Relatório sobre a visita técnica realizada nas comunidades dos Prazeres e
Escondidinho (Santa Teresa) em 13 de Abril de 2010
No dia 12/04/2010, realizou-se no Núcleo de Terras e Habitação da Defensoria Pública do
Estado do Rio de Janeiro uma reunião entre uma comissão de moradores das comunidades
dos Prazeres e Escondidinho, Defensoria Pública e engenheiros e arquitetos. Foi feita
exposição e análise dos fatos relacionados às recentes chuvas que se abateram sobre a
população do Rio de Janeiro, em particular os deslizamentos de encosta que aconteceram nas
referidas comunidades e que ocasionaram a morte de 30 pessoas e um número incerto de
desabrigados.
A comissão queixou-se da falta de orientações claras da prefeitura sobre os riscos ainda
existentes e, principalmente, sobre a maneira como vem sendo encaminhada a anunciada
“remoção total” das comunidades, baseada num suposto laudo técnico da Fundação Georio
que condenava como instável o conjunto do Morro dos Prazeres. Em vista da necessidade de
se obter informações mais precisas, acertou-se uma visita do NUTH da Defensoria e técnicos
para o dia seguinte. No dia 13/04/2010, o Engenheiro Civil e Mecânico Maurício Campos dos
Santos, CREA/RJ n. 85-1-05643-2 e o arquiteto Marcos de Faria Asevedo, CREA/RJ n.
45615/B, percorreram toda a área afetada, acompanhados por moradores. Segue o relatório
desta visita.
1) Introdução
As comunidades dos Prazeres e Escondidinho começaram a se estabelecer em Santa Teresa há
cerca de 60 anos, e contam hoje com uma população total estimada em pelo menos 7 mil
pessoas, ou até 12 mil, se forem computadas outras áreas próximas de ocupação mais recente.
Situam-se nas vertentes nordeste e, em menor parte, sudeste, da elevação conhecida como
Morro dos Prazeres, que tem uma altitude máxima de 250m acima do nível do mar. A área
ocupada situa-se aproximadamente entre as cotas 60 e 240m.
Toda a comunidade foi objeto, entre os anos 1995 e 2003, de intervenções de um dos maiores
contratos do programa Favela Bairro no Rio de Janeiro, que incluíram obras viárias (inclusive
a implantação da Rua Gomes Lopes), escadas e escadarias de acesso, áreas de lazer,
reservatórios para abastecimento de água e obras de contenção de encostas. Outras obras de
contenção foram realizadas antes e após o Favela Bairro. Embora a manutenção e a conclusão
do Favela Bairro sejam objeto de fortes críticas de moradores (os reservatórios de água, por
exemplo, nunca foram postos em funcionamento), os melhoramentos que trouxe ao local
ainda são visíveis. Ressaltamos o grande número de obras de contenção, que funcionaram
muito bem onde foram realizadas, pois nestes pontos não se observaram deslizamento de
terra nem deslocamento de blocos de rocha.
Esse é o primeiro ponto que queremos ressaltar: todos os incidentes em encostas que
observamos foram em pontos onde não foram realizadas verdadeiras obras de
contenção/drenagem superficial (revestimento em concreto projetado, cortinas atirantadas,
canaletas, passarelas ancoradas, muros de arrimo, contrafortes, etc). Esses incidentes
ocorreram, em geral, em locais sem grande concentração de moradias, com exceção do grande
deslizamento acima da localidade conhecida como “42” (Rua Gomes Lopes), que causou a
totalidade das vitimas fatais citadas. A área de ocupação mais antiga e mais densamente
construída não sofreu danos graves.
Embora haja informações sobre a existência de laudo da Georio que condena o conjunto da
encosta ocupada como de alto risco, não conseguimos maiores informações sobre esse laudo
com os funcionários da Defesa Civil que se encontravam na comunidade realizando o
cadastramento de moradores. Todo domicílio cadastrado recebia imediatamente um “laudo
de interdição” sem vistoria no local como seria o procedimento recomendado, do ponto de
vista técnico. Os funcionários da Defesa Civil argumentaram que o laudo generalizado da
Georio dispensava a visita a cada casa ou local. Sem acesso ao laudo, tivemos que nos orientar
pelas informações fornecidas pelos moradores. Mais de um morador falou de uma
informação, ao que parece proveniente de engenheiros da Georio, que havia na parte alta do
morro um bloco ou afloramento de rocha com uma grande fratura, mas não encontramos
ninguém que tenha visto este bloco/afloramento e portanto não foi possível determinar a sua
localização. Não tivemos contato com nenhum engenheiro ou técnico da Georio durante nossa
visita.
Assim, sem informações técnicas preliminares mais concretas, nossa visita procurou atingir os
seguintes objetivos:
1) Vistoriar todos os pontos de incidentes apontados pelos moradores, inclusive para sugerir
medidas imediatas de precaução;
2) Vistoriar as partes mais altas do morro, a montante das áreas ocupadas ou atingidas por
deslizamentos, para averiguar a presença visível de sinais (fraturas, acomodação de terreno,
etc) que indicassem iminência de novos deslocamentos de taludes;
3) Vistoriar as principais obras de contenção executadas, para averiguar de que modo
funcionaram durante as recentes chuvas, e a sua integridade ou não.
Deve-se ressaltar que tais vistorias foram ainda puramente visuais e qualitativas, sem
condições sequer de remoção de material e vegetação para melhor observação, portanto
todas nossas conclusões são necessariamente limitadas e provisórias, e avaliações técnicas
detalhadas e quantitativas são necessárias e urgentes.
2) Descrição dos incidentes observados e primeiras recomendações
Todas as descrições a seguir referem-se ao croquis abaixo, executado sobre foto de satélite da
área. Foram realizadas muitas fotografias em cada ponto vistoriado e em outras localidades
da comunidade, que estão disponíveis como complemento deste relatório, e serão
organizadas em relatório fotográfico complementar posteriormente.
a) Incidente 1 – Deslizamentos em torno do “Casarão dos Prazeres” e acima da Rua Almirante
Alexandrino
Encostas sem obras de contenção em torno da edificação com deslizamentos localizados,
principalmente na área acima da rua. Sinais de deslocamentos no pavimento em torno do
casarão. Principal risco é queda de terreno e escombros na rua abaixo. Canaleta de drenagem
destruída, precisa ser totalmente reconstruída. Únicas edificações da comunidade talvez
atingidas/em risco sejam o próprio casarão e a creche próxima, embora não hajam sinais de
comprometimento das estruturas. Recomenda-se vistoria detalhada e execução de obras de
contenção para estabilizar as encostas em questão.
b) Incidente 2 – Deslizamento de material acima de concreto projetado sem atingir imóveis.
Terreno de solo sedimentar misturado com lixo que deslizou sem maiores conseqüências. O
revestimento em concreto projetado abaixo funcionou bem, está aparentemente íntegro e
evitou maior extensão do incidente. Presença, acima e abaixo, de blocos de rocha e rocha
alterada que devem ser averiguados para possível desmonte/fixação, inclusive porque podem
ameaçar creche logo abaixo.
c) Incidentes 3 e 4 – Via pavimentada desabada em dois pontos e deslizamentos acima da Rua
Almirante Alexandrino
Houve grandes deslizamentos que ameaçam a Rua Almirante Alexandrino e algumas casas
abaixo. Não havia aparentes obras de contenção nesta encosta. Recentemente houve outra
queda que atingiu um imóvel abaixo. Essa área já está fora dos limites (“eco-limites”)
designados para a comunidade. Não há imóveis da comunidade em perigo. É possível ver
deste ponto um deslizamento ao lado do prédio da Equitativa, coberto com grande lona azul.
O prédio parece estar em funcionamento e habitado. Recomenda-se limpeza da encosta para
averiguar riscos, execução de contenção e reconstrução da via pavimentada, talvez em forma
de passarelas de concreto ancoradas.
d) Incidente 11 – Deslizamentos abaixo do acesso ao “campão”
Deslizamentos em dois ou três pontos, sem casas próximas ameaçadas. A via pavimentada de
acesso está comprometida e deve ser escorada até execução de contenção definitiva. Trechos
da encosta adjacentes em que foram executados revestimentos em concreto projetado
impediram a extensão das quedas e protegeram as casas.
Fizemos ampla vistoria em todo o “campão” e seu entorno, que constituem a parte mais alta
do morro, e não verificamos nenhum sinal de fratura ou desnivelamento do terreno. Não há
ameaça visível para a área densamente edificada logo abaixo, na vertente nordeste.
e) Incidentes 5 e 6 – Cortina atirantada acima de deslizamento sobre a quadra
A cortina, a mais volumosa obra de contenção realizada pelo Favela Bairro, está
aparentemente íntegra e continua a proteger as casas acima. Uma passarela de concreto,
estruturalmente ligada à cortina, também parece íntegra, porém recomenda-se a verificação
de suas fundações e interdição provisória das casas logo acima por motivo de segurança, até
laudo definitivo. O deslizamento, de material sedimentar, lixo e vegetação, ocorreu abaixo da
cortina e passarela e atingiu a quadra (que já foi limpa e desobstruída pelos próprios
moradores), sem danos estruturais. Uma parte dessa encosta foi revestida em concreto
projetado, e nesse trecho não houve problemas. Recomenda-se limpeza, averiguação
detalhada e execução de contenção, com canaleta acima da quadra para captar e desviar as
águas.
f) Incidente 7 – Deslizamento e lascas com risco de desprendimento abaixo da Rua Gomes
Lopes
Neste grande trecho de encosta, abaixo do qual há casas da comunidade do Escondidinho e da
Rua Barão de Petrópolis, houve deslizamento de terra com lixo e vegetação, e a situação ainda
parece instável. É preciso verificar a situação da contenção (aparentemente um grande muro
de arrimo) que permitiu a implantação da Rua Gomes Lopes pelo Favela Bairro, neste trecho
conhecido pelos moradores como “viaduto”. Há um afloramento de rocha com grandes lascas
com visível risco de desprendimento, que provavelmente terão que ser fixadas. Recomenda-se
interdição provisória das casas ameaçadas neste trecho entre as Ruas Gomes Lopes e Barão
de Petrópolis até limpeza, verificação detalhada e execução de contenção.
g) Incidente 8 – Deslizamento junto a imóveis de mais de um pavimento
Neste trecho abaixo da Rua Gomes Lopes, na localidade conhecida como “pombal”, houve
deslizamentos (alguns anteriores às recentes chuvas) junto a casas e pequenas edificações, de
construção aparentemente sólida, mas que podem ter comprometido suas fundações (há
muita vegetação no local que dificulta mesmo uma inspeção visual). A situação agrava-se pois
o trecho é bem próximo à encosta abalada pela grande ruptura que ocasionou as mortes na
comunidade (ver incidente 9). Recomenda-se a interdição provisória dos imóveis neste trecho
até vistoria detalhada, estudo da estabilidade da encosta e possível contenção.
h) Incidente 9 – Grande ruptura de encosta a montante da Rua Gomes Lopes
Nessa encosta, acima do trecho conhecido pelos moradores como “42” houve uma típica
ruptura de solo, aparentemente material argiloso proveniente de rocha profundamente
alterada, com deslocamento de grande massa de terra, levando consigo sedimentos e lixo
acumulados, atingindo as casas logo abaixo e também abaixo da Rua Gomes Lopes até a Rua
Cândido de Oliveira. Esta área está fora dos limites designados para a comunidade dos
Prazeres, em área de ocupação aparentemente mais recente e visivelmente menos densa (a
não ser na encosta entre as duas ruas atingidas). Todas as 30 vítimas fatais reportadas
encontravam-se nesta área. As vítimas não foram mais numerosas certamente devido à menor
densidade de ocupação do local. Todo o terreno adjacente e acima está obviamente instável, e
as casas nele situadas, que ainda não foram destruídas, comprometidas.
Pelas informações que colhemos, não havia obra de contenção estrutural onde houve a
ruptura. Obras de contenção parciais existiam bem abaixo, junto e acima da Rua Gomes Lopes,
inclusive um cortina atirantada inacabada, como se pode verificar pelas cabeças expostas e
não serradas dos tirantes e pela armadura exposta na sua extremidade direita, vista da Rua
Gomes Lopes.
Essa é a verdadeira área crítica de todo o morro, exigindo intervenções profundas e mesmo
reassentamento dos moradores, em vista das possíveis dificuldades em reestabilizar a
encosta. Entretanto, repetimos, situa-se fora da área mais densamente edificada e fora dos
“eco-limites” designados para as comunidades dos Prazeres e Escondidinho. Recomenda-se a
interdição de todos os imóveis situados imediatamente acima e em torno da encosta rompida,
num perímetro de risco de pelo menos 40 metros de largura, até estudos e laudos definitivos.
i) Incidente 10 – Sinal de ruptura iminente de solo no “campinho” acima da encosta que
desmoronou
No mais baixo dos dois campos de terra batida menores, situados acima da encosta que
rompeu (incidente 9) e bem no limite designado para a comunidade dos Prazeres, há uma
nítida linha de ruptura iminente que atravessa seu canto norte/nordeste, com um recalque do
solo de aproximadamente 10cm, causando inclusive ruptura do muro que o circunda. Há
algumas casas logo abaixo deste campo e outras próximas. A linha de ruptura aparentemente
não se propaga em direção à escadaria situada logo ao lado e que serve de acesso dos
moradores à parte mais alta, pelo menos não há sinais na estrutura da escadaria.
Essa possível ruptura talvez não seja um acomodamento local, mas sim um reflexo do grande
desmoronamento abaixo, o que corrobora a conclusão de que esta encosta está instável. A
avaliação visual fica prejudicada pela grande quantidade de vegetação existente. Recomendase interdição provisória de todas as casas próximas, principalmente as situadas fora dos “ecolimites”, que neste local são bastante visíveis através dos perfis de aço cravados no solo, e a
investigação rigorosa de toda encosta, deste ponto até a parte desmoronada a jusante, e
também acima, na vertente norte-nordeste do morro.
3) Conclusões e recomendações gerais preliminares
a) É necessário o acesso ao laudo já existente ou, caso ainda não exista, a realização de estudo
apropriado, para se avaliar o conjunto das condições de estabilidade das encostas do morro
dos Prazeres. A vistoria superficial que fizemos não corrobora, até o momento, a conclusão de
que todas as encostas da elevação denominada Morro dos Prazeres estejam comprometidas e
em estado crítico. A situação realmente crítica parece-nos localizada em torno e acima da
grande ruptura de solo descrita no incidente 9;
b) As intervenções e obras de contenção realizadas nas comunidades dos Prazeres e
Escondidinho foram eficazes e impediram, nos locais onde estão, maiores danos e problemas.
A abordagem de enfrentar os problemas de estabilidade de encostas em áreas habitadas,
através de diferentes intervenções de contenção parece-nos comprovada, baseada em largo
conhecimento e experiência técnica acumulados por instituições como a Fundação Georio, e
profissionais na área de Engenharia e Geologia, e em casos bem sucedidos. Se não têm sido
suficientes para evitar tragédias como as dos últimos dias, parece-nos que isso se deve a
investimentos insuficientes e decrescentes neste tipo de obra, bem como à manutenção
(inclusive dos sistemas de drenagem) inexistente ou insuficiente;
c) As volumosas intervenções do Programa Favela Bairro nas duas comunidades, que
consumiram importantes recursos públicos, certamente foram precedidas dos necessários
estudos de engenharia e geologia, e geraram relatórios detalhados que são exigidos pelo
Banco Interamericano de Desenvolvimento, principal suporte financeiro do Programa.
Parece-nos estranho que estes estudos não tenham revelado a suposta fragilidade
generalizada do morro e suas encostas, como é afirmado atualmente pela Prefeitura.
Ressaltamos, aliás, a recente notícia veiculada pelo jornal O Estado de São Paulo, em
13/04/2010, segundo o qual o "Mapeamento de Risco Quantitativo a Escorregamentos",
elaborado pela Fundação Georio e divulgado pela Prefeitura, datado de novembro de 2005,
não incluía o Morro dos Prazeres. Todos estes fatos tornam necessária a mais ampla
publicidade de todos os estudos e laudos existentes sobre a questão, ainda mais porque o que
está em jogo é a história de vida e convivência de pelo menos 7 mil pessoas ao longo de pelo
menos cinco décadas;
d) Continuamos à disposição dos moradores das comunidades, da Defensoria Pública e de
quaisquer outros órgãos, no sentido de participar da análise dos laudos existentes ou de
fornecer subsídios para estudos mais detalhados e aprofundados.
Maurício Campos dos Santos
Engenheiro Civil CREA/RJ n. 85-1-05643-2
Marcos de Faria Asevedo
Arquiteto CREA/RJ n. 45615/B
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Relatório sobre a visita técnica realizada nas comunidades dos