PREVISÃO DO ERRO DE ABBE
Carlos Sousa - CATIM
Paulo Lopes - ISEP
Américo Pinto Bastos - ISEP
João Marques - ISEP
RESUMO
Ernst Abbe, fundador da Zeiss, estudou um erro adicional quando o eixo da medição não coincide com o eixo do instrumento. Este efeito é
aplicável ao paquímetro convencional (o eixo deste instrumento nunca coincide com o eixo da peça em medição).
Demonstra-se teoricamente qual o valor esperado para o erro de Abbe com a medição de um paquímetro devidamente tipificado, através de
um estudo analítico considerando o paquímetro como um pórtico simplesmente apoiado e submetido somente à força que se aplica nas bases
desse pórtico. Este estudo permite conhecer o valor que se considera ser o erro devido ao efeito de Abbe.
Como a força exercida pelo operador não é sempre a mesma, agravando-se esta variação quando estamos a falar de vários operadores, seria
útil conhecer como varia essa força entre operadores diferentes. É avaliado o componente de incerteza associado à variação da força.
Os resultados foram comparados com medições numa máquina de medir por coordenadas, que confirmam parcialmente a validade do modelo
para um determinado tipo de paquímetro.
Este trabalho poderá ser desenvolvido para muitos tipos de paquímetros e permitir conhecer a incerteza do Erro de Abbe como uma função da
geometria e da abertura do paquímetro.
ABSTRACT
Ernst Abbe, founder of Zeiss, developed studies in measurements when the axis of the instrument did not coincide with the axis of the item.
This effect is applied to the vernier calliper since the instrument axis cannot coincide with the axis measurement. The authors show,
theoretically, how it is possible to predict the value of Abbe’s error with a typical vernier calliper measurement. An analytical study is made
regarding the vernier calliper as a merely supported portico. The results of this study make it possible to know the value which is considered to
be the error due to the effect Abbe. The applied operator force is not always the same, and for several operators the force variation is
aggravated. So, the component of uncertainty associated with the force will make it possible to know the uncertainty associated with the Error of
Abbe. The results are then compared with measurements on Coordinate Measurement Machine. This work could be developed for many types
of vernier callipers and allows us to know the uncertainty of the Error of Abbe like a function of the geometry and opening of the vernier calliper.
1. Introdução
Conhecido que é um erro, é possível considerá-lo
para avaliar um valor mais exacto da mensuranda.
Nalgumas situações particulares, conhecendo-se o
valor do erro e se ele for notavelmente pequeno
relativamente à mensuranda, poderemos desprezá-lo.
No entanto, para ser possível proceder à correcção
[1] é necessário que o erro sistemático [1] seja
conhecido e devidamente quantificável.
Na metrologia acontece frequentemente o erro
sistemático, o tal que pode ser objecto de correcção.
Em tais casos é possível compensar o erro com um
valor previamente definido e assim levar o valor
errado para próximo do valor convencionalmente
verdadeiro [1].
Mas, se o erro sistemático é frequente, o erro
aleatório (de quantificação «exacta» impossível) está
sempre presente. É a sua estimativa que nos obriga
aos estudos acerca da incerteza, - a determinação de
uma probabilidade de acontecimento. Lembra-se que
a incerteza não é um erro.
O Erro é invariavelmente associado ao Homem Errar é próprio do Homem.
O que distingue uma pessoa criativa de outra menos
criativa, é que aquela relativamente a esta tem a
coragem de se sujeitar à probabilidade de erro no seu
trabalho, mas mesmo assim arrisca novas ideias,
novos conceitos, novas soluções. Uma pessoa que
tenha a obsessão de não querer errar, não se atreve
a mudar seja o que for, nem propõe qualquer
mudança ou qualquer tipo de solução. Mas também,
de tal cabeça nada sai de inovador!
Mas, voltemos ao erro ser próprio do homem.
Indevidamente tal associação é feita. De facto, erra
tudo o que intervém numa medição, ou melhor, as
fontes de erro têm inúmeras causas, infelizmente nem
todas elas quantificáveis.
Novo axioma:
Errar é próprio do Instrumento de Medição!
2. Conceitos Associados ao Erro
O conceito de erro encontrado no VIM obriga a
reflectir em vários ângulos pelos quais podemos
encarar o erro.
Uma tradicional maneira de classificar os erros,
quando à sua origem, distingue os erros sistemáticos
e os erros aleatórios.
Assim, seria um erro sistemático aquele que, por
causas intrínsecas ou extrínsecas, apresentasse
resultados com erros que se podem dominar bastante
bem, quer fazendo correcções com base no
conhecimento de parâmetros influentes (como
acontece em algumas grandezas de influência), quer
definindo métodos de calibração que reproduzem
fielmente os métodos de medição.
Os erros aleatórios seriam aqueles que, por
variadíssimas razões, não nos permitem fazer
correcções e têm comportamentos imprevisíveis.
Este tipo de classificação não é utilizada neste texto,
pois é entendido que não se devem utilizar as
mesmas definições para conceitos distintos.
O VIM define erro sistemático como:
ERRO SISTEMÁTICO [1] (3.14)
Média que resultaria de um número infinito de
medições da mesma mensuranda em condições de
repetibilidade subtraída do valor verdadeiro da
mensuranda.
NOTAS:
1.
O erro sistemático é o erro subtraído do erro aleatório
2.
Tal como o valor verdadeiro, o erro sistemático e as suas
causas não podem ser conhecidas por completo.
3.
Para um instrumento de medição, ver “erro sistemático
de um instrumento de medição” (5.25)
A definição de erro aleatório é:
ERRO ALEATÓRIO [1] (3.13)
Resultado da medição subtraído da média que
resultaria de um número infinito de medições da
mesma mensuranda em condições de repetibilidade.
NOTAS:
1.
O erro aleatório é igual ao erro subtraído do erro
sistemático.
2.
Porque só pode ser efectuado um número finito de
medições só é possível determinar uma estimativa do
erro aleatório.
Tabela 1. Tipos de erros quanto à sua origem
ERROS DOMÁVEIS
ERROS INDOMÁVEIS
Desvio de escala
Geometria
Apoio
Deformação
Alinhamento
Temperatura
Gradiente de temperatura
Humidade
Sujidade
Variações mecânicas
Instabilidade eléctrica
Incorrecção de leitura
Vibrações
Histerese
Erros grosseiros
- Leitura
- Cálculo
Não é nosso objectivo fazer uma análise detalhada
dos erros listados. Basta-nos atentar nos tipos de erro
onde podemos situar o Erro de Abbe.
O erro de Abbe é um erro domável, embora não seja
fácil amestrar tal erro!
Podemos considerar que o Erro de Abbe cai na
classificação
dupla
de
«deformação»
e
«alinhamento».
4. Princípio de Abbe
Figura 1 – Representação do significado de erro
sistemático e de erro aleatório
3. Tipos de erros
Propõe-se que os erros sejam classificados em dois
tipos, tendo por base a sua origem.
Aqueles que anteriormente impropriamente se
chamavam de «sistemáticos», os erros que podiam
de alguma modo ser razoavelmente dominados,
chamaremos ERROS DOMÁVEIS.
Aos outros erros, que fogem quase totalmente ao
nosso controlo, chamaremos ERRO INDOMÁVEIS.
Na tabela 1 é feita uma listagem não exaustiva dos
erros domáveis e dos erros indomáveis.
No final do século XIX, Ernst Abbe (1840-1905) e Carl
Zeiss (1816-1888), fundadores da actual Carl Zeiss,
GmbH, quando faziam estudos para desenvolvimento
de sistemas ópticos de alta precisão e como resultado
de erros observados, confirmados nos resultados
obtidos no fabrico de microscópios, propuseram um
princípio – mais tarde conhecido por Princípio (ou
Erro) de Abbe.
Esse Princípio – inicialmente aplicado a sistemas
ópticos – pode ser enunciado como:
– Para evitar um erro adicional, o sistema de medição
deve estar coaxial com o eixo do elemento em
medição.
Quando um erro angular é amplificado pela distância,
a definição de erro é semelhante à do erro co-seno
(figura 2)
Figura 2 - Quando o braço L roda um ângulo β o
2
desvio no eixo xx é Lβ /2
exercida foi feita por uma senhora que disse nunca
ter utilizado o paquímetro e diga-se, como informação
complementar, que essa senhora era de muito
pequena estatura, com cerca de 45 kg de peso (na
realidade «de massa»).
Outro detalhe a merecer atenção é o facto de 16
pessoas terem exercido uma força entre os 2 e 3 N.
Isso explica-se porque todos os técnicos do CATIM
também são submetidos ao estudo, o que
corresponde à maioria do grupo dos 2-3 N. É notável
que pessoas que medem dezenas de paquímetros
por dia já têm o sua força «padronizada».
Figura 3 – O micrómetro respeita o Princípio de Abbe
Paquímetro - Força exercida por 64 pessoas
Paquímetro - Força exercida por 64 pessoas
(distribuição em grupos de 2 N)
16
16
14
14
Acontecimentos
10
8
6
4
12
10
8
6
4
1 4 7 10 13 16 19 22 25 28 31 34 37 40 43 46 49 52 55 58 61 64
13-14
12-13
11-12
8-9
10-11
7-8
9-10
6-7
4-5
3-4
~5-6
0
0
2-3
2
2
1-2
Força / N
12
Força / N
Figura 5 – Força exercida em paquímetro (amostra de
64 pessoas) - F = 5,4 N; s=3,2 N
6. Estudo teórico em paquímetro de
300 mm
Figura 4 – O paquímetro não respeita o Princípio de
Abbe
De facto, sempre que se dá um exemplo de
instrumento de medição corrente que não respeita o
Princípio de Abbe, o paquímetro surge, praticamente
sempre, como exemplo marcante.
Sendo um instrumento cujo eixo de movimento do
cursor não coincide com o eixo da peça a medir, fica
bastante vulnerável a um erro que é função da força
que o operador aplica no instrumento.
O item escolhido para estudo foi um paquímetro de
500 mm, mas com abertura, durante o ensaio, de
300 mm.
Antes de fazer qualquer tratamento experimental,
decidiu-se fazer um simples exercício de Mecânica de
Materiais onde se procura analisar um pórtico,
simplesmente apoiado, submetido a duas forças
opostas, aplicadas a uma determinada distância da
barra horizontal daquele pórtico (ver figura 6).
5. Forças exercida no paquímetro
Em acções de formação que decorreram no CATIM
foi feito ao longo de alguns anos um estudo da força
exercida por formandos (técnicos da indústria em
acções de reciclagem em Metrologia Dimensional),
onde a todos era pedido para medirem uma pequena
peça (de facto era um pequeno dinamómetro mas aos
indivíduos em estudo isso não era dito), sendo
observada a força que cada técnico fazia. A amostra
incluía geralmente pessoas experientes em medições
de controlo industrial, com algumas excepções. Nos
gráficos apresentados, uma breve análise permite ver
que a distribuição tende para uma normal, com
excepção de um pequeno grupo acima dos 11 N, que
foi considerado serem pessoas sem qualquer
experiência na utilização do paquímetro e que, por
receio de não fazerem bem o contacto, eram tentadas
a apertar fortemente a peça. Isto foi confirmado pelo
registo individual onde se constatou que a maior força
Figura 6 – O paquímetro como um pórtico
Numa primeira análise vamos considerar a flexão no
elemento BC (300 mm), pelo que consideramos como
rígidos os elementos AB e CD.
Recorrendo ao método da carga unitária [2], temos a
expressão:
δL = Fb 2 L /( EI BC )
(1)
δL – variação da distância inicial (aproximadamente igual ao Erro
de Abbe)
F – Força aplicada no paquímetro
b – distância entre o ponto de aplicação da força e a base da
maxila AB ou CD
L – distância inicial (considerada igual ao valor indicado no
paquímetro)
E – Módulo de Young do material (paquímetro): 210 GPa
IBC – momento de inércia da secção BC (6x253/12 mm4)
Esta expressão contempla exclusivamente a flexão
ocorrida na barra BC. Mas as vigas AB e CD também
se deformam, pelo que devemos considerar a flecha
daqueles elementos considerando-os como uma viga
encastrada submetida a uma carga unitária.
Recorrendo à expressão [3]:
δL2 = Fb 3 /(3EI AB )
(2)
IAB – momento de inércia da secção AB (6x203/12 mm4)
.
Os resultados são apresentados na Tabela 2
Figura 7 – Método de aplicação de força ao
paquímetro
Tabela 2 – Resultados teóricos em paquímetro de
500 mm com abertura 300 mm
δL a 143 mm da
Força
régua
aplicada
em N
em µm
Os resultados das medições realizadas constam da
Tabela 3.
1
5,4
2
11
3
16
4
22
5
27
3
31
10
55
5
44
10
82
7. – Estudo experimental em
paquímetro de 300 mm
Com recurso a uma máquina de medir por
coordenada ZEISS foram feitas medições no
paquímetro quando este era submetido a uma força
aplicada por um artefacto desenvolvido para o efeito.
Esse artefacto era um padrão de topos de dimensão
variável, com um transdutor de força, conforme
figura 7.
Tabela 3 - Resultados experimentais em paquímetro
de 500 mm com abertura 300 mm
δL a 143 mm da régua
Força aplicada
em N
em µm
Tomemos como elemento comparativo os valores
encontrados a 3 N de carga. Constata-se que os
valores experimentais são maiores que aqueles que
os conceitos teóricos nos forneceram. Isto pode
resultar de vários factores:
♦
folgas do paquímetro em estudo, valores não
tidos em consideração nos cálculos teóricos;
♦
as maxilas foram modeladas considerando uma
configuração rectangular, o que não acontece
realmente (cerca de metade das maxilas são
trapezoidais).
As folgas, a existirem, justificam-se porque o
instrumento em estudo tem vários anos de utilização
e essas folgas não são detectáveis em calibração
normal.
Para este estudo vamos considerar os valores
teóricos para uma média relativa à população da
experiência que considerámos representativa de
operadores habituais (valores lidos pelos formandos,
ponto 5 deste trabalho). A média vai ser considerada
somente para as forças medidas com valores
menores que 10 N, pelo que desprezamos os
operadores ocasionais, aqueles que nós verificámos
não terem experiência bastante na utilização de
paquímetros.
A média encontrada foi de 4,3 N, que vamos
considerar somente a parte inteira, ou seja, o valor de
força de 4 N.
O desvio padrão encontrado foi de 1,89 N (ver
figura 8).
Para forças <10 N
Acontecimentos
25
20
15
10
5
0
0-2
>2-3
>4-6
>6-8
>8-10
Força / N
Figura 8 - Análise da população considerada
representativa de quem mede usualmente com
paquímetro
Se considerarmos que a força média encontrada é a
força tanto exercida por quem calibra como por que
mede, podemos fazer a análise da contribuição para
a incerteza relacionada com o desvio encontrado (que
vamos considerar ser de ±2 N que, pela Tabela 2
corresponde a ±11 µm). A amostra foi obtida muito
distribuída ao longo do tempo (ensaio feitos no
decorrer de cerca de 4 anos). Vamos considerar este
desvio como uniforme (rectangular).
Nestas condições, e considerando os valores
teóricos, teremos um erro de Abbe de cerca de
22 µm, o que, para uma distribuição rectangular,
corresponde a uma incerteza padrão associada ao
erro de Abbe de ±6 µm.
Este erro é geralmente desprezado, mas se
atentarmos nas melhores incertezas declaradas pelos
laboratórios de calibração (da ordem de grandeza à
volta dos 10 µm), seguramente que vamos ser
obrigados a repensar o desprezo a que temos votado
Ernst Abbe.
8. Conclusão
O estudo aqui apresentado pretende ser somente o
primeiro alerta para um erro geralmente esquecido e
um componente de incerteza tratado (poucas vezes)
em valores somente estimados, logo, sem suporte
nem teórico nem experimental.
Sugere-se que novos estudos se desenvolvam acerca
deste tema e que os laboratórios acreditados para
calibração de paquímetros se empenhem nesses
estudos.
REFERÊNCIAS
[1] VIM – Vocabulário Internacional de Metrologia –
IPQ, 2005.
[2] Sabino Domingues, J. J. M. – Órgãos de
Máquinas (ISEP), www.dem.isep.ipp.pt/jsd/
[3] Pareto, Luis – Formulario de Mecanica Ediciones
Ceac – 1980.
[4] Beer, Ferdinado et all – Resistência dos Materiais
– McGraw Hill, Edição em português de 2006.
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Previsão do Erro de Abbe - Considerações Analíticas