ou IV, pode ser repetida a cada duas horas. b- Contraindicada para hipertensas e nas para as que usam certas medicações (por exemplo, proteases para infecção por HIV). 4- Fator VII ativado recombinante a- Já foi usado para HPP, mas em um pequeno número de estudos não randomizados. Sem evidência para uso rotineiro. TAMPONAMENTO O modo mais rápido de realizar o tamponamento é pela compressão bimanual do útero. Uma mão é colocada sobre o útero externamente e a outra pela vagina fazendo pressão no segmento inferior. A compressão com ambas as mãos resulta uma compressão externa do útero, reduzindo o fluxo sanguíneo. Essa manobra pode ser mantida até que outras sejam realizadas ou que chegue ajuda. A compressão direta do útero, na situação de atonia uterina, pode ser realizada pelos mecanismos seguintes: • Cateter de Bakri SOS com balão de tamponamento. • Cateter esofageano de Sengstaken Blakemore. • Cateter de Foley com 60mL a 80mL de solução estéril. • Cateter hidrostático de condom. • Empacotamento uterino com compressas. 104 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 104 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia A técnica de inserção de um cateter com balão é relativamente simples e eficaz para conter temporariamente o sangramento. O operador só deve se certificar de que o balão passou completamente o canal cervical. Após instalado, é necessário encher o balão até que o sangramento pare. A infusão de ocitocina deve ser mantida para a manutenção do tônus uterino, e proflaxia antibiótica pode ser considerada. O balão deve ser mantido por oito a 48 horas e gradualmente desinflado para retirada. O empacotamento do útero com compressas exige maior habilidade técnica e experiência para que a quantidade suficiente de compressas seja inserida para parar o sangramento sem lesar a parede uterina. Há maior risco de infecção e de um procedimento cirúrgico para retirada delas. MÉTODOS RADIOLÓGICOS A embolização arterial percutânea é uma opção na paciente com sangramento ativo e hemodinamicamente estável antes de uma intervenção cirúrgica. Essa técnica preserva o útero, os anexos e, assim, a fertilidade. Uma revisão observou 100% de sucesso após partos vaginais e 89% após cesarianas. O procedimento exige disponibilidade de radiologistas intervencionistas, que não estão disponíveis na maioria dos centros. MÉTODOS CIRÚRGICOS A ligadura das artérias ilíacas internas já era utilizada para o controle do sangramento do câncer de colo de útero antes do seu uso na HPP. Pode ser utilizada no sangramento por atonia uterina ou por lesão do trato genital. O momento para a realização do procedimento é importante, antes que haja instabilidade hemodinâmica importante. As suturas compressivas, descritas por B-Lynch e Cho, têm a vantagem de preservar o útero. Ambas as técnicas envolvem a compressão externa do útero e suturas por dentro e por fora dele amarradas de forma que a compressão seja mantida. É necessária a histerotomia no segmento inferior para certificação de que não há restos placentários que possam comprometer a contração eficaz do útero. A histerectomia periparto é indicada quando a hemorragia maciça não responda às manobras anteriores. Indicações mais frequentes incluem placenta acreta/prévia, atonia, trauma, rotura e sepse. A desvantagem é a perda da fertilidade. 105 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 105 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia Leitura complementar 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. ABOUZAHR, C. Global burden of maternal death and disability. Br Med Bull. 2003; 67: 1-11. 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No âmbito perinatal, são necessárias ações bem estruturadas no sentido de garantir ao concepto as melhores condições de vitalidade, dentro dos limites da bioética, aplicando os preceitos da medicina baseada em evidências e assegurando a manutenção da fisiologia do parto e o gradual retorno do organismo materno às condições pré-gravídicas, bem como a promoção da lactação e dos cuidados básicos de puericultura. Algumas condições obstétricas impõem cuidado adicional pelo maior risco atribuído; cumpre salientar a necessidade da hierarquização de centros perinatais, na medida em que estas pacientes de risco devam ser encaminhadas, ainda gestantes, a núcleos de excelência no cuidado à grávida e ao recém-nascido. A transferência de um recémnascido clinicamente comprometido, mesmo em veículo com suporte de UTI, sempre implica em aumento da morbidade. Destacamos particularidades do parto em algumas situações especiais, como segue: PARTO DO FETO COM RESTRIÇÃO DE CRESCIMENTO FETAL O diagnóstico de RCF é definido por conceptos cujo peso estimado encontra-se abaixo do percentil 10 para a idade gestacional, situação na qual perde o feto a capacidade de atingir o tamanho compatível com sua programação genética. Neste momento, há que salientar-se a imensa heterogeneidade das patologias que promovem fetos pequenos: aneuploidias, infecções, uso de drogas (cocaína, tabaco) e insuficiência placentária. Muitas vezes, o concepto é constitucionalmente pequeno, sem ter sofrido qualquer tipo de hostilidade no ambiente intrauterino. Monitorização eletrônica contínua é recomendada durante o trabalho de parto destes fetos acima de 30 semanas, face à sua reduzida reserva oxigenativa. O estresse do trabalho de parto não deve prejudicar ainda mais um feto que provavelmente já mantém algum grau de hipoxemia. Deve haver neonatologista experiente na sala de parto, para o adequado manejo de um concepto pequeno, que provavelmente irá desenvolver hipoglicemia e ter dificuldades em controlar sua temperatura corporal, dentre outros distúrbios metabólicos. A ultrassonografia craniana pós-natal tem seu valor estabelecido na investigação de hemorragia intraventricular nestes fetos. 107 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 107 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia A cesariana não se mostra mais eficaz que o parto normal relacionando-se ao desfecho perinatal. Casos selecionados podem beneficiar-se da via alta, como apresentação pélvica em fetos pré-termo abaixo de 34 semanas e fetos muito comprometidos do ponto de vista hemodinâmico (diástole zero e reversa na artéria umbilical com traçados cardiotocográficos não tranquilizadores). Uma consideração importante envolve a cesariana em fetos muito pequenos, especialmente os não cefálicos, uma vez que, muitas vezes, a histerotomia praticada deverá ser segmentocorporal ou corporal. Este procedimento aumenta a morbidade pós-operatória e pode vir a compromenter o futuro obstétrico da paciente, devendo ser criteriosamente indicado e realizado por obstetra experiente, posto que a própria extração fetal deve ser cuidadosa face ao risco de tocotraumatismos. No que diz respeito à via transpélvica, não existem evidências de que a realização de episiotomia e uso rotineiro do fórcipe obstétrico nos conceptos com CIUR reduza a prevalência de sangramentos de sistema nervoso central. A extração fetal a vácuo é contraindicada em fetos com idade gestacional abaixo de 34 semanas em função do risco aumentado de hemorragia intraventricular. PARTO DO FETO MACROSSÔMICO Definimos macrossomia fetal quando o peso estimado do concepto é superior a 4 mil gramas, independente de idade gestacional, sexo ou etnia. Como nem sempre são diagnosticados no pré-natal, durante a avaliação clínica salientamos atentar para biotipo avantajado dos pais (especialmente da mãe), gestação prolongada, história obstétrica de feto macrossômico, multiparidade, obesidade, ganho ponderal excessivo e diabetes materno sem vasculopatia. Diante da suspeita de macrossomia, no mais das vezes relacionada à medida da altura de fundo de útero acima do esperado, realizar ultrassom obstétrico para confirmação diagnóstica. A estimativa de peso fetal não é parâmetro preciso na gestação próxima ao termo, devendo o ultrassonografista atentar para a medida da circunferência abdominal e a presença de depósitos de gordura (tecido subcutâneo), que exprimem de maneira mais fidedigna o perfil metabólico do concepto, bem como a avaliação do volume de líquido e massa placentária. O feto macrossômico é duas vezes mais comum em gestantes com índice de massa corporal superior a 30kg/m2 e conceptos do sexo masculinino, sendo quatro vezes mais frequente em gestações acima de 40 semanas. Observa-se, além disso, elevada prevalência de cesariana de emergência, hospitalização por tempo superior a três dias e risco quatro vezes mais elevado de distócia de espáduas. Duplicam-se as necessidades de reanimação e permanência em UTI neonatal. Quanto à via do parto, prevalece a indicação obstétrica, sendo necessário estimar o peso fetal por avaliação clínica e ultrassonográfica, bem como avaliar adequadamente a pelve materna. Se o peso fetal estimado por ultrassom for maior ou igual a 4.500g, considerar a via abdominal. Enfatizamos que a extração fetal na cesariana não protege o feto macrossômico da ocorrência de tocotraumatismos, além de aumentar a morbidade do procedimento (prolongamentos de histerotomia, hemorragia e hipotonia uterina por sobredistensão). 108 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 108 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia Durante o trabalho de parto, deve-se estar atento à evolução no partograma. A presença de desacelerações da progressão podem ser os primeiros sinais de uma desproporção fetopélvica, diminuindo-se o limiar para realização de cesariana para minimizar a ocorrência de distócias. Em gestantes diabéticas sob mau controle glicêmico, atentar para a possibilidade de distócia de espáduas, posto que o tronco do feto é desproporcional às dimensões do polo cefálico. Nestas situações, a presença de tocólogo experiente é fundamental, pois uma dificuldade de extração é sempre uma emergência na qual a destreza nas manobras de liberação dos ombros pode influenciar sobremaneira o resultado perinatal. PARTO DO FETO PORTADOR DE MALFORMAÇÕES CONGÊNITAS Determinadas questões fundamentais merecem atenção no parto de fetos malformados. O primeiro aspecto envolve a necessidade de condições de suporte intraparto, bem como a disponibilidade de cirurgia pediátrica para eventual encaminhamento. Nas antecipações por via vaginal, devem as condições obstétricas estar favoráveis, com vistas a maiores chances de sucesso. Devemos lembrar do apoio psicológico ao casal, tão importante no desenrolar do processo de parturição. Outra questão muitas vezes presentes é a necessidade de correção imediata da patologia, o que implica na programação da data do parto. Algumas anomalias beneficiam-se com eventual resolução antecipada do parto (aqui entendendo-se o período de 34 e 37 semanas). Presentes neste grupo estão as patologias fetais cuja evolução progressiva deteriora muito a sua vitalidade e/ou tende a comprometer o futuro obstétrico da paciente. Listamos, assim, a onfalocele rota, a gastrosquise, os fenômenos isquêmicos intestinais (volvo, íleo meconial), arritmias cardíacas descompensadas (cursando no mais das vezes com hidropsia), lesões que comprometam a deglutição de líquido amniótico (ocasionando a formação de polidrâmnios importantes), algumas ventriculomegalias/hidrocefalias de rápida deterioração e alguns casos seletos de obstruções do trato urinário. No caso dos defeitos da parede abdominal anterior, a via de parto abdominal não demonstra melhor desfecho que a via transpélvica. Nos fetos com gastrosquise e sinais de sofrimento de alças (edema de mucosa, diâmetro superior a 18mm), a antecipação do parto deve ser proposta, idealmente entre 34 a 36 semanas. Fetos portadores de onfalocele devem ser exaustivamente examinados à através de ultrassonografia no intuito de verificar eventuais associações com outras malformações, além do risco intrínseco elevado de aneuploidia. Alguns defeitos estruturais estão comumente associados ao parto distócico, no qual, muitas vezes, a via abdominal deve ser a preferida, em face das alterações do volume do feto, que causam obstáculos à insinuação e progressão no canal de parto. Exemplos incluem o teratoma sacrococcígeo, teratomas cervicais, higroma cístico, volumosas hidrocefalias e quadros de gemelidade imperfeita. Ressaltamos a importância de obstetra experiente presente na cesariana destes fetos, pois, não raro, a extração fetal pode vir a comprometer o resultado perinatal, mercê do nível de dificuldade do procedimento. No que diz respeito à via de parto nas malformações do sistema nervoso central, é importante salientar que estudos multicêntricos não conseguiram evidenciar melhor 109 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 109 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia resultado perinatal da cesariana sobre a via transpélvica. Contudo, muitas vezes o parto abdominal planejado de um feto com meningomielocele pode lograr desfecho ideal na medida em que, havendo ou não ruptura do saco herniário, a equipe de neurocirurgia já estará preparada para imediata intervenção. Os fetos portadores de malformações cardíacas, não raro de difícil diagnóstico anteparto, devem nascer em centros terciários com UTI neonatal de alta complexidade. A via de parto é de indicação obstétrica, aguardando-se o trabalho de parto a termo, excluindo-se apenas os casos de insuficiência cardíaca e/ou arritmias fetais refratárias a tratamento, como comentado previamente. PARTO DO FETO PÓS-TERMO Conceituamos gestação pós-termo aquela que se estende até ou vai além de 42 semanas, ou 294 dias, a contar do primeiro dia da última menstruação. As causas não são conhecidas, mas os grupos de maior risco incluem as primigestas e gestantes com parto pós-termo prévio. Na gestação pós-termo, a mortalidade perinatal é duas vezes maior do que nas gestações a termo (quatro a sete versus duas a três por mil partos). Boa parcela da morbidade materna e neonatal está relacionada a complicações advindas de macrossomia. O líquido amniótico meconial, muitas vezes presente no pós-termo, responde por elevada morbidade neonatal. Por outro lado, cerca de 20% dos fetos pós-termo têm características de fetos malnutridos. Nestes casos, observa-se aumento do risco de fenômenos compressivos de cordão em face da oligodramnia, padrão cardiotocográfico não tranquilizador, síndrome de aspiração de mecônio, hipoglicemia e síndrome de angústia respiratória, além do risco aumentado de sequelas neurológicas. Acima de 41 semanas, preconizamos indução do parto ao invés de manejo conservador (evidência grau 2A), independentemente das condições do colo, pela menor mortalidade perinatal associada. Em gestações de baixo risco, eventualmente o casal pode optar por aguardar até 42 semanas, opção válida desde que mantenhamos estrita análise da condição fetal, através da propedêutica biofísica (volume de líquido amniótico e traçado cardiotocográfico a cada 48 horas). Lembramos que a avaliação dopplerfluxométrica da artéria umbilical não demonstra utilidade neste período por não refletir agudamente a condição fetal e sua reserva oxigenativa. Nas pacientes com colo ainda desfavorável, a indução deve contemplar o uso de agentes farmacológicos específicos para preparação cervical. Na ausência deles, boa prática recomenda o descolamento digital das membranas do colo a cada 48 horas até deflagrar o trabalho de parto. O manejo intraparto dos fetos pós-data deve incluir sempre monitorização cardiotocográfica, pelo risco aumentado de hipoxia aguda (eventos compressivos de cordão, líquido meconial e feto grande, no mais das vezes acarretando progressão mais lenta do parto). 110 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 110 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia Amnioinfusão pode ser utilizada no trabalho de parto para diluição de líquido meconial e redução dos eventos compressivos de cordão umbilical (melhora do traçado cardiotocográfico e redução de cesarianas indicadas por “sofrimento fetal”). Verificamos benefício perinatal com este procedimento apenas nos locais onde existem limitados recursos neonatais. PARTO NA GESTAÇÃO GEMELAR Cerca de metade dos partos gemelares termina antes do termo, por início espontâneo ou por indicação médica. Assim, prematuridade e gemelidade assumem estreita associação. Para gestações diamnióticas não complicadas, sugerimos o parto entre 38 e 40 semanas (evidência grau 2C). Havendo intercorrências fetais (oligodramnia, restrição de crescimento) ou maternas (diabetes, hipertensão), podemos induzir o parto antes das 38 semanas. Observa-se que após 39 semanas o risco de morte fetal excede o risco de morte neonatal para gemelares. Em gestações monocoriônicas/diamnióticas, sugerimos a resolução do parto em torno de 34 a 36 semanas. Gestações gemelares monoamnióticas estão associadas à elevada mortalidade perinatal, no mais das vezes, resultado de enrolamento dos cordões umbilicais. Assim, devemos planejar a antecipação do parto entre 32 e 34 semanas. A via de parto dos gemelares vai estar relacionada principalmente à apresentação dos fetos e, em alguns casos, à idade gestacional. Secundariamente, o peso estimado dos fetos e a paridade estão também implicadas. Não existem estudos até o momento que mostrem a superioridade do parto cesáreo sobre o vaginal em gêmeos. A resolução por cesariana eletiva ocorre apenas em monoamnióticos, gemelares de alta ordem (três ou mais fetos), gemelidade imperfeita ou transfusão fetofetal grave. Em fetos extremamente prematuros, também não existem evidências de que a cesariana possa reduzir a incidência de hemorragia intraventricular. Quando o primeiro gemelar é não cefálico, optamos por cesariana, pela redução do risco de mortalidade perinatal (evidência grau 2C). Ambos cefálicos, irá prevalecer a indicação obstétrica. Importante assinalar que, em até 20% dos casos, pode o segundo feto, antes cefálico, alterar sua apresentação após o nascimento do primeiro; assim, deve o obstetra estar preparado para realizar manobra no sentido de não aumentar o risco perinatal do parto do segundo gemelar. Quando o primeiro é cefálico e o segundo não cefálico, para pesos estimados abaixo de 1.500 gramas, sugerimos cesariana. Nas situações em que os fetos são maiores que 1.500 gramas e menores que 3.500 gramas, preconizamos via vaginal com extração pélvica do segundo gemelar. Quando o segundo feto tiver peso estimado acima de 20% maior do que o primeiro, também está indicada via alta. Lembramos que a cesariana do segundo gemelar tende a ensombrecer o prognóstico perinatal, ocorrendo em 6% a 25% dos partos. Anestesia epidural deve ser encorajada, pela possibilidade de cesárea de emergência ou manobras obstétricas (versões). A ultrassonografia deve estar disponível na sala de parto, ajudando a nortear o obstetra a respeito das apresentações fetais encontradas. 111 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 111 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia ANESTESIA: EFEITOS SOBRE O CONCEPTO Atualmente, perante o conhecimento da fisiologia da dor no parto e da farmacocinética de múltiplas drogas, bem como de técnicas diversas de administração, podemos iniciar analgesia a qualquer momento no transcurso do trabalho de parto com excelentes resultados e mínimo efeito sobre o feto. O agente analgésico ideal seria aquele capaz de proporcionar rápido alívio de sintomas, com baixa incidência de efeitos colaterais, propriocepção e motricidade preservadas e mínima capacidade de promover efeitos adversos ao compartimento fetal e à dinâmica da contratilidade uterina. Sabe-se que a saturação de oxigênio no feto permanece semelhante durante o primeiro e segundo estágio do trabalho de parto, independente de realização de analgesia. Estudos recentes não demonstraram relação entre administração de drogas analgésicas e queda na pO2 do feto, mesmo em vigência de traçado cardiotocográfico não tranquilizador. Os cuidados da paciente com analgesia incluem rigorosa manutenção da pressão arterial, evitando-se queda da perfusão uteroplacentária secundária à hipotensão. A pressão do útero sobre a veia cava inferior causa redução do retorno venoso e débito cardíaco, causa mais comum de queda dos níveis tensionais durante o trabalho de parto. Dessa forma, a gestante, quando no leito, deverá manter o decúbito lateral esquerdo sempre que possível. Importante assinalar também o uso judicioso de ocitócicos, no sentido de evitar-se hipercontratilidade uterina, responsável, muitas vezes, pelo gradual esgotamento das reservas oxigenativas da placenta. A anestesia neuraxial (epidural, espinhal ou combinadas) deve ser a técnica de eleição para o parto (vaginal ou cesárea), devendo-se evitar bloqueio motor no caso do parto vaginal. Na cesariana, em que o risco de hipotensão é maior, preconiza-se expansão de volume adequada. Apesar de o uso da analgesia epidural estar potencialmente relacionado à possibilidade de efeitos indesejados, estes fatores adversos parecem estar amplamente superados pelos benefícios causados ao equilíbrio acidobásico do feto, além do conforto e bem-estar propiciados à parturiente e a seu companheiro, tornando a experiência da parturição um evento emocionalmente muito positivo, no qual os esforços maternos se amplificam na dissociação da dor, muitas vezes promovendo o encurtamento do primeiro e segundo estágios do parto. 112 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 112 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia Leitura complementar 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. REYNOLDS, F; SHARMA, SK; SEED, PT. Analgesia in labour and fetal acid-base balance: a meta-analysis comparing epidural with systemic opioid analgesia. BJOG. 2002; 109(12): 1344-53. ARNAOUT, L; GHIGLIONE, S; FIGUEIREDO, S; MIGNON, A. Effects of maternal analgesia and anesthesia on the fetus and the newborn. J Gynecol Obstet Biol Reprod (Paris). 2008; 37 Suppl 1: S46-55. BONNET, MP; BRUYÈRE, M; MOUFOUKI, M; DE LA DORIE, A; BENHAMOU, D. Anaesthesia, a cause of fetal distress? Ann Fr Anesth Reanim. 2007; 26(7-8): 694-8. CARVALHO, B; FULLER, AJ; BRUMMEL, C; DURBIN, M; RILEY, ET. Fetal oxygen saturation after combined spinal-epidural labor analgesia: a case series. J Clin Anesth. 2007; 19(6): 476-8. GRANT, A; GLAZENER, CM. Elective caesarean section versus expectant management for delivery of the small baby. Cochrane Database Syst Rev. 2001; CD000078. TEJANI, N; VERMA, U; HAMEED, C; CHAYEN, B. 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Na prática clínica, no entanto, são mais frequentes os conflitos que surgem quando os desejos e as intenções das gestantes não coincidem com as necessidades, os interesses e os direitos dos fetos, tal como percebido pela equipe de saúde. Outra forma de conflito entre a gestante e seu concepto, que pode ocorrer sem a participação de um terceiro, corresponde aos atos de “omissão” (não comparecer às consultas da assistência pré-natal, mau controle do diabetes etc.) ou ao consumo de substâncias tóxicas para o feto (álcool, cigarro, drogas etc.). Nestas situações, há que se considerara até que ponto se pode forçar uma gestante a realizar um determinado procedimento ou a alterar um hábito de vida para defender os direitos do feto. Nesse sentido, o American Congress of Obstetricians and Gynecologists (ACOG) se pronunciou em um consenso em 1987, cujos pontos centrais foram: é eticamente inaceitável pressionar uma gestante a realizar uma cesariana ou outro procedimento; deve-se evitar realizar procedimentos não desejados pela gestante; recorrer a autoridades judiciais para autorizar uma terapia destinada a proteger o feto é uma violação da autonomia da gestante; e a intervenção de autoridades judiciais em questões médicas pode conduzir a consequências sociais indesejáveis, por exemplo, criminalizar o não cumprimento de uma indicação médica. Em linhas gerais, se os postulados éticos básicos (beneficência, não maleficência, justiça e autonomia) forem observados, conseguiremos cumprir as responsabilidades éticas em perinatologia. É essencial, no entanto, que a gestante receba todas as informações possíveis em relação aos riscos dos procedimentos propostos, os benefícios de sua realização e as consequências nos casos de não efetuá-los. É importante também transmitir, sempre que possível, o prognóstico após o nascimento, na infância e vida adulta. Especial atenção deve ser dada aos casos de malformação fetal. Tanto a atitude paternalista quanto a imposição do sistema de valores por parte dos médicos devem ser evitadas. Cabe à equipe a orientação da gestante na identificação de seus próprios valores e a ajuda para alcançar uma decisão consistente com eles. 115 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 115 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia Algumas recomendações são essenciais para se prevenir potenciais conflitos éticos: 1. Avaliar o problema e identificar as melhores alternativas. 2. Informar a paciente de maneira mais objetiva e imparcial possível. 3. Certificar-se de que a gestante compreendeu todos os elementos envolvidos. 4. Permitir uma decisão livre sobre a situação que se apresenta. 5. Respeitar a decisão. INTERRUPÇÃO ELETIVA DA GESTAÇÃO Este é o ponto mais polêmico, do ponto de vista ético, porque envolve princípios morais e valores de cada sociedade, além de fatores religiosos e emocionais de cada indivíduo. Algumas sociedades, quando diante de falha no método da contracepção ou de malformação fetal, têm, no abortamento, um caminho a ser seguido. No Brasil, essa conduta é, no mais das vezes, proscrita com bases não só legais como também nos conceitos morais, éticos e religiosos. A indicação de abortamento, à luz da perinatologia, só é permitida por lei em situações de risco de morte materna. FETO MALFORMADO Do ponto de vista ético, e à luz da lei brasileira vigente, a equipe médica deve se opor à interrupção da gestação diante da insistência de pais de uma criança malformada por só desejarem uma criança se esta for perfeita. Cabe ao obstetra, pelo uso pleno de métodos diagnósticos e pré-natais, explicar e discutir com os pais, com a máxima precisão possível, a natureza da malformação, sua evolução e as possibilidades de tratamento de cada caso. Pode se considerar uma exceção a esta regra os casos de malformação incompatível com a vida, cuja interrupção se encontra em via de regulamentação. A jurisprudência tem andado de acordo com os avanços da medicina fetal, impondo-se à atualização das leis, possibilitando aos médicos agir em conformidade com estas. GESTAÇÃO MÚLTIPLA Gestações com dois ou mais embriões sucedem com elevada possibilidade de morbidade materna e morbiletalidade perinatal, relacionada à prematuridade extrema. A redução embrionária pode ser vista como uma forma de evitá-la e é utilizada em diversas partes do mundo, inclusive no Brasil, à margem da lei. Quando presentes cinco ou mais embriões, na maioria das vezes, o resultado é catastrófico. Nestes casos, a redução embrionária visa à manutenção da vida de um ou mais embriões, que possivelmente não teriam chance de chegar à viabilidade se deixados à própria sorte, justificando-se a redução do ponto de vista racional. Porém, aspectos éticos, legais, morais e religiosos devem ser levados em conta, respeitando-se a autonomia do casal. CIRURGIA MATERNA DE URGÊNCIA As cirurgias não obstétricas são, por vezes, necessárias durante a gestação, porém não existem dados na literatura médica que suportem recomendação específica. Desta forma, a consultoria obstétrica para confirmar a idade gestacional e determinar 116 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 116 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia a melhor maneira de monitorar o feto é recomendada e deve ser individualizada considerando a idade gestacional e o tipo da cirurgia. As gestantes que necessitam de cirurgias não obstétricas são mais bem conduzidas se houver comunicação ampla entre as especialidades envolvidas, incluindo-se obstetra, anestesista, cirurgião e neonatologista. PREMATURIDADE EXTREMA – LIMITE DA VIABILIDADE O conceito de limite da viabilidade é muito vago e muito simplista do ponto de vista ético. É importante conhecermos nossa realidade e nos lembrarmos de que prematuros extremos impõem grandes desafios para os pais e outros profissionais de saúde. O empreendimento tecnológico nos seduz porque encarna o sonho da imortalidade, mas questões como até onde aplicar o artificial na vida humana sem pôr em risco a integridade de sua natureza e os limites éticos para a ação médica e tecnocientíficas precisam ser consideradas. É necessário que seja observado o esforço de se preservar a vida, mas não se pode correr o risco de alterar de maneira inaceitável a qualidade de vida que resta a alguém. A medicina perinatal vem apresentando grandes avanços que se refletem na sobrevida de bebês prematuros e/ou extremamente doentes, sem, no entanto, apresentar grande impacto na redução da morbidade a médio e longo prazo. A incidência de inacapacidades neuromotoras moderadas e graves, avaliadas entre 18 e 30 meses em bebês nascidos entre 23 e 25 semanas sobreviventes, é alta (30% a 50%). O investimento neonatal em crianças cada vez menores repercute em aumento da morbidade e comprometimento da qualidade de vida. Os cuidados intensivos não devem ser considerados, necessariamente, um benefício ou sempre justificáveis apenas por possibilitarem uma mínima chance de sobrevivência, pois envolvem riscos, custos e sofrimento. Os valores, e a autonomia dos pais, os custos e a qualidade de vida da criança devem ser prioritariamente considerados. Exemplo desta situação é a ruptura prematura de membranas antes de 24 semanas, com oligodramnia acentuada, pois apresenta elevado risco de morbidade e a mortalidade maternofetal, principalmente relacionado à infecção e septicemia. Alguns autores julgam que tal condição deveria ser considerada como abortamento inevitável. O esvaziamento do útero antes de este se infectar prevenirá a histerectomia, o choque séptico e a morte materna. O nascimento de uma criança no limite da viabilidade requer várias decisões médicas complexas, além de éticas e sociais. O Textbook of Neonatal Resuscitation, em sua quarta edição, sugere não iniciar ressuscitação em um recém-nascido com menos de 23 semanas de idade gestacional e/ou 400g de peso ao nascimento. PROCEDIMENTOS INVASIVOS PARA TRATAMENTO OU DIAGNÓSTICO MATERNO E/OU FETAL DURANTE A GESTAÇÃO E CONFLITOS ÉTICOS Numerosas intervenções fetais são propostas periodicamente em todo o mundo, sendo tema de discussão no meio médico e de difusão massiva. A há que se considerar, no 117 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 117 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia entanto, que as cirurgias fetais para a terapêutica de malformações congênitas – tais como a hérnia diafragmática congênita, uropatias obstrutivas, teratoma sacrococcígeo, transfusão fetofetal e mielomeningocele – se encontram, geralmente, em estado experimental. As gestantes devem ser informadas sobre a existência da opção, mas, ao mesmo tempo, sobre a real evidência sobre sua utilização. Das centenas de tratamentos para malformações fetais descritas, a maioria é realizada após o nascimento, com prognóstico melhor ou pior, a depender da malformação. A primeira medida a ser preconizada diante de uma malformação fetal é pesquisar a existência de outras, devido à alta frequência de malformações associadas. A análise do cariótipo fetal faz parte desta investigação. A cirurgia fetal envolve dilemas éticos únicos, pois, embora a mãe e o feto estejam intimamente interligados, os interesses podem conflitar. Algumas questões controversas são: os tipos de cirurgias permitidos, qual entidade decide sobre tal autorização, quais as cirurgias que devem ficar restritas a centros especializados, qual o nível de autoridade da mãe na decisão, quais as mães que se encontram aptas a decidir, quais as mães que precisam de maior proteção quanto à interferência de outros membros da família e qual o papel da equipe médica na orientação da decisão. À medida que a cirurgia fetal passa a ser considerada para condições não letais, os problemas éticos se ampliam. Os benefícios ao feto são sempre avaliados em relação aos riscos da técnica para ele próprio, à prematuridade e à própria gestante. Bastante ênfase também tem sido dada na proteção das gestantes contra as pressões de outros familiares. O desejo da mãe tem sido cada vez mais respeitado, principalmente após algumas publicações na área de neurociências terem revelado que a interdependência entre mãe e bebê é maior do que podemos estimar. O maior envolvimento da sociedade nas decisões das questões éticas é bastante desejado. A comunidade é importante no apoio aos pais, no direcionamento da decisão e na reflexão sobre quais são os padrões de qualidade de vida aceitáveis para uma determinada patologia. Um deficiente físico será tanto melhor sucedido quanto maior for a aceitação da sociedade. Além disso, a cirurgia fetal deve ser acessível a todas as classes; uma vez que a sociedade custeie este procedimento, é de vital importância estabelecer as prioridades entre a cirurgia fetal e outras necessidades sociais. Em capítulo à parte, no que se refere à ética, estão a dor e o estresse fetal. Não se sabe se o feto sente dor, mas já é possível detectar a sua resposta ao estresse. Essas respostas causam alterações a curto e longo prazo no sistema nervoso central e podem afetar, no futuro, sua compreensão da dor. Reduzir a resposta ao estresse em crianças e adultos é sabidamente um benefício ao tratamento, e algumas evidências sugerem que esta verdade também é válida para o feto. Entretanto, a dose adequada para a supressão da dor e/ou estresse e o melhor método para fazê-la (opioides ou anestesia regional) permanecem desconhecidos. Prevenir e tratar a dor são direitos humanos básicos e independem da idade. As pesquisas para evolução na técnica cirúrgica precisam estar acompanhadas por outras que permitam maior compreensão da propriocepção fetal e da sua resposta ao estresse. 118 Manual_Prematuridade_14,85x21cm.indd 118 11/7/13 3:01 PM FEBRASGO - Manual de Perinatologia Leitura complementar 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. PRUDENT, L. Conflictos Bioéticos en La Relación Maternofetal. El Feto como Paciente. In: GADOW, EC; FIORILLO, AE. Obstetricia en esquemas. Buenos Aires: El Ateneo; 2004, p. 420-424. American Academy of Pediatrics; American Congress of Obstetricians and Gynecologists. Guidelines for Perinatal Care. United States: March of Dimes, 2007. GONÇALVES, MM; PÉRET, FJA. Dilemas Éticos em Perinatologia. In: ALVES FILHO, N; CORRÊA, MD (eds.). Perinatologia Básica. 3 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006, p. 672-674. PESSINI, L. Distanásia: Até quando investir sem agredir? Bioética. 1996; 4: 31-43. BHERING, CA. Bioética na Prática Neonatal: Uma Abordagem Geral. 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