Entrevista: João Carlos Marinho
O GÊNIO DAS AVENTURAS INFANTIS
O autor de O Gênio do Crime é mestre em enredos com muita aventura e suspense e há quase
40 anos atrai as crianças para a leitura.Por Luiza Oliva
Quem está na faixa dos 40 e poucos anos na certa tem um exemplar de O Gênio do Crime na
estante. Os filhos dessa geração também já leram ou estão lendo o livro. Lançado em 1969, e
hoje na 58ª edição, O Gênio do Crime é até agora o maior sucesso do autor João Carlos
Marinho. Ele se orgulha de que o livro, além de adotado pelas escolas, é presença freqüente
nas livrarias e procurado pelos leitores. “Escrevo meus livros para crianças, não para escolas”,
sentencia. Depois do Gênio do Crime, o autor lançou outros 11 títulos com a mesma Turma do Gordo, o
Bolachão e seus amigos Berenice, Edmundo e Pituca. No primeiro livro, eles ajudam seu
Tomé, proprietário de uma fábrica de figurinhas de futebol, a encontrar a fábrica clandestina de
figurinhas difíceis. Vieram outros sucessos, como O Caneco de Prata, onde a Turma do Gordo
resolve ganhar o campeonato mirim de futebol, até então ganho pela escola do fanático
professor Giovanni, e Sangue Fresco. Na trama, as crianças são vítimas de um bandido que as
seqüestra e leva-as para a Amazônia, com a intenção de retirar seu sangue e exportá-lo.
Sangue Fresco venceu o Prêmio Jabuti de 1982, o Grande Prêmio de Literatura Juvenil de
1982 da Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA) e foi considerado Altamente
Recomendável para o Jovem pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ). Assassinato na Literatura Infantil (Global Editora) é o último lançamento de Marinho. Recém
chegado às livrarias, ele segue a trilha de suspense, aventura e muita ação. Desta vez, a turma
do Gordo tem de desvendar o assassinato de um dos membros do júri de um concurso literário
promovido pela mãe do Gordo. Mais uma vez, São Paulo é o cenário para as aventuras dos
garotos. A ação se passa no bairro de Pinheiros, também onde mora o autor. Aliás, é em Pinheiros que Marinho tem percebido uma sutileza dos tempos modernos. O bairro
é famoso pelas suas inúmeras lojas de móveis. Quando mudou para lá, há 18 anos, ele se
recorda de que em todas as vitrines era comum encontrar estantes de diversos modelos e
tamanhos. “Hoje não se acha mais uma estante. Só rack para computador, DVD, televisão. As
estantes sumiram do mercado”, diz o escritor. O sumiço das estantes prova que a leitura tem
perdido espaço no mundo contemporâneo. “Mudou inclusive a própria importância que se dá
ao escritor. Quando eu era criança, um escritor era uma pessoa muito importante. Na cultura
ocidental, tradicionalmente o escritor tinha uma situação privilegiada. O escritor não é mais
uma figura tão importante. Mas o livro não deixou de ser importante, apesar da concorrência
que sofre”, afirma. Em todos esses anos de literatura infantil e visitando escolas (atualmente, é mais comum ele
receber alunos no salão de festas de seu prédio do que ir até as salas de aula), João Carlos
acompanhou com tristeza uma transformação. “Nos anos 1960 e 1970 eu via nas escolas
públicas a mesma disciplina, a mesma euforia, a mesma agradável bagunça, a mesma
liberdade e vontade de ler que eu encontrava nas escolas particulares de elite. Hoje,
infelizmente, isso não acontece mais, a escola pública foi muito transformada. Professores são
agredidos e isso não acontece só no Brasil. Vemos pela TV a toda hora problemas de
agressão e de extorsão nas escolas, em países desenvolvidos”, constata. Em meio a essa transformação, João Carlos ainda acredita na força da leitura. E lembra de
como tornou os próprios filhos bons leitores. “Eu já era um escritor reconhecido e meu filho de
12 anos, que era hiperativo, nunca tinha lido um livro meu. Quando publiquei Sangue Fresco
coloquei uma foto dele comigo na capa e consegui fazer com que ele lesse o livro. Isso mostra,
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embora fato empírico, que um estímulo que projete o hiperativo na leitura vai fazê-lo sentir-se
gratificado e o estimulará a ler”, acredita. Para os pais que não são escritores, e não podem usar argumentos como uma foto do filho na
capa, ele se lembra de outra história. Quando crianças, seus três filhos tinham o hábito de
chegar da escola e ir para o quarto da bagunça, onde passavam horas assistindo a TV. Então,
João Carlos resolveu enche-los de histórias em quadrinhos. “Comprava todas, e três
exemplares de cada, para que cada um tivesse a sua historinha individualizada. O dono da
banca de jornal adorava, eu tinha conta por mês. A minha idéia era criar um concorrente para a
televisão, que pelo menos, por poucas que fossem, tivesse palavras e frases. A linguagem
escrita, com a sua sintaxe e a sua riqueza, é o instrumento que forma o nosso pensamento, é o
nosso pensamento. Foi um sucesso fenomenal! Nunca, nem por um segundo, eles olharam
para a televisão enquanto devoravam os quadrinhos. Não sei explicar a mágica, mas eu fiquei
admirado, parecia um milagre”, comemora. Em meio aos compromissos que envolvem o lançamento de Assassinato na Literatura Infantil e
às comemorações pelas recentes vitórias do seu time do coração, o Corinthians, João Carlos
Marinho recebeu Direcional Escolas para a seguinte entrevista.
Direcional Escolas - Depois de quase 40 anos escrevendo e lançando livros
infanto-juvenis, a sensação ainda é a mesma de ver uma nova obra sua nas prateleiras
das livrarias?
João Carlos Marinho – Hoje, é mais forte ainda, porque eu vejo que a minha literatura durou
todo esse tempo e não foi um fenômeno passageiro. Isso me dá uma imensa satisfação.
Qualquer escritor prefere ser um clássico do que um best-seller, uma moda. Quando eu vejo a
minha permanência isso me dá uma emoção muito grande, mais até do que no começo.
Quando você começou a escrever a literatura infantil era muito diferente de hoje...
Quem era best-seller era Monteiro Lobato. Comecei na Brasiliense, que era uma das maiores
editoras do Brasil daquele tempo. Freqüentava a Livraria Brasiliense da Rua Barão de
Itapetininga. Na época, eu estudava Direito no Largo São Francisco e na livraria aconteciam
reuniões de estudos e do movimento estudantil. Já tinha esse laço com a Brasiliense antes de
lançar o Gênio do Crime. 60% das vendas da livraria eram edições completas de Monteiro
Lobato. Os pais da minha geração tinham lido Lobato quando crianças e era obrigatório dar a
obra do autor para os filhos. Não comprávamos apenas um livro, mas a obra completa, que
vinha numa caixa. Lembro que custava caro e que comprei a prestação para os meus filhos.
Depois, quando eu comecei a escrever, um grande sucesso da literatura infantil era Odete de
Barros Mott.
Mas, o que levou um advogado a se tornar autor de livro infantil?
Outro dia assisti a uma entrevista do escritor João Ubaldo Ribeiro onde ele falava que o maior
pecado que uma pessoa pode fazer é contrariar a sua vocação. Eu sempre tive vocação para
ser escritor mas eu tinha dúvidas da minha competência para alcançá-la. Monteiro Lobato era
uma pessoa que eu admirava muito. Eu queria muito fazer coisas parecidas com o que Lobato
fazia. Mas, já adulto vi que precisava sustentar uma família então resolvi ser advogado, já que
não tinha tendências para ser médico ou engenheiro. Estudei muito para me firmar na
profissão, durante três anos eu só pensava em Direito. Consegui que meu escritório crescesse
e pude contratar um advogado assistente. Aí entra a literatura, porque eu podia ficar em casa
de manhã escrevendo. Assim surgiu o Gênio do Crime, nesse espaço que eu achei na minha
vida para trabalhar um pouco menos. Felizmente, meu primeiro livro foi o que teve mais
sucesso. Até hoje metade das vendas dos meus livros são do Gênio. Ele me abriu um
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caminho, até que em 1987 resolvi deixar de lado a advocacia e viver dos meus direitos
autorais.
Até hoje ele é muito adotado nas escolas?
Sim, mas prefiro usar o termo lido do que adotado. Sempre tive esse orgulho, porque muitos
livros infantis vão diretamente da editora para a escola mas os meus livros sempre foram
objeto de procura do leitor isolado, sempre estiveram nas livrarias. Escrevo para as crianças e
não para as escolas.
O Gênio do Crime é uma aventura, com toques policiais. Você tinha idéia de que ele
seria um sucesso editorial?
O livro estava praticamente pronto desde 1966. Mas, eu queria ter uma noção de como O
Gênio do Crime seria recebido, se ele era realmente uma literatura infantil. Então, entreguei
uma cópia do livro para os garotos Plininho e Fran de Arruda Sampaio, filhos de Plínio de
Arruda Sampaio. A recepção foi muito acima do que eu esperava. Eles brigavam pelo livro,
deliravam, foi um anúncio do que seria o sucesso do Gênio do Crime. Fiquei muito confiante
com aquele resultado. O lançamento aconteceu em fevereiro de 1969, mas não foi um
lançamento como os de hoje, com autógrafos, até porque eu não era um autor conhecido. O
editor apenas avisava: ‘Seu livro saiu’. Quando eu recebi o meu livro pronto fiquei até um
pouco decepcionado porque ele não tinha capa dura, como tinham os de Monteiro Lobato, que
era a única literatura infantil que eu conhecia.
A que você credita o sucesso do livro?
Escrevo comédias, a criança se apaixona e acha graça. A comédia tem um esqueleto formado
pela luta com um bandido, um pouco inspirada nas histórias em quadrinhos. No início,
Edmundo seria meu herói. O Gordo nunca era para ser herói, mas de repente lá estava ele
para resolver as situações. Somos um pouco levados e não podemos contrariar o momento.
No primeiro livro de Lobato, as Reinações de Narizinho, Lúcia seria a heroína dele, mas a
Emília roubou o posto dela. Lobato disse que isso aconteceu independente da vontade dele.
Mas, nem todos meus livros são histórias de detetive. O Caneco de Prata, O Disco, A
Catástrofe do Planeta Ebulidor não são. Histórias típicas de detetive, com crime e suspeito não
declarado são só duas: Berenice Detetive e Assassinato na literatura infantil. São suspenses
clássicos, no estilo Agatha Christie, onde você convive com o suspeito mas não sabe quem é.
Os meus outros livros são aventuras. O que eu gosto é de botar vida na coisa.
Você foi criticado pelo estilo das suas aventuras?
O Caneco de Prata e O Gênio do Crime foram proibidos nas escolas públicas na ditadura
militar. Sangue Fresco recebeu muita crítica quando foi publicado, em 1982. Realmente há
muita violência no livro. Mas tive boas defesas de críticos e professores mostrando que, sendo
meus livros comédias, a violência se dilui na comédia e acaba sendo até uma coisa engraçada.
Há casos em que os escritores são censurados e tolhidos pelos próprios editores. Mas, eu
sempre fui contra essa ditadura do politicamente correto, sempre denunciei esse tipo de
superproteção que se faz às crianças. Havia uma certa denúncia na literatura infantil de que
livro infantil não podia ter briga, nem morte. Essa esquizofrenia chegou a tal ponto que
mudaram a letra de ‘Atirei o pau no gato’. Agora é ‘Não atirei o pau no gato’. Tratar a criança
como um indivíduo de tal fragilidade que vai prejudicar sua vida interior a canção ‘Atirei o pau
no gato’ é uma coisa esquizofrênica. Me sinto bem escrevendo para crianças porque elas são
muito inteligentes e muito fortes. Não acredito que uma criança será mal influenciada porque
há uma morte ou uma briga num livro que ela lê. Crer nisso é desconhecer a fortaleza da
criança. Morei na Europa depois da guerra e convivi com adolescentes que passaram pela
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guerra. Todos eram muito fortes, estavam tocando a vida pra frente. Recentemente, li uma
entrevista da Neli Novaes Coelho, crítica de literatura infantil, na revista Entre Livros, onde ela
declara que o enigma, o mistério, a narrativa de um crime seduz os jovens e podem
desencadear a reflexão.
O que fazer para a criança de hoje ter interesse pela leitura?
Há o bom leitor, que é uma vocação. Para ele a leitura pode até ser proibida que ele vai atrás.
Esses sempre irão existir. Já para os outros, não adianta o professor ter uma atitude derrotista,
dizer que não há o que fazer. Para os que não são bons leitores, ou que até ali não
demonstraram ser, eu acho que pode funcionar uma entrevista com o aluno, buscando
descobrir que tipo de leitura vai interessá-lo ou sobre o que ele gostaria de escrever. Uma
coisa que, pela época dos meus filhos achei que não funciona, são os chamados trabalhos de
leitura em equipe, tentando uma espécie de competição. Isso não resultava em nada. Ter uma
biblioteca à mão é sempre bom, pois cada pessoa se apaixona por um livro. Não sou professor,
nem tenho experiência em pedagogia, mas sei por múltiplos depoimentos que crianças
completamente avessas à leitura se apaixonaram pelo Gênio do Crime. Outras terão se
apaixonado por outros livros.
As pessoas de minha idade nasceram numa época onde o humanismo imperava, livro era
sempre assunto na mesa, aquilo impregnava o ar que a gente respirava, na escola também.
Isso acabou, e não se pode "reviver o passado", como diz a personagem Daisy do Grande
Gatsby. Acredito que o professor já deve estar munido de uma sorte de conformismo, não
passivo, mas filosófico, de que ele vai se dedicar muito a promover a leitura e que talvez esse
esforço, não dando frutos imediatos, plante uma semente que no futuro despertará na cabeça
do aluno. Entrevista publicada na revista Direcional Escolas - edição 10 - novembro/2005 4/4
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