A Política Brasileira de Governo Eletrônico: Um Estudo Sobre o “Portal Brasil” Autoria: Ana Cláudia Niedhardt Capella Resumo Este artigo tem como objetivo apresentar e discutir o “Portal Brasil”, lançado pelo governo federal em março de 2010. O portal, projetado pelo governo como veículo de comunicação pública, assume como objetivo aproximar o Estado do cidadão e facilitar o acesso a serviços e informações disponibilizados pelo governo. O presente estudo buscará analisar tal iniciativa, considerando o contexto da política de governo eletrônico desenvolvida no país e baseando-se na reflexão teórica sobre o governo eletrônico, seus limites e desafios. Para tanto, utilizamos informações disponibilizadas pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, órgão que coordenou os esforços de desenvolvimento do “Portal Brasil” desde 2007, informações do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, responsável pelas ações de governo eletrônico no país, além da bibliografia sobre o tema que se desenvolveu no Brasil e no exterior. A análise inicia-se com a apresentação, de maneira sintética, da evolução da utilização da Tecnologia da Informação na Administração Pública brasileira, pontuando três fases principais, com destaque para o período histórico mais recente, no qual se desenvolve a política de governo eletrônico no país. Em seguida, a análise se desloca para algumas questões teóricas sobre o governo eletrônico. Sem pretender realizar uma revisão exaustiva da bibliografia nacional e internacional sobre o tema, o texto discute conceitos alternativos sobre o que seria, afinal, o governo eletrônico, os desafios, limites e possibilidades da Tecnologia da Informação como instrumento de mudança na gestão pública. Três papéis freqüentemente associados à prática do governo eletrônico orientam a análise: o governo eletrônico como ferramenta para melhoria da eficiência nos processos governamentais, como provisão de serviços públicos online e como suporte para o aprofundamento da democracia e participação social. Tanto a retrospectiva histórica sobre o desenvolvimento da Tecnologia da Informação na Administração Pública brasileira quanto a discussão teórica sobre o governo eletrônico subsidiam a análise do “Portal Brasil”, realizada nas duas últimas seções deste trabalho. Da análise, apreende-se que a criação do Portal sinaliza uma tentativa de rompimento com a trajetória da política de governo eletrônico, uma vez que o governo busca direcionar esta ferramenta para a comunicação Estadosociedade, não mais limitando o portal como um produto tecnológico. No entanto, as expectativas sobre o cumprimento dos “papéis” pela política de governo eletrônico brasileiro (eficiência; prestação de serviços e informações; democracia e participação) ainda não foram verificadas. Desafios de ordem organizacional (vinculados à estrutura burocrática), cultural (relacionados à cultura organizacional da administração federal) e política (relativos à relação entre Estado e Sociedade) permanecem como obstáculos a serem enfrentados pela política de governo eletrônico no Brasil. Introdução Muitas têm sido as expectativas depositadas tanto pela sociedade quanto pelo Estado com relação à capacidade da Tecnologia da Informação em provocar transformações positivas na gestão pública. As ações de governo eletrônico, principalmente por meio dos Portais na web, representam a faceta mais visível da Tecnologia da Informação na relação entre Estado e Sociedade. O desenvolvimento de práticas de governo eletrônico é ainda um fenômeno recente e suas implicações em termos de ganho de eficiência na administração pública, nas possibilidades de simplificação do acesso da sociedade a serviços e informações públicas, além da promessa de diversificação dos mecanismos democráticos e de participação social justificam esforços no sentido de sua melhor compreensão. O objetivo deste artigo é apresentar e discutir o “Portal Brasil”, lançado pelo governo federal em março de 2010. O portal, projetado como veículo de comunicação pública, assume como objetivo aproximar o Estado do cidadão e facilitar o acesso a serviços e informações disponibilizados pelo governo. O presente estudo buscará analisar tal iniciativa, considerando o contexto da política de governo eletrônico desenvolvida no país e baseando-se na reflexão teórica sobre o governo eletrônico, seus limites e desafios. Para tanto, utilizamos informações disponibilizadas pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, órgão que coordenou os esforços de desenvolvimento do “Portal Brasil” desde 2007, informações do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, responsável pelas ações de governo eletrônico no país, além da bibliografia sobre o tema que se desenvolveu no Brasil e no exterior. O presente estudo inicia-se com a apresentação, de maneira sintética, da evolução da utilização da Tecnologia da Informação na Administração Pública brasileira, culminando no histórico de desenvolvimento da política de governo eletrônico no país. Em seguida, a análise se desloca para algumas questões teóricas sobre o governo eletrônico, destacando as principais características associadas ao desenvolvimento das ações nesse sentido. Tanto a retrospectiva histórica quanto a discussão teórica sobre o governo eletrônico subsidiam a análise do “Portal Brasil”, realizada nas duas últimas seções deste trabalho. Por fim, desenvolvemos algumas questões relacionadas aos desafios e limites da prática do governo eletrônico no país, e do papel do “Portal Brasil” nesse sentido. 1. Tecnologia da Informação e Governo Eletrônico na Administração Pública Brasileira A utilização da Tecnologia da Informação (TI) na gestão pública brasileira pode ser analisada sob a perspectiva de três momentos históricos distintos, com características diferenciadas (Diniz, 2006). As primeiras aplicações da TI no país caracterizaram-se pela automação de diversos procedimentos organizacionais, visando basicamente ganhos em termos de eficiência e controle. Este primeiro momento, compreendido entre os anos de 1970 e 1992, define-se, sobretudo, pelas primeiras aplicações de computadores, destinados a dar suporte à gestão interna das organizações públicas. Esse tipo de aplicação focalizava os sistemas básicos das organizações, geralmente ligados a atividades de nível operacional, e consistia na substituição de diversas operações manuais por procedimentos informatizados. Registrando e processando as operações diárias, os primeiros sistemas de informação baseados em computador objetivavam o aumento da eficiência nos procedimentos e o controle nas operações. Sistemas nas áreas financeiras e contábil, além dos sistemas de folha de pagamento foram os mais difundidos neste 2 período. São sistemas que manipulam uma grande quantidade de dados, fazem cálculos simples, gerando relatórios detalhados sobre as transações rotineiras de uma organização. Importante destacar que os sistemas de automação de escritórios, caracterizados pelo uso de processadores de texto e planilhas eletrônicas, também configuram uma das primeiras aplicações dos computadores na administração pública nesse período. Posteriormente, entre 1993 e 1998, inicia-se a segunda fase no uso da TI na gestão pública (Diniz, 2006). Se no primeiro momento a ênfase é destinada quase que exclusivamente à gestão interna, nesta segunda fase a característica mais relevante é o apoio à prestação de serviços e informações aos usuários dos serviços públicos. Com a reestruturação dos sistemas básicos herdados do período anterior e o investimento na compatibilização de sistemas anteriormente fragmentados, as novas tecnologias de bancos de dados emergentes neste período possibilitaram a oferta de serviços públicos em unidades fisicamente descentralizadas. Um exemplo de iniciativa característica desta fase pode ser encontrada no “Projeto Cidadão”, programa lançado pelo Governo Federal em 1995 como parte das ações de Reforma da Administração Pública sob o governo Fernando Henrique Cardoso (Brasil, 1995). O “Projeto Cidadão” propunha o desenvolvimento de medidas de caráter desburocratizante e também a criação de sistemas de recebimento de reclamações e sugestões por meio de telefone (sistema 0800), fax e e-mail. Também foi contemplada no projeto a criação de espaços físicos denominados SAC – Serviço de Atendimento ao Cidadão – destinados à prestação de serviços públicos (da esfera federal, estadual e municipal e do Poder Judiciário). Naquele período, iniciativas semelhantes estavam sendo desenvolvidas, como no Maranhão (Shopping do Cidadão); Distrito Federal (Praça do Cidadão); Ceará (Casa do Cidadão); Rio Grande do Norte (Central do Cidadão); São Paulo (Poupatempo), Minas Gerais (PSIU), Santa Catarina (SACI), Bahia (SAC Bahia), Goiás (Ganha Tempo); Rio Grande do Sul (TudoFácil); Pernambuco (Rapidinho), Amazonas (Pronto Atendimento ao Cidadão), além da prefeitura de Curitiba (Rede Cidadania). A ênfase na prestação de informações e serviços para os usuários externos não inviabilizou o aprimoramento dos sistemas de gestão internos. Ainda nesse período, e no contexto da Reforma do Estado e da Administração Pública, o governo assume como ação estratégica o desenvolvimento de sistemas de informação, a partir do entendimento de que estes são essenciais ao modelo da nova administração pública que se buscava implantar no país (Brasil, 1995). Os sistemas alimentariam a alta burocracia com informações gerenciais precisas e completas. Desta forma, enquanto no primeiro momento os sistemas são utilizados basicamente para processar dados utilizados pelas operações rotineiras, nesta segunda fase surgem sistemas voltados para o monitoramento, controle e tomada de decisão dos gerentes. São, portanto, sistemas de informação que oferecem apoio ao processo de planejamento, controle e à tomada de decisão gerencial e têm como características principais a produção de relatórios (programados, por solicitação e de exceção), utilizando dados internos armazenados principalmente nos grandes sistemas rotineiros, além de dados externos. A estratégia de desenvolvimento desses sistemas previa, ainda, a articulação com o “Projeto Cidadão”, tornando os serviços públicos acessíveis à consulta online. Os principais projetos desenvolvidos neste sentido, previstos no “Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado”, foram: planejamento estratégico da informação (racionalização do uso de equipamentos de informática e informação); desenvolvimento de recursos humanos na área de informática; criação da Rede Governo (rede nacional de interligação entre as instituições governamentais, por meio de infra-estrutura física composta por equipamentos de informática e telecomunicações); normatização tecnológica (projeto definidor do modelo de gestão da tecnologia para a administração pública federal); gestão e difusão da informação (abrangendo a integração de todos 3 os sistemas da administração federal e a difusão das informações destes sistemas, modernização tecnológica de ministérios e principalmente do sistema de compras do governo federal). Com a difusão das novas tecnologias baseadas na internet, inicia-se uma terceira fase, a partir de 1999, na qual a prestação de serviços e o fornecimento de informações governamentais online passam a se tornar cada vez mais presentes (Diniz, 2006). Uma das características mais marcantes desta fase, ainda em pleno desenvolvimento, consiste na criação e manutenção de portais governamentais. Nesse sentido, os esforços iniciados no “Plano Diretor” (Brasil, 1995), culminam na criação de um “Grupo de Trabalho Interministerial” cujo objetivo residia na proposição de políticas, diretrizes e normas relacionadas com as novas formas eletrônicas de interação[1]. As ações deste Grupo de Trabalho, formalizado posteriormente como “Grupo de Trabalho em Tecnologia da Informação”[2] somaram esforços com o programa “Sociedade da Informação”, que vinha sendo coordenado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia. Em julho de 2000, o Grupo de Trabalho apresenta o primeiro relatório sobre a situação da infra-estrutura e serviços do Governo Federal, as aplicações e o mapeamento da legislação sobre interação eletrônica e, em outubro do mesmo ano é estabelecido o “Comitê Executivo de Governo Eletrônico”[3], que recebe como atribuição as ações de formulação e coordenação da política de Governo Eletrônico. O Comitê era então presidido pelo Ministro-Chefe da Casa Civil e integrado pelos Secretários-Executivos de todos os Ministérios. Em 2002 é publicado um documento com a avaliação dos dois anos de atividade da política de governo eletrônico, elaborado pela Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação (SLTI) do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG) com a colaboração do Comitê Executivo. No ano de 2003, a SLTI assume o apoio técnico-administrativo necessário ao funcionamento do Comitê. No final do mesmo ano, a Presidência da República cria oito Comitês Técnicos de Governo Eletrônico, supervisionados pela SLTI. Depois de 2003, sob o governo Lula, as ações sofrem uma inflexão e em julho de 2004 é criado o Departamento de Governo Eletrônico, dentro da SLTI/MPOG. Desde então, este setor tem ficado formalmente responsável pelo desenvolvimento de ações de governo eletrônico e prestação de serviços públicos na internet. A partir de 2007, no entanto, tem início uma ação paralela, destinada a reformular a maneira como o governo utilizava-se dos recursos digitais. Esta mudança nos rumos política de governo eletrônico do país tem sido desenvolvida pela Secretaria de Comunicação Social (Secom), órgão diretamente vinculado à Presidência da República. 2. O que é Governo Eletrônico, afinal? Expectativas em torno da Tecnologia da Informação Diversos estudos foram realizados, nas últimas décadas, sobre a emergência da TI, envolvendo os recursos de hardware, software, redes de comunicação digital (incluindo a internet), componentes de gerenciamento de dados - e suas relações com sociedade, economia, política, cultura, organizações (Schaff, 1995; Winston, 1998; Castells, 2001; Toffler; 2007). Poucos estudos, no entanto, procuraram analisar as conexões mais específicas entre a difusão das TI e as mudanças recentes na gestão pública (Margetts, 2003, Kraemer e King, 2005, Fountain, 2005, Dunleavy et. all., 2005). Nessas análises, adquire centralidade a idéia de governo eletrônico (e-gov): um conjunto de ferramentas baseadas na TI que possibilitariam transformações concretas na gestão pública. A bibliografia sobre governo eletrônico tem se desenvolvido rapidamente nos últimos anos, tanto no plano internacional quanto no cenário brasileiro (Chahin, 2004; Ferrer, 2004). A pesquisa sobre o tema provém basicamente da academia e de reflexões dos servidores públicos envolvidos nos processos de e-gov, mas também tem origem em consultorias e empresas de TI especializadas em sistemas para gestão pública. Há diversas definições sobre governo eletrônico, distintas abordagens teóricas, inúmeros casos relatados em estudos e comparações 4 entre experiências diversas. No presente trabalho não realizaremos uma extensa revisão sobre o conceito e os aspectos centrais desenvolvidos na literatura sobre e-gov. Para nossos propósitos, selecionamos uma abordagem que sintetiza grande parte da discussão sobre o tema e define governo eletrônico como sendo o uso intensivo das aplicações de TI para o desempenho das funções da administração pública (Snellen, 2007, 399). Para o autor, são três os papéis desempenhados pelo governo eletrônico: (a) melhoria da eficiência nos processos operacionais do governo, por meio do suporte da TI à realização das ações governamentais, (b) provisão de serviços públicos eletrônicos (c) apoio à democracia e participação social (Snellen, 2007, 404412). O primeiro papel apontado pelo autor relaciona governo eletrônico e aumento da eficiência das funções operacionais nas organizações públicas. Ganhos de eficiência têm sido observados desde as primeiras aplicações de informática na administração pública, por meio da realização de cálculos e outras operações relativamente simples de maneira rápida e em grandes quantidades. Mais tarde, com a criação dos sistemas de informação gerenciais e de apoio à decisão e, mais recentemente, com os sistemas de “processamento de casos” (case-processing systems), a TI contribuído para a implementação dos serviços públicos. A automação de tarefas anteriormente realizadas por burocratas de nível operacional e, em alguns casos, a própria tomada de decisão automática, tem resultado em aumento da eficiência. É o caso, por exemplo, dos radares fotográficos, que substituem servidores por equipamentos programados para verificar infrações. Mas a TI tem permitido muito mais do que a automação de atividades de nível operacional, incidindo também sobre atividades de controle da força de trabalho. Sistemas de workflow possibilitam coordenar, sincronizar, otimizar, e mesmo automatizar tarefas administrativas, aumentando a produtividade por meio de dois componentes implícitos: organização e tecnologia. Outra aplicação bastante utilizada são as ferramentas de verificação de front end, que consistem na checagem dos dados coletados junto a usuários, ferramenta que auxilia no combate a fraudes, por exemplo. Os chamados “sistemas inteligentes”, ou seja, sistemas capazes de operar a transformação de informação em conhecimento (Dumont et. all., 2006), envolvem ainda análises preditivas, mineiração de dados, simulações, entre outras técnicas que permitem aos gestores utilizar dados e informações já disponíveis na administração pública para conhecer a realidade da sociedade e da própria atuação estatal. Uma “administração pública inteligente” seria possível por meio da criação de sistemas que pudessem utilizar dados para extrair informações confiáveis, analisar e transformar essas informações em conhecimento sobre a realidade organizacional e sobre a própria sociedade, auxiliando, desta forma, o processo de tomada de decisão dos gestores. Além da simplificação e racionalização de processos de trabalho nas funções operacionais, e da possibilidade de gerar conhecimentos, o governo eletrônico pode ser relacionado também às estratégias de modernização da gestão pública. Neste caso, o e-gov é apontado como sendo essencial na mudança dos formatos de gestão contemporâneos, proporcionando ferramentas para a superação dos entraves do modelo burocrático de administração. Agune e Carlos (2005, 302) assim sintetizam essa idéia: “Governo eletrônico, ao contrário do que o nome pode a princípio sugerir, significa muito mais do que a intensificação do uso da tecnologia da informação pelo Poder Público. Em verdade, ele deve ser encarado como a transição entre uma forma de governar fortemente segmentada, hierarquizada e burocrática, que ainda caracteriza o dia-a-dia da imensa maioria das organizações públicas e privadas, para um Estado mais horizontal, colaborativo, flexível e inovador, 5 seguindo um figurino mais coerente com a chegada da sociedade do conhecimento, fenômeno que começou a ganhar contornos mais visíveis no último quarto do século passado”. O segundo papel desempenhado pelo governo eletrônico – apoio à provisão de serviços públicos – ganha impulso com a criação dos portais governamentais na internet. Os portais governamentais, reproduzindo a lógica empresarial de disponibilidade sete dias por semana, 24 horas por dia, 365 dias por ano, são apontados por vários autores como um exemplo de transformação na prestação dos serviços públicos, podendo reestruturar as relações entre o Estado e os cidadãos (Ferrer e Santos, 2004; Silva et. all. 2004; Chahin et. all. 2004). Reunindo informações e serviços provenientes de diversos órgãos públicos e organizando esses conteúdos por clientela (servidores, cidadãos, fornecedores de serviços, outros setores do governo, por exemplo), alguns autores defendem que os portais poderiam romper com lógica burocrática. A esse respeito, Ferrer e Santos (2004) escrevem: “Um dos grandes problemas de relacionamento do governo, tanto com cidadãos como com empresas, reside na complexidade da máquina pública. Podemos dizer que uma das causas da ineficiência do setor público é a organização vertical, que faz com que os serviços a serem prestados exijam a colaboração de empregados de diferentes departamentos. A internet oferece solução para ambos os problemas. Por meio de um portal do governo, podem ser disponibilizados ao cidadão quase todos os serviços prestados pelo governo” (Ferrer e Santos, 2004, xii-xiii)[4]. No entanto, é preciso considerar que este é apenas um sentido possível para a relação entre governo e sociedade com o uso da TI. Como lembra Pinho (2008), a oferta de serviços pelo governo e sua utilização pelos cidadãos na internet configura apenas o que o autor denomina como sendo o “sentido restrito” da idéia de governo eletrônico. Defendendo a versão “ampliada” de governo eletrônico, o autor chama atenção para a potencialidade da TI no sentido da ampliação da transparência governamental, por meio de maior quantidade e qualidade de informações à população, e adoção de mecanismos de participação digital. Para o autor, “(...) Dado o avanço da tecnologia, entendemos que o governo eletrônico não deve ser visto apenas por meio da disponibilização de serviços online mas, também, pela vasta gama de possibilidades de interação e participação entre governo e sociedade e pelo compromisso de transparência por parte dos governos. Em outras palavras, as TICs contêm um enorme potencial democrático, desde que haja definição política no sentido da participação popular e da transparência, pois o governo pode deixar de oferecer o que não quer mostrar, para nem mencionar o que quer esconder” (Pinho, 2008, 475). Assim, emerge o terceiro papel desempenhado pelo governo eletrônico: apoiar a democracia e a participação social. Embora grande ênfase nas ações de governo eletrônico resida nos aspectos econômicos e financeiros da administração pública e na prestação de serviços para cidadãos, é possível vislumbrar algumas possibilidades de apoio à democracia oferecida pelas ferramentas de TI, em especial às formas de exercício da democracia direta. Por meio de fóruns contínuos, comentários, grupos de discussão, sistemas de votações instantâneas, teleconferências, 6 redes de relacionamentos, entre outros mecanismos, a TI oferece a possibilidade de participação por meio da manifestação de opinião em processos decisórios coletivos. No entanto é preciso destacar que esses recursos “não oferecem solução, por si sós, para a problemática falta de legitimidade da democracia representativa” (Snellen, 2007, 410). Para o autor, dois tipos de arranjos, possibilitados pela TI, são mais promissores do ponto de vista democrático: a interatividade no processo decisório e a produção conjunta das políticas públicas. Um processo decisório interativo envolve a sociedade nos estágios iniciais do processo de produção de políticas públicas, como por exemplo, no momento da definição da agenda e da definição das prioridades de atuação governamental. Desta forma, o diálogo entre Estado e sociedade é fortalecido além de serem articuladas soluções conjuntas para problemas comuns. A produção conjunta de políticas, considerada pelo autor como sendo ainda mais promissora do que o processo decisório interativo (Snellen, 2007, 411), consiste na preparação conjunta para a implementação de uma determinada política. Supondo que o governo tenha decidido pela construção de um equipamento urbano qualquer, por exemplo, a idéia da produção conjunta de políticas refere-se à participação da população local, diretamente afetada pela decisão governamental, na definição mais exata do plano de implementação. Neste caso (como também no processo decisório interativo), as ferramentas de TI mencionadas anteriormente (fóruns, grupos de discussão, teleconferências, etc.) poderiam ser úteis ao permitir a participação da população, auxiliando na aceitação da decisão política e na cooperação da população local quando da operacionalização do planejamento. “No plano local da administração pública”, diz o autor, “A co-produção de políticas está se tornando uma prática cada vez mais normal, permitindo às pessoas decidirem sobre o projeto dos equipamentos utilizados nas ruas ou sobre o layout e destinação de instalações na vizinhança. Websites interativos, simulações computadorizadas e projetos virtuais são muito úteis para esse tipo de propósito” (Snellen, 2007, 411).[5] Parcela significativa dos estudos sobre governo eletrônico destaca, assim, as possibilidades de transformação da gestão pública por meio das práticas de governo eletrônico, seja por meio de melhorias na eficiência nos processos, pela oferta de serviços públicos eletrônicos ou mesmo no sentido de apoiar a democratização e participação social (Snellen, 2007). Há estudos, no entanto, que procuram analisar criticamente as transformações efetivamente alcançadas nas organizações por meio da adoção do e-gov. Uma das formas mais difundidas de estimar o impacto da TI nas organizações públicas é o modelo de etapas de desenvolvimento do governo eletrônico (Silva et. all.,, 2004). Este modelo, bastante utilizado pela indústria de consultoria em gestão e tecnologia, prevê que as organizações públicas, ao adotarem a tecnologia de informação, passarão pelas fases de presença na web, interação, transação, integração e transformação[6]. Alguns estudos, coletando evidências em diversos países, mostram que a maior parte das experiências de governo eletrônico permanece nos primeiros estágios, com pouca integração de processos organizacionais e poucas funções de interação com cidadãos, além de baixa capacidade de transação (prestação de serviços online). A esse respeito, Norris (2007, 12) afirma que: “Embora existam numerosas afirmações na literatura a respeito da capacidade transformadora do governo eletrônico, não há estudos realizados que verifiquem se essa transformação está ocorrendo como resultado do governo eletrônico. 7 Talvez, já que o governo eletrônico tem por volta de dez anos, seja muito cedo para investigar seu impacto de transformação. Ou pode ser que a hipótese da transformação seja ela mesma equivocada”[7]. Hipótese semelhante foi avaliada por Kraemer e King (2005). Os autores buscaram analisar se a TI poderia ser uma ferramenta para a transformação da gestão pública, mais especificamente como instrumento de modernização da administração pública. Os autores encontraram evidências de que a TI é utilizada para reforçar os arranjos organizacionais existentes, ou seja, para encorajar as estruturas de comunicação, autoridade e poder já estabelecidos numa organização pública, ao invés de subverter sua ordem. A TI, nesta perspectiva, daria mais força e alcance ao modelo burocrático de administração que, ao invés de desaparecer, teria sua lógica aprofundada. Afinal, as características fundamentais da burocracia estariam preservadas apesar da crescente utilização dos recursos disponibilizados pela TI: organizações públicas continuariam sendo caracterizadas pela formalização, utilizando normas e procedimentos por escrito; pela estrutura hierárquica e presença de uma cadeia de comando; pela profissionalização de seus quadros, entre outras características[8]. 3. O “Portal Brasil” O “Portal Brasil” (www.brasil.gov.br) representa a experiência recente do governo federal em sua política de governo eletrônico. Lançado oficialmente em março de 2010, o portal foi desenvolvido a partir de iniciativa da Secretaria de Comunicação Social (Secom), órgão vinculado à Presidência da República e que coordenou o processo de reformulação desde 2007. Esta opção foi decisiva para a concepção geral do portal: ao invés de o governo tratar o portal como um produto de tecnologia, o enfoque foi direcionado para a comunicação pública. Nesta concepção, a TI é entendida como suporte para a comunicação, esta sim definida como objetivo final de um portal. Esta orientação, de lidar com o portal como estratégia de comunicação, e não como ação de informática, tem sido estimulada pela Secom junto a outros órgãos e entidades do governo federal. As informações são estruturadas no portal de maneira segmentada, com foco em quatro perfis diferenciados: empreendedor, estudante, imprensa e trabalhador. Cada perfil direciona informações e notícias específicas para o público-alvo: informações e notícias sobre negócios para os empreendedores, informações sobre trabalho, educação e inclusão digital para estudantes; notícias de órgãos governamentais para a imprensa; informações sobre benefícios, emprego e renda, atividades de formação e dicas de finanças pessoais para o trabalhador. A Secom prevê a ampliação desses perfis para abranger outros grupos sociais, como crianças, idosos, servidores públicos, mulheres, entre outros. Uma forma alternativa de exploração do conteúdo é oferecida pelo portal, que também organiza informações de acordo com conteúdos temáticos (cidadania, cultura, economia, educação, esporte, geografia, história, meio ambiente, o Brasil, saúde e turismo). Em cada tema, são relacionadas notícias, informações e dados disponíveis sobre cada área de interesse, de forma simplificada e de fácil acesso. Experiência semelhante é destinada ao público no exterior, por meio das versões do portal para o inglês e espanhol. Neste caso verifica-se também a segmentação por perfil, com adequação ao público externo: investidores estrangeiros (informações e notícias sobre setores da economia, infra-estrutura, sustentabilidade, entre outras), imprensa (releases para a imprensa internacional, textos de referências sobre programas e projetos, informações de apoio a correspondentes internacionais, contatos das assessorias de imprensa em ministérios, secretarias de governo, 8 embaixadas e consulados); estudantes (informações sobre agências de apoio à pesquisa, documentação básica para estudantes); trabalhadores (informações e notícias sobre finanças, documentos essenciais para estrangeiros); e turistas (dados sobre o Brasil, cultura, atividades de turismo, notícias de interesse). Os conteúdos temáticos são os mesmos do portal destinado aos brasileiros. Com relação ao tipo de conteúdo disponibilizado pelo portal, há informações institucionais, que reúnem dados gerais e de utilidade pública sobre órgãos e atividades do governo federal. O portal oferece também notícias sobre a administração federal, distribuídas de acordo com os perfis e com os conteúdos temáticos. O terceiro tipo de conteúdo presente no portal consiste nos serviços à população. A prestação de serviços públicos pelo governo federal na internet é responsabilidade do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, mais especificamente da Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação (SLTI) que, por meio do Departamento de Governo Eletrônico coordena as ações de governo eletrônico e as atividades relacionadas à integração da prestação de serviços públicos por meios eletrônicos na Administração Federal. Em termos de serviços eletrônicos, a SLTI mantém o “Portal de Serviços e Informações de Governo - Rede Governo” (acessível pelos endereços www.redegoverno.gov.br ou www.e.gov.br). Este, que é o primeiro portal oficial do governo brasileiro, continua a oferecer links para serviços e informações ao cidadão, permitindo a realização de serviços online (como pagamento de taxas e impostos, emissão de certidões e guias, solicitação de registros, entre outros). A Secretaria também é responsável por outros portais, como o “Portal de Governo Eletrônico do Brasil”(www.governoeletronico.gov.br); “Portal ComprasNet” (www.comprasnet.gov.br); “Portal de Inclusão Digital” (www.inclusaodigital.gov.br); “Portal de Software Público” (www.softwarepublico.gov.br); “Portal de Convênios” (www.convenios.gov.br). Assim, os conteúdos institucionais e noticiosos do “Portal Brasil” são administrados pela Secom, enquanto a área de serviços é administrada pela SLTI (Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão). No entanto, há um nítido movimento no sentido de distinguir o “Portal Rede Governo” do “Portal Brasil”. No texto de apresentação do projeto pela Secom, encontra-se referência a "quebra de paradigmas", "início de um importante processo de mudança" e "novas premissas". Sobre o desenvolvimento do Portal, define-se como momento inicial dos esforços o ano de 2007, na Secom, sem referência ao histórico das ações relacionadas ao governo eletrônico no Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Além disso, enfatiza-se as diferenças entre o “Portal Rede Governo” do “Portal Brasil”, atribuindo ao último algumas características ausentes no anterior (web 2.0, ou seja, a possibilidade de o usuário interagir com o conteúdo do portal; segmentação de públicos e horizontalidade temática ; tratamento de conteúdo institucional de forma didática; conteúdos multimídia; ambientes exclusivos para assuntos específicos; planejamento da comunicação visual; maior acessibilidade, entre outras. 4. O “Portal Brasil” e a Política Brasileira de Governo Eletrônico A política de governo eletrônico no Brasil só pode ser adequadamente compreendida no contexto institucional, histórico e político em que se desenvolve. Tal contexto, brevemente descrito no início deste estudo, ainda carece de análises mais aprofundadas, embora alguns passos já tenham sido dados[9]. Mesmo assim, este trabalho busca contribuir nesse sentido ao realizar a discussão sobre um projeto específico da política de e-gov proposta pelo governo federal e materializada no “Portal Brasil”. 9 A criação do Portal rompe com a trajetória inicial das ações de governo eletrônico desenvolvidas pelo governo federal. A “Rede Governo”, concebido inicialmente no contexto da “Reforma do Aparelho do Estado” durante o governo Fernando Henrique Cardoso, continua a oferecer o “Portal de Serviços e Informações de Governo”. Outra conseqüência das decisões tomadas naquele período, a atribuição institucional do órgão responsável pelas ações de e-gov ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão - MPOG (que, por sua vez, acabou herdando grande parte dos projetos reformistas que cabiam ao Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado – MARE, quando este foi extinto em 1999) continua vigente. Impulsionada pela mobilização em torno do "bug do milênio", na transição para o ano 2000, a Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação (SLTI) acabou por concentrar as ações de e-gov dentro do MPOG. A criação do Departamento de Governo Eletrônico, em 2004, órgão vinculado à SLTI reforça a estrutura institucional vigente. Essa estrutura carece de legitimidade (Diniz, 2009) e fundamentalmente de capacidade técnica e política de articulação para a coordenação das ações de e-gov, que envolvem todas as organizações públicas, além dos diferentes níveis de governo. A maior parte das decisões, no que diz respeito à provisão de informações e de serviços públicos, cabe a outras instituições, e não à SLTI e seu Departamento de Governo Eletrônico. Ademais, por estar na mesma linha hierárquica que os outros ministérios, o MPOG não tem autoridade formal para fazer algo mais do que incentivar a adoção das recomendações sobre governo eletrônico desenvolvidas internamente. A criação do “Portal Brasil” sinaliza uma mudança na política de governo eletrônico, talvez a mais ousada desde seu início. Mover a questão do governo eletrônico para Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom), sustentada por um discurso que aponta claramente para um rompimento com a predominância da tecnologia na provisão de serviços e principalmente informações para o cidadão demonstra um entendimento bastante diferente sobre a política de e-gov. A criação do “Portal Brasil” não significa apenas a reformulação de um portal, mas uma tentativa de mudança nos rumos da política governo eletrônico. Apesar disso, considerando que o MPOG continua a deter a responsabilidade de coordenar, normatizar, articular e disseminar as ações de e-gov, além de responder formalmente pela prestação de serviços públicos e de informações do governo federal por meios eletrônicos, cabe indagar qual será de fato a extensão da mudança. Com relação às expectativas sobre o governo eletrônico, a análise do “Portal Brasil” sugere algumas observações. Uma das maiores expectativas das ações de governo eletrônico é a simplificação do acesso do cidadão aos serviços públicos. Como vimos, há muita expectativa de que a TI seja aplicada no sentido de romper com a complexa lógica burocrática, departamentalizada, em que o cidadão em busca de um direito, dever ou necessidade acaba perdido em um verdadeiro labirinto de siglas para conseguir uma informação ou o acesso ao próprio serviço. O “Portal Brasil”, ao organizar as informações e serviços por público-alvo e temas gerais, afasta-se da lógica burocrática, ao menos na navegação pelo sistema. Neste sentido, a experiência faz avançar a iniciativa original do Portal “Rede Governo” que embora procure organizar a disposição de seus conteúdos para além da estrutura organizacional, acaba por não conseguir se afastar tanto dela. É preciso lembrar também que a provisão de serviços públicos nos portais governamentais é apontada por diversos autores como mecanismo de transformação na gestão pública, capaz de revolucionar a relação entre Estado e sociedade. Muito embora o “Portal Brasil” não seja responsável pela provisão dos serviços, seu principal desafio é organizar os conteúdos de forma a torná-los acessíveis aos cidadãos. A organização dos conteúdos por Perfis e Temas é complementada pela opção de “Navegar por Serviços”, em que são listados em ordem alfabética os serviços disponíveis. 10 Podemos questionar a permanência do Portal “Rede Governo”, mantido pelo MPOG simultaneamente à nova experiência do “Portal Brasil”, originada na Secom. A existência de mais de um portal não é propriamente um problema, uma vez que o governo tem diversos portais destinados a temas e públicos distintos. Com o lançamento do “Portal Brasil”, talvez seja o caso do Portal “Rede Governo”, que traz a marca “Portal de Serviços e Informações de Governo” desde sua criação em 2000, definir uma nova vocação para evitar duplicidade de esforços e simplificar, de fato, o acesso dos cidadãos ao governo eletrônico. Outra expectativa frequentemente depositada sobre as ações de governo eletrônico, além de prover serviços e informações por meio dos portais, é apoiar a democracia e a participação social. A melhor síntese sobre a relação entre e-gov e participação social no Brasil é a apresentada por Pinho (2008) em seu estudo sobre portais estaduais. Para o autor, a maior barreira para o governo eletrônico não é de ordem tecnológica, mas sim política: “O que se observa é que os portais, de uma maneira geral, têm recursos tecnológicos adequados, existem boas condições de navegação, de busca de informações. Assim, a tecnologia parece não ser um problema. No entanto, alguns portais poderiam ser melhorados em termos da comunicação e da disponibilização das informações, o que demandaria um esforço aparentemente apenas tecnológico, e que, no fundo, representaria um compromisso de respeito com a comunidade. O que os portais se ressentem, realmente, é de uma maior interatividade, podendo-se inferir que as relações que se estabelecem são fundamentalmente do tipo government-to-citizen, sendo o governo o emissor e a sociedade, ao que tudo indica, o receptor passivo, estando longe a inversão dessa relação para citizen-to-government. Não se localizou “transparência e diálogo aberto com o público”, ou seja, estamos longe de “uma verdadeira revolução cultural”, de “uma mutação de grande amplitude”, e de um “provimento democrático de informações”. Pela análise dos portais, não se visualiza possibilidade de “capacitação política da sociedade”. No sentido preconizado como ampliado, não há governo eletrônico (...). Assim, temos muita tecnologia, ainda que ela possa e deva ser ampliada, mas pouca democracia, pois a tecnologia que poderia ser usada para o aperfeiçoamento democrático não é mobilizada nesse sentido.” (Pinho, 2008, 491-492). Nesse sentido, tanto o Portal “Rede Governo” quanto o “Portal Brasil” continuam a oferecer “pouca democracia”, confirmando a experiência dos governos estaduais observada por Pinho (2008). Além disso, os portais estão ainda distantes da possibilidade de oferecer interatividade no processo decisório ou de produção conjunta de políticas públicas, para lembrar os dois arranjos viabilizados pela TI e que realmente consistiriam em formas de democratização e participação social, segundo Snellen (2007). Mecanismos mais simples, que permitem a manifestação de opinião em fóruns, grupos de discussão, embora não sejam tão impactantes ainda são, mesmo assim, pouco utilizadas no “Portal Brasil”. Embora a Secom destaque a dimensão da comunicação e a importância desta como “via de mão dupla”, o Portal reserva ao cidadão a opção “Contato”, composta pelo item “Participe do Portal”, destinado ao envio de sugestões e perguntas sobre o próprio Portal, além de link para o formulário “Fale com o Presidente”, mantido pela Presidência da República. 11 Considerações Finais Muitas têm sido as expectativas sobre a capacidade transformadora do governo eletrônico. Como vimos, há discordâncias sobre a amplitude e extensão das mudanças provocadas na gestão pública por meio das práticas de governo eletrônico. O e-gov é um fenômeno recente e a compreensão sobre o desenvolvimento da política de governo eletrônico no Brasil ainda é bastante limitada em função dos poucos estudos mais aprofundados na área. De qualquer forma, o desenvolvimento das ações de e-gov tem apresentado desafios e problemas potenciais, como qualquer processo de mudança. Podemos definir um primeiro grupo de desafios para as práticas de governo eletrônico como sendo o conjunto de restrições geradas pela própria natureza da estrutura burocrática. Sistemas de informação são desenhados sobre a estrutura organizacional e os valores previamente existentes na organização (Kraemer e King, 2005), o que pode direcionar a organização para um padrão de funcionamento burocrático, enquanto os recursos de TI, com outra lógica, muitas vezes incentivam a organização em sentido contrário. A idéia de simplificação no acesso do cidadão a informações e serviços é, com grande freqüência, incompatível com o padrão burocrático de departamentalização, hierarquização, centralização e formalização. Esta tensão – entre a lógica em que se baseia a TI e as ações de governo eletrônico e a estrutura burocrática - pode resultar em conflito quando não administrada, causando dificuldades para a plena adoção e utilização da TI. Outra característica típica do modelo burocrático é, ainda, a uniformidade, ou seja, o tratamento igualitário do governo para com os cidadãos. Esta característica se apresenta como um desafio para a adoção do governo eletrônico, uma vez que a internet, por exemplo, tem um alcance diferente em distintos grupos sociais. Oferecer um serviço na internet, seja no “Portal Brasil” ou no Portal “Rede Governo”, pode significar disponibilizá-lo apenas para aqueles que têm acesso à rede mundial. Por outro lado, é preciso lembrar que as ferramentas cada vez mais comuns de segmentação e customização nas quais se desenvolvem os serviços na internet têm uma lógica contrária à uniformidade. Um segundo grupo de desafios emerge das características da cultura políticoorganizacional, ou seja, das percepções e crenças dos membros de uma organização, considerando que a cultura é, em grande parte, influenciada pela estrutura burocrática. A forma como o governo entende a própria questão do e-gov, com forte viés tecnológico ou mais próximo à idéia de comunicação social (ou ambas as coisas) também é essencial para definir os rumos da política de governo eletrônico. Este entendimento é, na verdade, uma questão estratégica e é a partir dele que a prestação de serviços e informações na internet pode assumir características mais amplas do que aquelas verificadas hoje. Do ponto de vista da sociedade para com o uso de serviços e informações governamentais fundamentados na TI, principalmente baseados na internet, importantes desafios também merecem ser destacados. O desafio mais óbvio é a exclusão social e a conseqüente exclusão digital. Embora o número de pessoas conectadas à internet por meio de computadores ou dispositivos portáteis venha crescendo, há populações ainda sem acesso à rede. Para as empresas privadas, isso não se constitui num problema: uma empresa baseada na internet pode excluir aqueles que não têm acesso a rede de seu rol de clientes. Mas o governo não pode ignorar as dificuldades ou impossibilidades de acesso à rede, uma vez que os serviços públicos devem estar disponíveis a todos os cidadãos independentemente do nível de proximidade que esses indivíduos apresentam da rede e das TIs. Não somente a exclusão social e digital se coloca como desafio para a plena utilização dos recursos de TI pela sociedade, notadamente as ferramentas de 12 governo eletrônico, mas a cultura política também é um fator determinante na relação entre a sociedade e as aplicações de TI no governo. Nossa realidade, baseada em “muita tecnologia, pouca democracia”, para mencionar novamente o estudo de Pinho (2008), reflete exatamente essa dimensão. Neste aspecto, embora a proposta do “Portal Brasil” seja afastar-se do viés puramente tecnológico para constituir-se em um efetivo meio de comunicação social, a ausência de ações visando a inclusão digital pouco faz avançar a proposta de democratização das informações e serviços do governo federal. A dimensão da cultura política nos remete, também, à consideração de que existem diferentes percepções sobre a TI. Cidadãos freqüentemente consideram algumas questões importantes, enquanto servidores públicos podem se concentrar em outras. Análises empíricas demonstram que burocratas são, no geral, muito mais otimistas do que os próprios cidadãos na adoção do governo eletrônico. Para Moon e Welch (2005, 259), enquanto servidores públicos “parecem ser mais familiarizados com as ações de governo eletrônico, melhor informados a esse respeito e confiantes sobre o sucesso de tais práticas”, os cidadãos são “menos entusiasmados com relação ao potencial do governo eletrônico e seu desejo por serviços e informações é combinado com preocupações sobre segurança e privacidade”. A pesquisa, realizada com cidadãos e servidores norte-americanos, revela uma profunda desconfiança com as instituições governamentais por parte da sociedade, paralelamente a um nível grande confiança no governo por parte dos servidores. Embora não generalizável, a ocorrência desta diferença de percepção nos alerta para as especificidades políticas e culturais em cada país, no desenvolvimento, utilização e avaliação das ações de governo eletrônico. A formulação de uma política para o governo eletrônico deve considerar não apena as expectativas da alta burocracia, mas também os anseios e necessidades da sociedade, destinatária da ação do Estado. Por fim, outro fator importante a ser lembrado diz respeito à forma como os cidadãos vêem o governo, já que tal percepção será crucial na utilização dos serviços disponibilizados pela internet. Estudos apontam para uma relação positiva entre a confiança dos cidadãos no governo e a utilização de serviços e informações na internet (Welch et. all, 2005; Tolbert e Mossberger, 2006). Portanto, na relação entre a sociedade e governo eletrônico, muito há que ser considerado para além das questões inerentes à tecnologia, de suas possibilidades e recursos. A cultura política é um dos elementos centrais para o entendimento dos limites e potencialidades dos novos canais de informação comunicação empregados pelo governo. Este é precisamente um dos maiores desafios a ser enfrentado pelo Estado e pela sociedade brasileira rumo a uma política eficiente de governo eletrônico. Referências Bibliográficas AGUNE, Roberto M. e CARLOS, José A. “Governo Eletrônico e novos processos de trabalho”. In Levy, E. e Drago, P.A. (Orgs.). Gestão Pública no Brasil Contemporâneo. São Paulo: Fundap, 2005. BRASIL. Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado. Brasília: Presidência da República, 1995. CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede. Vol. 1: A Era da informação: economia, sociedade e cultura. São Paulo, Paz e Terra, 2001. CHAHIN, Ali et. all. E-Gov.br: A próxima revolução brasileira. São Paulo, Prentice Hall, 2004. DINIZ, Eduardo Henrique et. all. “O governo eletrônico no Brasil: perspectiva histórica a 13 partir de um modelo estruturado de análise”. Revista de Administração Pública, 43(1), 2009 (pp. 23-48). DINIZ, Vagner. “Prefácio”. In DUMONT, Danilo (et. all.). Inteligência Pública na Era do Conhecimento. 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London, Routledge, 1998. [1] Decreto Presidencial de 3 de abril de 2000. [2] Portaria da Casa Civil nº 23 de 12 de maio de 2000. [3] Decreto de 18 de Outubro de 2000. [4] Grifo do original. [5] Tradução nossa. [6] O modelo de fases, ou estágios de desenvolvimento de governo eletrônico foi difundido por empresas de consultoria em tecnologia de informação com base no desenvolvimento das ferramentas de comércio eletrônico nas empresas privadas. Para uma crítica do modelo de fases aplicado às características específicas da gestão pública, ver Margetts, 2007. [7] Tradução nossa. [8] Para uma análise detalhada dos desafios contemporâneos ao modelo burocrático, bem como das razões para a subsistência da burocracia no século XXI, consultar Meier, K.J. e Hill, G.C. “Bureacracy in the Twenty-First Century”. In Ferlie, E; Lynn Jr., L e Pollitt, C. (orgs). The Oxford Handbook of Public Management. Oxford, Oxford University Press, 2007. [9] A esse respeito consultar, por exemplo, Diniz et. all., 2009. 15