Fernando Rey Puente José Baracat Júnior Organizadores Tratados sobre o tempo Aristóteles, Plotino e Agostinho Belo Horizonte Editora UFMG 2014 © 2014, Fernando Rey Puente, José Baracat Júnior © 2014, Editora UFMG Este livro ou parte dele não pode ser reproduzido por qualquer meio sem autorização escrita do Editor. ______________________________________________________________________________________________ T776 Tratados sobre o tempo : Aristóteles, Plotino e Agostinho / Fernando Rey Puente, José Baracat Júnior, Organizadores. – Belo Horizonte : Ed. UFMG, 2014. 155 p. – (Travessias) Inclui bibliografia. ISBN: 978-85-423-0035-2 1. Aristóteles. 2. Plotino. 3. Agostinho, Santo, Bispo de Hipona, 354-430. 4. Filosofia antiga. 5. Filosofia da natureza. 6. Metafísica. 7. Tempo (Filosofia). I. Puente, Fernando Rey. II. Baracat Júnior, José. III. Série. CDD: 180 CDU: 101”652” ______________________________________________________________________________________________ Elaborada pela DITTI – Setor de Tratamento da Informação Biblioteca Universitária da UFMG Diretor da Coleção Coordenação Editorial Assistência Editorial Coordenação de Textos Revisão de Provas Projeto Gráfico Formatação Produção Gráfica Fernando Rey Puente Michel Gannam Eliane Sousa e Euclídia Macedo Maria do Carmo Leite Ribeiro Alexandre Vasconcelos de Melo e Bárbara Dantas Marcelo Belico Eduardo Ferreira Warren Marilac Editora UFMG Av. Antônio Carlos, 6.627 CAD II Bloco III Campus Pampulha 31270-901 Belo Horizonte-MG Tel. +55 31 3409-4650 Fax +55 31 3409-4768 www.editora.ufmg.br [email protected] Brasil Sumário APRESENTAÇÃO ..............................................................................7 COMO LER OS TRATADOS SOBRE O TEMPO DA ANTIGUIDADE? FERNANDO REY PUENTE...........................................................................9 ARISTÓTELES, “TRATADO DO TEMPO”, FÍSICA IV 10-14 Introdução: FERNANDO REY PUENTE ......................................................... 17 Tradução: FERNANDO REY PUENTE ............................................................ 23 PLOTINO, SOBRE A ETERNIDADE E O TEMPO (III. 7 [45]) Introdução: JOSÉ BARACAT JÚNIOR............................................................53 Tradução: JOSÉ BARACAT JÚNIOR ..............................................................59 SANTO AGOSTINHO, CONFISSÕES XI Introdução: JOSÉ BARACAT JÚNIOR............................................................101 Tradução: CLAUDIBERTO FAGUNDES ...........................................................107 … µóνоις оὐ γίγεται θεоῖσι γῆρας оὐδέ κατθανεῖν πоτε, τὰδ' ἄλλα συγχεῖ πάνθ' ὁ παγκρατὴς χρóνоς … somente os deuses não envelhecem nem morrem um dia, os demais são enterrados pelo tempo onipotente. Sófocles, Édipo em Colono, 607-609 Apresentação Esperamos que as obras que compõem este livro possam incentivar os seus eventuais leitores a imergirem com mais profundidade tanto no problema do tempo quanto na filosofia antiga. Os próprios organizadores tiveram seus caminhos acadêmicos cruzados por esses dois interesses em comum: a filosofia antiga e o enigma do tempo. Um deles já havia investigado mais detidamente o tempo na obra de Aristóteles e, mais genericamente, em outros autores; o outro, por sua vez, havia traduzido Plotino e se dedicado ao assunto nesse autor. Procuramos, assim, reunir esforços para proporcionar aos leitores deste volume a tradução, com alguns comentários, de três textos muito importantes da Antiguidade – de Aristóteles, Plotino e Agostinho – que investigam a natureza do tempo, bem como, no caso de dois deles, da eternidade. Após algumas rápidas considerações sobre como o leitor deve ler esses breves mas complexos tratados, escrevemos introduções parciais a cada um deles, nas quais situamo-los no contexto mais amplo da obra da qual foram originalmente extraídos. Desejamos, portanto, que este livro, fruto de nosso trabalho conjunto, possa fecundar a mente de nossos alunos tanto quanto a de qualquer leitor interessado quer na questão do tempo, quer na filosofia antiga ou, tal como ocorre conosco mesmo, em ambos os assuntos. Os organizadores 8 - Tratados sobre o tempo Fernando Rey Puente Como ler os tratados sobre o tempo da Antiguidade? Os textos aqui traduzidos e reunidos podem facilmente suscitar uma falsa impressão de que os filósofos antigos estavam eminentemente preocupados com a questão do tempo. É preciso, pois, advertir o leitor de que não era assim. O primeiro fato a ser atentamente observado é que os tratados aqui traduzidos – de Aristóteles, Plotino e Agostinho – não foram obras escritas autonomamente, mas se inserem em contextos investigativos maiores e em obras com pretensões distintas daquela de se perguntar tão somente pelo tempo. A força de um filósofo está na influência que ele exerce para a formação de certa concepção geral que se constitui em uma época histórica, mesmo que esse pensador jamais tenha sido efetivamente lido por muitos. Essa influência, por sua vez, se reflete também no modo como os intérpretes que vivem nesse período fazem exegese e traduzem textos antigos. Evidentemente, a reunião neste volume de escritos sobre o tempo, redigidos por alguns dos mais expressivos filósofos da Antiguidade, reflete, sem dúvida, a importância que a pergunta pelo tempo adquiriu em nossa época graças não só a alguns pensadores contemporâneos, tais como Henri Bergson e, especialmente, Martin Heidegger, mas também devido à teoria da relatividade de Albert Einstein, que elaborou um conceito científico do tempo como uma quarta dimensão do universo, estabelecendo, portanto, uma íntima e indissociável relação entre tempo e espaço. Seja como for, e sem entrar em detalhes mais complexos envolvidos nessas considerações, o que precisa ficar claro aos leitores destes textos sobre o tempo selecionados aqui é que eles não foram escritos isoladamente – como o nosso título Tratados sobre o tempo talvez possa enganosamente sugerir –, mas estão inseridos em obras complexas escritas por Aristóteles, Plotino e Agostinho e que não têm por escopo perguntar-se única e exclusivamente pelo tempo. Acreditamos ter podido mostrar isso para nossos leitores nas breves introduções que os organizadores antepuseram a cada um dos textos aqui traduzidos. Assim, resta-nos indagar nesta também breve introdução geral: qual seria a questão mais ampla que os filósofos da Antiguidade, alguns deles reunidos nesta coletânea, teriam em comum e que os teria motivado a escrever sobre o tempo? 10 - Tratados sobre o tempo A grande pergunta que nos parece alicerçar a reflexão de alguns dos mais eminentes pensadores da Antiguidade é o questionamento acerca do movimento e da imobilidade. Ora, com isso já se torna evidente para o leitor a imensa distância de horizonte hermenêutico com a qual estes textos devem ser lidos e meditados hoje em dia. Isso porque, para nós, falar em movimento parece aludir apenas a um deslocamento de um corpo no espaço, algo que vemos como assunto e ocupação de físicos, e não propriamente de filósofos. Na verdade, porém, a noção de movimento na Antiguidade é bem mais abrangente. Não por acaso, Aristóteles discute no livro I de sua Física a noção que ele procura recuperar dos pensadores anteriores ou contemporâneos a Platão – aqueles que ele denomina físicos ou fisiólogos e que nós, depois da compilação feita por Hermann Diels e revista e completada por Walther Kranz, costumamos denominar pré-socráticos –, a saber, a noção de devir (gígnesthai) e, consequentemente, daquilo que no sentido mais estrito do termo não é, mas devém e que, por isso, não pode propriamente ser nomeado o ente ou o ser (tò ón), mas apenas deveniente (tò gignómenon). Desde que Parmênides atribuiu em seus versos imortais a imobilidade (akíneton) ao ser e negou-lhe qualquer espécie de devir, ou seja, de movimento considerado em um sentido amplo, o desafio para seus ilustres sucessores, tais como Demócrito, Platão e Como ler os tratados sobre... - 11 Aristóteles, foi o de tentar encontrar uma mediação entre o ser e o não ser, articulando assim aquilo que pareceriam ser dois caminhos paralelos e incomunicáveis. Note-se que, embora hoje em dia os intérpretes de Parmênides tentem mostrar que, já em seu poema, o filósofo de Eleia havia concebido a mediação entre essas duas vias por ele propostas, o que nos interessa aqui é apenas apontar para o fato de que, para seus sucessores da Antiguidade, isso não parecia ter sido por ele realizado, de modo que eles se viram, por conseguinte, ante o grande problema de buscar uma solução para esse aparente hiato intransponível entre o ser que é e o não ser que não é. Como então pensar as coisas que não são sempre, pois começaram a ser em algum momento do passado e deixarão de ser em uma ocasião futura? O desafio para o qual esses autores se voltaram e a saída para esse dilema que eles propuseram – apesar de distintas – foi no fundo a estratégia de tentar mitigar o não ser de Parmênides, possibilitando, com isso, que este não ser pudesse relacionar-se com o ser na medida em que algum resquício de ser ele teria ou que dele de algum modo participaria, embora o não ser não fosse o ser estritamente falando. Assim, Demócrito postulou o vazio, um não ser relativo, pois é nele que os átomos que são de modo próprio podem se mover ao se chocarem uns contra os outros, associando-se ou repelindo-se, isto é, modificando-se. Platão, por sua vez, proporá mitigar o não ser parmenídico ao pensar que o 12 - Tratados sobre o tempo estatuto mesmo das coisas que nascem e morrem é o de uma mera imagem, pois uma imagem, de certo modo, é (na medida em que a imagem é alguma coisa, isto é, uma imagem), mas, de outro, não é (dado que a imagem não é exatamente aquilo de que ela é a imagem). A ambiguidade do estatuto da imagem servirá a Platão, e aos platônicos posteriores, como um meio para pensar a relação entre aquilo que é em si mesmo (kath’autón) e aquilo que é apenas por estar em uma relação de dependência ou de derivação com o que é em si. Aristóteles, por fim, questionará o vínculo de participação, a seus olhos, fraco e insuficiente, entre aquilo que para Platão é em si mesmo – as formas (tà eîde) –, e as coisas que são apenas imagens dessas formas, buscando assim retornar aos pensadores anteriores ou contemporâneos a Platão – os pré-socráticos e Demócrito – a fim de neles encontrar uma via mais natural para efetivamente explicar o devir, uma vez que a explicação platônica do devir não lhe pareceria convincente. O Estagirita encontrará, na noção de potência (dýnamis) e mais especificadamente na de privação (stéresis), um conceito para conceber o não ser (relativo) no interior do ser que lhe parecerá mais científico e adequado do que o modelo, baseado na participação, proposto pelos platônicos, e é nessa direção que ele se esforça para pensar o devir e o deveniente (que pode ser algo natural ou algo produzido pelo homem) no livro I da Física ou, mais precisamente, para pensar o ente natural (tò phýsei ón) no livro Como ler os tratados sobre... - 13 II da mesma obra; isto é, todas as coisas que não existiram desde sempre, mas que vieram a ser (naturalmente e por si mesmas) e que, inevitavelmente, deixarão de ser (naturalmente e por si mesmas) em um momento futuro. Vê-se, portanto, que essa tentativa de conceber um não ser relativo (como vazio, imagem ou privação) permite a esses pensadores colmar o hiato intransponível que eles acreditavam ter sido instaurado na reflexão filosófica por Parmênides, criando assim a possibilidade de pensar o movimento e a mudança dos devenientes em relação à imobilidade e à imutabilidade dos entes. Sabe-se o quanto a distinção entre o que é e o que devém é constitutiva da filosofia antiga e sabe-se, também, como essa distinção se expressa na atribuição de atemporalidade (eternidade) ao que é em sentido estrito e de temporalidade ao que apenas devém por estar sujeito ao nascimento e à morte, ou seja, por constituir-se em um modo de ser sujeito ao movimento, ou, como diria Aristóteles, sujeito a um tipo específico de movimento, a saber, o movimento que ocorre em sua própria substância. Ora, essa distinção entre o eterno e o tempo é a que aparece claramente no tratado de Plotino dedicado especificamente ao tempo e à eternidade. E é precisamente nessa vertente – que chamamos neoplatônica, a partir de uma denominação criada no século XIX por filólogos alemães – que devemos inserir igualmente o texto 14 - Tratados sobre o tempo