Presidência da União Europeia Portugal 2007 A Imagem de África na Imprensa Europeia. O Caso da Cimeira UE-África em Dezembro de 2007 2009 ÍNDICE INTRODUÇÃO .........................................................................................................................................4 CAPÍTULO I – GLOBLIZAÇÃO E COMUNICAÇÃO ................................................................................8 1. O relatório McBride e a Nova Ordem Mundial de Informação e Comunicação – NOMIC. ..................8 1.2. Desigualdades e discriminações nos países do terceiro mundo ............................................... 16 1.3. Comunicação, Imagem e Percepção dos Estados-Nacões, no seio das Relações Internacionais, face ao fenómeno da globalização da Comunicação. ............................................. 17 CAPÍTULO II – AS PERSPECTIVAS TEÓRICAS DA COMUNICAÇÃO ...............................................24 1. Media e a construção da notícia: recolha, selecção e produção da informação ...............................24 1.1. Principais referentes do discurso jornalístico (acontecimentos) e a unidade discursiva (notícia). .......................................................................................................................................................... 24 1.2. Processo de selecção noticiosa: o paradigma do gatekeeping ................................................. 31 1.3. Newsmaking: noticiabilidade e projecção da imagem de um país, no fluxo internacional de notícias. ............................................................................................................................................. 35 1.4. Newsmaking: Critérios de noticiabilidade/valores-notícia ......................................................... 49 2. Teoria dos efeitos dos media .............................................................................................................64 2.1. A imagem: media e o poder político no seio das Relações Internacionais ............................... 64 2.2. A Teoria do agendamento ou do “agenda-setting” .................................................................... 68 2.4. Os media e a construção social da realidade ............................................................................ 77 CAPÍTULO III – O ACONTECIMENTO POLITICO: A II CIMEIRA UE/ÁFRICA ....................................80 1. Problemas actuais de África: um continente, muitas realidades .......................................................80 2. O Contexto Político da II Cimeira UE/África.......................................................................................88 2.1. O Avanço da China .................................................................................................................... 94 2.2. O condicionalismo do Terrorismo ............................................................................................ 106 2.3. A resposta da Europa: a Luta contra o Subdesenvolvimento (Declaração de Lisboa, Estratégia Conjunta e o Plano de Acção 2008-2010) ...................................................................................... 109 2.3.1. Parceria África-UE: Paz e Segurança .............................................................................. 120 2.3.2. Parceria África-UE: Governação Democrática e Direitos Humanos ................................ 122 2.3.3. Parceria África – UE: Comércio, Integração Regional e Infra-estruturas......................... 123 2 2.3.4. Parceria África – UE: em matéria de Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM) 124 2.3.5. Parceria África – Parceria África-UE em matéria de energia ........................................... 124 2.3.6. Parceria África – Parceria África-UE em matéria de alterações climáticas ..................... 125 2.3.7. Parceria África – Parceria África-UE em matéria de migração, mobilidade e emprego .. 126 .................................................................................................................................................... 126 2.3.8. Parceria África – Parceria África-UE em matéria de ciência, sociedade da informação e espaço. ....................................................................................................................................... 128 3. Perspectivas africanas sobre a II Cimeira UE/África .......................................................................129 3.1. Os media angolanos ................................................................................................................ 129 3.2. Imprensa de Moçambique ....................................................................................................... 130 3.3. Imprensa de África do Sul ........................................................................................................ 131 4. Avaliação Política da II Cimeira UE/África .......................................................................................133 5. Avaliação da Sociedade civil africana e europeia sobre a II Cimeira UE/África ..............................136 CAPÍTULO IV – “A IMAGEM DE ÁFRICA NA IMPRENSA EUROPEIA. O CASO DA CIMEIRA UEÁFRICA EM DEZEMBRO DE 2007". ...................................................................................................139 Capítulo 14 1. Definição da Metodologia .............................................................................................139 1.1. Pergunta de partida ................................................................................................................. 139 1.2. Objectivos ................................................................................................................................ 141 1.3. Hipóteses de trabalho .............................................................................................................. 142 1.4. Perguntas de investigação ....................................................................................................... 144 1.5. Corpus em análise ................................................................................................................... 145 2. Técnicas de Investigação .................................................................................................................147 2.1. Fontes de documentação e análise de documentos ............................................................... 147 2.2. Análise de Conteúdo ................................................................................................................ 149 2.3. Definição das unidades de registo e respectivas categorias de análise ................................. 152 2.4. Observação Participante .......................................................................................................... 161 2.5. Entrevistas ............................................................................................................................... 162 3. Apresentação e Discussão dos Resultados.....................................................................................163 CONCLUSÕES ....................................................................................................................................184 BIBLIOGRAFIA ....................................................................................................................................189 3 INTRODUÇÃO O trabalho que aqui apresento versa sobre o tema "A Imagem de África na Imprensa Europeia. O caso da Cimeira UE/África em Dezembro de 2007”. A II cimeira UE/África realizada em Lisboa nos dias 8 e 9 de Dezembro de 2007, – no âmbito da Presidência Portuguesa da União Europeia, – foi alvo de uma cobertura a nível nacional e internacional que contribuiu para que se falasse de África, – continente muitas vezes “esquecido” nos media, – excepto quando são abordadas questões negativas, como por exemplo, devastação, corrupção, má governação, genocídios, conflitos armados, pandemias, catástrofes, entre muitos outros que teremos oportunidade de fazer referência. O objectivo deste trabalho é descrever a imagem de África que nos é dada a conhecer pela imprensa europeia, através do destaque que a mesma dá àquilo que considera relevante e/ou significativo daquele extenso território mundial, no contexto da II Cimeira UE/África. Através da história e da cultura, como também através das relações económicas, políticas e comerciais que decorre da colonização, a Europa manteve sempre com o continente africano laços culturais fortes e interesses económicos acrescidos, embora caracterizados sempre por alguma ambivalência, isto porque o “fantasma”, de doador-receptor, ainda consegue aflorar-se nas relações. O crescimento económico de países como a China, e o próprio fenómeno da globalização, veio chamar a atenção da Europa para alterar a sua estratégia de actuação no que diz respeito à defesa dos potenciais interesses que tenha em África. A primeira tentativa de aproximação entre as duas regiões, a um nível mais político, deu-se aquando da realização da I Cimeira da UE/África no Cairo em 2000, também esta sob Presidência Portuguesa da União Europeia, e desde então, nunca 4 mais se realizou outra Cimeira, embora nesta altura, se tivesse perspectivado um novo encontro em 2003, que não chegou a concretizar-se devido à presença do Presidente do Zimbabwe, Robert Mugabe. Nesta altura ambas as partes conceberam estratégias políticas e documentos de orientação destinados a orientar a sua cooperação, incluindo o Acto Constitutivo1 e o Quadro Estratégico da UA (2004-2007) e a Estratégia UE-África de 20052. Todos reconheceram que este novo reencontro, a definição de uma nova Parceria Estratégica, mais sólida, mais estruturada, implementada através de sucessivos Planos de acção a curto prazo com vista a uma cooperação bilateral mais consolidada, era urgente, e houve mesmo quem lamentasse a demora, "foram precisos sete anos para que a Europa e África se voltassem a encontrar", palavras do Presidente francês, Nicolas Sarkozy3. Mas foi no Cairo que tudo teve início, e foi aqui que se reatou o diálogo político institucional ao mais alto nível entre a União Europeia e África, encontro este centrado sobretudo na África Subsariana e onde a OUA (Organização da União Africana), actualmente União Africana (UA) e União Europeia (UE), se confrontaram pela primeira vez. Também constituiu um marco na história de África, tanto os países da África do Norte da Parceria Euro-Mediterrânica, como os países da África Subsariana, como parte no Acordo de Parceria de Cotonou, terem sido protagonizados neste encontro. Com este trabalho, pretendemos saber como foi feita a cobertura de imprensa da II Cimeira UE/África, que tratamento noticioso foi dado a este acontecimento cheio de noticiabilidade. Ao mesmo tempo, e de acordo com o que foi exposto na imprensa, saber que tipo de imagem foi projectada sobre o continente africano. No I capítulo faremos uma abordagem ao fenómeno da comunicação face à globalização e analisaremos de que forma a divulgação das notícias a nível 1 Para saber mais sobre o Acto Constitutivo, consultar http://www.fd.uc.pt/CI/CEE/OI/OUA/acto_constitutivo-uniao-africana.htm Veja Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu e ao Comité Económico e Social Europeu, de 12 de Outubro de 2005, Estratégia da UE para África: rumo a um Pacto Euro-Africano a fim de acelerar o desenvolvimento de África, [COM(2005) 489 final – Não publicado no Jornal Oficial] disponível em http://europa.eu/scadplus/leg/pt/lvb/r12540.htm. 3 Discurso de abertura “A Paz e a Segurança”, no âmbito da II Cimeira UE/África em 8/12/2007 2 5 internacional evoluiu face à emancipação dos países ditos não desenvolvidos ou do terceiro mundo (África, Ásia e América Latina) após as independências, em termos de reorganização dos fluxos globais de informação lançado em 1970 pela adopção de uma Nova Ordem Mundial de Informação e Comunicação. No II capítulo do trabalho, e na primeira parte, apresentamos o enquadramento teórico do trabalho (revisão da literatura), onde iremos desenvolver conceitos ligados à teoria da notícia como construção social da realidade e conceitos ligados ao newsmaking. Na segunda parte deste capítulo desenvolveremos conceitos ligados à teoria dos efeitos dos media, desenvolvidos entre 1970 e 1986, orientadas para o estudo dos efeitos cognitivos e a sua articulação com alguns conceitos ligados às Relações Internacionais (RI), Ciência Política numa vertente interdisciplinar, adaptando-os à forma como a imprensa europeia, no conjunto dos media, deu cobertura ao acontecimento que foi a II Cimeira UE/África. A forma como foi representada, a imagem de África, neste mundo cada vez mais interdependente e globalizado será alvo da nossa atenção. Assim, tudo o que foi escrito na imprensa, contribuiu para a construção mental de uma imagem junto da opinião pública que baseada em critérios jornalísticos de noticiabilidade e na teoria do agenda-setting, pode gerar distorções da realidade em nome do sensacionalismo e mediatismo que normalmente acompanha este tipo de eventos, e constituir fonte de discussão pública. Tudo isto vai interferir na percepção que os países/continentes têm uns dos outros no seio das Relações Internacionais e gerar na opinião pública a percepção de uma determinada imagem, através da forma como se noticia um acontecimento, com grande amplitude, como foi o caso da II Cimeira UE/África. O modo como o continente africano foi projectado na imprensa, afecta de alguma forma, a opinião pública, pelo enquadramento que foi dado às notícias que envolveram o acontecimento, a ênfase que foi dada a determinados temas por omissão de outros. 6 Desta forma, torna-se importante conhecer o modo como as notícias foram apresentadas na imprensa europeia. No III capítulo e no ponto 1, faremos uma breve caracterização dos problemas actuais de África. No ponto 2, faremos uma abordagem ao contexto histórico que propiciou a realização da II Cimeira UE/África e as motivações que tornaram imperativo a realização deste novo encontro entre líderes africanos e europeus. Analisaremos os principais documentos que saíram desta II Cimeira – Declaração de Lisboa e Estratégia Conjunta. No ponto 3 serão apresentadas algumas perspectivas dos media africanos sobre a II Cimeira UE/África e no ponto 4, de acordo com as notícias da imprensa europeia, apresentamos algumas das reacções, políticas e da sociedade civil, em relação à II Cimeira UE/África. No IV capítulo, faremos a análise de conteúdo dos jornais que constitui o corpus do trabalho. Aqui definimos e delimitamos o objecto de estudo ao mesmo tempo que formulamos hipóteses e apresentamos os objectivos a atingir. Na segunda parte descrevemos as técnicas de investigação a serem utilizadas. No ponto 3, será feita a apresentação e discussão dos resultados baseada na análise de conteúdo sobre a forma como foi feita a cobertura de imprensa europeia da II Cimeira, e a imagem de África projectada neste contexto, de acordo com os objectivos e hipóteses definidas. 7 CAPÍTULO I – GLOBLIZAÇÃO E COMUNICAÇÃO 1. O relatório McBride e a Nova Ordem Mundial de Informação e Comunicação – NOMIC. A II guerra mundial constituiu um marco na história das Relações Internacionais, porque definiu um novo mapa político das Nações ao pôr fim à supremacia que a Inglaterra detinha no mundo desde o séc. XIX que se reflectiu numa nova reorganização geográfica – a divisão do mundo a partir da polarização da disputa ideológica entre EUA e URSS – permitindo que países da Ásia, África e América Latina se tornassem independentes do ponto de vista político e administrativo, ao mesmo tempo que as duas potências entram num ritmo acelerado de crispações, motivado pelas diferentes perspectivas quer a nível social e económico, quer a nível político e ideológico, conflito este designado por GuerraFria. Segundo a definição proferida por Walter Lippmann, Guerra-Fria, “é a designação que se dá às Relações Internacionais que decorreram na II metade do século XIX. Essa época da história contemporânea foi caracterizada pelo antagonismo entre dois blocos de Estados, cada um deles unido pela ideologia política, por um pacto militar e por um sistema económico e os respectivos blocos foram liderados pelas duas superpotências, os EUA, e a URSS” (Lippmann, cit. in Waltz, 2002:73), que durou cerca de meio século. Ao mesmo tempo surgem novas forças políticas internacionais – Terceiro Mundo – fruto da 1ª vaga de descolonizações e da afirmação de nações renascidas das cinzas da guerra: Japão e CEE (Comunidade Económica Europeia). O fosso entre os países do Norte e do Sul agudiza-se ao mesmo tempo que a entrada das novas nações na ONU, veio impor uma alteração na estrutura da organização, uma vez que, passaram a ter peso nas decisões políticas, ao poderem exercer o direito 8 de veto no Conselho de Segurança da ONU. Verifica-se, portanto, um novo desenho geopolítico que se sustenta na formação de duas grandes zonas de influência: a zona soviética, pró comunista e a zona anglo-saxónica (ou americana), liberal e capitalista. Assim o mundo bipolarizou-se e é nesta altura que a Alemanha se divide, levando à construção do Muro de Berlim em 1961. Tudo isto contribuiu para o agravamento dos problemas que já existiam nos países do Terceiro Mundo, mas em 1991 com a queda do Muro de Berlim, com o desmoronamento do bloco soviético, iniciar-se-á uma Nova ordem Internacional (sucessora da bipolarização política mundial que segundo alguns autores é algo que ainda não existe) que mais tarde levou à formulação de uma Nova Ordem Económica Internacional por parte desses países em desenvolvimento, com o objectivo de acelerar a sua integração no circuito de comércio internacional. Mas, é em 1955 na Conferência de Bandung (Indonésia) que terá sido dado início, à Nova Ordem Internacional ao fazer emergir o movimento dos não-alinhados (NOAL – sigla em Inglês), a primeira Conferência Afro-Asiática, patrocinada pela Indonésia, índia, Birmânia, Paquistão e Ceilão, com a participação total de 29 países. Esta reunião, foi considerada um marco do terceiro-mundismo e do nãoalinhamento e deu origem à Carta de Bandung, um documento com dez pontos que reivindicava a autodeterminação dos povos e criticava o racismo e o colonialismo. Inicialmente este movimento foi patrocinado pelos asiáticos e acabou por contribuir para a descolonização africana que entretanto tinha tido início. Este movimento foi criado oficialmente na Conferência de Belgrado (Jugoslávia), em 1961, sob a liderança de N´krumah (Gana), Nasser (Egipto), Nehru (Índia), Sukarno (Indonésia) e Tito (Jugoslávia) e responsáveis pelo surgimento deste movimento que procurava ser uma via alternativa e neutral ao bipolarismo mundial, rejeitando a divisão do mundo em dois blocos feita pela “Guerra-Fria” e propunham um Nova Ordem Económica Internacional mais justa. Foram os países da Ásia, África e América 9 Latina que deram consistência ao movimento e que de 25 em 1961 passaram a 113 em 1995 e hoje já são 116. Estes países assumem-se como Terceiro Mundo, países que apesar de alcançarem a autonomia política, estão na dependência económica dos países dos países ricos que mantém o atraso destas regiões (subdesenvolvimento) sob a forma de neocolonialismo. Várias conferências se sucederam4 (Cairo, 1964; Havana, 1966; Lusaka, 1970; Argel, 1973, etc.), onde é então reivindicada uma Nova Ordem Económica Internacional que lhes permitisse ultrapassar o atraso e consolidar a sua independência. Os não-alinhados tiveram grandes dificuldades em garantir a sua neutralidade assim como manter a sua unidade interna, dada a sua enorme heterogeneidade económica, social e cultural dos seus membros. A instituição desta nova ordem precede à Nova Ordem Mundial de Informação e Comunicação (NOMIC), um projecto internacional de reorganização dos fluxos globais de informação lançado em 1970 pelo movimento dos países não-alinhados (e com o apoio da UNESCO), como forma de reivindicarem o acesso ao circuito mundial de informação. Este projecto seria posto em prática através de diversas acções governamentais e pela sociedade civil como por exemplo as organizações não-governamentais (ONG´s). Assim, em 1973, os países não-alinhados (os que não defendiam nem a URSS nem os EUA), reuniram-se em Argel, na IV Conferência (Argel), para defender a ideia de que já não era o controlo dos mercados mas sim o controlo da tecnologia o obstáculo que interferia na estrutura do poder internacional, propondo uma “reorganização dos circuitos da informação” (…) “que são uma herança do passado colonial” e que “os impedia de comunicar livremente, directamente e rapidamente entre eles” (Cruz, João, 2002: 343). Nesta altura os países do Terceiro Mundo já 4 O Movimento dos não-alinhados fez várias reuniões, para aprofundar as suas convicções políticas (luta contra o imperialismo, colonialismo, neocolonialismo, racismo, bem como contra qualquer tipo de agressão ou dominação externa) e debater questões económicas, como o preço das matérias-primas, o desenvolvimento e a dívida externa. Diversos países africanos participaram nestas reuniões. 10 reivindicavam por “uma Nova Ordem Mundial da Informação e por uma troca mais equilibrada e equitativa de informações e notícias entre os dois blocos desenvolvidos e subdesenvolvidos”, (Cruz, João, 2002: 343), para além da constituição de um conjunto de agências noticiosas dos países subdesenvolvidos, o que veio a suceder como veremos mais adiante. Estas propostas foram apresentadas no Programa de Acção para a Cooperação Económica, aprovadas na IV Conferência dos Países Não-Alinhados em 1973, no ponto XIII. Em 1969, a UNESCO – United Nations for Educations, Science and Culture Organization (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) – já tinha reunido um conjunto de peritos em Montreal no Canadá, com o objectivo de fazer o ponto da situação em matéria de investigação e delinear as tendências prováveis, com vista a adoptar uma estratégia de apoio à investigação para os próximos anos. Concluíram na altura o seguinte: “a imagem que se dá dos países em desenvolvimento é, muitas vezes, falsa, deformada e o que é mais grave, esta imagem é aquela que é apresentada aos países em desenvolvimento”. Estimavam na altura que “ a troca de informação e de outros produtos culturais, em particular, nos países em vias de desenvolvimento arrisca modificar ou deslocar os valores culturais e de acarretar problemas para a compreensão mútua entre as nações” (Mattelard, 1991: 240). Em 1976, primeiro em Tunis na Tunísia e depois na V Conferência dos Países Não-Alinhados em Colombo, começaram a falar da “descolonização no domínio da Informação”, no quadro de um simpósio organizado pelos não-alinhados. Nesse mesmo ano em Nairobi no Quénia no Fórum da Unesco, reivindicaram uma Nova Ordem Internacional da Informação na sequência do período da independência do Suriname – antiga Guiana Holandesa –, ocorrida em 1975. Nessa altura, os países em vias de desenvolvimento salientaram o facto de “os jornais da América Latina divulgaram cerca de 70% de material noticioso oriundo dos países desenvolvidos e 11 apenas 3% das matérias relativas à independência do Suriname” (Cruz, João, 2002:343). Foi nesta altura que foi então lançada a ideia da Nova Ordem Internacional de Informação, mais tarde Nova Ordem Mundial da Informação e Comunicação – NOMIC) como já foi referido, e inserida nos programas da UNESCO e da Assembleia das Nações Unidas em 1978. Esta Ordem argumentava que se verificava um “profundo desequilíbrio de tráfico noticioso entre o hemisfério Norte e o Sul, que levava a uma promoção da influência cultural do Ocidente” (Mattelart, 2002), propondo mudanças e estratégias para redistribuir e equilibrar os fluxos de informação entre países ricos e subdesenvolvidos. No entanto, a oposição por parte dos media privados, fez com que o projecto caísse no esquecimento. Nas décadas seguintes a UNESCO, substituiu a NOMIC na sua agenda política por outros temas como democratização da comunicação, sociedade da informação e inclusão digital. As principais reivindicações foram: O Ocidente e os países desenvolvidos não cobrem suficientemente a realidade dos países menos desenvolvidos; O Ocidente e os países desenvolvidos promovem uma visão distorcida e deformada da realidade dos países menos desenvolvidos através da cobertura única e exclusiva de acontecimentos negativos ou cataclismos; O Ocidente projecta um imperialismo cultural e ideológico sobre os países menos desenvolvidos. Em 1980, uma comissão desta organização estudou os problemas da Comunicação no mundo e produziu um documento – o Relatório de MacBride – propondo mudanças para redistribuir e equilibrar os fluxos de informação entre países ricos e subdesenvolvidos, baseado no artigo sexto que passamos a transcrever: 12 "A instauração de um novo equilíbrio e de uma melhor reciprocidade na circulação da informação, condição favorável para o sucesso de uma paz justa e durável e para a independência econômica e política dos países em desenvolvimento, exige que sejam corrigidas as desigualdades na circulação da informação com destino aos países em desenvolvimento, procedente deles, ou em algum desses países. Para tal fim é essencial que os meios de comunicação de massas desses países disponham as condições e os meios necessários para fortalecer-se, estendendo-se a cooperação entre si e com os meios de comunicação de massa dos países desenvolvidos ”. Este relatório5 foi apresentado pela UNESCO em 1980, por uma comissão presidida pelo Irlandês Sean MacBride, daí o nome desse projecto. O objectivo era analisar os problemas de comunicação no mundo nas sociedades modernas, sobretudo a questão da comunicação de massa e da imprensa internacional. Foi o primeiro documento oficial de um organismo multilateral que não só reconhecia a existência de um grave desequilíbrio no fluxo mundial de informação e da comunicação, como apresentava possíveis estratégias para alterar a situação. Várias conferências regionais sobre políticas culturais e políticas nacionais de comunicação, sob o patrocínio da UNESCO, foram realizadas em várias partes do mundo, inclusive na América Latina. As reivindicações destes países passavam pela constituição de um conjunto de agências noticiosas dos países em vias de desenvolvimento para colmatar a falta de notícias sobre a realidade desses países. Na sequência desta discussão foram criadas em 1976 a Non-Aligned News Agency (NANA), que reuniu uma dezena de agências de imprensa provenientes dos países não-alinhados, e a Inter-Press Service, um pouco mais cedo, em 1964 dinamizada pelos meios de comunicação da América Latina interessados em promover um fluxo de notícias sobre programas e temas relacionados com o desenvolvimento. Para além, destas agências, fizeram-se igualmente ao nível regional diversos esforços semelhantes aos da NANA e da IPS nas respectivas áreas de actuação, tais como a PANA (Pan – African News Agency) e a CANA (Caribbean News Agency) e ANN 5 Também conhecido como Um mundo, muitas vozes (ou pelo nome “científico”, completo e original: Communication and Society Today and Tomorrow, Many Voices One World, Towards a new more just and more efficient world information and communication order), texto disponível em http://unesdoc.unesco.org/images/0004/000400/040066eb.pdf 13 (Asian – Pacific News Network), só para referenciar alguns dos acordos de cooperação celebrados (Cruz, João: 2002:344-345). No entanto a forte oposição das organizações privadas de media, a partir de então, acabou, relegando o projecto ao esquecimento. Nas décadas seguintes, a UNESCO praticamente substituiu a NOMIC na sua agenda política por outros temas, como democratização da comunicação, sociedade da informação e inclusão digital. Outro aspecto importante a salientar é que em relação às principais agências noticiosas, hoje em dia, nenhum meio de comunicação pode prescindir dos serviços das agências, “A atendabilidade ligada á credibilidade e às despesas de cobertura, tornam-nas fontes literalmente insubstituíveis” (Cruz, Carla, 2008:116). Elas estão concentradas num determinado espaço geográfico: Reuters (Grã-Bretanha): Agence France Press (AFP) da França; Associated Press (AP) e United Press International (UPI), ambas dos EUA. Como refere Carla Cruz (2008): “Este facto, por si só, promove distorções no sistema internacional de circulação de notícias. O local passou a ser global integrado numa Nova Ordem Mundial de Informação e de Comunicação (NOMIC), onde os países mais desenvolvidos impõem a matriz do fluxo de notícias internacionais. É neste facto que se consubstancia a tese do imperialismo cultural dos mass media, onde metaforicamente se diz que a globalização é a “hamburgarização da cultura”, de tal forma a divulgação informativa está americanizada”. (p.117) Grande parte das discussões centradas na defesa de argumentos em prol da Nova Ordem Mundial de Informação e da Comunicação, que decorreram depois dos anos 70 até ao início dos anos 80, foram fundamentalmente suportadas pelos países de influência comunista, como a URSS, os países do Leste europeu e a República Popular da China. A partir da Conferência Geral, realizada em 1976, decidiu-se fazer um estudo aprofundado da situação a nível mundial. Foi então fundada uma comissão – International Commission to the study of Communication Problems – IPDC, presidida 14 pelo Irlandês Sean MacBride, prémio Nobel da Paz – constituída por personalidades tão reputadas como o escritor columbiano Gabriel Garcia Marquez, o professor Beuve – Méry, fundador do Le Monde, a canadiana Betty Zimmerman e representantes de outros países, incluindo os EUA e a União Soviética. A comissão MacBride, como posteriormente ficou conhecida, colocou em colaboração centenas de especialistas e compilou uma vasta documentação internacional. Deste modo, conseguiu-se chegar ao mais completo diagnóstico do panorama informativo internacional. Em 1980, foi apresentado um relatório conclusivo, sobre o estado actual das comunicações no mundo, que se tornou um documento fundamental para os estudiosos da comunicação. Apesar das boas intenções do relatório, este não produziu mais do que meras generalidades e declarações de princípio ficando assim aquém das reflexões académicas ou relatórios oficiais que circulavam na década de 70. Tendo em conta, o conteúdo dos fluxos informativos difundidos entre os países subdesenvolvidos, “verifica-se um acentuado desequilíbrio entre as notícias originárias dos países industrializados e entre as respeitantes dos países subdesenvolvidos, o que constitui vantagem para o fluxo internacional de notícias controlado pelas grandes agências mundiais de notícias e as duas grandes agências internacionais de imagens – Visnews e UPITN” (Cruz, João, 2002:343). A imagem que os media constroem do resto do mundo, de países (não necessariamente) periféricos através da cobertura de certos acontecimentos de valência negativa e não (em complementaridade) de outros mais positivos, influi na imagem individual, social e internacional que é feita sobre os mesmos países, o que pode traduzir-se numa ameaça à identidade nacional dos países menos desenvolvidos. A preferência do formato jornalístico por eventos negativos é explicada pela assunção de critérios clássicos de noticiablidade: impacto/amplitude. 15 Uma notícia negativa tem uma carga dramática maior do que uma notícia positiva, assim, uma notícia negativa será (jornalísticamente) mais relevante, na medida em que vai afectar ou atingir o maior número de pessoas. 1.2. Desigualdades e discriminações nos países do terceiro mundo Vivemos num mundo cada vez mais interdependente e interligado, consequência daquilo a que chamamos de globalização6. As sociedades dos países com maior desenvolvimento tecnológico conhecem hoje grandes mudanças e o fenómeno da comunicação tornou-se global. Hoje em dia reconhece-se que existe um consenso alargado sobre a internacionalização da comunicação de massas, “as imagens que os povos têm uns dos outros são parcialmente determinadas pelos fluxos internacionais de informação”, (Bailey, 1989; Link, 1984; Stenvenson e Smith, 1984)7. Alguns académicos estão, inclusivamente, convictos de que as notícias e os meios jornalísticos internacionais influenciam globalmente as correntes de opinião pública e a tomada de decisões sobre assuntos internacionais e pensam mesmo que se assiste a fenómenos de concentração de poder no campo da comunicação internacional, com consequências inevitáveis para as relações internacionais. Há um domínio informativo e cultural que os países mais avançados exercem sobre os menos desenvolvidos. Como principal factor desse domínio temos a distribuição das agências noticiosas mundiais onde a história do seu desenvolvimento acompanha a história do aparecimento e expansão das grandes potências coloniais. Em França a Havas em 1835 (hoje Agence France Press), nos EUA, a Associated Press em 1848, na Alemanha a Woolf em 1949 e no Reino Unido a Reuter em 1851. 6 Ver síntese das principais teses sobre a globalização no livro António Rebelo de Sousa, De um Novo Conceito de Desenvolvimento no Quadro da Economia Internacional, ISCSP, Lisboa, 2008, pp. 109 – 111. 7 Citados por Jorge Pedro de Sousa, A Informação Internacional na Imprensa Ibero-Americana – Uma visão Portuguesa, texto disponível em http://bocc.ubi.pt/pag/sousa-jorge-pedro-duas-semanas.html, consultado em 27 de Setembro de 2007 16 Depois temos a TASS em Moscovo (1918), desaparece a Woolf e aparece a United Press International em 1958. Existe um domínio privado capitalista onde as quatro agências ocidentais informam simultaneamente trinta e oito Estados de África, América do Norte e do Sul, Ásia e Europa, ou seja 40, 4% da população mundial. A TASS cobria 30,9% da população do globo. Há ainda um domínio dos EUA e do mundo anglo-saxónico. Assim 50% da população mundial continua a ser informada do que se passa no exterior através de uma única agência mundial que relata os acontecimentos de acordo com o significado e importância que a informação tem para o seu centro emissor. As agências nacionais acabam por ter uma função muito limitada. As informações que lhes chegam do exterior são fornecidas pelas grandes agências noticiosas mundiais, que interpretam os acontecimentos de acordo com os padrões, valores e ideologias ocidentais. As agências nacionais podem cobrir assuntos e filtrar a comunicação com o exterior, tanto no sentido de envio das mensagens como no da recepção. No entanto não podem fazer ouvir a sua voz em todos os outros países. 1.3. Comunicação, Imagem e Percepção dos Estados-Nacões, no seio das Relações Internacionais, face ao fenómeno da globalização da Comunicação. Falar hoje de imagem, é falar num conceito que tem vindo a ganhar uma enorme relevância, embora já tivesse começado a ganhar contornos específicos a partir da 2ª metade do século XX, tornou-se hoje um fenómeno, sobretudo se pensarmos que a imagem tem um peso extraordinário na sociedade a vários níveis, que passa tanto pela nossa vida comum, como pela vida empresarial, politica, 17 económica, social e cultural. É por isso que é muitas vezes manipulada pelas formas de poder face às suas potencialidades. Mas falar de imagem, implicava falar das múltiplas representações que ela pode ter, mas para o desenvolvimento deste tema, interessa sobretudo apresentar a imagem como uma estratégia utilizada pelos países e pelo poder político para se poderem afirmar no contexto internacional. Se virmos uma imagem, fazemos uma interpretação dela, consoante a nossa sensibilidade, percepção e conhecimento para a poder interpretar e analisar. Mas, muitas vezes esses requisitos de interpretação podem ser condicionados por factores, nomeadamente por mecanismos que nos podem levar a pensar e agir de uma outra maneira perante determinado “facto” visual. Isto pode acontecer por exemplo, quando no contexto das Relações Internacionais um país quer projectar uma imagem positiva e diferente daquela que é a verdadeira, ou, quando pretende denegrir a imagem de outro país, manipulando a opinião pública, recorrendo para isso aos diversos órgãos de comunicação. Aqui o poder político encontra “espaço” para transmitir ao mundo aquilo que pretende revelar acerca do seu país, do seu povo e sobretudo das suas políticas, tentando muitas vezes “ludibriar” a opinião pública internacional consoante os seus interesses e ambições. A imagem que se tem de África, de um continente devastado por sucessivos conflitos armados, pela pobreza e fome, falta de transparência, corrupção (má governação), falta de democracia, violação dos direitos humanos, tem vindo a sobrepor-se à riqueza, tanto a nível cultural como material, quando sabemos que “África não é um continente pobre”8, e à contribuição que o continente e o seu povo poderão dar ao mundo. 8 Discurso de Alpha Oumar Kanaré (Presidente da Comissão Africana (CA) em exercício na altura da realização da II Cimeira UE/África), na conferência de encerramento em 9/12/2007, gravada pela autora. 18 O negativo retrato que se tem da África tem vindo a ser um motivo de preocupação por parte de líderes africanos e de vários grupos da sociedade civil, e a II Cimeira UE/África, constituiu um marco na história, da Europa e de África, no sentido de os líderes africanos mostrarem ao mundo que estão empenhados politicamente em alterar os padrões instituídos, e lutarem em parceria com a Europa por uma “nova” África. Contudo, existem profundas alterações que têm de ser feitas, para que possa emergir uma “nova imagem de África”, ou se quisermos usar a terminologia adoptada pelo professor Doutor Pedro Borges Graça uma nova “imagem cultural nacional”9. São muitos os líderes que contribuem para a má imagem de África no mundo. O Presidente do Zimbabwe, Robert Mugabe “está a prejudicar aquela que seria a imagem da nova África”10. A intervenção da Chanceler foi criticada pelo Presidente senegalês, Abdoulaye Wade, afirmando que Merkel fez uma intervenção baseada em “informações erradas” sobre o Zimbabwe. São estes confrontos políticos, muitas vezes pouco esclarecedores, que geram imagens deformadas de uma determinada realidade, tanto no plano político, económico, social, como cultural, difundidas quer seja através da televisão, da rádio, imprensa ou Webjornal. A importância da imagem viria a ganhar peso, sobretudo com o fenómeno da comunicação. O poder político, na defesa dos seus interesses, encontrou desde sempre (entre várias preocupações), a de conseguir definir e transmitir uma imagem favorável do seu povo e do seu país, daí que tal como falamos de imagem na comunicação, também poderemos falar de imagem adaptada às Relações Culturais Internacionais, segundo o Professor Doutor Pedro Borges Graça (Moreira e Cardoso, 1992: 253). 9 Moreira, A e Cardoso Pedro, (org.) (1992). Estratégia, “A informação Cultural de Portugal nas Relações Internacionais”, Vol. IV, ISCSP, 1992, pp. 253-283. 10 Declarações proferidas por Ângela Merkel, na reunião entre os líderes durante a primeira sessão de trabalhos no âmbito da II Cimeira UE/África em 8/12//2007. In Jornal Diário de Notícias, 9/12/2007 19 O poder político no seio das Relações Internacionais, utiliza certos elementos capazes de projectar uma imagem favorável que contribua para a formação de uma opinião pública internacional favorável à sua política externa. Daí que, o professor Pedro Borges Graça também se refira ao conceito Estratégias Culturais Nacionais (Moreira e Cardoso, 1992: 255), que acompanharam a evolução do fenómeno da comunicação e os vários objectivos internacionais que o poder político define, tornam-se mais eficazes quanto mais um país consegue impor o seu Poder Cultural Nacional (Graça, cit. in Moreira e Cardoso, 1992: 266), isto é, ”a capacidade efectiva que um Estado-Nação detém na propagação da sua cultura e da sua Imagem Cultural Nacional” (Graça, cit. in Moreira e Cardoso, 1992: 266). A Informação Cultural de África, normalmente, tem uma noticiabilidade associada, onde constantemente se verifica um tratamento negativo da imagem do continente11. Neste sentido, em muitas notícias que são transmitidas sobre África podemos falar de desinformação, deformação ou omissão de informação que é transmitida para os outros Estados-nação, que tem a ver com as hierarquias dos países nas Relações Internacionais, que foram reivindicadas por vários países como já vimos. Outra forma de encaramos o conceito de imagem, é aquela que é vista enquanto percepção de uma realidade, de um país, de um povo, percepção essa feita através de um conjunto de valores, ideias, pensamentos, manifestações culturais que, quando entram em confronto com parâmetros de sociedades diferentes, produzem uma imagem muitas vezes não coincidente com a realidade. Isto porque hoje as relações entre os povos e culturas tendem a complexificar-se. A relação entre os países, os centros de decisão com autonomia política obedece a uma lei de complexidade crescente12 que, à medida que aumentam as 11 O conceito de Imagem Cultural Nacional é aqui referido na sua dimensão cultural. Veja Moreira, Adriano, As Novas Fronteiras e o Direito à Imagem Nacional, Separata de Estados Políticos e Sociais (E.P.S.), ISCSPU, vol. IV, nº1, 1966 12 20 interdependências, tornam mais agressivas e dinâmicas as interdependências13. Ainda no seio das Relações Internacionais "Os povos existem na vida internacional exactamente e apenas na maneira como são vistos" (Graça, cit. in Moreira e Cardoso, 1992: 254). Ligado ainda à imagem, podemos fazer uma outra abordagem que tem a ver com a Imagem de Poder, a Mentira Razoável e o Silêncio do Poder, conceitos utilizados pelo professor Adriano Moreira para exprimir a “divergência entre o que o Poder diz e aquilo que o Poder faz e escreve” (2006:126). Será que a II Cimeira UE/África, não foi mais do que um encontro mediático ao invés de ter sido um encontro construtivo? Quando se realizar a III Cimeira UE/África, em 2010, saberemos se as políticas definidas tiveram a eficácia que os 80 chefes de Estado e de Governo dos dois continentes se comprometeram alcançar14. O professor chama de falta de autenticidade do Poder quando há uma discrepância entre o modelo normativo de conduta que a lei proclama (modelo formal), o modelo de conduta que o Poder adopta e o modelo real (Moreira, 2006: 70). Na II Cimeira foram aprovados a Declaração de Lisboa e a Estratégia Conjunta UE/África, documentos que analisaremos com detalhe mais à frente e que consubstanciam os objectivos prioritários a atingir para o continente africano e que serão obviamente, integrados em modelos normativos para que adquiram legitimidade. A aplicabilidade destes documentos leva também o professor a falar da Mentira Razoável, que normalmente “faz com que exista uma divergência sensível entre o que o poder diz e aquilo que o poder faz e escreve”. (Moreira, 2006:126). Mas apesar dos vários instrumentos úteis ao dispor do poder político, “Raro é o Estado que não proclama o respeito pelos Direitos do Homem, mas não são raros os que não os respeitam e escondem ou negam as violações” (Moreira, 2006:71). 13 Para compreender melhor o conceito de interdependência, veja por exemplo “Nye, Joseph, Compreender os Conflitos Internacionais, Uma Introdução à Teoria e à História, Lisboa, Gradiva, 3ª edição, 2002 14 Moreira, Adriano (2007) “ A canção de Harrow” – A memória aconselha a autenticidade de propósitos e compromissos assumidos na Cimeira UE/África”. In Jornal Diário de Notícias, 18/12/2007 21 Muitos dos Chefes de Estado e líderes africanos que estiveram presentes na II Cimeira, não se inibiram de falar dos Direitos Humanos, mas quantos são os países que os respeitam? Podemos enumerar alguns que estiveram presentes. Veja-se o caso de Omar-al-Bashir, Presidente do Sudão, país que vive o drama do Darfur, com dois milhões de refugiados e perseguições étnicas e religiosas; o Presidente de Burkina Faso, Blais Kafaesi, o homem que derrubou o antigo regime num golpe de estado e que instituiu o multipartidarismo, mas que também enfrenta graves críticas sobre os Direitos Humanos; o Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, à semelhança de todos os outros chefes de Estado e de Governo, foi recebido com honras militares, pelo ministro das obras públicas português, Mário Lino15. Angola é dos países africanos com mais elevada taxa de crescimento económico, desde que foi alcançada a Paz entre a Unita e o MPLA em 2002. O grande crescimento é motivado por um forte investimento estrangeiro e pela indústria do petróleo, apesar de ser considerado o elo dourado africano, Angola está também na mira permanente de organizações internacionais por alegada violação dos Direitos Humanos. O Primeiro-ministro português, José Sócrates16 fez questão de salientar que os Direitos Humanos faziam parte da agenda política da II Cimeira UE/África: “Os Direitos Humanos sempre foram e são um ponto-chave da Estratégia Conjunta, nós vamos discutir os Direitos Humanos e já estamos a discutir os Direitos Humanos, todos os dias se fala disso à volta desta Cimeira. É que se não houvesse cimeira é que não se falaria de Direitos Humanos. Os Direitos Humanos vão ficar melhor depois desta Cimeira, porque teremos uma Estratégia Conjunta em que vamos sublinhar essa importância, é por isso que todos aqueles que se interessam por Direitos Humanos, estão preocupados não apenas com a retórica, mas com as pessoas em concreto, percebem que essa situação melhorará depois desta Cimeira, que o erro é não fazer nada”. 15 16 Telejornal RTP 1 (7/12/2007) Primeiro-ministro português, José Sócrates, Telejornal RTP 1 (/7/12/2007) 22 Esta sua intervenção, vem ao encontro da reflexão que o professor Adriano Moreira faz sobre o poder, e que temos vindo a dissertar, que é o “problema da imagem que o Estado pretende manter, mesmo sem coincidência com a realidade, (…) pelo menos, até que possa ser submetido aos critérios de verificação e da experiência” (Moreira, 2006:71). Para além destes conceitos, o professor ainda fala do Silêncio do Poder, que como bem define, é “Aquilo de que os agentes do Poder sistematicamente não falam, ou impedem que se fale” (Moreira, 2006:126). Nas duas conferências de imprensa da II Cimeira UE/África, onde estiveram presentes os principais representantes das organizações políticas dos dois continentes, a questão do petróleo que abunda em alguns países de África e a agricultura (90% da população africana depende dela para subsistir), foram questões marginais no encontro entre os políticos, e nem sequer foram levantadas pelos jornalistas presente na Sala de Conferências da Presidência Portuguesa, porque não fizeram parte da agenda política da II Cimeira UE/África. Os media têm aqui uma coresponsabilidade, não só porque não investigam sobre os temas, condicionados pela “ditadura do tempo”, no sentido de apreender o que é significativo, como parece existir uma falta de autonomia e originalidade em relação à informação que divulgam, que, como veremos mais adiante, estão fortemente condicionados pela cultura, não só jornalística como da própria organização e até mesmo pelo ambiente extra-organizacional, para apresentarem as notícias como são. Tudo isto concorre para a precariedade que existe em saber como são tomadas as decisões políticas (dificuldade de acesso às fontes) e levanta-se também a questão do acesso à documentação oficial necessária ao esclarecimento da opinião pública. Os detentores do poder como afirma Adriano Moreira “escondem ou divulgam o que lhes parece conveniente, de colectores anónimos que registam apenas o que em seu parecer é relevante, dentro do limitado acesso que 23 conseguem, e de divulgadores desconhecidos que filtram o que decidem ser oportuno” (2006:128). Mas como é que as Imagens culturais e políticas se projectam no mundo? Como já referimos, o principal instrumento utilizado pelo poder político actualmente, são os media, e é através das notícias que são divulgadas que sabemos o que se passa no mundo. Mas, a percepção que temos do mundo, através do processo de construção das notícias, é um processo complexo. Por isso, podemos afirmar que os conceitos das Relações Internacionais, cruzam-se com conceitos das Teorias dos media, uma vez que, os países para se projectarem no mundo, para terem voz na defesa dos seus projectos e interesses políticos e se posicionarem face à globalização, estão dependentes de um interlocutor privilegiado, – os media. CAPÍTULO II – AS PERSPECTIVAS TEÓRICAS DA COMUNICAÇÃO 1. Media e a construção da notícia: recolha, selecção e produção da informação 1.1. Principais referentes do discurso jornalístico (acontecimentos) e a unidade discursiva (notícia). A Sociologia do jornalismo, Villafañe, Bustamante e Prado (1987), Fabricar Notícias; o de Cohen e Young (1983), The Manufactured of News; ou o de Fishman (1980), Manufacturing the News, citados por (Melo et al., 2008:188) são alguns exemplos de títulos de livros, levando-nos à ideia de podermos comparar a produção jornalística de informação à produção industrial de qualquer bem, transformando as organizações noticiosas em autênticos centros fabris. 24 As notícias tanto na sua forma como no conteúdo, passam por várias etapas de produção, como numa linha de montagem onde a primeira etapa seria a descoberta da notícia (Whitney, Sumpter e McQuail, 2004:403 cit. in Melo et al., 2008:188); a segunda a produção, a terceira a circulação das notícias e quarta a do consumo das notícias, fase em que estas produzem efeitos (Alsina, 1993 cit. in Melo et al., 2008:188). As organizações noticiosas têm um papel fundamental em todo este processo ao estenderem uma rede (news net), para capturar os acontecimentos que tão bem (Tuchman, 1978 cit. in Melo et al., 2008:188) descreve. Nesta fase, de acordo com Whitney, Sumpter e McQuail, (2004:403, cit. in Melo et al., 2008:188), devem também incluir-se a obtenção de informações através das agências, das fontes interessadas na cobertura, das fontes e investigações particulares de cada jornalista, etc. A segunda fase, de “produção de notícias”, corresponde à fase em que os acontecimentos e problemáticas são transformados em enunciados noticiosos, apresentados num produto final, que pode ter como suportes, a televisão, a rádio, o Webjornal, o jornal ou outros. Na terceira fase, a da circulação das notícias, também acontece circularem através de diferentes meios para consumo, culminando assim na quarta fase do processo. O seu consumo gera efeitos, como o efeito do agendamento (McCombs e Shaw, 1972, cit. in Melo et al., 2008:188), de que falaremos adiante. O processo jornalístico é um processo de transformação de acontecimentos, ideias e problemáticas em notícias e de difusão pública destas últimas. As fontes de informação que podem ser ou não o jornalista estão no início deste processo. O jornalista processa a informação a partir das redacções, unidade de transformação dos acontecimentos e outros assuntos em notícias (Sousa, 2006: 204). É a partir dos anos setenta do século XX, que os acontecimentos (referentes das notícias) começam a ser tipificados. Boorstein (1971, cit. in Sousa, 1999:5), foi dos primeiros 25 estudiosos que levantou a questão de que muitos dos acontecimentos são preparados para serem notícia e deu como exemplo as conferências de imprensa. A este tipo de acontecimentos, ele designou de pseudo-acontecimentos. Outros autores utilizaram os “promotores das notícias”, para designarem os indivíduos que transformam acontecimentos em notícias, (Molotch e Lester, 1974, cit. in Melo et al., 2008:185) e tipificaram-nos da seguinte forma: Acontecimentos de rotina (acontecimentos intencionais promovidos a notícia por aqueles que neles estão envolvidos); Acidentes (acontecimentos inesperados, cujos implicados pretendem manter em segredo, promovidos a notícia por alguém que neles não está envolvido); Escândalos (acontecimentos intencionais promovidos a notícia por pessoas que não partilham das estratégias dos envolvidos); Serendipity ou acasos felizes (acontecimentos inesperados revelados inadvertidamente por aqueles que neles estão implicados). A Socióloga norte-americana Gaye Tuchman (1978:46-53 cit. in Melo et al., 2008:185) por outro lado, afirmou que o factor tempo condiciona a tipificação dos acontecimentos e distinguiu os seguintes tipos: Acontecimentos inesperados; Acontecimentos pré-determinados (acontecimentos intencionais e anunciados que ocorrem em momentos específicos); Acontecimentos em desenvolvimento (acontecimentos que exigem notícias enquanto estão a decorrer, como os congressos partidários); e Acontecimentos subsequentes a outros (acontecimentos subsequentes a outros acontecimentos já noticiados, que exigem notícias). Segundo Adriano Duarte Rodrigues (1988, cit. in Traquina, (org.) 1999) 26 “Acontecimento é tudo aquilo que irrompe na superfície lisa da história de entre uma multiplicidade aleatória de factos virtuais (…); em função da maior ou menor previsibilidade um facto adquire o estatuto de acontecimento pertinente do ponto de vista jornalístico: quanto menos previsível for mais probabilidades tem de se tornar notícia e de integrar assim o discurso jornalístico” (p. 27) Para este autor a própria notícia é um acontecimento, ou melhor, é um metaacontecimento, um acontecimento que se debruça sobre outro acontecimento, sendo acontecimento por ser notável, singular e potencial fonte de acontecimentos notáveis. Para o autor, notícia e acontecimento estão interligados. Definiu acontecimentos como ocorrências singulares, concretas, observáveis e delimitadas, quer no tempo, quer no espaço. Para se tornarem referentes dos discursos jornalísticos precisam de ser comunicáveis. Para o autor, os acontecimentos são “manipuláveis”, ou seja, susceptíveis de serem tratados através de determinadas linguagens, como a linguagem das escrita ou a linguagem das imagens. Refere-se ainda às características específicas das notícias: 1) É um acontecimento discursivo; 2) Possui uma dimensão ilocutória, já que acontece ao “dizer-se”; e 3) Possui igualmente uma dimensão perlocutória, já que produz qualquer coisa pelo facto de a enunciar (Traquina, 1999: 11-13) Mar de Fontcuberta (1993:26), fala dos news media, notícias de factos não sucedidos, ou seja, por exemplo o Conselho de Ministros não se pronunciar sobre o que nem sequer estava previsto que se prenunciasse, pondo em causa, segunda a autora, as bases tradicionais do jornalismo: realidade, veracidade e actualidade. Desta forma, pode concluir-se que o tipo de acontecimento molda as notícias, interfere com a definição do que é notícia e condiciona a tipificação das mesmas. As spot news são originárias dos acontecimentos inesperados ou pré-determinados que têm um elevado valor noticioso. O mesmo se passa para os acontecimentos em 27 desenvolvimento (developing news) ou as notícias em continuação (continuing news), que dizem respeito à cobertura de novos acontecimentos relacionados com outros acontecimentos já noticiados. Tuchman (1978 cit. in Melo et al., 2008:185) seguindo a denominação “tradicional” anglo-saxónica extraída dos conhecimentos de rotina dos jornalistas denominou estes três tipos de acontecimentos como hard news. As soft news também existem, mas são intemporais, não exigindo divulgação no imediato. Katz (1980 cit. in Melo et al., 2008:185) centrou o seu estudo nos acontecimentos mediáticos, ou seja, acontecimentos programados e planeados para se tornarem notícia, mas que ocorrem mesmo sem a presença dos meios de comunicação social, como por exemplo as Ocasiões de Estado. Foi o caso da II Cimeira UE/África, que mesmo que os media não estivessem presentes, teria tido lugar na mesma, embora, como veremos mais adiante, este é um tipo de acontecimento que reúne um conjunto de condições imprescindíveis para ser transformado em notícia. São acontecimentos que já têm um certo significado à escala global. Restringindo-nos apenas à unidade discursiva, – a notícia, Jorge Pedro de Sousa (1999), utilizando a definição dada em “As Notícias e os Seus Efeitos”, afirma que: “ [As notícias] são artefactos linguísticos [Isto é, as notícias são construídas com base em linguagens: a língua, a linguagem das imagens, etc.] que procuram representar determinados aspectos da realidade, e que resultam de um processo de construção onde interagem factores de natureza pessoal, social, ideológica, histórica e do meio físico/ tecnológico, que são difundidos por meios jornalísticos e comporta informação com sentido compreensível num determinado momento histórico e num determinado meio sociocultural, embora a atribuição última de sentido dependa do consumidor da notícia” (p.2). O professor dá ainda outra definição no seu trabalho intitulado Porque é que as Notícias são como são? – Construindo uma Teoria da Notícia: 28 “A notícia é um artefacto linguístico porque é uma construção humana baseada na linguagem, seja ela verbal ou de outra natureza (como a linguagem das imagens). A notícia nasce da interacção entre a realidade perceptível, os sentidos que permitem ao ser humano “apropriar-se” da realidade, a mente que se esforça por apreender e compreender essa realidade e as linguagens que alicerçam e traduzem esse esforço cognoscitivo” (p.3). A notícia ao ser consumida produz efeitos e passa a fazer parte dos referentes da realidade. Esses referentes são a parte da realidade que formam a imagem que os sujeitos constroem da realidade. Nelson Traquina (1999: 133) também nos artigos que compõem a segunda parte deste seu livro, começa por colocar a questão, porque é que as notícias são como são? Para isso apresenta dois pressupostos: 1) Não é óbvio as notícias serem o que são; e 2) As notícias bem podiam ser diferentes, aliás esta é uma das principais críticas apresentadas pelos países do Terceiro Mundo no debate, sobre a nova ordem da informação. Foram várias as teorias desenvolvidas para responder a esta questão ao longo de várias décadas. A primeira resposta a esta pergunta partiu da própria ideologia dominante do campo jornalístico nos países ocidentais, “é que as notícias são como são porque a realidade assim as determina”. Robert A. Hackett (1984 cit. in Traquina (org.), 1999), baseado na teoria do espelho diz que: “As notícias apenas reflectem o mundo exterior porque os jornalistas são observadores neutros, porque os jornalistas, ainda mais obrigados pelas normas profissionais, limitam-se a escolher a informação e a relatar os factos, porque, enfim, os jornalistas são observadores neutros, porque os jornalistas, ainda mais obrigados pelas normas profissionais, limitam-se a recolher a informação e a relatar os factos, porque, enfim os jornalistas são simples mediadores que “reproduzem” o acontecimento na notícia” (p.133) 29 Esta metáfora (jornalista como espelho) reflecte o conceito do jornalista como mediador, cuja existência fica suprimida quando o acontecimento passa a notícia. “A notícia é o produto de um processo organizado que implica uma perspectiva prática dos acontecimentos, perspectiva essa que tem por objectivo reuni-los, fornecer avaliações, simples e directas, acerca das suas relações, e fazê-lo de modo a entreter os espectadores” Nelson Traquina (1999), defende ainda que as notícias: “Por um lado, definem quais os acontecimentos (assuntos e problemáticas) “com direito a existência pública e que, por isso, figuram na agenda de preocupações, (é o conceito de “agendasetting”). Por outro, definem o (s) o significado (s) dos acontecimentos (assuntos e problemáticas), oferecendo interpretações de como compreendê-los” (p.11). Muitas poderiam ser as definições e conceitos apresentados no que concerne à notícia que durante vários anos foram apresentadas por diversos autores. Contudo, tal explanação não é de fulcral importância para o presente trabalho. Estas e outras definições têm sido postas em causa em inúmeros estudos sobre o jornalismo. No entanto, nos últimos anos, os estudos feitos, orientam-se mais no sentido de saber como os media constroem a imagem da realidade social, por um lado, e produzem efeitos, por outro (Wolf, 2006: 139). Os jornalistas deixaram de ser observadores passivos para passarem a participantes activos no processo de construção da realidade. Uma ocorrência passa a acontecimento que por sua vez é transformado em notícia. O quadro simbólico das notícias organiza a realidade e é parte constituinte dessa mesma realidade dado que, o carácter público das notícias é uma das características das próprias notícias. Traquina (1999:168), defende que “as notícias acontecem na conjunção de acontecimentos e de textos. Enquanto o acontecimento cria a notícia, a notícia também cria o acontecimento”. Nestes estudos o primeiro paradigma que surgiu foi o do gatekeeping que desenvolveremos no ponto seguinte. 30 1.2. Processo de selecção noticiosa: o paradigma do gatekeeping A partir da segunda metade do século XX (1950), o aparecimento de modelos como o do gatekeeping e as pesquisas sobre noticiabilidade, levaram aos estudos sobre o processo produtivo jornalístico e à constatação de que este é influenciado e constrangido por variáveis que originou a perspectiva construcionista das notícias. Acerca desta temática, Galtung e Vincent (cit. in Sá, 1999) afirmaram que a existência de gatekeepers é essencial: “Têm que existir gatekeepers (guardiões do templo) regulando o fluxo de informação, decidindo o que deve ser comunicado, como se gerissem um sistema de comportas, seleccionando o que passa, regulando a circulação da informação em excesso. Entre os gatekeepers os autores identificam vários agentes que intervêm nas várias fases do processo correspondente ao ciclo da notícia, como por exemplo, os editores ou jornalistas” (p. 44). O primeiro estudo sobre produção jornalística de informação considerado relevante coube a David Manning white (1950: 383-390 cit. in Melo et al., 2008:188) sobre a aplicação da metáfora do gatekeeping para explicar o processo de selecção noticiosa, que data de 1950. Kurt Lewin, psicólogo social, num artigo publicado em 1947, já tinha idealizado esta metáfora, ao encarar os processos de selecção como o resultado de uma actividade de porteiros (gatekeepers), de seleccionadores ou “guardiões” dos “portões” (gates), que controlam o acesso à informação. White utilizou mais tarde o conceito de gatekeeper (jornalista) para estudar a forma como fluem as notícias dentro das redacções dos jornais. Para isso procurou explicar as razões que levavam um editor com 25 anos de experiência, de um pequeno diário americano, no Middlewest numa cidade com 100 000 mil habitantes (Mr.Gates), a seleccionar algumas notícias em detrimento de outras, entre todas que eram emitidas pelas diversas agências noticiosas, tendo recorrido à observação 31 participante, a entrevistas e ao contributo do próprio editor, tendo concluído que eram as experiências e atitudes pessoais do Mr. Gates que regiam o processo de selecção noticiosa. As atitudes e idiossincrasias pessoais e subjectivas dos jornalistas, sobretudo daqueles que têm maior poder de decisão, têm algum peso nos mecanismos de selecção da informação, levando a concluir que o processo de selecção é subjectivo e arbitrário. O estudo foi publicado, em 1950, na revista especializada Journalism Quarterly, o primeiro estudo sistematizado sobre gatekeepers da informação. Também Schudson (1988, cit. in Sousa, 1999:11) designou numa teoria de “acção pessoal”, as notícias explicadas como um produto das pessoas e das suas intenções. Esta é uma teoria que privilegia apenas uma abordagem microssociológica, ao nível do indivíduo. Baseia-se no conceito de “selecção”, limitando outras dimensões importantes do processo de produção das notícias, ignorando a organização jornalística. Gieber (1956 cit. in Traquina, 1999:134) recorreu, também, à metáfora do gatekeeping para explicar o processo de selecção noticiosa em dezasseis vespertinos do Wiscosin. Ao contrário de White, os factores subjectivos pouco interferem nas notícias seleccionadas, sendo os factores institucionais (organizacionais), os que prevalecem no processo de selecção de notícias. Com B. H. Westley e M. MacLean (1957 cit. in Santos, 2001:94), a organização noticiosa começou, definitivamente, a ser entendida como factor de constrangimento mais relevante do que a subjectividade do jornalista, apresentando a ideia de selecção como processo hierarquizado e ordenado que se processa, igualmente ao longo dos sistemas sociais, o que envolve igualmente um feedback. “Consequentemente, os gatekeepers não se limitam a seleccionar as notícias que lhes interessam pessoalmente, mas as que eles presumem serem do interesse do seu público”. McNelly (1959 cit. in Santos, 2001:95) notou que não há apenas um 32 gatekeeper, mas vários, o que enfatiza a questão dos constrangimentos organizacionais (critérios profissionais e organizacionais) à produção de informação jornalística, mais do que os valores pessoais e por natureza mais subjectivos dos jornalistas. Outros estudos como o de McCombs e Shaw (1976) e Hirsch (1977) citados por (Traquina, 2007: 79) que ao reanalisar os dados de White apontaram a semelhança das proporções de notícias das diversas categorias utilizadas pelo serviço das agências e as notícias seleccionadas por “Mr. Gates”. Hirsch concluiu que o jornalista exerceu a sua liberdade dentro de uma latitude limitada e que a grande maioria das razões apresentadas por “Mr. Gates”, reflectiu o peso das normas profissionais e não razões subjectivas Seis anos depois do estudo de White, Gieber (1956), fez um artigo onde concluiu “que o factor predominante sobre o trabalho jornalístico era o peso da estrutura burocrática da organização e não as avaliações pessoais do jornalista, as quais “raramente" entraram no processo de selecção” (cit. in Traquina (Org.), 1999: 134). Robinson faz um outro artigo onde revela que só se podem compreender as notícias se forem compreendidas as “forças sociais”, que vão influenciar a sua produção. Para Robinson, “as decisões do gatekeeper são tomadas, menos a partir de uma avaliação individual da noticiabilidade do que em relação a um conjunto de valores que incluem critérios, quer profissionais, quer organizativos, tais como a eficiência, a produção de notícias, a rapidez” (Robinson, 1981:97, cit. in Mauro Wolf, 2006:181). Mas, o primeiro estudo que avançou com uma teoria nova neste campo, foi de Warren Breed (1955 b, cit. in Sousa, 1999: 21) – a teoria organizacional, que avançou da perspectiva do gatekeeper (individual), para a perspectiva organizacional (colectiva), que vê o produto jornalístico como um produto duma organização e dos seus constrangimentos. Este sociólogo norte-americano escreve 33 que o contexto profissional-organizativo-burocrático circundante exerce uma influência decisiva nas escolhas dos gatekeepers. Nas redacções, a linha editorial e a política dos jornais é apreendida por “osmose”, isto significa em termos sociológicos que assimilam as regras, sublinhando a importância da cultura organizacional. O autor observa que o jornalista se conforma com as normas da política editorial da organização independente de qualquer ideia própria sobre a notícia. Apontou 6 factores que interferem nessa assimilação17. O desenvolvimento destes estudos levou mais tarde a considerar o jornalismo como um negócio. A teoria organizacional, ao influenciar o trabalho jornalístico pelos meios que dispõe, remete para a importância do factor económico na actividade jornalística. Assim, ao capturar os acontecimentos e as problemáticas, os jornalistas têm de saber que recursos económicos dispõem para o fazer. Esta é uma teoria que não será desenvolvida neste trabalho. O valor das notícias será diferente consoante o valor atribuído em função dos critérios de noticiabilidade, o estilo jornalístico ou a orientação editorial da organização noticiosa. A pesquisa de Breed foi um marco na transição das teorias do gatekeeping para as teorias do newsmaking. Este paradigma construcionista (notícias como construção) assinala a rejeição definitiva das notícias como espelho da realidade. No artigo de Nelson Traquina (1999: 135), o autor rejeita a teoria do espelho e critica o empiricismo ingénuo, e afirma que os jornalistas não são simples observadores passivos mas participantes activos no processo de construção da realidade, ponto sublinhado também no artigo de Gurevitch e Blumer, (1982, cit. in Traquina, 1999, 191-213). 17 A autoridade institucional e as sanções; os sentimentos de obrigação e de estima para com os superiores; as aspirações de mobilidade; a ausência de grupos de lealdade em conflito; o prazer da actividade; e as notícias como valor (veja Nelson Traquina, Jornalismo, 2007, pp.80-82) 34 1.3. Newsmaking: noticiabilidade e projecção da imagem de um país, no fluxo internacional de notícias. Por que as notícias são como são? Que imagem elas fornecem do mundo? Como essa imagem é associada às práticas do dia-a-dia na produção de notícias, nas empresas de comunicação? Estas são algumas das questões de que se ocupa o newsmaking, cuja abordagem se dá dentro do contexto da cultura profissional dos jornalistas e a organização do trabalho e os processos produtivos. A noticiabilidade (newsworthiness), é definida como o conjunto de elementos através dos quais os media controlam e gerem a quantidade e o tipo de acontecimentos, de entre os quais há que seleccionar as notícias, ou seja, é constituída pelo conjunto de requisitos que se exigem dos acontecimentos, tanto do ponto de vista da estrutura do trabalho nos órgãos de informação como do ponto de vista do profissionalismo dos jornalistas para que possam adquirir a existência pública de notícias. De entre um conjunto de acontecimentos que diariamente ocorrem, alguns destes mediante critérios de noticiabilidade ou de relevância ganham espaço mediático e são constituídos notícias, ou seja, tornam-se noticiáveis (newsworthy). Dito de outra forma, a noticiabilidade corresponde ao conjunto de critérios, operações e instrumentos com os quais os órgãos de informação se confrontam diariamente para que possam eleger, de entre os vários factos, aqueles que apresentam as características necessárias para serem transformados em notícias, com uma determinada narrativa18. Isto conduziu à fixação de grandes paradigmas para o estudo do jornalismo ligados à sociologia interpretativa (construcionismo ou construtivismo), onde irá ser valorizado a importância da cultura profissional dos 18 A estrutura narrativa compreende o lead (organização dos elementos que constituem o material noticioso por ordem de importância decrescente, do mais relevante para o acessório); esquema narrativo segundo a lógica da pirâmide invertida. O lead é a resposta aos 5 “wh´s” mais o “how” (O quê? quem? quando? onde? porquê? e como?) 35 jornalistas e a organização do trabalho e as suas práticas rotineiras do processo produtivo. Se os estudos sobre os gatekeepers associavam o conteúdo dos jornais ao trabalho de selecção de notícias, os recentes estudos sobre a produção de notícias relacionam a imagem da realidade social fornecida pelos mass media com a organização e a produção rotineira dos aparelhos jornalísticos (Wolf, 2006:183), ou seja, na produção de notícias, temos, por um lado, a cultura profissional; e, por outro, as restrições ligadas à organização do trabalho sobre as quais são criadas convenções profissionais que definem a notícia e legitimam o processo produtivo, desde a captação do acontecimento, passando pela produção, edição até a apresentação. Resultado: estabelece-se assim um conjunto de critérios de relevância que definem a noticiabilidade de cada acontecimento, ou seja, a sua capacidade para ser transformado em notícia. Nelson Traquina partilha de opinião idêntica, ou seja, este tipo de estudos são centrados na produção das notícias (paradigma das notícias como construção social) onde se relaciona a imagem da realidade social, fornecida pelos media, com a organização e a produção rotineira dos órgãos jornalísticos, onde as notícias são o resultado de processos complexos de interacção social (teoria interaccionista) entre os agentes sociais: os jornalistas e as fontes de informação; os jornalistas e a sociedade, os membros da comunidade profissional dentro e fora da organização, (Traquina, 2007:99). A definição dos critérios que fazem parte dessa noticiabilidade pode ser individualizada na figura do jornalista ou na orientação editorial da instituição que preside. O ciclo noticioso refere-se às etapas de selecção, tratamento e difusão de notícias. Todo este tratamento é realizado ao longo de todo o percurso da concepção noticiosa que acaba a reflectir-se na (re) construção do acontecimento. Os valores-notícia (new values) são uma componente da noticiabilidade e constituem a resposta à pergunta: quais os acontecimentos que são considerados 36 suficientemente interessantes, significativos e relevantes para serem transformados em notícias? A II Cimeira UE/África foi um importante acontecimento político mediático tipo Ocasião de Estado19, que marcou a segunda Presidência Portuguesa da União Europeia, em Lisboa, no segundo semestre de 2007. Este acontecimento foi transmitido para as televisões ao vivo e em directo levando as pessoas a acompanhar o acontecimento como se estivessem lá. São acontecimentos organizados por instituições, agências, empresas etc., mas, ao contrário do “pseudoacontecimento” de Boorstein (1971, cit. in Sousa, 1999), a que já fizemos referência, estes acontecimentos teriam lugar mesmo que as câmaras não estivessem presentes. Mas por outro lado, os discursos políticos e as conferências de imprensa da II Cimeira UE/África, não teriam lugar sem a presença dos media, pois são uma rotina que existe para servir os diversos meios de comunicação social, ou seja, são provocados e planeados, e que têm como desígnio primordial o serem noticiados ou reproduzidos. São preparados para propagação mediática, o que não aconteceria na ausência dos media. As sessões para fotografias photo opportunities são normais nas ocasiões de Estado e obviamente tiveram lugar na II Cimeira UE/África. No entanto as photos opportunities, as conferências de imprensa, a acreditação dos jornalistas, e o funcionamento em Pools tornaram mais dependentes as organizações noticiosas e por isso, mais fácil a manipulação (Sousa, 1999: 20). A II Cimeira UE/África para chegar a ser notícia na imprensa a nível nacional como internacional, teve de reunir certos atributos ou critérios para ser considerado um acontecimento com relevância do ponto de vista jornalístico. Este é um processo complexo e moroso que se inicia com a escolha dos critérios utilizados para a 19 Ver tipologia de acontecimentos mediáticos em Nelson Traquina (org.), “Jornalismo: Questões, Teorias e “Estórias”, Comunicação & Linguagens, Vega, Lisboa, 1999, 2ª Edição, pp.52-60. 37 produção da notícia e termina com os efeitos que poderão ser produzidos na opinião pública (é o conceito de agenda –setting) de que falaremos adiante. A nível mundial Anthony Giddens (2000, cit. in Sá 1999:43), considera que estes critérios vão ao encontro do imperialismo cultural dos Estados Unidos e do mundo anglo-saxónico em geral, detentor de quatro de cinco maiores agências noticiosas mundiais (agências essas que estiveram presentes na cobertura da II Cimeira UE/África), responsáveis por 90% do total de notícias editadas pela imprensa, rádio e televisões mundiais. Segundo o professor Alfredo Jorge de Sá (1999): “A questão do imperialismo cultural ou do Imperialismo dos mass media, nomeadamente no terreno do fluxo internacional de notícias deve ser analisada à luz de um sistema de circulação em duas direcções, possuidor de vários filtros por onde, subtil mas eficazmente, se exercem alguns controlos que não necessitam de ser explícitos, nem, tão pouco, burocraticamente organizados” (p.43). O autor continua a sua linha de pensamento: “Sobre esta problemática do fluxo de notícias, que corresponde ao debate sobre a Nova Ordem Mundial de Informação e Comunicação (NOMIC), é interessante abordar os desenvolvimentos produzidos por Galtung e Vincent [1992], nomeadamente no que diz respeito aos factores que influenciam o processo de selecção e de difusão das notícias” (p.44). Estes autores vêem o fluxo internacional de notícias como uma função de um paradigma de notícias. Enfatizaram dois factores fundamentais no processo de selecção de notícias: 1. Estrutura Centro-Periferia – vai permitir compreender as diferenças de prioridades que se atribuem às notícias, consoante o tipo de relação a ser comunicada. Os autores chamam a atenção para a desproporção no fluxo das notícias nas relações internacionais: 1) Centro-centro; 38 2) Centro-periferia; 3) Periferia-periferia. Para estes autores, é dada alta prioridade às relações “centro-centro”, seguem-se-lhes as relações “centro-periferia”, enquanto às relações “periferiaperiferia” é dada a mais baixa prioridade. Por outras palavras, as relações internacionais são reportadas de forma desproporcionada. Galtung e Vincent complementam estes critérios com a apresentação do modelo de comunicação de notícias relativo ao fluxo internacional das notícias: Modelo de Comunicação de Notícias Pessoal Negativo Sem problemas; Países de Elite; Pessoas de Elite Nenhuma intriga; Conquanto Falso Países de Elite; Lotaria Pessoas de Não Acidentes Elite Riqueza Países de Não Elite; Pessoas de Elite Pessoal Positivo Eventos de Família Feliz Estrutura Estrutura Positiva Negativa Remodelações e Eleições mesmo se quedas de sem importância Governo Queda de Crescimento Rendimentos Económico Escândalos (drogas); Prémios, Lotaria, Golpe de Estado Riqueza Mudança (importante) Mega-acidentes Milagres Revoluções, Motins Economia Eleições Países de Não Elite; Pessoas de Não Sem Hipótese; Conquanto Existe Elite Fonte: (Galtung e Vincent, 1992:52, cit. in Jorge de Sá, 1999). Este modelo proposto pelos autores Galtung e Vincent sobre a complementariedade e aditividade dos critérios de selecção de notícias mostra-nos a visão dos países do centro (ou de elite, ou desenvolvidos) quanto aos países periféricos (ou de não elite), ou subdesenvolvidos): estes últimos são países onde parece só ocorrerem acontecimentos negativos. Chegaram assim às seguintes conclusões: 39 1. Quanto mais o acontecimento diga respeito a nações de elite, mais provável será a sua transformação em notícia. 2. Quanto mais o acontecimento diga respeito às pessoas de elite, mais provável será a sua transformação em notícia. 3. Quanto mais o acontecimento for visto em termos pessoais, devido á acção de indivíduos específicos, mais provável será a sua transformação em notícia. 4. Quanto mais negativo for o acontecimento nas suas consequências, mais provável será a sua transformação em notícia. Assistimos, assim, no panorama mundial, a uma tendência para a concentração, mundialização e internacionalização das actividades nos países mais desenvolvidos, enquanto nos países menos desenvolvidos se constata a penúria em termos informativos. 2. Conteúdo do que é noticiado – resulta de uma reformulação do trabalho efectuado, anteriormente, por académicos noruegueses de renome, Johan Galtung e Mari Holmboe Ruge (1965, cit. in Melo et al., 2008:189), onde a probabilidade de um acontecimento se tornar noticia depende do carácter aditivo destes doze valoresnotícia: 1. Frequência, ou seja, a duração do acontecimento; 2. Amplitude do evento (threshold); 3. Clareza ou a falta de ambiguidade; 4. Significado ou a significância (relevância ou proximidade cultural); 5. Consonância (predictibilidade, exigência); isto é, a facilidade de inserir o “novo” numa “velha” ideia correspondente ao que se espera que aconteça; 40 6. Carácter inesperado (impredictabilidade, escassez); 7. Continuidade, isto é, a continuação como notícia do que já ganhou noticiabilidade; 8. Composição, ou seja, a necessidade de manter equilíbrio nas notícias pela diversidade de assuntos abordados; 9. Referência a Nações de elite; 10. Referência a pessoas de elite, ou seja, valor-notícia da proeminência do agente do acontecimento; 11. Personalização, isto é, a referência às pessoas envolvidas; 12. Negatividade, “bad news are good news” (as más notícias são boas notícias). De seguida apresentamos uma pequena descrição, e consequente explanação deste critérios do ponto 2, que corresponde à primeira tentativa (embora Walter Lippman também já o tivesse feito na obra “Public Opinion”, em 1922, cit.in McQuail, 2003:342), de identificar, de forma sistemática e exaustiva, os critérios que designamos também de valores-notícia que a comunidade interpretativa dos jornalistas utiliza, ou seja, os factores que influenciam o fluxo de notícias e que constituem uma forma de rotinizar o trabalho e facilitar a escolha e produção informativa: 1) Frequência do acontecimento – Espaço de tempo necessário para o acontecimento se desenrolar ou adquirir significado, ou seja, quanto mais a frequência do acontecimento se assemelhar à frequência do meio noticioso, mais hipóteses existem de os acontecimentos serem registados como notícia por esse mesmo meio noticioso. 2) Intensidade ou magnitude de um acontecimento – Para os autores, existe um limiar que o acontecimento terá de ultrapassar antes de ser 41 registado, ou seja, quanto mais intenso for um acontecimento e mais a cobertura do mesmo se adequar ao ritmo de trabalho das organizações jornalísticas, mais hipóteses esse acontecimento tem de se tornar notícia; 3) Clareza ou falta de ambiguidade. Para Galtung e Ruge, quanto menos ambiguidade, mais facilmente o acontecimento será notado. Se o acontecimento parece ser claro, sem nada oculto, se não existirem dúvidas sobre o seu significado, tem mais hipóteses de se tornar notícia; 4) Significância é o valor-notícia com dupla interpretação. Uma diz respeito à relevância do acontecimento, isto é, o impacto que poderá ter sobre o leitor ou os ouvintes; a segunda interpretação tem a ver com a proximidade, (afectiva, geográfica, linguística, cultural, etc.) 5) Consonância – facilidade de inserir o “novo” numa “velha” ideia correspondente ao que se espera que aconteça, ou seja, ligar o acontecimento seleccionado com uma pré-imagem mental em que o “novo acontecimento” é construído em função de uma “velha” imagem, ou, melhor dito, de uma velha narrativa que já existe. 6) O inesperado – Para os autores, não basta para um acontecimento, ser culturalmente significativo e consonante com o que se esperava. As notícias mais inesperadas têm maiores hipóteses de inclusão como notícias. 7) Continuidade, isto é, a continuação como notícia do que já ganhou noticiabilidade, isto é, logo que algum acontecimento ou assunto atinja os cabeçalhos e seja definido como “notícia”, então continuará a ser definido como notícia durante algum tempo, mesmo que a amplitude seja drasticamente reduzida; 42 8) Composição, isto é a necessidade de manter equilíbrio nas notícias pela diversidade de assuntos abordados; 9) A referência a nações de elite – Quanto maior for a proeminência das nações envolvidas num acontecimento – especialmente nas notícias internacionais, mais probabilidades ele tem de se tornar notícia; 10) A referência a pessoas de elite, isto é, o valor-notícia da proeminência do agente do acontecimento. Para Nelson Traquina (2007:188) este valor-notícia de selecção será designado de “notoriedade” como veremos adiante; 11) A personalização, isto é, a referência às pessoas envolvidas. O acontecimento é visto como uma consequência das acções de pessoas; 12) A negatividade, ou seja, o valor que se rege segundo a máxima bad news is good news (más notícias são boas notícias). Os autores apresentam alguns factores para explicar este critério: a) As notícias negativas satisfazem melhor o critério da frequência; b) São mais facilmente consensuais e inequívocas, no sentido em que haverá acordo acerca da interpretação do acontecimento como negativo; c) São mais inesperadas do que as positivas, tanto no sentido de que os acontecimentos referidos são mais raros, como no sentido de que são menos previsíveis. Os autores deram especial relevância aos últimos quatro critérios na transformação dos acontecimentos em produto informativo. Assim, a probabilidade de um facto se tornar notícia aumenta se: a) Disser respeito a países de elite; b) Focalizar pessoas de elite; 43 c) Puder ser percebido em termos pessoais, ou seja, percebido pela acção de alguns indivíduos específicos; d) Se tiver consequências negativas. Desta forma, conclui-se que para os gatekeepers noticiar sobre países periféricos será quantitativamente insignificante e quando se verificar assentará, sobretudo, em torno de conteúdos altamente negativos e que envolvam, de preferência, elites locais. Este facto, por sua vez, tende a reforçar as posições etnocêntricas predominantes nos países ocidentais/desenvolvidos/de elite. Por outras palavras, os critérios de noticiabilidade reforçam o etnocentrismo dos chamados países de elite, já que enfatizam o paradigma da cultura ocidental, aquilo a que Vincent e Galtung, trinta mais tarde, denominaram de “cosmologia social do ocidente”. Baseando-se neste factor os dois autores (1992:91, cit. in Sá, 1998:48), lançam-nos um desafio: “que espécie de impacto terá este paradigma de informação-comunicação no nosso conhecimento e percepção dos problemas globais?” Estes autores apresentam-nos um modelo de divulgação das notícias que reflecte essa “cosmologia social do ocidente” em que os meios de comunicação de massas insistem em apresentar as nossas sociedades como um lugar de lutas competitivas entre pessoas concretas e entre países de elite. Este modelo de notícias aliadas ao domínio ocidental, mais precisamente do domínio norteamericano na produção, distribuição e consumo de informação não favorece a projecção da imagem dos países do terceiro mundo na cena internacional. Aqui, saliente-se o forte papel exercido pelas agências noticiosas na monopolização do fluxo internacional de informação, as quais, por se integrarem nos países de elite, contribuem, ainda mais, para desequilibrar os fluxos informativos, dos quais detêm o poder acabando por criar uma imagem geral do mundo cheia de parcialidade. Só 44 são transmitidos determinados acontecimentos relevantes, e só aquelas organizações (ocidentalizadas). As agências noticiosas que marcaram o início do jornalismo moderno (e outros meios de comunicação social) contribuem para a existência de um troca desigual a nível cultural. A Reuter (Inglaterra), a France Press (França), a Associated Press, a United Press International (EUA) e a TASS (URSS), produzem uma grande quantidade de informação que circula por todo o mundo e de acordo com os critérios de avaliação e selecção acabam por veicular as notícias que reflectem uma mundivisão própria ou nacional em função dos interesses que veiculam. Está-se então perante um estilo “ocidental” de reportagem que contribui para que os processos em curso noutras regiões do mundo sejam ocultados pela pseudorealidade criada por este paradigma noticioso, que acaba por dar uma imagem do mundo carregada de parcialidade, em consequência da ausência de continuidade noticiosa em fenómenos distantes. Existe uma má compreensão cultural que parece haver nos meios de comunicação, pela visão ocidental e etnocêntrica com que retratam os acontecimentos, uma visão de editores e jornalistas que nem sequer parecem estar preocupados em interpretar os factos à luz de um contexto cultural e histórico diferente do seu. O controlo ocidental sobre a produção, distribuição e consumo de notícias só poderá ser travado quando o terceiro mundo conseguir ser autónomo na produção e distribuição das notícias, para que os acontecimentos dos países de elite não sejam os únicos a ser contextualizados. De seguida apresentamos as várias dimensões desta “cosmologia social do ocidente”, onde são apresentados seis temas com várias articulações: 45 Quadro 1: A Cosmologia Social do Ocidente Espaço Traduz a tendência ocidental para ver o Mundo como dividido em centro, periferia e periferia exterior, com o ocidente no centro. Reporta-se à crença ocidental em ciclos de progresso e crise, dando ênfase, contudo à divulgação de Tempo acontecimentos negativos, uma vez que, no ocidente, o progresso é entendido como normal, sendo a periferia um local onde, por definição, as coisas correm mal. É assim que o negativismo constitui um pré-requisito para que um evento se torne noticia. Refere-se à divulgação diária de “notícias átomo”. Corresponde a uma tendência para apresentar a Conhecimento realidade de maneira fragmentada, dividindo-a em pequenos pedaços para serem compreendidos e “digeridos” um de cada vez. Este atomismo tende a ser a mensagem básica e não o conteúdo. Natureza Reflecte o carácter antropocêntrico na reportagem, onde os actores são sempre pessoas. Refere-se à tendência ocidental para considerar as pessoas como agentes em crescente competição. Pessoas Esta dimensão vai ao encontro do negativismo e da personificação, uma vez que, o foco está, frequentemente, tanto no vencido como no vencedor. Transpessoal Reforça a tendência para divulgar acontecimentos em vez de processos – uma vez que o que é novo (evento) assume um valor supremo na divulgação das notícias. Fonte: (Galtung e Vincent, 1992, cit. in Jorge de Sá:49) Efectivamente, ao estar situada fora de contexto, a cobertura noticiosa tende a ser mais gerada pelo paradigma de notícias do que pela realidade social, fazendo com que os países periféricos e que as pessoas que não pertençam às elites sejam vistos não no seu contexto estrutural, mas sim num ambiente superficial. Perante o exposto, que respostas poderiam ser dadas para alterar este tipo de paradigma? As respostas são complexas, mas acredita-se que cada vez mais o conhecimento e a percepção dos problemas globais, por parte dos indivíduos, são fortemente afectados. Segundo o raciocínio dos autores, um passo essencial a tomar seria o da criação de um novo jornalismo global, o qual imprimiria as mudanças na tendência actual da informação, tornando-a mais credível e imparcial. Contudo, será a actual, Nova Ordem Mundial da Informação e da Comunicação capaz de abarcar tais problemas, tais evoluções? 46 É neste contexto que Jorge Pedro de Sousa (2000) no seu trabalho de investigação intitulado, a Informação Internacional na Imprensa Ibero-Americana – Uma visão Portuguesa, começa por recorrer a vários estudiosos para explicar o facto de as noticias e os meios jornalísticos influenciarem globalmente a opinião pública e a tomada de decisões sobre assuntos internacionais. Segundo ele, autores como Bailey, Link, Stevenson e Smith consideram que “as imagens que os povos têm uns dos outros são parcialmente determinadas pelos fluxos internacionais de informação” (cit. in Sousa, 2000:1). Jorge Pedro de Sousa, lembra ainda o pensamento de outros ao afirmar que “Outros estudiosos pensam mesmo que se assiste a fenómenos de concentração de poder no campo da comunicação internacional, com consequências inevitáveis para as relações internacionais (Rota e Rodríguez, 1995:23, cit. in Sousa, 2000: 1) e refere outro que diz “salientando que as notícias internacionais, são uma parte da nova ordem mundial de Informação e de Comunicação, participantes dos fenómenos da globalização, já que leva as pessoas de todo o mundo a partilhar as mesmas experiências noticiosas e, portanto, a integrar os mesmos referentes” (Lozano, 1998, cit. in Sousa, 2000:1). Foi entre o fim da II Guerra Mundial e o início da década de 70, que se deu no mundo uma mudança, que pode ser classificada como uma mudança de civilização. Os impérios eurocentrados esboroaram-se e inúmeros países da África, Ásia e América Latina ascenderam à independência política. As potências ocidentais foram obrigadas a reconhecer a importância que os novos países têm no desenvolvimento económico global. Mas, o que continua a verificar-se é uma tendência para a concentração, mundialização e internacionalização das actividades, nos países mais desenvolvidos, enquanto nos países menos desenvolvidos se constata penúria em termos informativos. Está assim em causa um forte diferendo ou antagonismo entre os países avançados e países subdesenvolvidos. As nações que anteriormente eram apenas 47 colónias ou protectorados exigem ser reconhecidas como comunidades económicas e políticas com problemas particulares. Começam a fazer ouvir a sua voz nas Nações Unidas e noutras instâncias internacionais onde os mais fortes perdem a maioria. Tendo em conta, o conteúdo dos fluxos informativos difundidos entre os países subdesenvolvidos, verifica-se um acentuado desequilíbrio entre as notícias originárias dos países industrializados e entre as respeitantes aos países subdesenvolvidos, o que constitui vantagem para o fluxo internacional de notícias controlado pelas grandes agências mundiais de notícias e as duas grandes agências internacionais de imagens – Visnews e UPITN. Desde a apresentação do relatório MacBride, em 1977 e da tripla acusação efectuada pelos países da “não elite” aos países do Ocidente, que apesar de poucas, as transformações se têm feito sentir. No entanto, recorde-se, este relatório foi um fracasso, devido aos desentendimentos entre os Estados Unidos da América e os Países de Leste e que a década de 80 ficou marcada por um claro retrocesso. Desde então, muitas têm sido as conferências realizadas e os relatórios apresentados. No entanto, as tão desejadas transformações tardam (McQuail, 2003:231-233) Passados já 29 anos desde a criação da Nova Ordem Mundial (1980) em Belgrado, as relações internacionais continuam a ser relatadas de forma desproporcional, reflectindo a tal cosmologia ocidental, de posições etnocêntricas que a globalização dos media acentua. Em relação a África são habituais estas discrepâncias. São poucas as notícias divulgadas sobre o continente africano em contraposição com a informação noticiosa do Ocidente, salvo se ocorrerem acontecimentos negativos, como foram os recentes casos da epidemia de cólera no Zimbabwe que teve início em 2008 e que atingiu o auge em Agosto de 2008 e que causou milhares de mortes, ou o conflito na República Democrática do Congo (antigo Zaire) entre os rebeldes hutus e tutsis. Este conflito dura há dez anos e já 48 matou cinco milhões de pessoas. Em Novembro de 2008 catapultou mais uma vez para os media internacionais. Considerando os critérios que já foram definidos anteriormente e tendo em consideração outros que mais à frente iremos desenvolver, a II Cimeira UE/África pautou-se por alguns critérios de noticiabilidade como por exemplo: Proximidade; proximidade entre o local da sede de um jornal e o evento, ou seja a II Cimeira UE/África influenciou a quantidade de informação nos jornais portugueses e espanhóis, nos franceses e ingleses. Interesses nacionais, particularmente se existirem confrontos (desvio à norma) ou problemáticas; Intensidade e significância dos acontecimentos dentro do contexto em que a imprensa se encontra, ou seja, quanto maior for a magnitude do acontecimento, maior a probabilidade de ser noticiado; Notoriedade dos líderes envolvidos no acontecimento; Número de pessoas envolvidas nos acontecimentos; Continuidade; consequências e evolução possível dos acontecimentos, particularmente daqueles que já foram objecto de notícia; Estatuto das personalidades envolvidas nos acontecimentos. A lista de critérios apresentada por Galtung e Ruge (1993) mantém a sua actualidade e pertinência. Mas a investigação tem continuado, tendo sido vários os autores que se debruçaram sobre o problema. 1.4. Newsmaking: Critérios de noticiabilidade/valores-notícia Mauro Wolf, (2006:186-218), sublinhou o facto de os valores-notícia estarem presentes ao longo de todo o processo de produção jornalística, tanto na selecção dos acontecimentos como na construção/elaboração da notícia e referem-se aos 49 critérios que os jornalistas utilizam na selecção dos acontecimentos para serem transformados em notícias. O autor faz uma distinção entre valores-notícia de selecção e valores-notícia de construção. Wolf (2006: 179-200) afirma que os valores/notícias derivam de pressupostos implícitos ou de considerações relativas: a) às características substantivas das notícias, ao seu conteúdo (diz respeito ao acontecimento a transformar em notícia); b) à disponibilidade do material e aos critérios relativos ao produto informativo (diz respeito ao conjunto dos processos de produção e realização); c) ao público (a imagem que os jornalistas têm acerca dos destinatários); d) à concorrência (diz respeito às relações entre os mass media existentes no mercado informativo). Os primeiros referem-se à decisão de escolher um acontecimento e dividem-se em dois subgrupos: critérios substantivos (importância e interesse da notícia) e critérios contextuais que se referem ao contexto da produção da notícia. Os valores-notícia de construção são qualidades da sua construção como notícia. Wolf (2006:177-218) cita vários estudos de sociólogos da Comunicação, Golding e Elliot, 1979; Gans, 1979, Schlesinger, 1978, etc. Traquina (2007) também elaborou a sua própria lista de valores-notícia, dividindo-a em valores-notícia de selecção e valores-notícia de construção. De forma semelhante à de Wolf, Traquina também dividiu os valores-notícia de selecção em dois subgrupos: um é constituído pelos critérios substantivos (2007:187), os que estão relacionados com a avaliação directa do acontecimento a transformar em notícia; o outro é constituído pelos critérios contextuais (2007:196), relacionados com o contexto do processo de produção da notícia e não com as características do acontecimento em si. Iremos de seguida aplicar os vários critérios apresentados pelos autores, no contexto da II Cimeira. 50 De entre os critérios substantivos apresentados por Mauro Wolf, a “importância” de uma notícia destaca-se pelo grau e nível hierárquico dos indivíduos envolvidos no acontecimento noticiável, idêntico aos factores apresentados por Galtung e Ruge que recordamos: “quanto mais o acontecimento disser respeito aos países de elite, tanto mais provavelmente se transformará em notícia”; “quanto mais o acontecimento disser respeito às pessoas de elite, mais provavelmente se transformará em notícia”. Esta hierarquia facilita a tarefa dos jornalistas na avaliação da importância de um acontecimento e tem uma grande aplicabilidade no caso da II Cimeira, que envolveu todos os Chefes de Estado e de Governo africanos e europeus, várias instituições e organizações económicas, sociais e políticas com visibilidade e peso a nível mundial. Os critérios da “proximidade” geográfica e cultural, o da “importância” a “amplitude”, a “novidade” e “notabilidade”, neste último a quantidade de pessoas que o acontecimento envolve é também um registo de “notabilidade” no sentido em que, quanto maior for o número de pessoas envolvidas num acontecimento e se esse número disser respeito a pessoas com visibilidade púbica, mais importância é conferida pelos jornalistas a este valores-notícia, podem explicar o interesse acrescido por parte da imprensa europeia pela II Cimeira UE/África. Segundo Golding e Elliott (1979, cit. in Wolf, 2006) em que a quantidade de pessoas que o acontecimento envolve é também um registo de “relevância”: quanto maior for o número de pessoas envolvidas mais importância é atribuída pelos jornalistas, um efeito ampliado quando estão envolvidos nomes importantes. Não foi difícil perceber a importância atribuída à II Cimeira que envolveu 144 responsáveis políticos, entre 53 nações africanas e 27 países europeus e respectivas delegações, 51 para além de toda a logística montada de segurança à sua volta, 20 que tornou a II Cimeira UE/África um evento de grandes dimensões. Portugal tem ligações históricas e laços culturais muito fortes com África sobretudo com os países Lusófonos que também fazem parte da CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa). O interesse económico manifestado por alguns países africanos no investimento português, nomeadamente por parte da Líbia, Moçambique e Angola contribuíram para que Portugal diplomaticamente se empenhasse na realização desta II Cimeira e daí a importância atribuída pela imprensa nacional pela “relevância” que o evento colocaria à opinião pública. A “disponibilidade” pode ser outro valor-notícia ligado aos critérios relativos ao produto apresentado por Wolf (2006: 206) para justificar os números que são atribuídos em termos de impacto às notícias na imprensa nacional sobre a II Cimeira UE/África. A facilidade de acesso à cobertura do acontecimento para os jornalistas, os recursos disponíveis, financeiros e técnicos facilitaram a recolha de mais informação, que em Portugal começou pelas conferências que foram sendo dadas na semana que antecedeu o evento. Estamos a falar das Cimeiras paralelas que tiveram lugar em Lisboa, organizadas sobretudo por organizações não governamentais (ONG´S) e que contribuíram para que muita dessa informação fosse reproduzida na imprensa com maior destaque no fim-de-semana durante o período da realização da II Cimeira UE/África21. Os dois jornais de referência espanhóis publicaram (como veremos em pormenor mais adiante), poucas peças sobre a II Cimeira, mas este dado, não significa que tivessem dado pouca importância ao acontecimento. Simplesmente o número de páginas atribuído ao acontecimento foi menor, porque ao contrário da imprensa portuguesa não houve a preocupação de aprofundar temas ou explicitá- 20 Lembramos que a II Cimeira UE/África, mobilizou 3000 mil pessoas e militares dos três ramos das forças armadas. Cimeira Sindical UE-África; Fórum da Soc. Civil UE-África (ONGs); Cimeira da Juventude UE-África-Cimeira Empresarial UE-África, disponível em http://www.eu2007.pt/UE/vPT/Reunioes_Eventos/ChefesEstado/UE_Africa.htm 21 52 los. Aqui também o critério da “proximidade” justifica a “relevância” dada à II Cimeira, mas a atenção dos jornais espanhóis centrou-se sobretudo na questão do controlo dos fluxos migratórios em direcção à Europa como veremos mais adiante no tratamento dado aos temas. A imprensa francesa deu também pouca ênfase à II Cimeira UE/África em número de peças (ver Gráfico 1: Anexo II). O enfoque maior foi dado à visita que se iria realizar no dia 10 de Dezembro de 2007 (dia após a II Cimeira UE/África) de Muammar Kadhafi a Paris. A imprensa francesa, o jornal Le Fígaro aproveitou ainda para fazer referências à força de segurança europeia- EUFOR, de que faz parte a França e que se encontra no Chade a proteger a população refugiada da região do Darfur e no Chade que tanta polémica tem causado sobretudo por ser acusada de ser uma força predominantemente francesa. O critério da “personalização” foi a nosso ver, o critério escolhido pela imprensa francesa como critério de noticiabilidade na produção da notícia sobre a II Cimeira UE/África. Uma das fotolegendas do jornal Le Fígaro – “Nicolas Sarkozy aperta a mão do coronel Muammar Kadhafi, Sábado ontem em Lisboa, na abertura da II Cimeira euro-africana que juntou perto de 70 chefes de Estado e de Governo”22 é exemplificativo da utilização desse critério. O Le Monde também através deste critério prefere dar atenção a outro não menos controverso “ditador”, através de um dos títulos – “Robert Mugabe, um “libertador” prestes a tudo para ficar no poder”23. A Imprensa Inglesa aproveitou as páginas dos seus jornais para abordar o conflito histórico entre a antiga Rodésia (Zimbabwe) e o Reino Unido. Gordon Brown foi o protagonista da imprensa inglesa. Em suma e como veremos com mais detalhe mais adiante, os jornais portugueses foram sem dúvida os que atribuíram maior significado à II Cimeira 22 23 In. Jornal, Le Fígaro, 10/12/2007, p.3 In. Jornal, Le Monde, 8/12/2007, p.3 53 UE/África. O critério da “proximidade” e da “amplitude” pode explicar o número de páginas atribuído ao evento. Embora todos os países dos jornais seleccionados tenham sido importantes colonizadores de África (com excepção de Espanha), este acontecimento tornou-se significativo, sobretudo pelos media portugueses pela identificação social e cultural com o continente africano. Espanha dedicou algumas páginas, sobretudo à questão da imigração que espera ver resolvida, no sentido de suster os fluxos migratórios em direcção ao seu país. Aqui aplica-se o critério da “relevância” como factor de preocupação de informar o público dos acontecimentos que têm impacto no meio social em que vivem. A imprensa britânica na mesma linha de orientação da francesa aproveitou a II Cimeira UE/África, para colocar mais uma vez em discussão na opinião pública, a velha questão da antiga colónia britânica (Rodésia) hoje Zimbabwe, como já referimos. A “relevância” também foi um valor-notícia identificado por Galtung e Ruge, e refere-se à preocupação de informar o público dos acontecimentos importantes que têm impacto sobre a sua vida das pessoas, a sua região e os seus países. Como refere Traquina, “a noticiabilidade tem a ver com a capacidade de incidência do acontecimento sobre essas pessoas, sobre as regiões e sobre os países” (2002: 189). Não há dúvida de que a II Cimeira UE/África, foi identificada como um acontecimento importante, porque envolveu não só os cidadãos de toda a UE, como também os de África. As políticas definidas no encontro reflectem-se na vida de todos estes cidadãos, grupos e instituições, num mundo onde têm surgido novos desafios internacionais e mundiais, a mundialização acelerou-se e os Estados tornaram-se cada vez mais interdependentes tanto do ponto de vista político, económico, financeiro, cultural e comunicacional, independentemente das 54 soberanias de cada Estado e das suas fronteiras, aquilo que comummente se designa de globalização. Também importante no jornalismo é a “novidade”, segundo Nelson Traquina (2007: 189). E também não constituiu dúvida que a II Cimeira UE/África, representou para os jornalistas um acontecimento que poderia trazer uma problemática nova neste novo contexto. Compreende-se a forma como o jornalismo se interessa pela primeira vez. Embora esta II Cimeira UE/África, não tivesse sido a primeira, esta foi uma “estreia” com essa configuração e dimensão. Aliás uma das convenções das notícias é que “uma notícia (news story) deve centrar-se, de preferência, num acontecimento único mais do que num acontecimento contínuo ou repetido ou então, se a acção é repetida, a atenção deve centrar-se mais na novidade e não no padrão” (Schudson, 1982, cit. in Traquina, 1999: 280). O novo contexto político da sua realização e a nova conjuntura política motivada sobretudo pelo avanço da China no continente africano, podem explicar o interesse político e jornalístico pela II Cimeira UE/África que juntou 1300 jornalistas de todo o mundo, para além claro, de todos os Chefes de Estado dos dois continentes. Outro valor-notícia definido por Galtung a Ruge é a “referência a algo negativo”, “quanto mais negativo, nas suas consequências, é um acontecimento, mais probabilidades tem de se transformar em notícia” (Galtung e Ruge, 1965/1999: 69, cit. in Traquina, 1999: 61) – ou seja, é notícia tudo que corresponda a um desvio da rotina. A presença de Robert Mugabe e a violação dos Direitos Humanos no Zimbabwe e a crise humanitária no Darfur (Sudão) marcaram a negatividade do acontecimento nas páginas da imprensa europeia. Mas a questão do genocídio em 1994 no Ruanda, também serviu para o enquadramento do tema, e reforçar assim este valor-notícia. A “actualidade” (recency) é outro valor-notícia de Golding e Elliott (1979: 121 cit. in Wolf, 2006:208). Na definição de actualidade de um acontecimento entram em jogo diversos factores, inclusive se o acontecimento é actual para o 55 próprio jornalista – a presunção é de que se é para ele (internal novelty) também o é para o público (Wolf, 2006: 208). A “notabilidade” é também um valor-notícia, que Traquina (2007: 190) descreve como a qualidade de ser visível, tangível, o que sublinha o facto de o campo jornalístico ser mais sensível à cobertura de acontecimentos do que problemáticas. A II Cimeira UE/Àfrica, foi mais um acontecimento mediático e notável, mais do que uma problemática, com todos os temas em discussão que tivesse interesse em desmontar e clarificar de forma transparente e objectiva. A “importância” das pessoas presentes amplificou a notabilidade do acontecimento. O Impacto sobre a nação e sobre o interesse nacional também foi notório, no caso das notícias apresentadas sobre a II Cimeira UE/África, e que interferem directamente na vida dos países dos dois continentes representados. As notícias apresentadas relativamente aos temas abordados na II Cimeira UE/África, os jornais enfatizaram temas, ligados mais directamente aos interesses dos seus países ou que envolvam os seus países. Galtung e Ruge denominaram este valor-notícia de “significatividade”. Associado a este factor está também o valor-notícia da “proximidade”. A quantidade de pessoas envolvidas foi outro factor determinante para a noticiabilidade da II Cimeira UE/África. A “relevância” e a “significatividade” de um acontecimento podem marcar a diferença em termos de noticiabilidade, através da exclusividade, por exemplo de uma entrevista. Nos critérios de relevância relativos ao produto, podemos destacar a notícia como resultado de uma ideologia da informação jornalística. A expressão “bad news is good news” (más notícias são boas notícias) é esclarecedora desta ideologia. As notícias difundidas na imprensa europeia no contexto da II Cimeira UE/África, em que a questão do Darfur (integrada na categoria da Governação e Direitos Humanos), sobrepôs-se a todos os temas que faziam parte da agenda europeia da II Cimeira UE/África, por integrar valores-notícia negativos. Esta “ideologia da notícia” 56 contribui para a fragmentação da cobertura informativa. A “actualidade” está também ligada a este critério. A II Cimeira UE/África foi um acontecimento novo, diferente e independente para os media e teve associado um outro valor-notícia, o “equilíbrio” (balance), com que foi apresentado nos jornais, sobretudo, em relação aos jornais portugueses, ao serem apresentados vários pontos de vista sobre a II Cimeira UE/África, quer políticos, quer ligados à sociedade civil. Nos critérios relativos ao meio de comunicação, destacamos o valor-notícia do “formato”, ligado à estrutura narrativa, que foi bastante diversificada em toda a imprensa europeia. Os critérios variam, e a sua combinação resulta de uma avaliação da importância da notícia, onde entra em jogo, a relação entre estas múltiplas variáveis de que falámos. A II Cimeira UE/África porque foi um acontecimento planeado e previsto que privilegiou como canais de recolha, as fontes institucionais e as agências de informação, nacionais e internacionais. De entre os critérios substantivos, apresentados por Nelson Traquina (2007), um valor-notícia destaca-se pelo seu carácter fundamental para a comunidade jornalística e pela garantia que confere a um acontecimento da sua inclusão no produto informativo: a “morte”. A morte é um valor-notícia fundamental para esta comunidade interpretativa e por isso encontramos diariamente presente nas páginas dos jornais ou nos ecrãs de televisão. No caso da imprensa europeia analisada, no contexto da II Cimeira UE/África, o genocídio do Ruanda em 199424, ou o conflito no Darfur e a violação dos Direitos Humanos no Zimbabwe25 são muitas vezes enunciados nas páginas dos jornais. Esse valor-notícia será amplificado se a ele for acrescentada a “notoriedade” do agente principal do acontecimento – este valornotícia de Traquina é equiparado ao de Galtung e Ruge, quando falam da “referência a pessoas de elite”, um valor notícia de selecção, mas quando falam da 24 25 “À espera de justiça, depois do genocídio”. In jornal Público, 9/12/2007, P2, p.4 “Darfur e Zimbabwe tratados como exemplos do que mais urgente há para resolver em África”. In jornal Público, 9/12/2007, p.3 57 “personalização” já estamos perante um valor-notícia de construção. É o caso das figuras políticas de Robert Mugabe ou Mummar Kadhafi, este último ligado a acções de terrorismo. Outro valor-notícia fundamental da cultura jornalística é a “proximidade”, geográfica e cultural para avaliar a noticiabilidade de um acontecimento, “as notícias são culturalmente próximas, se se referem a acontecimentos que entram na esfera normal de experiência dos jornalistas e do público” (Golding e Elliott, 1979, cit. in Wolf, 2006: 203) No caso da II Cimeira UE/África, este acontecimento foi mais relevante em termos culturais e geográficos, pela relação histórica que une a Europa a África desde há séculos, mas, sobretudo assente nos pressupostos definidos na célebre Conferência de Berlim de 1885, que como o professor Adriano Moreira sublinhou “o grande avanço da Europa para África, foi depois da Conferência de Berlim26”. Outro critério substantivo, a “relevância” é outro valor-notícia identificado por Galtung e Ruge. A “relevância” refere-se à preocupação de informar o público dos acontecimentos importantes, que têm impacto sobre a sua vida – “a noticiabilidade tem a ver com a capacidade de incidência do acontecimento sobre essas pessoas, sobre as regiões, sobre os países” (Traquina, 2007: 189). No caso da II Cimeira UE/África, a “relevância” do acontecimento, está directamente expresso em muitas notícias que dizem respeito directamente aos países que as editam. No caso de Espanha, a preocupação de suster os fluxos migratórios em direcção à Europa, e no caso do Reino Unido, Robert Mugabe foi o alvo da imprensa pelo braço-de-ferro mantido entre Londres e Harare, devido ao litígio fundiário que opõe o seu país à antiga metrópole britânica. Recorde-se que o governo britânico leva a cabo uma campanha diplomática internacional para se opor ao confisco das fazendas dos brancos, na sua maioria de origem britânica, para instalar camponeses negros sem terra que não têm 26 Entrevista à autora (23/09/2007). 58 conhecimentos técnicos para produzirem, o que tem conduzido o Zimbabwe a uma miséria extrema, segundo a Comunidade Internacional. Outro valor-notícia importante para a comunidade jornalística é a “novidade”, de acordo com Nelson Traquina (2007:189). Para um jornalista o que um acontecimento ou problemática apresentam de novo é premiado. Tuchman (1978:134, cit. em Traquina, 2007:158) fala do trabalho jornalístico de colocar a ênfase nos acontecimentos e não nas problemáticas como já vimos. Também a importância no “imediatismo”, como valor fundamental da profissão e a resposta à pergunta “o que há de novo?”, constituem um imperativo na cobertura dos acontecimentos. A II Cimeira UE/África teve muita novidade, porque embora já tenho tido lugar uma I Cimeira (Cairo em 2000), não chegou a ter a projecção internacional e os contornos mediáticos que teve esta II Cimeira. O “tempo” é outro valor-notícia na forma de “actualidade”, onde pode ser aplicado a um acontecimento passado que justifique que se fale de novo sobre o assunto ou ganhar noticiabilidade durante muito tempo, como é o caso, do conflito do Darfur, que justificou que se falasse no genocídio do Ruanda em 1994, retomando assim o tema na imprensa no contexto da II Cimeira. Sempre que se falam de conflitos em África, (o que leva ao esquecimento de muitos outros, menos mediáticos), ou quando um acontecimento actual já transformado em notícia serve de news peg, “cabide para pendurar a notícia” para outro acontecimento ligado a esse assunto. A “notabilidade” é também um valor-notícia, que Traquina (2007: 190) descreve como a qualidade de ser visível, tangível, que nos remete para aquilo que já foi dito anteriormente, de o trabalho jornalístico dar ênfase sobre os acontecimentos às problemáticas. Outros registos de notabilidade (Traquina, 2007:191), são por exemplo o “excesso”, a “falha” e a “inversão” – o excesso é de todos o mais vulgar, porque altera aquilo que é o normal funcionamento dos factos; a falha funciona ao contrário, por insuficiência normal e regular; a inversão é o contrário do normal. A notícia “o homem que morde 59 o cão, não o cão que morde o homem” é paradigmático deste registo. Outro valornotícia importante no campo jornalístico é o “inesperado”, também identificado por (Galtung e Ruge, 1965 cit. in Traquina, 1999: 192), que surpreende a comunidade jornalística, aquilo a que Tuchman (1978) designou como “Que estória!”, ou seja, o mega-acontecimento, um acontecimento com muita noticiabilidade ou em outras situações menos vulgares o “insólito”. O “conflito” ou a “controvérsia” constituem outros valores-notícia. A disputa verbal entre líderes políticos, por exemplo, é notícia pelo efeito que gera na quebra da normalidade. Aconteceu na troca de acusações entre Robert Mugabe e Ângela Merkel, na questão das violações dos Direitos Humanos no Zimbabwe. Estas acusações suscitaram interesse na comunidade jornalística pela controvérsia que gerou. Todos estes critérios que acabamos de expor são critérios substantivos dos valores-notícias. Hartley (1982:80, cit. em Traquina, 2007: 194), afirmou que, “os valores-notícia são de facto, um código ideológico”. Stuart Hall (1984, cit. em Traquina, 2007:194), refere-se aos valoresnotícia como um “mapa cultural” do mundo social, ou seja, os acontecimentos só farão sentido se encaixarem no âmbito de identificações sociais e culturais reconhecidas e identifica as noções consensuais sobre o funcionamento da sociedade que ajudam a marcar as fronteiras entre “norma” e “desvio”, entre o “legítimo” e o “ilegítimo”. Para Daniel Haulin (1986, cit. in Traquina, 2007:194) para além da esfera do consenso, temos a esfera de controvérsia, em que o equilíbrio e a neutralidade são as principais virtudes do jornalismo. Relativamente aos critérios contextuais dos valores-notícia de selecção, encontramos a “disponibilidade”, ou seja, a facilidade de acesso à cobertura do acontecimento para os jornalistas, os recursos disponíveis, financeiros e técnicos. Outro valor-notícia é o do “equilíbrio” (Galtung e Ruge, 1965, cit. in Traquina, 2007: 196) onde a noticiabilidade de certos eventos é também determinada pela quantidade de notícias sobre o mesmo tema que existe ou que existiu há pouco 60 tempo nos vários media. A “visualidade” é outro dos valores-notícia considerado por Traquina (2007:196) e por Wolf (2006). Este valor é sobretudo importante no jornalismo televisivo, onde a avaliação da noticiabilidade de um acontecimento também passa pela qualidade do material visual (Wolf, 2006: 210), ou seja, imagens que se tornem significativas, que salientem aspectos importantes do acontecimento noticiado, como foram as imagens apresentadas na imprensa europeia para reforçar os conteúdos apresentados. Traquina identifica também a “concorrência” como valor-notícia (2007: 197), tal como o fez, Wolf. A procura do scoop, a chamada “cacha”, a notícia exclusiva, é vulgar entre jornais concorrentes, e no caso da II Cimeira não foram relevantes pela homogeneidade com que os factos foram descritos e “trabalhados”. O “dia noticioso” é o último dos valores-notícia apresentado por Traquina (2007:197). Segundo os académicos Molotch e Lester (cit. in Traquina, 2007:197), os acontecimentos estão em concorrência com outros acontecimentos, onde há dias ricos e dias pobres em valores-notícia: se o dia for pobre, um acontecimento, com menos noticiabilidade pode ser considerado uma notícia de primeira página caso o dia seja vazio de factos ocorridos, por outro lado, se um dia for rico em acontecimentos noticiáveis, estes lutam entre si para conseguir que façam parte do alinhamento das redacções dos media. Os valores-notícia de construção são “os critérios de selecção dos elementos dentro do acontecimento dignos de serem incluídos na elaboração da notícia” (Traquina, 2007: 198). Ericson, Baranek e Chan consideram como valores-noticia, a “simplificação”. Quanto menos complexo e ambíguo é o acontecimento, mais hipótese a notícia tem de ser notada e compreendida. Os jornalistas devem escrever de forma simplificada de forma a tornar a notícia menos ambígua. Por isso, Traquina afirma que clichés, estereótipos e ideias feitas são necessárias e úteis (2007:198). A “amplificação”, um dos valores-notícia da lista clássica de Galtung e Ruge (1965, cit. in Traquina, 2007:199), é incluído por Traquina no contexto dos valores-notícia de 61 construção. Quanto mais amplificado é o acontecimento, mais possibilidade tem de ser notado. Outro valor-notícia referido por Traquina é a “relevância”, que Galtung e Ruge (1965, cit. in Traquina, 2007: 199) descrevem como “significância”, ou seja, demonstrar às pessoas que o acontecimento tem significado para elas. Por exemplo, uma guerra civil em Angola poder-se-ia tornar relevante, para os portugueses, não só por ser uma antiga colónia portuguesa, mas pelos laços históricos e comerciais que mantemos com aquele país. A “personalização”, valor-notícia primeiro identificado por Galtung e Ruge (1965, cit. in Traquina, 2007:181), depois por Ericson, Baranek e Chan é também indicado por Traquina (2007:199) por “personalização”. Quanto mais um acontecimento é personalizado, mais probabilidades a notícia tem de se tornar pública. Foi o que aconteceu na II Cimeira UE/África, personalizada nas figuras de Robert Mugabe e Muammar Kadhafi. A personalização é uma estratégia de captar a atenção dos leitores, uma vez que, as pessoas interessam-se por outras pessoas. Outro valor-notícia, de construção apontado por Ericson, Baranek e Chan (cit. em Traquina, 2007: 199) é a “dramatização”, entendida como o destaque dos ângulos mais críticos, mais ligados ao emocional e conflituosos, semelhantes tanto na imprensa como na televisão. Finalmente, Traquina inclui ainda a “consonância”, valor-notícia de construção, já apresentado por Galtung e Ruge (1965, cit. in Traquina, 2007). A essência deste critério é que se a notícia inserir o acontecimento numa narrativa já estabelecida, mais probabilidades tem de ser assumida. A notícia deve, portanto, inserir-se num contexto já conhecido, para corresponder às expectativas do receptor. O “novo” acontecimento é inserido numa “velha” estória. Os valores-notícia de construção estão assim relacionados com a possibilidade de imprimir uma determinada marca à notícia e contribuem, para tornar possível a rotinização do trabalho jornalístico. São contextualizados no processo 62 produtivo onde adquirem o seu significado, desempenham a sua função e se revestem daquela aparência que os torna elementos dados como certo. É o chamado senso comum das redacções. O elemento fundamental das routines produtivas, isto é, a substancial escassez de tempo e de meios, acentua a importância dos valores/notícia, que se encontram, assim, profundamente enraizados no processo produtivo (Wolf, 2006:195). É importante salientar e de acordo com Gans (1979:279, cit. in Wolf: 2006) “Nem todos os valores-notícia são importantes de igual modo, nem todos são relevantes para cada notícia. Se o fossem, os jornalistas não poderiam executar o seu trabalho, porque não teriam tempo para os tomar a todos em consideração (…). Alguns são, praticamente, sempre relevantes, mas o número e a combinação pertinente para as notícias específicas variam” (p.215). Isto conduz-nos ao carácter negocial e a variabilidade que parece revestir os critérios de noticiabilidade, onde a transformação de um acontecimento em notícia é determinado por um conjunto de factores de ponderação onde entram múltiplas variáveis. Todos estes critérios a que nos referimos não podem ser considerados isoladamente mas complementarmente, e podem constituir um elemento de distorção por vezes involuntária quando se faz a cobertura de um acontecimento. Segundo Golding e Elliott (cit. in Traquina, 2007:172), os valores – notícia, “São um importante elemento de interacção jornalística e constituem referências claras e disponíveis a conhecimentos práticos sobre a natureza e os objectos das notícias, referências essas que podem ser utilizadas para facilitar a complexa e rápida elaboração das notícias”. Os valores-notícia surgiram da necessidade da classe jornalística encontrar um fio condutor no seu trabalho. Aplicam-se em todas as fases da rotina jornalística, ou seja, na recolha, selecção, redacção e apresentação final. “Os critérios devem 63 fácil e rapidamente aplicáveis (…), devem ser flexíveis para poderem adaptar-se à infinita variedade de acontecimentos disponíveis” (Gans, 1979: 82, cit. in Wolf: 2007: 197). Funcionam deste modo, para tornarem possível como vimos, a rotinização do trabalho jornalístico e é nos procedimentos produtivos que adquirem significado ao estarem presentes como elemento fundamental de todo o processo informativo, desde a recolha das notícias, passando pela selecção até à organização do material informativo. Constituem também um elemento central da cultura jornalística. O conteúdo das notícias seleccionadas para enquadrar um determinado acontecimento é influenciado pelos critérios e rotinas subjacentes aos processos produtivos que contribuem para que, a realidade social apareça recontextualizada à luz deste paradigma – newsmaking. 2. Teoria dos efeitos dos media 2.1. A imagem: media e o poder político no seio das Relações Internacionais Segundo Gabriel Tarde (século XIX), a Imprensa escrita e o seu florescimento aquando da Revolução Francesa foi um dos factores que levaram ao aparecimento e ao desenvolvimento da Opinião pública. A informação que o poder politico passa para a opinião pública e as notícias divulgadas pelos diferentes media, são muitas vezes manipuladas através dos discursos. A nível internacional é criada uma imagem da realidade. Essa imagem é moldada em grande parte (mas não só), pelos media noticiosos. É por isso que falamos de informação, desinformação e contrainformação quando as imagens da realidade são distorcidas, quer através dos actores políticos, quer através dos media. Os Estados Nações preocupam-se em projectar uma boa imagem, mas essa imagem, quer seja cultural, política ou 64 económica está muitas vezes dependente não só desses Estados, mas também de outros actores externos que contribuem para a sua construção. Os media noticiosos, assumem, assim, uma grande responsabilidade na moldagem dessa imagem junto da opinião pública. Mas muitas vezes as imagens transmitidas pelos media são desfocadas ou com ângulos de abordagem marginais, como foi o caso dos Acordos de Parceria Económica (APE) que segundo o ministro Luís Amado27 “foi um agendamento indirecto, não estava na agenda da Cimeira”, mas que por imperativos mediáticos catapultaram para a opinião pública como sendo temas prioritários. Adriano Moreira num artigo (2008:8) fala da política da imagem relacionada com a chamada diplomacia pública, que tem a ver com o implantar uma imagem favorável na opinião pública mundial fruto da globalização, da crescente influência da opinião pública na formação das decisões dos governos e do apoio técnico dos meios de comunicação social. A imagem pode ser interpretada de diferentes formas e ter uma multiplicidade de sentidos, ou seja, pode ser polissémica. O ambiente cultural que a recebe condiciona o tipo de imagem que é interpretada. Uma imagem é assim constituída pela denotação, mensagem literal, e conotação mensagem interpretada. Aqui começam a surgir as distorções ou não, que são geradas em função dos nossos conhecimentos e da nossa percepção etnocêntrica. Desta percepção resulta a opinião que o público tem de uma instituição, de uma personalidade política ou de um país. Mas o conceito de imagem no seio das Relações Internacionais é o conjunto de elementos que caracterizam um país, no seu aspecto político, económico, social e cultural que o vai diferenciar dos outros. Acontece que, ao contrário da imagem de um produto, em que as empresas utilizam determinadas estratégias para posicionarem os seus produtos no mercado face à concorrência, 27 Entrevista à autora (21/01/2009) 65 nas Relações Internacionais, o poder político encontrou nos media, uma plataforma eficaz para influenciar a opinião pública, aquilo que se costuma designar de espaço público, utilizando a persuasão como uma ferramenta fundamental nesse processo designado de estratégia do Poder. Segundo Nilza Sena “os políticos, ao reconhecer a lógica dos media, constroem de tal modo os acontecimentos, treinam os seus personagens e estudam as relações políticas, tal como ensaiam discursos, estudam argumentos com a vontade possante de estulizar o mais convincente e completo dos profissionais” (cit. in Meirinho (org.), 2006:33). A política e as mensagens políticas são hoje elaboradas dentro da lógica dos media, de tal forma que a imagem construída pelos líderes políticos, relativamente aos países que dirigem, e sobre si mesmos, passam por um processo de filtragem feito por diversos profissionais. Desde o “consultor político” aos jornalistas passando pelos politólogos, todos contribuem para a formação de uma opinião pública, que não raras as vezes, se deixa influenciar. A imagem vive disso mesmo, dessa construção, muitas vezes manipulada, omissa, silenciosa mas ao mesmo tempo poderosa, que nos deixa completamente rendidos. Por vezes o poder político quer transmitir para a opinião pública uma imagem de um ideal que não existe, ou que se aproxima desse ideal. A forma é distinta da substância, entre o Estado e o poder político e é nessa dimensão que Adriano Moreira fala daquilo que o poder é, aquilo que faz e decide na realidade (Moreira: 2006:126). O Estado constitui-se uma realidade artificial criada pelo Homem “um poderser que se projecta em dever-ser, um dever-ser que, por isso mesmo, pode não ser, porque uma coisa cultural é aquilo que deve ser e não é, tornando-se por essa razão uma coisa prática” (Maltez, 2002:109). Quando os políticos tentam pôr em prática as políticas que definiram, por exemplo, relativamente a um programa, a ser apresentado durante uma campanha política, ou quando, por exemplo, definem 66 outras políticas decorrentes da actividade governativa, muitas vezes, não conseguem pô-las em prática, e as decisões que se tomam, acabam por estar mais próximas daquilo que é do que daquilo que deveria ser. Adriano Moreira fala da “diferença ou falta de coincidência frequentes entre o modelo normativo de conduta que o poder adopta”. O professor dá o exemplo dos direitos humanos, “raro é o Estado que não proclama o respeito pelos direitos do homem, mas não são raros os que não os respeitam e escondem ou negam as violações” (2006:71). A opinião pública vive distante destes “jogos” e até mesmo destas “monobras” de conduta, e não entende este tipo de “malabarismos”, sujeitando-se a aceitar a maior parte das decisões que se tomam, ao mesmo tempo que vêm as suas vidas condicionadas e limitadas pela “não verdade”, ou falta de aplicabilidade da maior parte das políticas definidas previamente. O professor Adriano Moreira (2006:126) vai mais longe, e remete-nos para outros conceitos como o do silêncio do poder e da mentira razoável. O professor fala daquilo que os agentes do poder não falam, do que se impede que se fale, e a cumplicidade que existe por vezes a imprensa (media) e o poder político para manter esse “status quo”. Muita da informação que circula entre os agentes do poder político acaba por ser filtrada como já dissemos, num processo designado de “gatekeeping”. São os jornalistas que participam na desmontagem, muitas vezes, dessa realidade “camuflada”, que não interessa desvendar, quando têm meios que lhes permitem fazer isso. O problema da imagem que, segundo Adriano Moreira “o Estado pretende manter, mesmo sem coincidência com a realidade” (2006:71), é denunciada pelos media e por isso, o “Estado autêntico ganha uma imagem de falta de autenticidade” (2006:72). Podemos juntar a este tipo de dificuldades, a questão do agendamento, cuja selecção, prioridades e relevância os media determinam. 67 Walter Lippmann (1922/2008) no seu livro intitulado Public Opinion, refere-se à imprensa (nesse período histórico), como o principal elo de ligação entre os acontecimentos do mundo e a imagem desses acontecimentos na nossa mente. Neste livro, o autor levantou a possibilidade de os meios de comunicação de massa estarem a reproduzir não a realidade, mas representações da realidade que ele definiu como pseudo-ambientes, e o efeito que esse pseudo-ambiente poderia produzir no ambiente, ou seja, na própria realidade. Segundo este jornalista, a democracia não é perfeita, uma vez que, as pessoas apenas conhecem o mundo de forma indirecta através de “imagens criadas na sua cabeça”, provenientes a maior parte delas, dos media, e por isso mesmo, elas são distorcidas e incompletas acerca da realidade, porque a imprensa, apresenta fragilidades e insuficiências. Esta forma de ver os media, particularmente a imprensa, não deixa de ter sentido ainda hoje, muito à custa dos critérios de noticiabilidade. No entanto, a influência dos media é hoje assumida, uma vez que estruturam a imagem da realidade social, a criam e organizam novos elementos sobre essa imagem levando à formação de novas opiniões. A representação da realidade proposto por Walter Lippmann, conduziu à hipótese de os media terem como poder, a capacidade para agendar temas. 2.2. A Teoria do agendamento ou do “agenda-setting” Foi após a II Guerra Mundial que as teorias sobre os efeitos da comunicação social ganharam expressão nos estudos de pesquisa sobre os media que foram marcados pelo paradigma funcionalista, a sociologia interpretativa, os estudos críticos de génese marxista e a chamada Escola Canadiana. Os axiomas fundamentais da pesquisa sobre o agendamento, hipótese desenvolvida na década de 1970, surge numa altura em que já não se preconizava a 68 teoria da “picada hipodérmica” de Harold Lasswell (anos 30), primeiro paradigma dos estudos dos “efeitos” dos media a curto prazo, em que os efeitos de comunicação de massa se exercem de um modo total, intencional, directo e irreversível, (Esteves (org.), 2009:17), reflexo do positivismo e da psicologia behaviorista. Quando esta teoria foi exposta, o paradigma então vigente na communication research, era de que o poder dos media “era reduzido e os seus efeitos limitados” (Sousa, 1999: 68). Nesta teoria passou-se dos “efeitos limitados” para os efeitos “cumulativos”, um modelo centrado nos processos de significação e não apenas de transmissão da comunicação. Os media, passam a ser vistos, como responsáveis pelos efeitos cognitivos directos sobre as pessoas e a sociedade, quando determinados assuntos são abordados. É o que acontece quando por efeito do agendamento, diversos temas são colocados na lista de preocupações públicas (agenda pública) através do jornalista que ao hierarquizar e problematizar os acontecimentos acaba por influenciar a opinião pública. A hipótese fundamental foi formulada por Maxwell E. McCombs e Donald Shaw no final da década de 60, e foi exposta pela primeira vez num artigo duma revista académica norte-americana (McCombs e Shaw, 1972, cit. in Sousa, 1999: 68). O primeiro trabalho empírico de investigação empírica ligada ao conceito do agendamento, abordou a influência dos media no eleitorado durante campanhas políticas (presidenciais norte-americanas de Novembro de 1968). Para estes autores, a opinião pública agendaria o seu pensamento e as suas preocupações em função daquilo que transmitiam os media, ou seja, os media influenciavam as suas decisões. Os autores acabaram mais tarde por ampliar o conceito, ao aliar esta hipótese do agendamento ao conceito de newsmaking e ao conceito de enquadramento (para 69 além da selecção dos temas que compõem as notícias, os media seleccionam enquadramentos para pensar esses temas). Os pressupostos teóricos desta teoria de acordo com (Shaw, 1979:96 cit. in Wolf, 2006) são: “Em consequência da acção dos jornais, da televisão e de outros meios de informação, o público sabe ou ignora, presta atenção ou descura, realça ou negligencia elementos específicos dos cenários públicos. As pessoas têm tendência para incluir ou excluir dos seus próprios conhecimentos aquilo que os mass media incluem ou excluem do seu próprio conteúdo. Além disso, o público tende a atribuir àquilo que esse conteúdo inclui uma importância que reflecte de perto a ênfase atribuída pelos mass media aos acontecimentos, aos problemas, às pessoas” (p.144). Para Nelson Traquina, (1999) os media são importantes por duas razões: “Por um lado, determinam quais são os acontecimentos (assuntos e problemáticas) com direito a existência pública e que, por isso, figuram na agenda de preocupações, como temas importantes da opinião pública (é o conceito de “agenda setting”). Por outro lado, definem o (s) significado (s) dos acontecimentos (assuntos e problemáticas), oferecendo interpretações de como compreendê-los” (p.11). Esta teoria não defende a persuasão como objectivo dos mass media, apenas apresenta ao público uma listagem de assuntos e temas, que deverá suscitar opinião e promover a discussão. Os media, pela disposição e incidência das suas notícias, vêm determinar os temas sobre os quais o público falará ou discutirá. Os media ao projectarem os acontecimentos, conseguem influenciar a opinião pública, configurando uma realidade social (pseudo-ambiente) fabricada e montada. Daí a influência dos media sobre o estabelecimento da ordem do dia dos problemas da actualidade, da forte correlação entre a importância atribuída pelos media a certos temas, o que leva a concluir que os media, através da selecção de informações, desviam a atenção do público para determinados temas em detrimentos de outros. 70 No caso da II Cimeira UE/África, os Acordos de Parceria Económica (APE), não estavam na agenda política da Cimeira, mas, acabaram por ser catapultados para a opinião pública, porque os media assim determinaram, e também porque interessou aos representantes políticos fazerem eco da situação. De acordo com o Ministro dos Negócios Estrangeiros português, Luís Amado, “foi um agendamento indirecto, não estava previsto na agenda da II Cimeira”28, mas como a II Cimeira coincidiu com o prazo estabelecido (31 de Dezembro de 2007) pela Organização Mundial do Comércio (OMC), para que fossem revistas as convenções de Cotonou (2000), o tema, que era marginal, acabou por se tornar o centro das atenções por parte dos media. Mas, outras vezes, é o público que marca a agenda dos media, como foi por exemplo, o caso dos Direitos Humanos em torno do Zimbabwe, que acabou por dominar grande parte da narrativa jornalística da imprensa europeia. Aqui a sociedade civil representada por várias organizações não-governamentais, associações humanitárias e grupos de activistas, contribuíram para que o tema fosse abordado pelos líderes políticos, presentes na II Cimeira UE/África. Partilhando da ideia defendida por Jorge Pedro de Sousa (1999:4), “os meios noticiosos conferem notoriedade pública a determinadas ocorrências [caso da II Cimeira UE/África], ideias e temáticas [Direitos Humanos e Acordos de Parceria Económica (APE)], que representam discursivamente, democratizando o acesso às (representações das) e tornando habitual o seu consumo”. A II Cimeira UE/África abordou várias ideias e temas, que os media dotaram de uma significação própria, num todo racionalizado e organizado que coube à opinião pública, no conjunto das várias mediações sociais, construir um quadro referencial explicativo do que se está a passar em África, e nas actuais relações deste continente com o mundo, em especial com a Europa. Esta influência dos media ajudam na estruturação da imagem da realidade social, na formação de opiniões e crenças. 28 Entrevista à autora, 20/01/2009. 71 O cientista norte-americano Bernard C. Cohen (1963:13 cit. in Wolf, 2006: 145) afirmou que se é certo que a imprensa “pode, na maior parte das vezes, não conseguir dizer às pessoas como pensar, tem, no entanto, uma capacidade espantosa para dizer aos seus próprios leitores sobre que temas devem pensar qualquer coisa”, isto é, ao invés de sugerir às pessoas sobre o que pensar, sugerem também como pensar sobre determinado assunto ou tema. Nesse ano, ele dizia que para um editor de um órgão de informação o normal é publicar ou difundir os assuntos que as pessoas gostam de ler ou ouvir. Quando um editor dá um maior enfoque a um determinado assunto, está a influenciar o pensamento e as conversas das pessoas que vão prestar atenção a esse meio de informação. Assim, o público para além de tomarem conhecimento dos temas através dos media tomam ao mesmo tempo consciência da importância que é atribuída a esses temas por parte dos media no tratamento jornalístico. É neste sentido que se fala no efeito do agendamento a dois níveis: no primeiro, a definição do que constitui ou não um tema de actualidade; no segundo nível, o agenda-setting estabelece a hierarquia e prioridade dos temas. Na imprensa europeia, na cobertura da II Cimeira UE/África, por exemplo, quando o jornal Público titula “Comércio, governação e direitos humanos serão pontos de divergência”29, a imprensa já estava a definir um dos principais temas de enquadramento da II Cimeira UE/África, ao mesmo tempo que estabelecia a hierarquia, (de entre todos os temas agendados para a II Cimeira), sobre que iriam incidir a maior parte dos enunciados jornalísticos, e o tipo de configuração discursiva que iria ter. É precisamente neste ponto que o conceito do silêncio do poder de Adriano Moreira (2006:126) melhor se enquadra. A prioridade que se dá a certos temas, vai silenciar outros não menos importantes, mas que intencionalmente, convém que 29 In Jornal Público, 7/12/2007, p. 18 72 assim seja. No caso da II Cimeira UE/África, isso parece ter sido latente, onde a questão do petróleo e dos interesses a ele associados não foram questões muito debatidas, por parte da imprensa, o que leva a deduzir que não o foram também na reunião à porta fechada entre os políticos, embora pudesse ter estado implícito nos objectivos da reunião por parte da UE. Partimos do pressuposto, que há um processo de interacção entre a agenda mediática, a agenda política e a agenda pública (agenda- building – construção da agenda), partilhando assim do ponto de vista de Lang e Lang (1983 cit. in Sousa, 1999:72) na descrição do processo de influência recíproca entre a comunicação jornalística, o governo e os cidadãos. Rogers e Dearing (1988, cit. in Sousa, 1999: 72) partilham também do ponto de vista de Lang e Lang, em que o poder de agendamento dos media depende dos temas e dos públicos. A agenda pública poderia influenciar a agenda política tanto quanto esta poderia influenciar a agenda dos media. Os media são, desta forma o principal veículo da comunicação pública, através dos quais a estrutura de poder, comunica com a sociedade, conforme os seus interesses. Este tipo de acontecimento como foi o caso da II Cimeira UE/África são planificados através de uma agenda própria do órgão jornalístico com os assuntos a cobrir, que vai sendo construída em função das informações que chegam à redacção (processo de agenda-building) através de suportes como por exemplo os comunicados de imprensa, e distribuído os assuntos a cobrir pelos jornalistas, que terão de respeitar as dealines (tirania da hora de fecho). Segundo Jorge Heitor30, jornalista do Jornal Público, as informações relativas à realização da II Cimeira UE/África e os temas a serem abordados que constavam da agenda política, chegaram à redacção através de briefings vindos do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) nos dias que antecederam a realização da II Cimeira. Mas depois de analisada a agenda política da II Cimeira UE/África e confrontando-a com 30 Entrevista à autora (3/11/2008) 73 a agenda mediática, constatamos por exemplo que a questão da agricultura em África, onde 90% da população depende dela para a subsistência, não foi uma questão que tivesse suscitado grande interesse por parte da imprensa para construir a notícia. Tudo isto faz parte dos mecanismos de avaliação à posteriori da hipótese do agenda-setting, donde podemos concluir que, sobre alguns assuntos ou temas abordados, verifica-se a “omissão, a não-cobertura de certos temas, a cobertura intencionalmente modesta ou marginalizada que alguns assuntos recebem” (Wolf, 2006:151). Todo este imbróglio leva a que no caso de África, seja criada uma imagem de um continente apenas limitado a alguns países e a alguma elite governante africana, contribuindo a longo prazo para a moldagem de uma opinião pública, pouco esclarecida e conformada com o que se passa no continente. O conceito de agenda política apresentado por Cohen (1963) foi testado sobretudo nas campanhas políticas onde se concluiu que são os meios de comunicação de massa que estabelecem a agenda das campanhas que como refere José Rodrigues dos Santos (2001:113) “Cada candidato adapta o seu discurso a temas que pensa poderem atrair mais a atenção da imprensa, garantindo-lhe assim publicidade”. Por exemplo, nenhum partido ignora hoje o problema do meio ambiente, porque sabe que a comunicação social estará atenta ao que disser ou ao que ignorar”. Poderíamos acrescentar, que nenhum partido ou governo a nível local, nem nenhum partido ou governo a nível mundial, ignora o tema, onde assistimos em encontros políticos internacionais, o tema a ser colocado na agenda política internacional. Várias pesquisas feitas neste campo também permitiram descobrir que a hipótese do agenda-setting varia consoante o meio de comunicação. Ao contrário da televisão que privilegia a forma mais do que o conteúdo, um estudo de McLure e Patterson (1992 cit. in Santos: 2001:113) revelou que a teoria do agendamento se adapta melhor à imprensa ao permitir um aprofundamento dos temas em debate em 74 oposição à superficialidade, heterogeneidade e fragmentação das notícias, apanágio da televisão, não produzindo qualquer efeito significativo a nível da agenda, reduzindo o significado daquilo que é transmitido. Também a mesma ideia é partilhado por outro autor, “Os jornais são os principais promotores da agenda do público (…), o carácter fundamental da agenda parece, frequentemente, ser estruturado pelos jornais” (Maxwell McCombs, 1976:6, cit in Mauro Wolf, 2006:162163). Na II Cimeira UE/África, Robert Mugabe, o Zimbabwe, e a questão dos Direitos Humanos, acabaram por ser o exemplo que constituiu a principal preocupação do agendamento na imprensa, pelo impacto que isso iria provocar junto da opinião pública. Durante anos nunca ouvimos falar tanto de Robert Mugabe como no período que antecedeu à II Cimeira UE/África e que se prolongou para além da Cimeira, como foi recentemente o caso das últimas eleições e da epidemia de cólera no país em Dezembro de 2008, que tiveram um grande impacto nos media internacionais. Falou-se pouco, repetimos, da alegada corrupção, das questões energéticas, do petróleo e agricultura, questões cruciais e ao mesmo tempo sensíveis para o poder político. O público reage assim à agenda que é imposta pelos media onde muitas vezes a representação de uma realidade acaba por se tornar mais importante que a própria realidade. As pessoas, hoje, vivem muito dependentes da mediação simbólica que é feita pelos diversos media. O agenda-setting define assim numa primeira fase aquilo que é a actualidade, “a ordem do dia” dos temas, assuntos e problemas presentes na agenda dos mass media, para de seguida definir a hierarquia de importância e prioridade dos temas como já foi referido. No caso da II Cimeira UE/África, a agenda estabelecida pelos media acabou por ser em alguns aspectos igual à agenda do público. Os próprios media, tendo por base movimentos reivindicativos da sociedade civil, não ignoraram 75 os temas relacionados com os Direitos Humanos, o Darfur e o Zimbabwe que acabaram por se tornar os temas mais debatidos na imprensa. O que se tem verificado na generalidade dos estudos sobre a agenda-setting é que os temas abordados pelos jornais são os mesmos que o público considera prioritários. No entanto é de salientar que as agendas dos media, dos políticos e pública são diferentes mas complementares. A agenda dos media pode ter interesses próprios ligados por exemplo, à orientação editorial, a dos políticos, o de encontrar nos media o espaço intermédio onde os temas de natureza política e as questões relativas à sociedade são debatidas. A agenda do público, em conformidade com os critérios de selecção e a constituição de valores-notícia, a que já nos referimos, traduz-se a médio prazo, na identificação com a fixação temática por parte do media, como uma estrutura institucionalizada. Foi assim que Rogers, Dearing e Bergman, em 1993, (cit. in Cruz, João, 2000:40) procederam à identificação de três agendas distintas mas que se complementam entre si: 1. A agenda dos media que se define pela prossecução dos seus interesses próprios, pela orientação editorial e pelo alargamento da sua difusão; 2. A agenda política que se caracteriza pelo espaço reservado nos media aos temas de natureza política, constituindo-se os media como o local onde se debatem todas as questões relativas à sociedade; 3. A agenda pública, definida pelo interesse generalizado relativamente a determinados acontecimentos ou assuntos por parte do público. José Rodrigues dos Santos, preconiza que “a comunicação social transformou-se numa extensão cognitiva do homem (…) e o agenda-setting, faz, de algum modo, regressar a noção de que os meios de comunicação de massas exercem uma grande influência sobre a população (…), os seus efeitos não são imediatos e controlados, mas algo imprevisíveis e a longo prazo” (2001:116). 76 Encontramo-nos desta forma no campo da sociologia do conhecimento ligado ao estudo dos efeitos cognitivos que estão directamente relacionados com a percepção da mensagem, levando as pessoas a fazer juízos sobre os temas que são apresentados, tendo um efeito cumulativo (num período longo de tempo), consequência da exposição diária e continuada. Como afirma Mauro Wolf, “o resultado final é que, muitas vezes, a repartição efectiva da opinião se regula pela opinião reproduzida pelos mass media e se adapta a ela, segundo um esquema de conjecturas que se autoverificam” (2006:144). A formulação do conceito de agenda-setting veio evidenciar o inquestionável poder que os media detém do ponto de vista social. Este poder é notório na capacidade de estabelecer uma definição dos temas da actualidade, da sua hierarquização, sendo este critério seguido pelo público, conforme é demonstrado através de estudos realizados. A influência dos media pode estar relacionada com o poder do agenda-setting, mas também com a capacidade dos jornalistas em saber quais são as matérias de maior interesse para o público. Esta relação é dinâmica, sendo possível que, em determinadas circunstâncias sejam os media a chamar a atenção para um determinado problema, e, noutros casos, seja o público que, pela violência da sua reacção a uma determinada política, desperta a atenção dos jornalistas. 2.4. Os media e a construção social da realidade A influência dos media é preponderante na vida das pessoas e contribuem para “estruturar a imagem da realidade social, a longo prazo, a organizar novos elementos dessa mesma imagem, a formar opiniões e crenças novas” (Roberts, 1972, cit. in Mauro Wolf, 2006:143). A vida política por exemplo, nunca é apreendida pelos jornalistas em primeira-mão, mas eles tentam de alguma forma estruturar essa 77 mesma realidade num contexto muito real e que nós passamos a conhecer apenas de “longe”. No caso da II Cimeira UE/África, tratou-se de uma reunião, à semelhança de qualquer reunião ministerial – à porta fechada –, onde os repórteres de imagem, apenas tiveram acesso durante dez minutos, aquilo que se costuma designar de “abertura à imagem”. Muitos dos temas abordados e o contexto em que foram apresentados e discutidos, a opinião pública desconhece. “Na medida em que o destinatário não é capaz de controlar a precisão da representação da realidade social, tendo por base um standard exterior aos mass media, a imagem que, por intermédio dessa representação, ele forma, acaba por ser distorcida, estereotipada ou manipulada” (Roberts, 1972: 380 cit in Wolf, 2006:145). É o que tem sucedido em relação a África, onde as notícias associadas às doenças, conflitos, pobreza e subdesenvolvimento acabam por superar as notícias mais positivas que possam existir sobre o continente. As notícias divulgadas no contexto da II Cimeira, não foram excepção como veremos. Isto vai de encontro também à tendência dos media para privilegiar as notícias negativas. “A hipótese do agenda-setting defende que os mass media são eficazes na construção da imagem da realidade que o sujeito vem estruturando” (Wolf, 2006:152). Para além da selecção e hierarquização dos assuntos no espaço público, a teoria do agendamento contribui ainda para que os media assentem num modelo de análise que se designa de construção social da realidade. Berger e Thomas Luckmann (1966, cit. in Sousa, 1999: 59) dentro da corrente da Sociologia do conhecimento, explicitam o conceito de “construção social da realidade”, inspirado na fenomenologia social de Alfred Schütz. Para eles toda a realidade é socialmente construída, quotidianamente, através dos indivíduos e das suas interacções, reproduzindo e redefinindo as práticas sociais do passado, isto é, as normas, regras e significados sociais. Podemos afirmar, assim, que os factos 78 sociais resultam de “um processo histórico de construção colectiva de conhecimento”, perpetrado pelo conjunto dos actores sociais (Sousa, 2006: 525). Walter Lippman (2008), defende que: “As notícias e a verdade não são a mesma coisa. A função das notícias é sinalizar um evento, a função da verdade é trazer luz aos factos escondidos, pô-los em relação um com o outro e fazer uma imagem da realidade com base na qual os homens possam actuar. Somente naqueles pontos, onde as condições sociais tomam uma forma reconhecível e mensurável, o corpo da verdade e o noticioso coincidem” (p.304). Alguns autores, baseados nas ideias da construção social da realidade, propõem, que, a realidade social é produto de “representações” (Watzlawick, 1981, cit. in Sousa, 2006. 527). Por outro lado, Altheide e Snow (1988, cit. in Sousa, 2006: 527) desenvolveram uma teoria da mediação que procura explicar a acção social global dos media, pressupondo que a vida social se constitui por e através de um processo permanente e multifacetado de comunicação mas também que pessoas e grupos sociais têm competência para codificar e descodificar os significados emergentes desse processo. Todas as teorias que mencionámos nos pontos anteriores, são, marcantes na forma como os media intervêm na construção social da realidade. Desde o gatekeeping, passando pelo processo de newsmaking e pela teoria da agendasetting, e os estudos sobre os media e a construção social a realidade, sobre a forma como os conteúdos dos media são fabricados e construídos, tudo está interligado. As notícias acabam por ser os referentes da realidade social e contribuem para a construção de imagens dessa mesma realidade. Através da construção de significações sobre os acontecimentos e ideias e o agendamento de temas junto do público, os media, são uma entidade social relevante. 79 CAPÍTULO III – O ACONTECIMENTO POLITICO: A II CIMEIRA UE/ÁFRICA 1. Problemas actuais de África: um continente, muitas realidades África continua a ser um continente à espera de crescer que combina o melhor e o pior e é o continente com a população mais jovem. África conta com 940 milhões de habitantes, 54 países onde 310 milhões são muçulmanos (39,6%), 117 milhões católicos (14,9%). A realidade africana abrange diferentes regimes políticos, vivências históricas, contextos culturais e religiosos, contextos económicos e geográficos e uma grande complexidade étnica e linguística que dificulta a construção da nação. Além disso, coexistem zonas de insegurança e centros de estabilidade. Alguns países do continente africano viveram e vivem períodos de paz duradoura, de segurança, de estabilidade económica e política e de participação democrática, e são considerados, apesar ainda de muitas vulnerabilidades, países com balanço positivo como por exemplo a África do Sul, Argélia; Botswana; Cabo Verde; Egipto; Gabão; Gana; Guiné Equatorial; Lesoto; Líbia; Marrocos; Maurícias; Mauritânia; Namíbia; São Tomé e Príncipe; Senegal; Seycheles e Tunísia, enquanto outros têm um balanço mais negativo como é o caso da, Angola; Benin; Burkina Faso; Burundi; Chade (apesar do petróleo, está cada vez mais pobre pelos constantes conflitos internos); Congo; Costa do Marfim; Eritreia; Etiópia; GuinéBissau (onde faleceu no dia 2 de Março de 2009, o Presidente Nino Vieira, através de um Golpe Militar); Guiné Conacri (faleceu recentemente o Presidente Lansana conte), Libéria; Madagáscar; Malawi; Mali; Moçambique; Níger; Nigéria; Quénia; República Centro-Africana, Ruanda; Repúbica Democrática do Congo; Somália; Suazilândia; Serra Leoa; Togo; Zâmbia e Zimbabwe. Outros países continuaram até há pouco tempo, envolvidos em conflitos intermináveis como é o caso da região do Darfur (Sudão), um massacre étnico onde já morreram 300 mil pessoas e 2,7 80 milhões foram obrigadas a sair de suas casas. No entanto, no passado dia 17 de Fevereiro de 2009, o governo sudanês e o grupo rebelde Movimento para a Justiça e para a Igualdade, um dos mais activos no país, assinaram um acordo onde declaram a intenção de pôr fim a um conflito que se prolonga desde 2003. Apesar de este não ser um acordo de paz definitivo, representa um passo importante. As partes comprometeram-se ainda a facilitar a distribuição de ajuda internacional humanitária no país. O governo sudanês não aceita tropas não africanas porque suspeita da existência de segundas intenções por parte das potências ocidentais. Mas a UA continua a insistir que a solução do conflito é politica, não militar, e a pressionar para que os Acordos de Abuja sejam assinados e respeitados por todos. A África de que se fala actualmente é ainda a das guerras, massacres e outras catástrofes para além do Darfur: a da Costa do Marfim e Corno de África (Eritreia, Somália e Etiópia). Perante este tipo de conflitos intraestatais (regionais) que geram uma “nova” ordem conflitual, há um sentimento a nível da comunidade internacional de que a UA não faz nada ou muito pouco para minimizá-los. Embora esta tipologia de conflitos sejam de carácter regional, acabam por ter repercussões além fronteiras devido ao fenómeno da globalização afectando as dinâmicas geoestratégicas mundiais, para além de enfraquecerem a estrutura dos próprios Estados, que no caso de África são bastante frágeis, débeis, inconsistentes, se não mesmo inexistentes ou falidas, com elevado défice de soberania que põem em causa o próprio desenvolvimento e segurança das populações. O número de conflitos em África têm contribuído para que o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) seja tão baixo aliado à luta desenfreada pelo Poder e acesso privilegiado aos recursos naturais. Por esse motivo, a Organização das Nações Unidas (ONU), e a UE, têm permanentemente vindo a intervir mais do que em qualquer outra região do mundo. (Rodrigues, 2008: 589) 81 A República Democrática do Congo, continua também a ser outro dos exemplos mais problemáticos do continente africano, opondo tutsis e hutus, Peritos norte-americanos em segurança já estão a incluir o Leste da RDC entre os grandes problemas da África actual, em pé de igualdade com a Somália, o Sudão, o Zimbabwe e o delta do rio Níger na Nigéria, onde a produção petrolífera já registou uma quebra. A RDC é um dos países com mais recursos minerais, uma terra onde há diamantes, cobre, cobalto, zinco, manganés e coltan, substância feita de colômbio e tântalo, que interessam a muita gente e para onde a UE em 2007 disponibilizou 50 milhões de euros para assegurar à população serviços sanitários de base e prestar assistência às pessoas deslocadas e refugiadas. Na África a sul do Sara (África Subsariana ou África Negra), que em termos de conflitos é designada de ZTC (zona de tensão e conflitos), com uma identidade própria (Correia, 2004: 273), para se poder distinguir da África do Magrebe (África do Norte, também conhecida por África Branca) que deve ser incluída na Bacia Mediterrânica, agrava-se a fome, a degradação das condições sanitárias de vastos grupos populacionais e a disseminação de epidemias. Na África do Magrebe estes problemas são uma das causas da descontrolada emigração para a Europa Ocidental. Esta crescente instabilidade é paralela ao aumento da criminalidade organizada transnacional, com o aumento progressivo da ameaça do tráfico e consumo de drogas, do tráfico de seres humanos, do contrabando de recursos naturais e do tráfico de armas. No entanto, não faltam factores de crescimento: África é um continente rico em recursos naturais, o petróleo, por exemplo, pode ser encontrado no Sudão, Angola, Chade, Guiné Equatorial, Gabão, Nigéria: a platina no Zimbabwe; o Cobre na Zâmbia; a Madeira no Congo; o minério de ferro na África do Sul (para alem do ouro, platina, diamantes) permite um verdadeiro desenvolvimento sustentável, embora com muitas “arestas por limar”. A exploração sustentável dos recursos naturais, o desenvolvimento agrícola, o investimento nos recursos 82 humanos cria um clima favorável ao investimento. As economias africanas dependentes de produtos agrícolas de base podem reduzir a sua vulnerabilidade intervindo sobre a tendência para a diminuição dos preços a longo prazo e sobre a flutuação dos preços no mercado mundial. A nível do desenvolvimento humano verificam-se situações muito contrastadas. África acumula todos os piores indicadores de desenvolvimento humano. Embora alguns países africanos tenham registado um grande crescimento económico, a repartição do rendimento é muito desigual e impede que esse crescimento tenha um efeito positivo sobre a redução da pobreza. A criação de postos de trabalho continua a ser um dos principais desafios para a redução da pobreza e para o desenvolvimento social. A situação do emprego tem vindo a melhorar devido à progressiva alfabetização. Mas continua muito por fazer em matéria de higiene e saúde, onde a pandemia do VIH/SIDA constitui um encargo pesado para muitos países de África. Só na África subsariana existem 22,5 milhões de infectados. As doenças infecciosas têm devastado a população africana, fazendo, por ano, cerca de 3,5 milhões de vítimas mortais e afectando dramaticamente a vida de milhões de indivíduos. Para além da sida, (no Zimbabwe, país que foi o centro das atenções na II Cimeira, 18,1% da população entre os 15 e os 49 anos sofre da doença31 em 2005 surgiram 2,2 milhões de novos casos de tuberculose, e a malária que continua a afectar a vida das populações. É preciso também considerar do ponto de vista da dinâmica ambiental, o contraste visível que apresenta o continente africano. As alterações climáticas estão a pressionar os recursos hídricos e a afectar a diversidade biológica e a saúde humana, ao mesmo tempo, que degradam a segurança alimentar e agravam a desertificação. As inundações e as secas são frequentes e vão intensificar-se com as alterações climáticas que o planeta tem vindo a sofrer, pelo que, a precariedade 31 Revista NS Diário de Notícias, 1/12/2007, p. 72. 83 dos sistemas de alerta rápido e a gestão das catástrofes é medíocre. É por isso necessário que África se adapte a estas alterações, fazendo desta adaptação uma primeira prioridade para que o continente africano se desenvolva. O Segundo pulmão da terra está em África e está a ser destruído (floresta tropical, segunda maior reserva florestal do mundo). O Relatório de Desenvolvimento Humano 2007-2008 do PNUD, alertou que o aquecimento global poderá fazer regredir o desenvolvimento e comprometer a realização dos Objectivos do Desenvolvimento do Milénio (ODM), uma vez que África não dispõe de recursos para que desenvolvam essa capacidade de adaptação. A juntar a todos estes problemas, é relevante salientar as teorias dos espaços não governados que existem em África, salientando a inoperância das instituições públicas que existem sem capacidade de gestão, de produção de legislação, sem ordem, sem lei, onde não há Estado, comprometendo todo o processo de desenvolvimento africano pela má gestão dos recursos. Diz-se que a herança colonial teve também a ver “com a ausência de um processo evolutivo na formação de estruturas e de uma consciencialização política, com a falta de participação e de preparação de quadros, com as contradições que o sistema colonial gerou” (Correia, 2004:284). Parafraseando Basil Davidson “A crise da sociedade africana (…) É prioritariamente uma crise das instituições” (Davidson, 2000 cit. in Correia, 2004: 285). África é por isso mesmo um problema de construção da Nação (Graça, 2005:129), da construção de uma identidade nacional numa sociedade que neste momento o tecido social não existe, e onde existe em alguns casos perseguição política, religiosa ou ideológica sobre determinada população. Segundo o professor 84 Pedro Borges Graça32,“ A nação em África se encontra em processo de definição numa dinâmica de ambivalência cultural pela interacção do legado colonial com a herança africana, ou seja, da cultura europeia ou ocidental com a cultura africana, tendo esse processo tido inicio no período colonial” (2005:131). A integração social e política faz parte de um processo histórico que teve o seu início no período pré-colonial (antes das independências) e que tem vindo a evoluir, embora lentamente, desde a proclamação das independências expressa no art.73º das Nações Unidas da autodeterminação dos povos. Basil Davison ainda defende que a libertação de África do regime colonial deu origem à alienação. É, por isso, um processo recente que está em evolução de forma muito lenta: a aplicação de um modelo de desenvolvimento africano. A União Africana (UA), na altura da realização da II Cimeira UE/África comemorou cinco anos, ao passo que a UE fez 50 anos, isto para dar um exemplo, do caminho que é necessário percorrer para que a consolidação de um modelo de desenvolvimento em África se consolide, e por isso todo o processo de construção desse modelo, é neste momento bastante embrionário. Contudo esta é umas das muitas questões que tem sido abordada nos últimos anos mas que parece estar conduzida ao fracasso. As elites africanas continuam a atribuir aos antigos desenvolvimento colonizadores africano, que tem europeus responsabilidades dificultado a implantação no depois fraco das independências de um modelo. Ainda subsistem preconceitos político-ideológicos derivados da acção colonial, o que levou o Presidente da Líbia, o coronel Muammar Kadhafi, (actualmente à frente da UA, desde Janeiro de 2009, pelo período de um ano), a proferir na II Cimeira UE/África, expresso em título, que “os colonizadores devem indemnizar os colonizados”33, uma expressão própria das suas declarações 32 33 Professor Auxiliar no ISCSP – Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas. In Jornal Diário de Notícias, 8/12/2007, p.2 85 intempestivas. O estigma da “agressão imperialista” ainda consegue ser visível ao nível do diálogo entre a UE e África. Por outro lado, africanos, analistas e especialistas das várias ciências sociais dividem-se em afro-optimistas e afropessimistas e, apesar da herança colonialista ainda ensombrar as posições de determinada elite africana para justificar o estado em que se encontram grande parte dos países que “gerem”, este argumento tem vindo a perder credibilidade, “não servindo mais para ocultar erros, crimes e injustiças clamorosas de líderes corruptos e incompetentes” (Graça, 2006:5). Este especialista apresenta duas argumentações para justificar os condicionalismos que vetam ao fracasso o modelo de desenvolvimento africano: por um lado a imposição do modelo ocidental que não se ajusta à realidade africana, por outro lado a total dependência de África em relação aos países mais desenvolvidos por conveniência dos países ocidentalizados, dentro de uma perspectiva neo-marxista, mais no plano económico e de conflito entre os países do norte e dos países do sul. Numa perspectiva afro-realista, significa que “não devemos nunca sacrificar o humano à vantagem e ao lucro” (Graça, 2006:6). Num artigo publicado, o professor Doutor Pedro Borges Graça (2001: 43-53), fala ainda de “duas fracturas epistemológicas complementares: uma que separa a perspectiva marxista da perspectiva não marxista e outra a percepção eurocêntrica da percepção afrocêntrica”. Para o professor, a perspectiva marxista foi a que prevaleceu no continente africano desde os anos 60, mas depois das independências, a perspectiva não-marxista foi-se impondo nos estudos africanos das universidades americanas, com o argumento da “modernização e construção da nação” (Graça, 2006:6). Durante anos esta perspectiva perdeu credibilidade, mas, mais tarde ressurgiu alicerçada no método de introdução da democracia e economia de mercado. Actualmente são conceitos que se apoiam na reforma das instituições e formação profissional – instituition –building e capacity-building. Depois das 86 independências o eurocentrismo e da perspectiva não marxista, logo ligada ao subdesenvolvimento. Pelo contrário, o afrocentrismo foi assimilado pelas elites africanas como um valor absoluto que surgiu nos movimentos anti-coloniais “que recusam qualquer imagem de submissão, ignorância ou inabilidade face aos nãoafricanos” (Graça, 2005:137). Actualmente o debate sobre desenvolvimento africano continua e a implosão do modelo soviético originou um ambiente favorável à consolidação democrática dos Estados africanos (embora ainda reduzido a poucos países). A construção da nação em África está intrinsecamente ligado ao problema do desenvolvimento, e ligado a este conceito, está o da modernização que tem vindo a ser assimilado pela cultura africana “imposto” de alguma maneira pela cultura ocidental desde o final do século XIX. Quase todos os temas que foram discutidos na II Cimeira giraram “à volta do desenvolvimento africano para suster os fluxos migratórios em direcção à Europa; integração de África na economia mundial; desenvolvimento das relações Sul-Sul e Norte-Sul; criação de fundos para operações de paz em África; e claro, a promoção da democracia e dos Direitos Humanos”34. África precisa de um modelo endógeno, que rompa com o que se chama de “lógica colonial”, que via no continente africano um reservatório de matérias-primas, não transformadas localmente e exportadas a preços que não eram controlados. No entanto, há sinais indicativos de recuperação da economia africana: “No fim dos anos 90, detectavam-se os primeiros sinais de uma inversão da tendência estagnante observável nas duas décadas precedentes e, em 2004, a região registou um crescimento real do PIB de 5,1 por cento, contra 4,2 em 2003 e um crescimento anual médio de 2,3 por cento entre 1980 e 2000.” Estes dados constam da Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu e ao Comité Económico e Social Europeu, de 2005. Neste documento consta também que 40 por 34 Revista NS, suplemento Diário de Notícias, 1/12/ 2007, p 76. 87 cento dos africanos sobrevivem ainda com menos de um dólar por dia (cerca de 67 cêntimos). O número de pobres continua a aumentar em África e o número de países em dificuldade cresce, mas alguns têm feito progressos espectaculares e o continente está numa fase de crescimento económico. As exportações na África Subsariana aumentaram de 125 milhares de milhões de euros, em 2004, para 157 milhares de milhões de euros em 2005, o que representa um aumento de 26%. Alpha Oumar Konaré, Presidente da Comissão da União Africana em exercício na altura da realização da II Cimeira UE/África, (actualmente é Jean Ping), adepto convicto e entusiasta do Pan-africanismo afirmou numa entrevista que “Quando se vê as imagens que mostram as televisões, é difícil continuar a acreditar em África”35. Mas do ponto de vista político, económico e social, não há dúvidas que fazendo o balanço positivo/negativo em relação aos países africanos, factores como a corrupção (má governação) derivado da existência de partidos únicos, em que os governantes se mantêm os mesmos durante décadas no poder, a falta de democracia, problemas graves de liberdade de imprensa, crescimento económico baixo, taxas elevadas de alfabetização, mortalidade infantil, elevados índices de HIV e a corrupção são transversais a todos eles36. A juntar a tudo isto, a cobiça política por tantas riquezas, as consequências devastadoras das alterações climáticas e as disputas entre etnias estão na origem de algumas das piores crises humanitárias do último meio século. 2. O Contexto Político da II Cimeira UE/África A presença europeia em África iniciou-se na época dos descobrimentos (século XV), e só após a independência das colónias americanas (primeira metade do século XIX) se verificou a “corrida” pela conquista e partilha do continente, levando a Europa a criar um verdadeiro Império Euromundista. Muitas das fronteiras 35 Alpha Oumar Konaré, entrevista à Revista África 21, Maio 2007, p.8 Veja PNUD – Relatório de Desenvolvimento Humano 2008; UNAIDS; Fundo das Nações Unidas para a População; Repórteres sem fronteiras disponível em http://hdr.undp.org/en/media/HDR_20072008_PT_complete.pdf 36 88 são artificiais, dividem povos e comunidades desenhadas na Conferência de Berlim em 1885, que foi “escrita” por europeus sem a participação dos africanos e marca o início dessa conquista e a colonização de África que dura até cerca de 1900. Mas só no início da década de 50 do século passado (depois da II Guerra Mundial), começa a sua decadência. O processo de descolonização inicia-se em 1944 na Conferência de Brazzaville, e o seu processo foi acelerado após 1960, ano em que muitos países conquistaram a independência, dando-se início a um novo ciclo. O colonialismo deixou um legado significativo e profundo presente actualmente em quase todos os países africanos. Produziu novas entidades geográficas, culturais e políticas, híbridas, mestiças, sem passado para além do colonial. O fenómeno da colonização foi complexo37. A diversidade de colonizadores (portugueses, franceses, espanhóis, ingleses, holandeses, belgas, italianos e alemães), levou a que o processo de colonização fosse diferente conforme a sua origem. Adriano Moreira fala de uma missão europeia composta pelos peninsulares que tinham como missão evangelizar; os franceses a de disseminar as luzes; os ingleses de levar a civilização aos povos distantes (Moreira, 2006:1). O sucesso da realização desta Cimeira em Portugal, poderá estar associado ao facto de, ao contrário de muitos europeus (antigos colonizadores), como os espanhóis, os franceses, os ingleses ou os alemães, “que possuem um tipo de Cultura Exclusiva (…) os portugueses possuíam uma característica rara, que era a xenofilia, o contrário de xenofobia” (Graça: 2005). O humanismo e universalismo, permitem que, sejamos um país portador de uma “cultura Inclusiva”, e daí o bom relacionamento que temos conseguido manter ao longo da história com países de diferentes culturas. Adriano Moreira fala do método português como um método “integrador, assimilador e sincrético” (2008:578). José Sócrates, actual primeiro-ministro 37 Sobre a Colonização e Descolonização, veja-se o livro de António Sousa Lara, Colonização Moderna e Descolonização (Sumários para o estudo da sua historia), ISCSP, 2000. 89 português, proferiu que “Portugal foi a ponte entre os dois continentes e continua a manter aquela que á a imagem tradicional: a ponte entre povos e culturas diferentes”38. No conjunto dos restantes países europeus, as relações entre a UE e África sempre foram muito próximas, não só por razões históricas mas também por razões de proximidade geográfica. Com excepção da Argélia e do Congo, “a maioria das colónias tornaram-se independentes num clima de paz e mantiveram e estreitaram os laços com as antigas metrópoles, sobretudo através de organizações de conjuntos de Estados, como a Commonwealth, a Comunidade Francesa ou o conjunto dos Estados francófonos” (Vaïsse, 2005:195). Os países africanos da bacia do Mediterrâneo e os países que fazem parte dos países ACP (África, Caraíbas e Pacífico), mereceram sempre especial atenção por parte da UE e por isso a estratégia de relacionamento deve considerar esta dupla abordagem no âmbito da Parceria Euro-mediterrânica (norte de África), da Política Europeia de Vizinhança, dos Acordos de Cotonu (com os 48 países da África Subsariana) e do Acordo de Comércio e Desenvolvimento e Cooperação com a África do Sul. Depois de várias tentativas falhadas, uma primeira Cimeira no Cairo, em 2000, por iniciativa portuguesa; os acontecimentos registados a nível mundial como o atentado a 11 de Setembro em 2001 às torres gémeas em New York (EUA); os atentados de 11 de Março de 2004 em Madrid e os atentados no metropolitano de Londres no dia 7 de Julho de 2005, (no primeiro dia da 31ª Cimeira do G8 quando se discutia uma “Estratégia da UE para África”, durante a Presidência britânica da UE), a UE, estava finalmente preparada para aceitar a iniciativa portuguesa. 38 Discurso na Conferência de encerramento da II Cimeira em 9/12/2007, gravada pela autora, na sala de Conferência de Imprensa da Presidência Portuguesa da União Europeia. 90 Dois anos após a adopção da Estratégia da União Europeia para África, a UE e África redefinem a sua parceria e decidem passar de uma Estratégia para África a uma Parceria Estratégica UE/África. Mas esta reaproximação ao continente europeu não é um projecto novo, é um projecto reassumido e de acordo com o artigo de Adriano Moreira (2008) começou com a CCTA, – Comissão de Cooperação Técnica em África incluído no projecto Euráfrica. Para o professor “esta história da consciência de que é preciso reorganizar-se na ligação com a África, ainda foi assumida (isto é muito esquecido), antes mesmo de Portugal se retirar da África, porque houve uma organização que se chamava Comissão, Cooperação Técnica em África (CCTA), com sede em Londres”39. Esta Comissão, tinha como objectivo fazer um levantamento rigoroso e científico da situação de África e reinventar a cooperação. Mas como costuma dizer o professor, esta organização “morreu sem certidão de óbito”40 A primeira Cimeira histórica entre a União Europeia (UE) e África, representou o início de um diálogo político mais estruturado entre a UE e África, visível através de encontros regulares entre altos funcionários e ministros. Após a criação, em 2001, da Nova Parceria para o Desenvolvimento de África (NEPAD) e da União Africana (UA), em 2002, que substituiu a Organização da União Africana (OUA) criada em 1963 em Addis Abeba, estava prevista a realização de uma segunda Cimeira em Lisboa em 2003, que foi adiada devido às controvérsias relativas à participação de certos países, nomeadamente do Zimbabwe. Em Outubro de 2005, aquando de uma reunião conjunta com a Comissão da UA, a Comissão Europeia adoptou uma comunicação sobre a Estratégia da UE para África, que seria formalmente aprovada pelo Conselho Europeu de Dezembro do mesmo ano. Esta estratégia permitiu o reforço da coerência política no âmbito da UE e uma melhor 39 40 Entrevista à autora (23/09/2007) Entrevista à autora (23/09/2007) 91 coordenação das políticas da Comissão e dos Estados-Membros em relação a África. Em Dezembro de 2005, os participantes na quinta reunião ministerial UE/África, realizada em Bamako, acordaram que, a próxima etapa consistiria em desenvolver uma Estratégia Conjunta UE/África. Esta posição foi depois confirmada pelo Conselho Europeu, em Dezembro de 2006, e posteriormente pela Cimeira da UA, em Janeiro de 2007. Esta estratégia conjunta deverá reforçar o diálogo político entre a UE e África, tendo em vista: Ultrapassar o quadro da simples cooperação para o desenvolvimento, alargando o diálogo a preocupações políticas comuns e a questões de interesse comum, ou seja, uma abordagem que ultrapasse a tradicional ajuda ao desenvolvimento; Superar o contexto do continente africano, indo para além de uma estratégia exclusivamente centrada nas questões africanas para contemplar temas de interesse europeu e planetário e actuar em conformidade nas instâncias competentes; Abandonar o apoio fragmentado às aspirações africanas para procurar soluções regionais e globais para os desafios mais importantes; Garantir uma maior participação dos cidadãos africanos e europeus na Parceria Estratégica e contribuir assim para o reforço da sociedade civil nos dois continentes. Na sequência da aprovação das grandes orientações da Estratégia Conjunta pela oitava troika ministerial UE/África, a Estratégia finalizada foi adoptada durante a II Cimeira UE/África marcada para o ano em que a UE completou 50 anos de existência e também o 50º aniversário da independência do Gana, e que exerceu 92 durante o ano de 2007 a presidência da União Africana, através do seu Presidente John Kufuor, (actualmente é John Mattis). Gana, foi o primeiro país a iniciar o processo de descolonização em todo o continente africano. As relações entre a UE e África foram marcadas desde o início da integração europeia (1957), pelo paradigma assistencial da ajuda ao desenvolvimento, no contexto mais vasto dos países, África, Caraíbas e Pacífico (ACP). Hoje, com a questão da globalização, as importantes mudanças geopolíticas no contexto internacional, nomeadamente a emergência de novos actores como é o caso da China, levaram a que a UE sentisse necessidade de elevar a um novo patamar as relações com África expressa numa nova abordagem. Problemas comuns que afectam os dois continentes (que desenvolveremos mais adiante); as alterações a nível das instituições africanas que permitem um relacionamento mais equilibrado com a UE; o controlo do terrorismo e da criminalidade organizada; o elevado número de Estados africanos em desagregação e em guerra civil; a competitividade em África, para além da China, Índia e Estados Unidos na procura de recursos energéticos e a necessidade de diminuir o retraimento europeu nos pós Guerra-fria foram determinantes na “reaproximação” ao continente africano. O estigma de “lost continent” (continente perdido) fica ultrapassado surgindo no século XXI novas alternativas para África. De acordo com as conclusões do Conselho Europeu de Junho de 2007, é referida a importância da adopção, por ocasião da Cimeira, da Estratégia Conjunta. O novo paradigma de relacionamento UE/África será reflectido nos documentos: Estratégia Conjunta; Plano de Acção e a Declaração de Lisboa. A Estratégia Conjunta veio estabelecer os princípios, os objectivos, a metodologia e as grandes áreas de interesse comum, designadamente paz e segurança; governação e direitos humanos; comércio e integração regional; desenvolvimento. Por seu lado, do Plano de Acção consta as parcerias que os dois lados se comprometem a executar nos 93 dois a três anos (2008-2010) nas seguintes áreas: paz e segurança; governação e direitos humanos; comércio e integração regional; energia; alterações climáticas; segurança alimentar; migrações; ciência e tecnologia. A Declaração de Lisboa será, sobretudo, dirigida à opinião pública, onde consta a alteração estratégica do relacionamento UE/África. 2.1. O Avanço da China No século XV a China já tinham percorrido África, a oriente (enquanto os portugueses desciam em direcção ao ocidente), percurso que acabou por não resultar numa exploração efectiva do continente, devido à morte do imperador que patrocinava, obrigando o almirante Cheng HO a desistir das suas explorações. Apenas na segunda metade do século XX, e depois da descolonização, os chineses voltaram a interessar-se por África, na época em nome da solidariedade terceiromundista. A grande rivalidade entre os Estados Unidos e União Soviética pela conquista de África à medida que as potências europeias se retiravam, pouco espaço de manobra deu à China para conquistar o seu espaço no continente, tendo um papel meramente figurativo (Mendes, 2008,185). As riquezas de África representaram ao longo dos últimos séculos para a maioria dos países, uma grande cobiça. Primeiro foi o ouro, mais tarde os seus homens (tráfico negreiro), a seguir os diamantes e agora com mais intensidade, o petróleo, onde o Sudão, a Nigéria e a Angola, são dos maiores produtores. A presença actual da China, país que Napoleão descreveu como “o Gigante adormecido”, aconselhando a não o acordarem (Wilensky et al., 2005:97), acabou mesmo por ser acordado. Muito mais forte, a China tem vindo a impor-se no continente africano de forma rápida, uma vez que, descobriu um terreno fértil para se abastecer de matérias-primas para a sua indústria. 94 Em 2006, Pequim emprestou a África 12,5 mil milhões de dólares (8,4 mil milhões de euros); as trocas comerciais sino-africanas atingirão, este ano, 47,2 mil milhões de euros; e 62 por cento das importações chinesas de África foram em 2006, de petróleo e gás41. A economia cresce todos os anos acima dos 10%, constituindo um sério concorrente face às outras potências interessadas no continente. A China é já hoje considerado o terceiro parceiro comercial mais importante de África com um comércio total de cerca de 43 mil milhões de euros em 2006 (em comparação com 30 mil milhões de euros em 2005) e com 23% das importações chinesas de petróleo vindo agora de África. Desde 2000, as relações comerciais de África com a China aumentaram 400 por cento enquanto que com a Europa apenas 50 por cento. É uma séria concorrente tanto dos Estados Unidos como da União Europeia. A China tem a “vantagem”, de não exigir boa governação e respeito pelos direitos humanos, para além de que é mais ágil, pois não tem o problema da coesão necessária entre os 27 membros da UE. A China é tão ágil que “enquanto a Europa esperou sete anos para realizar a II Cimeira UE/África, Pequim realizou três”42. Segundo Farndon, “enquanto o mundo ocidental está ocupado a falar com eles e a tratá-los como crianças pobres [os africanos] que precisam de ser acarinhados, na opinião de alguns africanos, os chineses estão realmente a fazer alguma coisa e a tratá-los, pelo menos superficialmente, como adultos” (2008:107). Na última cimeira de Pequim, Presidente Hu Jintao, prometeu continuar com a sua política de ajuda para África, mas desta vez anunciou que iria duplicar as ajudas em 2009 e atribuir 5 mil milhões de dólares em empréstimos e créditos para formar 15 mil professores africanos e criar um fundo para a construção de escolas e hospitais. O interesse crescente da China por África tem-se traduzido em números e diz-se mesmo que a 41 42 Revista NS Diário de Notícias, 1/12/2007, p. 76 Revista The Economist, Dezembro de 2007. 95 China está a “estilhaçar Bretton Woods” em África. Durante a Cimeira, fizeram-se duas mil transacções comerciais com África, para fazer arrancar o comércio. “Com 42 mil milhões de dólares, em 2006, a China já substitui os EUA na qualidade de parceiro comercial preferencial com África” (Farndon: 2008:107). Neste contexto, se a UE pretender continuar a ser um parceiro privilegiado de África, deverá reforçar e nalgumas áreas reinventar as suas relações actuais e acelerar a passagem de uma estratégia para África para uma parceria com África. Para Robert Kaplan, África há muito que “deixou de ser um teatro de guerra de terceira ordem”43. A II Cimeira UE/África de Lisboa actuou nesse sentido, já que ajudou a consolidar a transição de uma época dominada pela má consciência e reflexos de colonizador, por parte da Europa, com um esquema paternalista de ajuda ao desenvolvimento impeditivo de pensar África como um país de oportunidades, para uma época em que o continente africano é um desafio e um parceiro importante no plano económico e político. Por outro lado, (à excepção de Kadhafi) os líderes africanos assumiram que a responsabilidade pelos seus problemas não se deve aos antigos colonizadores e que África deve assumir o seu destino. O final da “Guerra-fria”, associado à queda o muro de Berlim, o desmembramento da ex-União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e a dissolução do Pacto de Varsóvia, provocaram no pós-1989, o início de uma Nova Ordem Internacional. Neste contexto África vê-se afectada pelas revoluções da Europa de leste e pela implosão do bloco soviético e sacudida pela vaga quase universal da democracia, a que se somam as condições de prestação da ajuda europeia, condicionada aos progressos registados nos domínios da democracia, da boa 43 Revista Atlantic Monthly, Novembro, de 2007. 96 governação e do respeito dos direitos do homem. Na sequência destes acontecimentos, iríamos assistir a reconciliações nacionais efémeras em muitos dos jovens estados africanos, nomeadamente na Republica da África do Sul e em Angola, com o acordo de paz do Lusaka, entre o MPLA e a Unita. Nesta altura a segurança de cada Estado passou a constituir preocupação de todos. Durante o período em que a URSS e os EUA, se degladiavam pelo controlo do mundo, (então dividido, por um lado, o Bloco Capitalista (EUA), por outro o Bloco Comunista (URSS), logo após a segunda guerra mundial), existia um grupo de países que se desmarcaram destas ideologias que se constituíam como estados independentes, formados por países africanos e asiáticos, os chamados de “nãoalinhados” a que já nos referimos. Conjuntamente com estes países neutrais, a China (então alinhada pelo Bloco Soviético) e as Filipinas (EUA), participaram numa conferência de imprensa em 1955, em Bandung, uma vez que a China queria competir com a Índia pela liderança do “movimento dos não-alinhados”. Assim a China passou a semear influências pelos vizinhos na Ásia e em África. Este era também um período marcado por sucessivas descolonizações, e o consequente nascimento de novos Estados, a maioria de cariz comunista, abria-se a porta para a China tentar exportar o seu modelo de desenvolvimento e ganhar o apoio dos vários novos países africanos para as suas causas politicas e económicas, usando a táctica do respeito ela soberania e da não ingerência nos assuntos privados, inclusive as violações dos direitos humanos. A transformação da China dá-se no final dos anos 70, pelas mãos de Deng Xiaoping, passando de um pais pobre, a uma potência forte e confiante no início do séc. XXI. É no inicio dos anos 90, que o papel da China na economia mundial se altera substancialmente, e a relação da China com África, relações bilaterais conhecidas como Sino – Africanas, representam apenas uma das alternativas na estratégia de expansão fora do seu espaço regional, com vista a diversificar as suas 97 fontes de petróleo e gás natural e de controlar os recursos naturais, por um lado para alimentar a sua indústria e desenvolver-se tecnologicamente, e por outro, porque precisa de manter o seu crescimento económico de forma sustentado. Sem que consideremos os laços criados na fase pré-colonial, importa referir que a China num passado recente e durante as lutas pelas independências, manteve com muitos países africanos, uma relação de cooperação intensa e com fortes laços de amizade, o que permitiu colocar este país numa posição também privilegiada, tendo as relações sido consolidadas com o estabelecimento de relações diplomáticas com estes países africanos já independentes. Nesta fase pós-independência a cooperação bilateral baseava-se em infraestruturas, essencialmente desportivas e com pouca ligação com o desenvolvimento económico e assistência técnica aos países africanos, com particular realce para as áreas da saúde, educação e agricultura, caracterizava a essência da cooperação. Os interesses Chineses em África ganharam um outro dinamismo na década 90, com novos interesses, passando-se a investir em projectos economicamente viáveis, com um retorno do investimento garantido. A China transforma-se em potência económica, com necessidade de garantir mercados para os seus produtos, ou de encontrar formas e meios para que os seus produtos sejam destinados aos mercados internacionais (Europa, EUA e África). De uma potência regional, actualmente a China transformou-se numa potência económica mundial, com enormes aspirações globais e a Europa por seu lado deixou de ser uma coutada europeia. Para além disso existe uma “forte dinâmica de competição pelo acesso aos mercados africanos”44. Durão Barroso, Presidente em exercício da Comissão Europeia, afirmou antes da realização da II Cimeira UE/África que “África transformou-se numa questão geoestratégica maior na cena internacional. Passou a 44 In Jornal Público, 8/12/2007, p.2 98 contar na geopolítica mundial por causa dos seus recursos naturais e por causa do combate ao terrorismo”45. A China tem de forma mais acentuada necessidade de garantir recursos materiais, naturais e energéticos a nível internacional, de modo a garantir o seu contínuo desenvolvimento, possuindo para o efeito capacidade financeira e estratégias criativas de as adquirir. Nessa perspectiva manteve sempre com o continente africano um relacionamento caracterizado por um modelo “estrategicamente modesto”, o que garante o sucesso do seu relacionamento com África. Os países africanos, conscientes destes objectivos da China, encontram-se interessados em desenvolver e consolidar um relacionamento privilegiado, que permita garantir um apoio incondicional aos seus esforços de desenvolvimento. É também do interesse dos países africanos ampliar o leque de parcerias ao nível internacional como meio de acelerar os desígnios de desenvolvimento por um lado e contribuir por outro lado de modo positivo, no estabelecimento de um mundo mais justo e equilibrado. Dentro destes interesses e estratégias, é criado entre a China e África o Fórum Sino-Africano. Este Fórum não constitui o primeiro e único exemplo ao nível das parcerias africanas, mas reveste-se actualmente de uma enorme importância. As actuais relações Sino-Africanas integram não só interesses político-diplomáticos e estratégicos, como também económicos e sociais. Constituem exemplos ilustrativos o restabelecimento de relações diplomáticas com o Senegal, a Libéria e o Chade, reduzindo deste modo o número de países africanos que mantêm relações diplomáticas com o Taiwan. Por outro lado, verifica-se uma maior intensidade de trocas de visitas ao mais alto nível, com particular destaque para as visitas realizadas ao continente africano pelo Presidente, Primeiro-Ministro e Ministro dos Negócios Estrangeiros da China. 45 In Jornal Público, 8/12/2007, p.2 99 Desde a realização da I Conferência Ministerial do Fórum Sino-África em 2000, a China anulou a dívida de alguns países africanos no valor de aproximado de 1.4 biliões de USD. O valor de trocas comerciais registados até 2005 foi de 39.74 biliões de USD (tendo atingido cerca de 50 biliões até finais de 2006), enquanto que o investimento directo chinês foi de 1.18 biliões de USD. Sem que se faça uma abordagem exaustiva do actual dinamismo das relações China-África, importa referir que grande parte destes desenvolvimentos resulta da estratégia chinesa de optar pela diplomacia “económica”, evitando confrontações de carácter político-ideológicas. É nesta perspectiva que se realizou de 1 a 6 de Novembro de 2006, a I Cimeira de Chefes de Estado e de Governo do Fórum para a Cooperação Sino-Africana, que levou a Pequim 48 líderes africanos, numa altura em que se comemoravam os cinquenta anos da inauguração das relações diplomáticas entre a China e os países africanos. O Presidente Chinês (HU Jintao) anunciava nesta altura um conjunto de medidas conducentes ao reforço das relações entre China e África. Enquanto a Europa esperou sete anos para realizar a segunda cimeira UE/África, Pequim realizou três, “Fórum Cooperação África-China”, Novembro de 2006, que já referimos e duas outra anteriores, em 2000 em Beijing (Pequim) e em Addis Abeba (Etiópia) em 2003. Na I Cimeira, foi adoptada a “Nova Parceria Estratégica entre a China e África” que tem como documentos base a “Declaração de Beijing” e o “Plano de Acção da Cooperação Sino-Africana para o período 2007-2009”. Entre os vários aspectos acordados e constantes dos documentos acima mencionados, importa fazer referência e de forma resumida aos seguintes compromissos assumidos pela China: 1. Duplicar os montantes de Assistência ao Desenvolvimento até 2009; 100 2. Conceder empréstimos preferenciais no valor de 3 biliões de USD (20072009); 3. Conceder créditos de exportação no valor de 2 biliões de USD (2007-2009); 4. Criar um Fundo de Desenvolvimento Sino-Africano de 5 biliões de USD, para encorajar o investimento de empresas chinesas em África; 5. Construir um Centro de Conferências da União Africana em Adis-Abeba; 6. Aumentar a balança comercial até 100 biliões de USD. Para o efeito, aumentarão a lista de produtos que se beneficiarão de “Tarifa Zero” dos actuais 190 para 440; 7. Cancelar parte das dívidas ligadas aos empréstimos sem juros, que deveriam ser pagos até finais de 2005, dos países africanos menos desenvolvidos (LDC’s/PMA); 8. Criar nos próximos 3 anos, 3 a 5 zonas de cooperação económica especial nos países africanos. A estes compromissos assumidos acrescentam-se outros nos domínios de educação e formação, agronomia e saúde. Verifica-se de facto um dinamismo e agressividade na estratégia chinesa de relacionamento com os países africanos, sem que para o efeito coloquem grandes condicionalismos, o que de certo modo facilita o aprofundamento das relações de parceria. A título de exemplo, importa realçar que para o Fórum Sino-Africano em Beijing, a China convidou como observadores o Burkina Faso, a Gâmbia, São Tomé e Príncipe, Malawi e Swazilândia, apesar destes países manterem relações diplomáticas com Taiwan. Esta atitude enquadra-se na estratégia chinesa de abordagem e aproximação com os países africanos, e que tem surtido resultados positivos para a China, comparativamente a outros parceiros de cooperação com África. Também é importante referir que, a presença poderosa de empresas chinesas nos países africanos, (existem actualmente a operar no continente africano 101 mais de 800 empresas chinesas, em vários sectores de actividade), atraídas pelos elevados lucros, permite à China competir com as multinacionais ocidentais, que à partida têm mais fácil acesso ás tecnologias e ao capital internacional. Outro facto importante a salientar é o da China não dar importância às questões ligadas à governação, transparência e direitos humanos, defendidas pelos lideres do G8, fundamentando-se no principio da não ingerência em assuntos internos dos Estados, a não ser quando o seus interesses comerciais e económicos possam vir a ser postos em causa. A ajuda técnica que a China tem vindo a dar a África está também a ser um veículo cada vez mais importante para fomentar a influência da China neste continente. Desde a educação, saúde, segurança, desenvolvimento, criação de emprego, combate ao tráfico de armas, acordos de comércio, projectos agrícolas, construção civil, são muitas as áreas de intervenção da China em África ao longo das últimas décadas. No final de 2005 a China foi considerada o terceiro maior parceiro comercial de África, atrás dos EUA e da França, e à frente do Reino Unido. A China ávida de manter o seu crescimento económico, tem por isso, sabido aproveitar as fragilidades deste continente e assim, gradualmente tomar vantagens sobre os seus adversários mais directos, EUA e Europa, enquanto ex -potência colonizadora. Esta afirma estar a investir em África com base em princípios de igualdade e benefícios mútuos, mas o que na realidade se verifica na maior parte dos casos, é um benefício claro para a China em relação às vantagens que os países africanos conseguem tirar desta cooperação Sul-Sul. A China indiferente à situação e às posições do resto do mundo (sanções) ajudou a construir um oleoduto para desenvolver os recursos petrolíferos do Sudão e agora recebe 2/3 do petróleo do país (Farndon, 2008:110-111). A Estratégia da China para África é uma estratégia em que a área dos negócios deve ser separada da política. A China serviu-se do seu peso como 102 membro no Conselho da Segurança das Nações Unidas para diluir as resoluções que eram exercidas sobre o governo do Sudão de permitir a entrada de uma força das Nações Unidas para proteger o povo do Darfur. Em 2006, o ministro dos Negócios Estrangeiros chinês, Zhou Wenzhoug disse “negócios são negócios” (Wenzhoug, cit. in Hutton, 2007), o que mostra o lado pragmático relativamente aos negócios e o desinteresse de tudo o que não diga respeito às questões internas do seu país. Ao que tudo indica há uma forte possibilidade de armas chinesas estarem a ser usadas contra as vítimas em Darfur. A imprensa oficial chinesa retratou no dia 10 de Dezembro de 2007 46, logo a seguir ao fim de semana que marcou a II Cimeira UE/África, em tons negativos como veremos, com os jornais chineses a contrastar as boas relações entre China e África com as divisões entre os líderes africanos e europeus. "África diz não à UE quanto aos acordos comerciais", disse o China Daily, jornal oficial em língua inglesa, que escolheu como a notícia principal da sua secção internacional a Cimeira que decorreu em Lisboa e que tinha como um dos pontos da agenda a reflexão sobre como lidar com a crescente presença da China em África. A II cimeira UE/África teve assim consequências políticas para a China, país que responsáveis europeus encaram cada vez mais como uma potência rival em África, até porque Pequim, para além de empréstimos a juros baixos e perdão de dívidas, oferece aos países africanos ajuda ao desenvolvimento sem condições políticas, sociais ou ambientais. Não é de estranhar, portanto, que a imprensa chinesa, toda ela governamental, tivesse adoptado uma linha negativa, com títulos como "Desaire nos esforços da cimeira para criar nova parceria económica" (China Daily) ou "Colisão na Cimeira UE-Africa", segundo o Beijing Youth Daily, publicado em chinês, que afirma 46 Lusa – Agência de Notícias de Portugal, S.A, disponível em http://www.lusa.pt/lusaweb/user/doquery e consultado em 10 de Dezembro de 2007 103 também que, durante todo o encontro "o cheiro da pólvora foi muito forte". "A maioria dos líderes africanos rejeitaram os novos acordos comerciais propostos pela U E, infligindo um golpe nos esforços para a criação de uma nova parceria económica na primeira cimeira UE-África em sete anos", considera o China Daily. A Nova China, a agência noticiosa do governo chinês, noticia também que "os líderes africanos e da UE terminam cimeira com divisões quanto a direitos humanos e comércio". "É obvio que os dois continentes não têm as mesmas prioridades nem dão a mesma importância a alguns valores", refere a Nova China, que afirma também que o "cenário estava preparado para um confronto" quando o primeiroministro português José Sócrates, que liderou a delegação europeia enquanto presidente em exercício do Conselho da UE, "abriu a cimeira pondo no centro os direitos humanos e a imigração". A edição chinesa do Diário do Povo, jornal oficial do Partido Comunista Chinês, o partido único no poder no país, acusa por sua vez "alguns europeus" de ainda não se terem desembaraçado da mentalidade colonial. "Os tempos mudaram mas alguns europeus ainda se agarram teimosamente ao período colonial e mantêm uma posição de altivez em relação a África, fazendo críticas e comentários indiscretos, adoptando um atitude de “salvadores”, tomando como caridade o dever de ajudar, ligando frequentemente a ajuda ao desenvolvimento aos “direitos humanos” e à “democracia” e usando sanções como ameaças", declarou o Diário do Povo. Em contraste, a imprensa chinesa, quer em notícias paralelas quer em comentários por ocasião da II cimeira, louva as relações entre a China e o continente africano, rebatendo acusações de neo-colonialismo chinês e acusações de que o interesse de Pequim nos recursos naturais africanos leva a China a apoiar regimes corruptos ou que violam os direitos humanos. "Os países desenvolvidos deveriam ver-se livres da mentalidade colonial e não exigir quaisquer condições 104 políticas no apoio a África, se querem reforçar os laços com o continente", considera o China Daily, citando "observadores". Apesar das relações históricas com o continente, os países europeus enfrentam cada vez mais dificuldades na competição com a China por influência e poder em África, uma vez que Pequim oferece ajuda ao desenvolvimento sem condições e financia e subsidia a construção de grandes projectos de infraestruturas em África. "A ajuda económica a África não deveria estar ligada aos assuntos internos dos países africanos, tais como direitos humanos e democracia", escreve o China Daily, citando Yuan Shanguy, professor de Ciência Política na Universidade de Xangai. O jornal cita ainda as palavras de outro académico, Zhang Haibing, afirmando que a "UE e os seus membros falharam na construção de um verdadeira parceria com os países africanos", ao mesmo tempo que refere que graças à "aplicação séria por parte da China de políticas de ajuda ao desenvolvimento, as relações ChinaÁfrica estão cada vez mais próximas". Com um volume de 200 mil milhões de euros em 2006, a Europa é ainda o maior parceiro comercial de África, mas a China aproxima-se cada vez mais, tendo sido em 2006 o terceiro maior parceiro comercial do continente, com um volume de 43 mil milhões de euros, mais 40 por cento que em 2005. A Nova China aproveitou a Cimeira de Lisboa para noticiar a opinião de Javier Santiso, economista-chefe da área de desenvolvimento da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), que considera que "o crescente interesse em África por parte de economias como a China é uma boa notícia para o continente". A agência oficial chinesa considera também como "injustas" as críticas de neo-colonialismo ou do interesse dos chineses nos recursos africanos e afirma que "as relações entre a China e a África não se concentram apenas em minérios e petróleo, como os críticos alegam, mas também na 105 construção de infra-estruturas e telecomunicações". Segundo estimativas do governo chinês o comércio bilateral poderá superar os 100 mil milhões de dólares (68,25 mil milhões de euros) até 2010. Neste momento 700 empresas chinesas investem actualmente em 49 países africanos. Por exemplo na Serra Leoa, os chineses estão a investir 1615 milhões de euros na construção de instalações balneares. Os maiores investidores em África no sector energético são a União Europeia, os Estados Unidos, França, Brasil, China e Índia. 2.2. O condicionalismo do Terrorismo Segundo a jornalista Teresa de Sousa47, a Europa tem uma estratégia diferente para África que não passa apenas pela “ajuda em troca de petróleo”, com que a China se apresenta. Diferente também dos EUA, preocupados em garantir uma alternativa ao Médio Oriente, para as suas necessidades energéticas e novos aliados na luta contra o terror. É verdade que os EUA têm consolidado a sua presença em África, tendo estes interesses vitais. Em 2002, assinaram acordos de cooperação militar com 44 Estados africanos. Em 2007, criou-se o AFRICOM e os americanos reconhecem claramente os seus interesses no continente nos planos da luta contra o terrorismo e do acesso aos recursos energéticos. O terrorismo tem sido uma das grandes preocupações das principais organizações internacionais nas últimas três décadas e tem constituído uma séria ameaça ao mundo desde a “Guerra-fria”. A proliferação dos conflitos regionais, em especial no continente africano, surge no contexto mundial, como uma importante ameaça à estabilidade, à paz e ao desenvolvimento sustentado, levando a uma maior intervenção nestas áreas e regiões específicas. O colapso do comunismo e o fim da ordem mundial bipolar, levaram a uma nova onda de nacionalismos, de que é 47 In Jornal Público, 8/12/2007, p.2 106 prova a constituição da ONU que em 1945 tinha 78 membros, em 1998 atinge os 185 membros. No início de 2007 a ONU tinha 192 Estados Membros. O último a aderir foi o Montenegro, em 2006. No entanto, os conflitos étnicos internos em vários países, os movimentos separatistas e fundamentalistas, a importância crescente de grupos de indivíduos (minorias étnicas e religiosas) no seio da sociedade civil, o esvaziamento politico do conceito de Estado-Nação devido ao impacto da globalização da vida económica, dos media e da comunicação, a circulação de pessoas e bens por todo o mundo e da transnacionalidade de certas questões como o terrorismo, o crime organizado, a proliferação (mercado negro) de armas nucleares, a destruição maciça (armas químicas/gases, biológicas/vírus e bactérias) de populações, tráfico de drogas, crimes ambientais etc., que não se resolvem no âmbito de cada Estado, carecem de intervenção das autoridades supranacionais tanto públicas como privadas e das Organizações não-governamentais (ONG´s) que vêm por em causa o papel do Estado-nação no mundo. Problemas globais exigem respostas globais que apenas poderão ser conseguidas com o grande empenhamento da Comunidade Internacional. “Uma das questões que a globalização nos coloca, é que mesmo quando não somos causa das crises, quase certamente iremos sofrer as suas consequências, o que nos impõe participar na sua resolução” (Wilensky et al 2005). Todas estas mudanças de acordo com os intercâmbios que temos vindo a assistir no mundo nos últimos anos têm gerado conflitos em várias partes do mundo e têm levado à proliferação do terrorismo. As questões tornaram-se transnacionais, as fronteiras nacionais foram derrubadas e impuseram-se entidades transnacionais como as multinacionais e organismos internacionais, públicos e privados. A conflitualidade em África, sobretudo na região Subsariana, apresenta uma enorme diversidade cultural. Os conflitos étnicos são latentes desmoronando o 107 Estado-nação africano devido ao facto das fronteiras geográficas traçadas no século XIX não corresponderem às actuais fronteiras étnico-culturais vigentes. Foi nesta região que ocorreram os mais sangrentos conflitos regionais: Serra Leoa, Libéria, Ruanda, RDC, Angola e é aqui também que estão localizados os maiores conflitos regionais da actualidade, nomeadamente o Burundi, RDC, Ruanda, Sudão (Darfur), RCA, Chade, Etiópia e Eritreia. Mas a questão do terrorismo internacional tornou-se o aspecto mais preocupante da segurança, sobretudo depois de 11 de Setembro de 2001, quando Nova Iorque foi atingido no seu âmago. Embora com o fim da “guerra-fria” e com o fundamentalismo islâmico o terrorismo já existisse em algumas regiões, nos últimos anos ganhou uma dimensão à escala planetária. Por isso Kofi Annan alertou os estados para a Concertação, Vigilância e Cooperação no combate a estes flagelos globais que põem em risco o futuro de todos os países do mundo. A resolução 1611 do Conselho de Segurança reafirmando as propostas e os princípios da Carta das NU, e em particular as resoluções 1373 (2001) de 28 de Setembro de 2001 e 1566 (2004) de 8 de Outubro de 2004, considera todos os actos terroristas como uma ameaça à paz e segurança. A Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO) define o terrorismo, na sua publicação AAP-6, como o uso ou ameaça de uso ilegal da força ou da violência contra pessoas ou bens com a intenção de condicionar ou intimidar governos ou sociedades para conseguir objectivos políticos, religiosos ou ideológicos. Já Koffi Annan na Assembleia-Geral em Dezembro de 2004, definiu o terrorismo como “qualquer acção que vise matar ou afectar seriamente civis desarmados ou não combatentes, com o objectivo de intimidar a população ou compelir a acção de qualquer Estado ou Organização Internacional”. 108 2.3. A resposta da Europa: a Luta contra o Subdesenvolvimento (Declaração de Lisboa, Estratégia Conjunta e o Plano de Acção 2008-2010) A primeira Cimeira UE/África teve lugar em 2000 também sob presidência portuguesa e ficou conhecida como já vimos, pela “Cimeira do Cairo”, precisamente porque foi aí que se reuniram pela primeira vez os Chefes de Estado Africanos e Europeus. Esta Cimeira embora tenha sido marcada pela questão colonial, marcou o início do novo diálogo euro-africano e visou lançar uma parceria para fazer face a problemas comuns como a instabilidade política, os direitos do homem e a dívida externa e também elevar as relações entre a UE e a África ao nível das existentes com a América Latina e a Ásia. O contexto internacional, como já vimos, mudou consideravelmente após o ano de 2000. Na “Declaração do Cairo” e no consequente “Plano de Acção”, a criação da UA seria fundamental servindo de interlocutor privilegiado nas relações euroafricanas Esta Cimeira determinou oito principais domínios de acção para o futuro: cooperação, integração regional, integração de África na economia e no mercado mundial, meio ambiente, doenças contagiosas, segurança alimentar, direitos do homem e democracia, restituição de bens culturais roubados, dívida externa de África e o auxílio na prevenção e resolução de conflitos africanos. Mas as relações entre os dois continentes estavam interrompidas e para o primeiro-ministro português, José Sócrates “o diálogo político interrompido nestes últimos sete anos não fazia sentido e era altura de recomeçar”48. A II Cimeira UE/África, que se realizou em Lisboa nos dias 8 e 9 de Dezembro, também sob a presidência portuguesa da União Europeia (UE), foi um marco nesse recomeço e reuniu 80 países, levando o primeiro-ministro português, 48 Discurso de abertura da II Cimeira UE/África, em 8/12/2007 consulta feita http://www.eu2007.pt/UE/vPT/Noticias_Documentos/20071208DiscursoSocratesUEAFRICA.htm . on-line em 12 de Março de 2007 109 José Sócrates, a considerar “o nível inédito de participação de chefes de estado e de chefes de governo ao nível da Cimeira”49. Esta II Cimeira que representou quase 1,5 mil milhões de pessoas inseriu-se na estratégia da UE de criação de “parcerias estratégicas globais” para fazer face aos desafios da globalização, proporcionando os instrumentos necessários para um trabalho conjunto sobre as grandes questões globais. Foi também uma resposta da UE para ajudar África na via de um desenvolvimento sustentável e atingir os ODM (Objectivos de Desenvolvimento do Milénio) até 2015, propostos em 2000, pelo ganês Kofi Annan, o ex-secretário-geral da ONU, embora as previsões da PNUD, (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), sejam pessimistas e apontem para que 2015, de todos os pobres do mundo 68% estejam em África, ou seja, 7 em cada 10 pobres, estarão no continente africano50. Esta II Cimeira foi diferente da que teve lugar no Cairo em 2000 muito focalizada ainda no passado colonial. A perspectiva desta II Cimeira teve uma visão completamente diferente virada para o futuro das relações dos dois continentes. As grandes questões globais como a insegurança e a instabilidade política, a violação dos direitos humanos, a pobreza e as pandemias, as alterações climáticas e a migração, a criação da União Africana em 2002 em substituição da Organização da União Africana (OUA) e o alargamento da UE para 27 membros, tornaram imperativo retomar o diálogo com o continente africano, como aliás também já tinha sido reiterado nas conclusões da Cimeira da União Africana realizada em Julho de 2007 em Acra (Gana). A Estratégia Conjunta (Join Strategy) e o seu primeiro Plano de Acção (20082010) foram negociados ao longo do ano de 2007 pela UE e pela UA. Uma reunião da tróica ministerial União Europeia-África aprovou, em 15 de Maio de 2007 todas as 49 Conferência de encerramento da II Cimeira UE/África, em 9/12/2007, gravada pela autora, na sala de Conferência de Imprensa da Presidência Portuguesa da União Europeia. 50 Relatório apresentado pelo professor Roberto Carneiro na Conferência África Viva, Universidade Católica portuguesa, em 13/05/2009, disponível em http://hdr.undp.org/en/media/HDR_20072008_PT_complete.pdf 110 grandes linhas propostas para a Estratégia Conjunta. A 31 de Outubro de 2007, em Acra já tinha sido aprovada a Estratégia Conjunta e o seu primeiro Plano de Acção, pela troika ministerial e, posteriormente, pelos ministros dos negócios estrangeiros da União Europeia e da União Africana em 5 de Dezembro de 2007, no Cairo. A Estratégia Conjunta Europa-África definida pelos europeus e africanos e os respectivos Planos de Acção (Action Plans) foram formalmente adoptados pelos 27 Estados europeus e pelos 53 países africanos presentes na II Cimeira. Os planos de acção têm uma validade de três anos, com mecanismos de follow-up que permitem às comissões europeias e africana monitorizarem a sua aplicação. Para o ministro Luís Amado, o mais importante desta II Cimeira, foi a aprovação do Plano de Acção, e uma Estratégia Conjunta e um mecanismo de follow-up “do meu ponto de vista, a importância da Cimeira, foi ter aprovado os documentos essenciais para a afirmação de um novo paradigma, ou de uma nova matriz de relações, que enterra definitivamente o modelo da Conferência de Berlim e que propõe para o futuro, um relacionamento non-stop, numa nova matriz”51. A Declaração de Lisboa, adoptada no final da II Cimeira pela UE e pelos chefes de Estado e de Governo dos dois continentes, lança as bases da nova Parceria Estratégica de igual para igual entre a África e a UE. Esta declaração, que contém a filosofia e os compromissos da parceria, foi adoptada em simultâneo com a primeira Estratégia Conjunta Europa-África e o seu primeiro Plano de Acção e reconhece que “a interdependência, a igualdade na soberania e o respeito”52 As prioridades estratégicas identificadas traduziram-se em oito parcerias cujos progressos serão avaliados aquando da próxima Cimeira, em 2010. As parcerias abrangem os seguintes domínios: paz e segurança; governação democrática e direitos humanos; comércio, integração regional; realização dos ODM 51 52 Entrevista à autora, (20/01/2009) In Jornal Expresso, 8/12/2007, p. 2 111 (Pobreza e os Objectivos do milénio), energia; alterações climáticas; migração, mobilidade e emprego; ciência, sociedade da informação e espaço. Estas parcerias foram objecto de novas parcerias consagradas no Plano de Acção. Os progressos serão avaliados aquando da próxima Cimeira em 2010, que em principio terá lugar num país africano, provavelmente na Líbia. Foi defendido quanto à estratégia de relacionamento com África que era essencial que a promoção dos valores da democracia e dos Direitos Humanos fossem a base fundamental do diálogo e da parceria UE/África, tal como o é nas relações que a UE tem com países terceiros. Neste sentido, questões como a crise humanitária no Darfur e as graves violações dos Direitos Humanos no Zimbabwe não passaram à margem da Cimeira. Para o primeiro-ministro português esta II Cimeira foi também uma oportunidade para mobilizar a sociedade civil “não foi apenas um encontro político de alto nível (…) esta Cimeira transformou-se num movimento e um movimento das sociedades, presidentes das câmaras que aqui estiveram a discutir de um lado e do outro os seus problemas comuns e a encontrar soluções, cientistas, jovens, organizações não governamentais”53 e por isso, fundamental para alertar a opinião pública mundial para questões tão sensíveis à humanidade que, apesar de ocorrerem geograficamente longe, diz respeito a todos e por isso não devemos ficar indiferentes, “deu voz a todos, deu voz aos direitos humanos, deu voz aos imigrantes que precisam de uma politica mais coordenada de imigração entre a Europa e África, deu voz aos refugiados mas deu voz também às necessidades de desenvolvimento e aos investimentos que são necessários fazer, deu voz ao ambiente e às preocupações ambientais partilhadas agora pelos dois continente e 53 Conferência de encerramento da II Cimeira, 9/12/2007, gravada pela autora, na sala de Conferência de Imprensa da Presidência Portuguesa da União Europeia 112 deu voz a todos aqueles que aspiram a uma globalização mais justa”54 Foi também em termos políticos uma aproximação da UE a África, uma relação que nunca deixou de existir pelos laços históricos que unem os dois continentes, muito embora, estivesse um pouco “adormecida”. Esta Cimeira para o primeiro-ministro português criou aqui um novo espírito: o espírito de Lisboa, um espírito de cooperação, de entreajuda, de lealdade entre as partes, igualdade entre os Estados, mas num espírito de amizade que sempre caracterizou a relação entre a Europa e a África. Para John Kufuor, na altura Presidente do Gana e Presidente da UA, no seu discurso na conferência de encerramento fez questão de salientar que “as relações entre a Europa e África estão agora num outro nível noutra plataforma”. As relações Europa-África merecem sempre um tratamento especial devido a sua génese. Para a Europa, o chamado terceiro-mundo, sempre mereceu especial atenção, enquadrada num quadro de interesses mútuo: a sua tradição humanitária, os vínculos históricos e culturais com os países do terceiro mundo, as suas antigas colónias e o assumir de responsabilidades a nível mundial. Os EUA desempenhavam um papel preponderante na hegemonia da América Latina e de forte influência na Ásia ao mesmo tempo que desenvolviam uma importante interacção económica com o resto do mundo, ao passo que a Europa voltava-se para o continente africano pelos ligações históricas, pessoais, afectivas e económicas com o continente. Importa fazer referência à evolução do carácter dessa mesma ligação, desde os primeiros dias de Yaoundé I até a Cotonou. As convenções de Yaoundé (1964/65) e, mais tarde, num quadro comunitário alargado às demais potências coloniais – as quatro Convenções de Lomé (1976/2000), o acordo UE/ACP de Cotonu (Benim) em 2000, a I Cimeira Europa – África realizada no Cairo/Egipto em 2000, por iniciativa portuguesa onde foram 54 Conferência de encerramento da II Cimeira, 9/12/2007, gravada pela autora, na sala de Conferência de Imprensa da Presidência Portuguesa da União Europeia 113 adoptados importantes documentos tais como a Declaração do Cairo e o Plano de Acção, juntamente com outros instrumentos de cooperação para o desenvolvimento e de ajuda financeira aos países de África, Caraíbas e Pacífico (ACP), sintetizam a lógica das relações privilegiadas da Europa com os países em vias de desenvolvimento e os mais pobres do mundo. O FED “Fundo Europeu de Desenvolvimento”, e passou a ser o principal instrumento da ajuda comunitária europeia no âmbito da cooperação para o desenvolvimento sustentado. Estes documentos contêm uma intensa lista de pontos de agenda comum e constituem uma importante base para um novo tipo de relacionamento EuropaÁfrica. Nesta altura a nível de desenvolvimento de políticas, seis meses após a realização da I Cimeira, a UE, adoptou a erradicação da pobreza como nova abordagem da sua política de desenvolvimento. A comissão europeia comprometeu-se a redigir um relatório anual sobre a forma como este objectivo está a ser alcançado, tendo apresentado o seu primeiro relatório no Outono de 2002. Durante este período, a UE e África definiram estratégias políticas e documentos de orientação que serviram de guia à cooperação, incluindo o Acto Constitutivo e o Quadro Estratégico da UA (2004-2007) e a Estratégia UE/África de 2005. No entanto, as expectativas criadas após a Cimeira de Cairo foram-se desvanecendo, pelo facto de terem surgido no processo da sua realização, factores adversos. A realização duma Conferência Ministerial posteriormente, concluiu que o diálogo passaria a tomar forma de encontros ao nível das Troikas e com um grande envolvimento das Comissões, como forma de se ultrapassarem as dificuldades existentes e caminhar-se na perspectiva de se realizar a II Cimeira Europa-África, agendada para Lisboa. Como corolário destas decisões, torna-se importante fazer referência positiva ao trabalho que tem sido realizado entre as Troikas e entre as Comissões. No que concerne ao conteúdo da agenda para a “esperada” Cimeira de 114 Lisboa, muito se desenvolveu e grandes consensos foram alcançados. Contudo, a sensivelmente dois meses da realização da Cimeira e apesar da vontade expressa e de modo aberto por todos intervenientes, subsistiram obstáculos cuja dimensão é em certa medida irrelevante, se compararmos com o que é de interesse comum e de extrema importância na agenda comum Europa -África, com benefícios mútuos. A realização da II Cimeira de Lisboa constituiu um momento ímpar e o galvanizar numa nova perspectiva a cooperação Europa-África, através da aprovação de importantes documentos, tais como a Declaração de Lisboa, a Estratégia Conjunta Europa-África e no consequente Plano de Acção e surge numa altura em que, para além dos acordos de Lomé e Cotonou, “pouco ou nada aconteceu”. João de Deus Pinheiro salientou que o continente africano tem “estado demasidado ausente da agenda europeia”55. A Declaração de Lisboa adoptada no final da II Cimeira a UE/África lança as bases da nova Parceria Estratégica de igual para igual entre a África e a UE. Esta declaração, que contém a filosofia e os compromissos da parceria, foi adoptada em simultâneo com a primeira Estratégia Conjunta UE/África e o seu primeiro Plano de Acção para três anos (2008-2010). A Europa precisava de uma estratégia diferente da dos seus competidores mundiais (Estados Unidos, Japão, Malásia, Índia e China) até porque ainda mantém algumas vantagens, embora tenha vindo a perder terreno (desde 2000, as relações comerciais com a China cresceram 400 por cento e com a Europa 50 por cento), mas ainda é de longe considerado o maior parceiro comercial e o maior dador de ajuda ao continente africano (ainda representa 60% da ajuda ao desenvolvimento) e 68% do investimento estrangeiro. Por via da sua política externa e de segurança, começa a estar preparada para empenhar-se militarmente nas operações de manutenção de Paz. Aconteceu no Congo e vai fazê-lo no Chade em princípio como se prevê. As Nações Unidas 55 Entrevista à Revista África 21/06/2007. 115 esperam o seu apoio para a missão no Darfur (Sudão), que constitui um dos problemas mais graves em matéria de direitos humanos no continente africano. Quatro anos de guerra civil no Darfur fizeram pelo menos 200 mil mortos e mais de dois milhões de deslocados, segundo números das Nações Unidas. As consequências dos conflitos já passaram para o Chade. A Declaração de Lisboa (documento curto que serviu para ambas as partes assumirem um consenso de valores, interesses e objectivos estratégicos) foi assinada e foram também aprovados os documentos que estruturam a nova parceria UE/África – A Estratégia Conjunta e o Plano de Acção e representaram uma reaproximação entre os dois continentes que tinha ficado um pouco esquecida desde a realização da I Cimeira UE/África em 2000 no Cairo. O Plano de Acção, delineado de 2008-2010, define a Estratégia Conjunta em objectivos e acções, incorporando 8 parcerias nas seguintes áreas: paz e segurança; governação democrática e direitos humanos; comércio, integração regional e infra-estruturas; Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM); alterações climáticas; migração, mobilidade e emprego; energia; ciência e sociedade de informação e espaço, que explicitaremos com mais pormenor mais à frente. Este novo encontro veio contribuir para reforçar as relações entre a Europa e África, dentro de um contexto democrático no sentido de uma maior responsabilização mútua no que diz respeito a questões de interesse comum. Os princípios que regem esta parceria serão baseados em princípios de unidade política, de interdependência entre África e Europa, da assunção de responsabilidade mútuas, do respeito pelos direitos humanos, pela observância dos direitos humanos, dos princípios democráticos e do Estado de direito, bem como a promoção do desenvolvimento. Todos estes princípios serão partilhados e obrigam a co-responsabilização e partilha em matéria de gestão que passam pela confiança e sobretudo pelo cumprimento dos princípios fundamentais que regem qualquer 116 estado de direito, assim como, o respeito pelos princípios que regem os estados no seio das relações internacionais. Para isso foram definidos quatro objectivos principais, no quadro desta Parceria Estratégica: i. Reforçar e dignificar a parceria política UE/África. Este objectivo inclui o reforço dos laços institucionais e aborda desafios comuns, designadamente a paz, a segurança, as migrações e o desenvolvimento e um ambiente limpo. ii. Promover a paz, a segurança, a governação democrática e os direitos humanos, assim como as liberdades fundamentais, a igualdade entre os homens e as mulheres, o desenvolvimento económico sustentável, incluindo a industrialização, e a integração regional e continental na África; garantir ainda que, até 2015, todos os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM) sejam atingidos em todos os países africanos. iii. Promover e sustentar conjuntamente um sistema constituído por um multilateralismo efectivo, com instituições multilaterais sólidas, representativas e legítimas, bem como a reforma do sistema das Nações Unidas (ONU) e de outras instituições internacionais essenciais; dar resposta aos desafios mundiais e às preocupações comuns, tais como os direitos humanos, incluindo os direitos das crianças e a igualdade entre homens e mulheres, o comércio justo, as migrações, o VIH/SIDA, a malária, a tuberculose e outras pandemias, as alterações climáticas, a segurança e sustentabilidade energéticas, o terrorismo, a proliferação de armas de destruição maciça e o tráfico de armas ligeiras e de pequeno calibre, assim como às questões 117 relacionadas com a sociedade do conhecimento, tais como as TIC, a ciência, a tecnologia e a inovação. iv. Facilitar e incentivar uma parceria, assente numa base ampla e abrangente, centrada nas pessoas, na qual a África e a UE darão aos intervenientes não estatais (sector privado, parceiros económicos e sociais, incluindo as organizações sindicais e a sociedade civil) a capacidade de desempenharem um papel activo nos processos de desenvolvimento, democratização, prevenção dos conflitos e reconstrução pós-conflito, criando as condições necessárias para este efeito. Ambas as partes incentivarão também abordagens holísticas dos processos de desenvolvimento e farão desta Estratégia Conjunta uma plataforma permanente para a informação, participação e mobilização de um vasto espectro de intervenientes da sociedade civil da UE, de África e de outras regiões. O diálogo permanente com a sociedade civil, o sector privado e os agentes locais sobre temas abrangidos pela presente Estratégia Conjunta constituirão uma componente essencial para garantir a sua aplicação. Estes quatro objectivos a concretizar a longo prazo vão determinar o quadro global onde vão ser criadas estratégias específicas nos seguintes domínios prioritários; a) Paz e segurança, b) Governação e direitos humanos, c) Comércio e integração regional, d)Questões-chave sobre o desenvolvimento: acelerar a progressão para a concretização dos ODM (objectivos do Desenvolvimento do Milénio), até 2015. 118 Dentro destas questões-chave sobre o desenvolvimento serão contempladas medidas que visam a cooperação para o desenvolvimento; o desenvolvimento humano e social; igualdade entre homens e mulheres; sustentabilidade ambiental e alterações climáticas; migração e desenvolvimento; agricultura e segurança alimentar; infra-estruturas; água e saneamento básico; energia; desenvolvimento de sociedades do conhecimento; cooperação cultural; comunicação. O Banco Europeu de Investimentos (BEI), com 260 milhões de euros (quase 364 milhões de dólares), será o principal fornecedor do Fundo Fiduciário para a Construção de Infra-estruturas em África. A Comissão Europeia considera que, para possibilitar o desenvolvimento sustentável de África, os actuais investimentos em infra-estruturas no continente deverão crescer oito mil milhões de euros (cerca de 11,2 mil milhões de dólares), por ano, até 2010. A nova Parceria Estratégica definida na II Cimeira UE/África será implementada através de uma arquitectura institucional que vai permitir simplificar o diálogo político entre os dois continentes de modo a tornar mais eficaz o cumprimento dos objectivos da Estratégia Conjunta. Luís Amado, Ministro dos Negócios Estrangeiros, disse que: “Em Lisboa nasceu, com esta Cimeira um novo quadro político e institucional que permitirá aos dois continentes desenvolver (…) um eixo geopolítico euro-africano para as próximas décadas com a mesma importância geoestratégica e geopolítica que tem tido nas últimas cinco décadas o eixo euro-atlântico. Se a Europa for capaz de articular o eixo euro-atlântico que durante 50 anos promoveu a paz a segurança e o desenvolvimento económico no espaço entre a Europa, e os estados unidos e o Canadá, se for capaz de constituir um eixo euro-africano que nos domínios da paz e da segurança, nos domínios do desenvolvimento económico e da gestão conjunta de problemas globais como o das alterações climáticas ou da segurança energética, nós demos um contributo seguramente muito importante para a arquitectura dos sistema internacional que teremos pela frente nas próximas 56 décadas” . 56 Declarações proferidas no Programa da RTP 1 Prós e Contras, sobre a II Cimeira UE/África, RTP 1, (10/12/07). Debate entre Dr. Pacheco Pereira, Ministro Luís Amado, Secretário de Estado e da Cooperação Dr. João Gomes Cravinho, Dr. Miguel Portas, transcrito na íntegra pela autora. 119 Esta Estratégia Conjunta será implementada através de sucessivos Planos de Acção, como já vimos, que visam aumentar a eficácia dos acordos, politicas e instrumentos, baseados na parte operacional da Estratégia Conjunta e que farão a cobertura das acções prioritárias propostas por períodos de três anos. O primeiro Plano de Acção será adoptado em Lisboa e abrangerá todo o período até à próxima Cimeira onde estão definidas as principais prioridades políticas, bem como os compromissos políticos, programas e acções necessários à sua concretização e permitirão aos Chefes de Estado e de Governo avaliar regularmente os sucessos e insucessos da implementação em áreas fundamentais e, se necessário, dar um novo impulso político. Todavia, para obter rapidamente resultados em relação aos objectivos essenciais da Declaração de Lisboa, será prestada especial atenção a determinadas acções prioritárias no período inicial de 2008-2010, que têm todo um impacto positivo na vida quotidiana dos cidadãos africanos e europeus. As Partes acordam em implementar essas acções prioritárias no contexto de "parcerias África-UE" (Meneses, 2008), específicas sobre assuntos de interesse comum, que trazem um valor acrescentado à cooperação e ao diálogo político existente, parcerias nos domínios apresentados anteriormente e que passamos a descrever sucintamente. 2.3.1. Parceria África-UE: Paz e Segurança Esta parceria constitui o grande alicerce do progresso e do desenvolvimento sustentável. O objectivo da Estratégia Conjunta consiste em cooperar para reforçar a capacidade de África e da UE darem resposta, às ameaças no domínio da segurança e fazer face aos desafios globais. A criminalidade transnacional 120 organizada, com o terrorismo internacional, com actividades de mercenários, com o tráfico de seres humanos e de droga, bem como com o comércio ilícito de recursos naturais, que são um factor incontornável do desencadear e alastrar dos conflitos e da erosão das estruturas do Estado, merecem particular atenção. Em Outubro de 1989, período conhecido pelo “fim da história”, pelo desaparecimento da velha ordem mundial, os orçamentos dedicados à Segurança e defesa foram em grande parte reduzidos por muitos países em nome de uma paz que se esperava prolongada no tempo. No entanto no dia 11 de Setembro de 2001, o mundo ficou surpreendido e subitamente assistimos a mudanças da ordem internacional, tendo os E.U.A. desencadeado a chamada “guerra global”, ao terrorismo na sua modalidade mais inovadora e mortífera. Foi nesta altura que a maior parte dos governantes de todos os países, começou a ganhar consciência da realidade deste fenómeno.57 A proliferação ilícita, a acumulação e o tráfico de armas ligeiras e respectivas munições, os resíduos de guerra explosivos e a utilização constante de minas antipessoais, constituem também grandes preocupações, assim como a proliferação de armas de destruição maciça. África e UE colaborarão em todas estas matérias e apoiarão o cumprimento dos compromissos assumidos, nomeadamente no contexto das Resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Além disso, nos últimos anos, surgiram novos desafios mundiais e humanos em matéria de segurança, relacionados com questões tais como as alterações climáticas, a degradação do ambiente, a gestão dos recursos hídricos, os depósitos de resíduos tóxicos, as pandemias, entre outros. Europeus e africanos querem avançar com um sistema de alerta rápido de prevenção de conflitos e tornar operacional uma força africana que possa enviar, 57 Ver definição do acto de terrorismo adoptada no seio da UE, no livro Estratégia, Instituto Português da Conjuntura Estratégica, volume XV, Lisboa 2005, p.125 e ss. 121 rapidamente, militares para manter a paz no terreno. E, para tal, apelam à criação de um mecanismo financeiro durável no quadro das Nações Unidas. 2.3.2. Parceria África-UE: Governação Democrática e Direitos Humanos A governação democrática e os direitos humanos são elementos essenciais para o desenvolvimento sustentável e para a cooperação entre parceiros e fazem parte integrante dos valores fundamentais tanto da UE como da UA. A parceria UE/África sobre governação democrática e direitos humanos possibilitará um diálogo e uma cooperação entre os dois continentes sobre diferentes aspectos e conceitos, como o reforço das capacidades locais, a protecção dos direitos humanos e das liberdades fundamentais para todos, os princípios democráticos, o Estado de direito e o acesso equitativo à justiça, a gestão dos recursos naturais, a luta contra a corrupção e a fraude, a responsabilização pela gestão dos fundos públicos, o desenvolvimento e as reformas institucionais, a governação global e a reforma do sector da segurança. A UA e a UE deverão incentivar o diálogo sobre questões de governação de interesse comum como os direitos humanos e a gestão dos recursos naturais, mediante a criação de um fórum da governação que agrupe intervenientes não estatais, parlamentos nacionais, autoridades locais e organizações regionais. Além disso, a UE explorará novas estratégias para aumentar o financiamento comunitário e dos Estados-Membros em favor do apoio à arquitectura de governação pan-africana. Esta parceria tem em vista enraizar firmemente os princípios de governação democrática a nível global, continental, nacional e local. 122 2.3.3. Parceria África – UE: Comércio, Integração Regional e Infraestruturas Os acordos comerciais, os chamados Acordos de Parceria Económica (APE), foram um grande pólo de confronto na II cimeira UE/África, que acabou na assinatura de um acordo estratégico e num Plano de Acção para três anos (20082010). Apesar dos chamados APE não estarem na agenda da II Cimeira, foi um dos assuntos que mais tensão produziu. Os chamados acordos de Cotonou 58, (convenção assinada pelo actual ministro dos negócios estrangeiros português, Luís Amado, durante a primeira Presidência Portuguesa da UE em 2000), de que os africanos gozam de acesso preferencial aos mercados europeus expiraram no final de Dezembro de 2007. Bruxelas quer que os países africanos assinem os APE, e liberalizem os seus mercados eliminando paulatinamente quotas e taxas para os produtos europeus. Os africanos e as ONG´s temem a invasão de produtos subsidiados e denunciaram pressões. No entanto a UE defendeu acordos transitórios para os países que não quiserem assinar. O aumento do comércio e o aprofundamento da integração regional são contributos essenciais para o desenvolvimento, o crescimento económico e o emprego, bem como para a eliminação da pobreza. Serão desenvolvidos novos esforços, nomeadamente a fim de reforçar as agendas de integração africanas e de reforçar as capacidades africanas para cumprir regras, normas e requisitos de qualidade. 58 Os primeiros acordos de cooperação entre os Países ACP e a então CEE, realizaram-se na cidade de Yaoundé, que deu o nome aos acordos. Em Yaoundé I (1963-1969), assinada na capital dos Camarões aos 20 de Julho de 1963 e entrou em vigor em 1 de Julho de 1964, e Yaoundé II (1969-1975), assinada também nos Camarões em 1969 afiançou a parte do apoio financeiro do FED (Fundo Europeu de Desenvolvimento) onde atribui-se especial atenção aos países da África francófona, que se encontravam na fase de descolonização, para construção de infra-estruturas. Anos depois, a entrada do Reino Unido para a CEE em 1973, levou à assinatura de um acordo mais abrangente que os anteriores, Lomé I (19751980), que foi assinado em 28 de Fevereiro de 1975 em Lomé, capital do Togo, que se destinava à cooperação dos nove Estados-Membros da CEE com 46 países ACP. A II convenção de Lomé foi assinada em 31de Outubro de 1979, mas só entrou em vigor em 1980, a III convenção de Lomé foi assinada em Dezembro de 1985 e entrou em vigor a 1 de Maio de 1986, IV Convenção de Lomé entrou em vigor em 1991 e permaneceu até 1999. Com o fim das Convenções de Lomé surgiu um novo acordo que ficou conhecido como o acordo de Cotonou. As negociações para este novo Acordo iniciaram-se em 30 de Setembro de 1998 e culminaram na assinatura do novo Acordo de parceria entre os países ACP e a União Europeia, em 23 de Junho de 2000, na cidade de Cotonou, no Benim, e entrou efectivamente em vigor em 1 de Abril de 2003, abrindo assim um novo ciclo nas relações de cooperação entre a Europa e a África e permanece ainda hoje como modelo único das relações Norte-Sul. Assinado por um período de trinta anos e revisto pela primeira vez em 2005, pretende promover e acelerar o desenvolvimento económico, social e cultural dos Estados ACP. 123 2.3.4. Parceria África – UE: em matéria de Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM) Declaração do Milénio, adoptada em 2000, por todos os 189 Estados Membros da Assembleia-geral das Nações Unidas, veio lançar um processo decisivo da cooperação global no século XXI. Nela foi dado um enorme impulso às questões do Desenvolvimento, com a identificação dos desafios centrais enfrentados pela Humanidade no limiar do novo milénio, e com a aprovação dos denominados Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM) pela comunidade internacional, a serem atingidos num prazo de 25 anos, nomeadamente: Erradicar a pobreza extrema e a fome Alcançar a educação primária universal Promover a igualdade do género e capacitar as mulheres Reduzir a mortalidade infantil Melhorar a saúde materna Combater o HIV/SIDA, a malária e outras doenças Assegurar a sustentabilidade ambiental Desenvolver uma parceria global para o desenvolvimento Foram ainda aí estabelecidas metas quantitativas para a maioria dos objectivos, com vista a possibilitar a medição e acompanhamento dos progressos efectuados na sua concretização, ao nível global e nacional. 2.3.5. Parceria África – Parceria África-UE em matéria de energia Reforçar o diálogo existente sobre questões como o acesso aos recursos energéticos e a segurança energética; Aumentar os investimentos em infraestruturas energéticas; Utilizar uma parte mais significativa das receitas provenientes 124 do petróleo e do gás para actividades de desenvolvimento; Integrar a questão das alterações climáticas na cooperação para o desenvolvimento. A segurança energética e o acesso aos serviços energéticos, a gestão sustentável e eficiente dos recursos são necessários ao desenvolvimento. África dispõe de muitos recursos energéticos, mas, apesar disso, 600 milhões de africanos não tem acesso à electricidade e utilizam a madeira para cozinhar e servir de aquecimento. Para além disso, 400 mil africanos, sobretudo mulheres e crianças, morrem todos os anos de doenças respiratórias devido à utilização de madeira e de outros combustíveis tradicionais. Daí a importância desta parceria no sector da energia, que terá em conta a questão da segurança e diversificação do aprovisionamento energético tanto para África como para a UE, para além de promover o acesso a serviços de energia eficientes, estimulará os mercados, desenvolverá os recursos financeiros e humanos de apoio ao desenvolvimento de uma política energética sustentável em África, ao mesmo tempo que promovem as condições necessárias para que haja investimentos, a estabilidade dos mercados e a transparência. 2.3.6. Parceria África – Parceria África-UE em matéria de alterações climáticas A parceria reforçará a cooperação entre a UE e a UA nos seguintes domínios: Redução dos riscos associados a catástrofes; luta contra a desflorestação; participação dos países em desenvolvimento no mercado mundial do carbono; promoção e disseminação de tecnologias respeitadoras do ambiente bem como a melhoria do acompanhamento dos efeitos das alterações climáticas sobre o ambiente, inclusive através de sistemas espaciais. As alterações climáticas afectam todos os países actualmente, mas os países em desenvolvimento são seguramente mais afectados. De acordo com o 4º relatório 125 de avaliação regional para África do Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climática (IPCC)59, concluiu que África é um dos continentes mais vulneráveis as alterações climáticas pela fraca capacidade de adaptação e múltiplos factores de tensão. O continente africano será afectado em termos de segurança alimentar, abastecimento de água e fenómenos meteorológicos extremos, como as inundações e secas. O Relatório prevê que, até 2020, 75 a 250 milhões de pessoas fiquem sujeitos a grandes problemas de escassez de água e a agricultura fique reduzida, nalguns países em 50%. Esta parceria neste domínio, está directamente relacionada com o crescimento económico, a criação de empregos, a estabilidade social e o desenvolvimento de capacidades que vão permitir a adaptação aos efeitos negativos das alterações climáticas e a sua redução. Abrange áreas inter-relacionadas, como a segurança alimentar, a gestão dos solos e fomentará a discussão em torno de algumas questões como a desertificação, a preservação da biodiversidade, a biosegurança, como por exemplo os Organismos Geneticamente Modificados (OGM), a prevenção da disposição de resíduos tóxicos, a gestão dos resíduos e a exploração sustentável dos recursos naturais através de uma gestão integrada das florestas, dos recursos hídricos e das pescas. 2.3.7. Parceria África – Parceria África-UE em matéria de migração, mobilidade e emprego O objectivo desta parceria é criar melhores empregos para África e melhor gerir os fluxos migratórios. Pretende-se lutar contra a exploração de trabalhadores migrantes, facilitar o envio de remessas para os países de origem ou promover 59 Texto disponível em http://www.europarl.europa.eu/meetdocs/2004_2009/documents/re/695/695676/695676pt.pdf 126 ainda, o recrutamento étnico para evitar a fuga de cérebros em áreas como a saúde. A colaboração entre a UE e África conduzirá à criação de uma rede africana de observatórios da migração que recolherão, analisarão e difundirão dados relativos aos fluxos migratórios entre os países africanos, bem como entre África e a UE. Será conferida especial atenção à questão da mão-de-obra qualificada. No tocante à mobilidade, a parceria procurará reforçar as capacidades africanas no domínio da gestão da informação sobre migrações. Além disso, incentivará a circulação da mãode-obra qualificada através da conclusão de parcerias entre instituições europeias e africanas, como universidades e hospitais. Por último, a fim de oferecer aos africanos uma verdadeira alternativa à migração para a Europa, a parceria debruçarse-á sobre a criação de mais empregos e de melhor qualidade em África, nomeadamente na economia formal. A Emigração sempre foi uma constante da natureza humana. A procura de melhores condições de vida, a procura de liberdade politica ou de tolerância religiosa, o espírito de aventura etc., sempre foram motivos para que as populações de deslocassem do seu país de origem. No entanto a globalização veio contribuir para que essas migrações outrora controláveis pelo poder deixassem de ter o controlo pretendido. A Geopolítica que se impôs no mundo implica uma nova abordagem do fenómeno no sentido de uma gestão mais eficaz, de forma a manter a ordem internacional. O Conselho de Estratégia da Nato inclui mesmo o tema das migrações na lista de ameaças mundiais ao lado de temas tão importantes como o perigo nuclear, o crime organizado e o narcotráfico. O mundo mudou, mas os desequilíbrios acentuaram-se entre os países mais industrializados e os países subdesenvolvidos (Valadares, 2005: 302). Segundo a autora, muitas outras características contribuíram para que o fenómeno das migrações ganhasse uma outra dimensão. As assimetrias sociais, o aumento dos conflitos e da violência, a queda na natalidade nos países desenvolvidos em 127 contraste com os países subdesenvolvidos, o facto de o mundo se ter tornado numa “aldeia global” materializada em vários sectores que vão desde a economia ao contexto familiar, a crise de valores, a degradação do ambiente etc., vieram contribuir para que a comunidade internacional reformulasse a sua atitude perante as evidências que decorrem destas mudanças “globais”. Os Estados-Nação tomaram consciência que os novos fluxos migratórios vieram alterar aspectos da sua política diplomática e os resultados dependem do grau de sucesso das integrações. 2.3.8. Parceria África – Parceria África-UE em matéria de ciência, sociedade da informação e espaço. África é um continente com diferenças científicas e digitais marcantes. Os ODM referem a ciência como factor essencial ao desenvolvimento do continente africano. Não tem sido dada prioridade ao investimento nas competências científicas africanas. Neste sentido, foi elaborado o Plano de Acção Consolidado para a Ciência e a Tecnologia em África que articula os programas da Comissão da UA e da NEPAD, ligados ao reforço das capacidades científicas e tecnológicas. As tecnologias da informação e das comunicações (TIC) são fundamentais para a redução da pobreza e para o crescimento do continente africano. Cada uma dessas "parcerias UE/África" está sujeita à intervenção de diversos actores, que podem incluir a Comissão Europeia e a Comissão da UA, os Conselhos de Ministros da UE e da UA, o Secretariado do Conselho da UE, Estados-Membros da UE e Estados africanos, Parlamentos da UE e africanos, autoridades locais e descentralizadas, actores das sociedades civis da UE e da África, organizações subregionais africanas, instituições de investigação, organizações ou instituições internacionais e o sector privado. 128 Para operacionalizar cada uma destas parcerias, foram definidos objectivos, apresentados os resultados que se esperam atingir, as actividades a que se propõem, os intervenientes e a forma de financiamento. 3. Perspectivas africanas sobre a II Cimeira UE/África 3.1. Os media angolanos60 O Jornal de Angola, o único diário do país, destaca no dia 10 de Dezembro 2007, que África e a Europa selaram uma "Estratégia Conjunta" na Cimeira de Lisboa, titulando "Pobreza africana é resultado da colonização e má governação". O diário sublinha ainda que o presidente sudanês, "El-Bachir quer tropas angolanas nas forças de manutenção de paz em Darfur", depois de uma reunião na capital portuguesa com o presidente angolano, José Eduardo dos Santos.E, numa outra notícia, o Jornal de Angola lembra que "Angola subscreve compromisso com a paz e segurança em África". A Angop, agência de notícia angolana, na única notícia dos seus enviados especiais a Lisboa, com data de hoje em linha, diz que foi aprovada "Declaração de Lisboa". No corpo da notícia, a Angop lembra ainda que em Lisboa foi igualmente aprovado o plano de acção e que na Declaração de Lisboa, os 53 países africanos e 27 europeus afirmaram-se decididos em construir uma nova parceria política e estratégica para o futuro dos dois continentes. O site Ibinda.com, espaço on-line do enclave angolano de Cabinda, dá destaque às "Manifestações por heróis e contra assassinos" durante a Cimeira de Lisboa. O site lembra ainda que "Líbios, zimbabueanos, cabindas e defensores dos direitos humanos destacaram-se nas pequenas manifestações na Estação do Oriente, longe do desfile dos cerca de 80 chefes de estado africanos e europeus". O angonotícias, jornal on-line, diz que 60 LUSA – Agência de Notícias de Portugal, S.A, disponível em http://www.lusa.pt/lusaweb/user/showsearchform, consultado a 10 de Dezembro de 2007. 129 "Presidência da UE fecha Cimeira histórica" e que esta vai ser um marco para o futuro das relações entre os dois continentes. "Mas a Cimeira fica também marcada por divergências a propósito das novas parcerias comerciais", deixa ainda em sublinhado o Angonotícias. 3.2. Imprensa de Moçambique61 A "era histórica" em perspectiva para as relações entre a União Europeia e África, em resultado da Cimeira deste fim-de-semana, em Lisboa, fez a manchete do Jornal Notícias, o único jornal diário impresso em Moçambique. Com uma foto ao centro do Presidente moçambicano, Armando Guebuza, o jornal titula: "Líderes continentais prometem era histórica". "A II Cimeira África-Europa, terminou em Lisboa, com a aprovação de uma estratégia conjunta que deverá permitir a 53 nações africanas e 27 países europeus uma era sem precedentes nas suas relações políticas, económicas e comerciais". Em destaque no Notícias estão os princípios constantes na Declaração de Lisboa e as declarações do Chefe de Estado Moçambicano no final do encontro, que Armando Guebuza considerou "bastante positivo". Armando Guebuza disse que [o encontro] “foi bastante positivo porque tanto os estadistas africanos como os europeus debateram de forma franca e aberta todas as questões que ainda constituem o pomo de discórdia para que a cooperação entre as duas partes seja, de facto, benéfica para ambos". E acrescenta ainda o Presidente moçambicano: "Destacou ser errada a visão dos que pensam que África é que precisa da Europa, deixando claro que tal como há centenas de anos os europeus se meteram em barcos e sulcaram oceanos em busca de outros mercados e outros bens que pudessem completar o que já tinham para garantir a 61 LUSA – Agência de Notícias de Portugal, S.A, disponível em http://www.lusa.pt/lusaweb/user/showsearchform, consultado a 10 de Dezembro de 2007. 130 sua sobrevivência, hoje, mais do que nunca, precisam tanto do que as nações africanas têm como estas do que os europeus dispõem". Do fim-de-semana sobra ainda o semanário Domingo, que tem na sua primeira página a chamada "Cimeira União Europeia-África: Paz e Segurança Mundial no Centro do Debate". Na página, onde o artigo é publicado o tom muda ligeiramente: "Cimeira África-Europa começou com europeus jurando abandonar o neocolonialismo – que vinham impondo aos africanos nos últimos 50 anos", escreve em título: "A II Cimeira entre a África e a Europa que sábado último começou em Lisboa (...) está sempre marcada por um reconhecimento tácito dos líderes europeus que, de agora em diante, abandonarão definitivamente as políticas neo-coloniais de que se valeram nos últimos 50 anos para perpetuar a pobreza e dependência económica nas nações africanas", [jornalista enviado a Lisboa]. 3.3. Imprensa de África do Sul62 Os zimbabueanos que residem fora do seu país exigiram o direito de voto nas eleições gerais agendadas para Março do ano de 2008, decidido na conferência da diáspora realizada em Joanesburgo. Mais de 200 delegados, representando zimbabueanos que residem na África do Sul, Grã-Bretanha, Canadá, Estados Unidos, Austrália e vários países africanos, reunidos no fim-de-semana em Joanesburgo, debateram uma série de problemas que afectam os pelo menos 4 milhões que tiveram de abandonar o país em anos recentes. Destaque para o apelo lançado pelo advogado defensor dos Direitos Humanos, Gabriel Shuma, no sentido de os zimbabueanos na diáspora pressionarem os governos dos países de acolhimento para que estes façam chegar a Robert Mugabe a sua exigência de votar nas eleições do Zimbabué. Shuma, que 62 LUSA – Agência de Notícias de Portugal, S.A, disponível em http://www.lusa.pt/lusaweb/user/showsearchform, consultado a 10 de Dezembro de 2007. 131 foi forçado a fugir do Zimbabué após ter sido detido e perseguido pelas autoridades pelas suas convicções políticas, defendeu que os seus compatriotas que residem no estrangeiro devem ter uma palavra no futuro do seu país. "Nós, a diáspora, somos relevantes para a transformação política e democrática do nosso país e deveremos estar envolvidos de uma forma ou de outra na transformação do Zimbabué, exigindo aos países de acolhimento o direito ao voto", salientou o advogado no decorrer da 1ª Conferência da Diáspora Zimbabueana. O governo de Robert Mugabe negou sempre em eleições anteriores o voto aos exilados do seu país, muitos dos quais são vistos como apoiantes da oposição ou, no mínimo, difíceis de intimidar pelos agentes do governo e do partido Zanu-PF. O regime tem, no passado, dado apenas o direito ao voto aos funcionários governamentais colocados no estrangeiro. Daniel Molokele, presidente do Fórum dos Zimbabueanos na Diáspora, sediado em Joanesburgo, que teve papel decisivo na organização da conferência, disse à Lusa que o trabalho de sensibilização dos governos dos países de acolhimento para a urgência em pressionar o regime de Harare nesta matéria vai ser intenso."Vamos igualmente apelar, segundo as resoluções da conferência, às organizações cívicas do Zimbabué, bem como à oposição e ao partido no poder, que é a Zanu-PF, para que confiram o valor devido ao voto da diáspora", referiu Molokele. O dirigente apelou a todos os zimbabueanos residentes em todos os pontos do mundo para que tudo façam para que os governos dos países de acolhimento exerçam pressão sobre o governo de Mugabe para que o inalienável direito ao voto não seja de novo negado aos zimbabueanos que "não tiveram outra opção senão fugir para sobreviver ao colapso económico e à perseguição política". Os jornalistas africanos presentes na cimeira, de um modo geral, consideraram a Cimeira frutífera e elogiaram a organização. Ao terminar a reunião que juntou quase todos os Chefes de Estado Africanos e Europeus, Abdoulaye 132 Thiam jornalista do diário senagalês Le Soleil, esclareceu que apoia o seu Presidente, Abdoulaye Wade, na contestação aos novos acordos económicos. Para Hashim Ahmad da Agência de Notícias do Sudão, “A Cimeira foi frutífera, especialmente para África, pois vai conduzir a uma nova relação. Esta reunião foi considerada uma oportunidade de ouro por ambas as partes”. Para o líbio Almrghni Naji, chefe de redacção do diário The Sun, “a nova parceria significa que nos ouvimos, que não há professores e alunos, a quem esses professores vêm dar lições sobre direitos humanos”. Salim Togola, jornalista do L´Espor, diário nacional do Mali considera que foi um sucesso em termos de organização e que contribui para dar mais peso politico a um pais [Portugal] que é pequeno e à sua presidência. José Meireles, chefe de reportagem do Jornal de Angola considera, por seu lado, que as mudanças advirão do facto de os países africanos terem conseguido colocarse em pé de igualdade face à Europa. José Meireles considerou ainda que a organização, essa, foi boa. “Portugal provou ter maturidade para eventos de grande envergadura. Até fiquei surpreendido porque os portugueses têm muita fama de serem muito agarrados”. 4. Avaliação Política da II Cimeira UE/África Hans-Gert Pöttering, Presidente do Parlamento europeu, afirmou que “A Cimeira UE/África não deve ser só retórica”63 e falou no desenvolvimento de um programa de apoio ao parlamentarismo nos países africanos. Os discursos de abertura da II Cimeira UE/África, vincaram o carácter histórico, deste encontro, considerado um verdadeiro “virar de página” na forma como são entendidas as relações entre os dois continentes. “Esta é a Cimeira em que decidimos não só 63 Entrevista ao Jornal Diário de Notícias, 8/12/07 (última página) 133 aquilo que podemos fazer por África e vice-versa, mas o que podemos fazer juntos”, disse Durão Barroso acrescentando que “temos de acabar com os estereótipos do passado e avançar com uma verdadeira parceria”. Uma parceria com África e não uma parceria para ajudar África, uma parceria sem paternalismos, sem líderes e seguidores, mas antes de igual para igual. “Uma parceria plural com bases duradouras”, de acordo com Konaré, e que não assente numa lógica de mercado em que África é vista como um armazém onde se vão buscar matérias-primas sem que lhe seja retribuído o seu real valor mas antes numa “lógica de win/win” (ganhador/ganhador). Alpha Oumar Konaré, Presidente da Comissão Africana, congratulou a Presidência Portuguesa pelo empenho na realização desta Cimeira, revelando “grande pesar por não nos termos encontrado desde o Cairo em 2000”. Para José Sócrates, primeiro-ministro português, esta “Cimeira foi adiada tempo demais e todos conhecemos a razão” e o actual Presidente do Conselho Europeu justificou os sucessivos desencontros políticos: a razão de que falava era, obviamente, Robert Mugabe. O primeiro-ministro português realçou o facto de a II Cimeira, não ter sido apenas um encontro de alto nível, mas ter gerado também “um movimento social”64 por ter permitido que as organizações não-governamentais se prenunciassem, assim como as empresas, os jovens, os autarcas e os sindicatos. No final de uma Cimeira que foi considerada “uma Cimeira que fica para a história”65, porque constitui um marco nas relações entre a Europa e África” e que estabeleceu “uma nova página que cabe a todos em conjunto escrever”, apenas os Acordos de Parceria Económica (APE) ensombraram o ambiente optimista instalado. Assinada a “Declaração de Lisboa”, que “resume a nossa vontade e visão comuns, bem como os nossos compromissos”. Nas palavras de Sócrates, primeiro – ministro 64 In Jornal Público, 10/12/07, p. 2. Discurso de José Sócrates, Primeiro-ministro de Portugal e Presidente em Exercício do Conselho Europeu, na conferência de encerramento em 8/12/2007, gravada pela autora. 65 134 português, o que realmente importou foi aquilo que o apelidou de “espírito de Lisboa, um espírito de cooperação, de entreajuda, de lealdade entre as partes, igualdade entre os Estados, mas num espírito de amizade que sempre caracterizou a relação entre a Europa e a África 66: “Durante estes dias, Lisboa foi a mais africana de todas as cidades europeias”67, congratulou-se. Para o líder ganês, John kufuor, “Esta não foi uma Cimeira de imposições mas de respeito mútuo, de parceria”68, apesar das duras críticas, a única mancha na Cimeira, de vários líderes africanos foram relativamente aos Acordos de Parceria Económica (APE), propostos pela União Europeia e rejeitados por alguns africanos. A voz mais crítica foi a do Presidente senegalês Abdoulaye Wade, que chegou a abandonar a Cimeira mais cedo depois da sua intervenção, ao pôr um ponto final na discussão dos APE, oferecidos pelos europeus: “Para o Senegal acabou, os Estados Africanos rejeitam os APE, vamos reunir-nos e ver o que os pode substituir”. Questionado várias vezes sobre este ponto de discórdia, Durão Barroso garantiu que estes acordos são uma boa oferta para os africanos e sublinhou a ideia de que “a Europa não é tão proteccionista como se pensa”, enquanto aproveitava para anunciar que está estipulada uma oferta de abertura de “100% de acesso dos produtos africanos ao mercado europeu, com taxas mais favoráveis e generosas nos pontos de origem para impulsionar as economias locais. Apesar de alguns pontos de discórdia entre os líderes europeus e africanos, o balanço final sobre a realização da II Cimeira foi positivo. Foram várias as manifestações de optimismo em relação a esta nova parceria, a este novo diálogo. Para Portugal, o chefe da diplomacia portuguesa, Luís Amado, considerou esta Cimeira importante para Portugal, porque é “gratificante para um país que foi o primeiro país a colonizar África e o último país a abandonar África em termos 66 Discurso de José Sócrates, Primeiro-ministro de Portugal e Presidente em Exercício do Conselho Europeu, na conferência de encerramento em 8/12/2007, gravada pela autora. 67 Ibidem 68 Discurso de John Kufuor, Presidente da União Africana em exercício na altura da Cimeira, na Conferência de encerramento da II Cimeira, 9/12/2007, gravada pela autora. 135 coloniais, seja capaz de se converter de novo, num actor participador do diálogo e da relação entre os dois continentes”69, embora, como salientou Jorge Sampaio, exPresidente da República, esta é uma Cimeira em que “há pois, indubitavelmente uma obrigação de resultados”70. Embora a China, Índia, Estados Unidos e Brasil estejam a ajudar e a investir no continente africano, a UE ainda é considerado por muitos o maior parceiro comercial e dificilmente substituível. A longa história que une a Europa ao continente africano, e a proximidade, são factores que determinam a boa relação. No entanto, a UA, não é, ainda, uma instituição coesa e subsistem algumas divergências que interferem nesta nova Estratégia, nomeadamente de países que não respeitam os direitos humanos e os valores da boa governação, contemplados no Acto Constitutivo da UA, como é o caso por exemplo, do Zimbabwe e do Togo, mas que, por terem fortes apoios regionais continuam impunes. 5. Avaliação da Sociedade civil africana e europeia sobre a II Cimeira UE/África Do ponto de vista das Organizações não governamentais e Sociedade civil, a análise da II Cimeira, ficou muito aquém das expectativas criadas. A sociedade civil, teve oportunidade de se prenunciar nesta Cimeira e apresentou aos Chefes de Estado e de Governo uma declaração política assente em “três princípios fundamentais: co-responsabilidade, solidariedade e confiança mútua”71. O Jornal Público expressa no título “Actuais relações Europa – África deixam de lado muitas preocupações fundamentais”72, o descontentamento das várias dezenas de organizações não governamentais europeias e africanas que se empenharam na realização de cimeiras alternativas, na semana que antecedeu a II Cimeira. Estas organizações insurgiram-se contra a assinatura dos Acordos de Parceria Económica 69 Entrevista à autora (20/01/2009). In Jornal Expresso, “Cimeira UE-África – A Obrigação de Resultados”, 01/12/2007, Primeiro caderno, p.14. Fátima Proença da Plataforma portuguesa de organizações-não-governamentais. In Jornal Público, 10/12/07, p.5 72 Jornal Público, 8/12/07, p. 8 70 71 136 (APE), que apenas visam “aumentar os lucros das empresas europeias”73. Para Ndiogou Fall, da Roppa74, estes acordos vão reduzir a produção alimentar de África e propor a oferta de mais “ajuda externa”75. Este produtor realçou ainda o facto de, o desmantelamento das barreiras alfandegárias proposto levar à diminuição dos recursos públicos disponíveis, que dependem dos impostos, para além da competição directa entre agricultores africanos e agricultores de países mais desenvolvidos. Outro encontro África-Europa, Que alternativas? na Faculdade de Belas-Artes em Lisboa, que reuniu os representantes de associações agrícolas e de organizações humanitárias, africanas e europeias, partilharam do mesmo sentimento em relação aos APE, o fim da agricultura familiar e mais imigração. Mas as críticas passam também pela Igreja. O título no jornal Público “Católicos e evangélicos receiam acordos”, mostra as manifestações empreendidas pelas redes internacionais África-Europa Fé e Justiça (AEFJN Portugal) e o Desafio Miqueias (Micah Challenge Portugal) ao dirigirem uma carta ao ministro dos Negócios Estrangeiros português, Dr. Luís Amado, mostrando as suas preocupações relativas aos Acordos de Parceria Económica. O Comissário do comércio da UE, Peter Mandelson foi o grande visado nesta Cimeira por parte das várias organizações da Sociedade Civil representadas. Justus Lavi, da Associação de Pequenos Agricultores do Quénia, explicou que “o país precisa de tempo para desenvolver a agricultura e criar um mercado”76. Sobre o Darfur, também os jornais deram voz à sociedade civil: “Sudão não poderá permanecer unido se o Governo persistir na agenda islâmica”77. Nesta entrevista, o bispo de Cartum, fala das atrocidades cometidas no Sul do país (Cartum) pelos soldados governamentais, na conquista do poder político e económico e o controlo da terra, numa região maioritariamente religiosa. Em entrevista a Delphine Djiriabe, advogada do Chade e directora da 73 Alexandra Strickner, da Seattle to Brussels citada pelo jornal Público de 8/12/07, p. 8 Rede de produtores da África Ocidental. Jornal Público, 8/12/07, p. 8. 76 In Jornal Público, 8/12/07, p.8 77 Entrevista de Daniel Marko Kur Adwok, bispo auxiliar de Cartum, ao Jornal Público, 9/12/07, p.6. 74 75 137 Associação para a Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, disse que “ O petróleo é a causa das maldições do Chade”78, fala da luta dos rebeldes pelo poder para controlo do petróleo, como sendo uma das causas que está no centro dos conflitos do Chade. No jornal Diário de Notícias79, Salih M. Osman (Prémio Sakharov 2007), fala de Darfur como uma questão de cidadania europeia. O Ex-embaixador de Cabo Verde em Lisboa, Corsino Tolentino, apresenta como principal desafio da II Cimeira “traduzir os grandes conceitos em acção”80. Contra Kadhafi, o National Libian Comité in Europe, trouxe uma dezena de manifestantes para passar a mensagem “Kadhafi é um ditador, fascista e assassino”81. Mas as manifestações que cercaram a Cimeira eram também compostas não só por activistas pró Mugabe e Kadhafi, como por activistas a favor destes dois líderes o que despoletou alguns desacatos públicos, o que obrigou a polícia a intervir. Eliphas Mukonaushuro, secretário para as Relações Internacionais do MDC82, numa entrevista ao Jornal Diário de Notícias, disse que “ainda há oportunidade para salvar o Zimbabwe”83, se as negociações com o partido de Mugabe (ZANU – PF), no sentido de haver eleições justas e livres, tiver uma solução pacífica que fomente a democracia e a prosperidade. O partido de Robert Mugabe acabou por ganhar as eleições no passado dia 28 de Junho de 2008 e foi empossado para o sexto mandato presidencial. 78 Jornal Público, 10/12/07, p. 5 In Jornal Diário de Notícias, 8/12/07, p. 3 In Jornal Diário de Notícias, 8/12/07, p.5 81 In Jornal Diário de Notícias, 9/12/07, p.4 82 Movimento para a mudança Democrática no Zimbabwe. 83 In Jornal Diário de Notícias, 9/12/07. 79 80 138 CAPÍTULO IV – “A IMAGEM DE ÁFRICA NA IMPRENSA EUROPEIA. O CASO DA CIMEIRA UE-ÁFRICA EM DEZEMBRO DE 2007". 1. Definição da Metodologia 1.1. Pergunta de partida Qualquer projecto de investigação social tem de passar por uma etapa que é um passo imprescindível para que o trabalho do investigador se possa iniciar com rapidez e coerência: A formulação de uma pergunta de partida. Esta questão inicial não é mais do que “enunciar o projecto de investigação na forma de pergunta de partida, através do qual o investigador tenta exprimir o mais exactamente possível o que procura saber, elucidar, compreender melhor” (Campenhoudt e Quivy, 2003:32). Deste modo, a pergunta de partida, irá ser o fio condutor de toda a investigação e vai reflectir em si o objecto que se pretende estudar. Assim, no desenvolvimento desta dissertação de mestrado propomo-nos investigar a seguinte questão fundamental: Considerando que o fenómeno da globalização está a mudar as relações internacionais entre os povos de todo o mundo e que a China avança sobre África com uma nova estratégia, que importância foi dada à II Cimeira UE/África pela imprensa europeia e neste contexto, que imagem foi projectada sobre o continente africano? A nossa pesquisa procurou contribuir sobretudo para o estudo da imagem que foi projectada de África no contexto da II Cimeira UE/África na imprensa europeia, mas, procura também fazer um levantamento do actual estado de relacionamento euro-africano e de que forma a II Cimeira UE/África constituiu uma plataforma essencial para o reforço das relações bilaterais. Assim, debruçámo-nos sobre o modo como a imprensa europeia fez a cobertura da II Cimeira UE/África em Dezembro de 2007 e, consequentemente, que tipo de 139 imagem foi projectada do continente africano através do tipo de informação difundida. A realidade social construída pelos media não é arbitrária. A II Cimeira UE/África é paradigmática da quantidade de informação que foi disponibilizada aos jornalistas (documental como em forma de declarações e entrevistas). No entanto, dos 1300 jornalistas presentes na II Cimeira, nenhum jornalista teve acesso à sala de reuniões84 onde estavam reunidos os 53 chefes de Estado africanos e 27 chefes de Estado europeus mais os chefes de delegação representativos de cada país e as respectivas delegações. A Líbia foi o país que trouxe a delegação mais numerosa (200 pessoas). Este facto pode por si só promover distorções junto da opinião pública, não só pelo acesso restrito dos jornalistas a determinadas fontes, como também, pelo facto de não terem sido observadores directos do acontecimento, por lhes estar vedado o acesso directo à sessão plenária, onde decorreu a II Cimeira. As duas conferências de Imprensa na sala da Presidência da II Cimeira, gravadas pela autora foram “utilizadas” pelo “poder político” para transmitir os resultados da reunião entre Chefes de Estado e de Governo. Paralelamente à reunião entre os líderes políticos, foram criadas 30 salas de Conferência de Imprensa (salas de briefings) cuja utilização dependia da reserva prévia junto da Organização, nomeadamente através do Oficial de Ligação. O anúncio de briefings era feito pela Organização/Media através de circuito interno de televisão, a pedido das delegações, salas que acabaram por não ser utilizadas com excepção de apenas uma – a da delegação do Senegal, que deu duas conferências de imprensa. 84 A sala de reuniões (sessão plenária) apenas foi aberta apenas à imagem (as chamadas pools), onde estiveram presentes os jornalistas de diferentes revistas, jornais e televisão dos diferentes países. 140 Os pedidos de entrevista eram feitos directamente ao Oficial de Ligação, através de uma lista que foi disponibilizada no Centro de Media85. Na sessão plenária apenas estiveram presentes as Câmaras fixas da RTP. As restantes câmaras de televisão de outros países, bem como jornalistas e repórteres de jornais e revistas portugueses e estrangeiros, apenas tiveram acesso à sala de reunião, nas oportunidades de imagem – Pools. Os jornalistas só tiveram acesso à informação nas salas de briefing. Quando algum líder político, manifestava vontade de falar aos jornalistas, pediam aos seus assessores de imprensa para, por intermédio dos oficiais de Ligação de cada país, contactarem o centro de media para requisitarem salas de briefings para dar conferências. Os media, são o principal veículo de comunicação política através dos quais a estrutura de poder comunica com a sociedade. Ao mediatizarem o nosso conhecimento das realidades que não conhecemos, propõem-nos determinadas interpretações para essas mesmas realidades, moldando o nosso conhecimento. É nesta perspectiva que vamos averiguar de que modo a imprensa europeia fez a cobertura da II Cimeira UE/África, através da análise de um corpus que explicitaremos no ponto 1.5. 1.2. Objectivos Na presente investigação destacam-se os objectivos cruciais condicionados pelo próprio objecto de estudo que servem igualmente de matriz para este estudo relativo à análise da imprensa europeia: a) Analisar qual foi a relevância da informação sobre Cimeira UE/África nos jornais seleccionados, ou seja, conhecer no período em análise, o impacto que teve a II Cimeira UE/África na imprensa europeia. 85 No centro de media, estavam reunidas as pessoas que prestavam todo o apoio logístico aos jornalistas. 141 b) Conhecer os géneros jornalísticos mais utilizados para descrever os acontecimentos; c) Conhecer os “personagens” privilegiados pelas notícias nacionais e internacionais; d) Conhecer as várias Instituições e Organizações que foram referenciadas na imprensa europeia e a mais focada; e) Analisar se a II Cimeira UE/África, suscitou na imprensa diferentes pontos de análise; f) Conhecer os países que foram mais focados na imprensa por ocasião da II Cimeira UE/África; g) Conhecer se se verificam referências mais negativas ou positivas/neutras na difusão da informação sobre a II Cimeira UE/África e sobre África; h) Conhecer no período em análise os temas privilegiados pelos diferentes jornais, durante a II Cimeira UE/África; i) Avaliar se a crescente influência da China em África constitui uma preocupação política europeia e se a imprensa fez eco dessa situação. j) Traçar, de forma global, a imagem que caracterizou o continente africano na imprensa durante a II cimeira UE/África de acordo com os objectivos atrás enunciados; 1.3. Hipóteses de trabalho Segundo a classificação apresentada por M. Grawitz (1993, cit. in Cruz, Carla, 2008:209) vamos empreender um tipo de análise de conteúdo (Quadro 3), essencialmente de verificação, já que vamos ter por base um conjunto de hipóteses que serão verificadas ao longo da análise, que conduz à quantificação dos dados. 142 Contudo, em alguns dos conteúdos em análise iremos também proceder a um tratamento qualitativo. Assim, propomos sete hipóteses. Hipótese 1 – “A II Cimeira UE/África teve mais impacto na imprensa portuguesa que na imprensa espanhola, francesa e britânica”; Hipótese 2 – “Os diferentes jornais seleccionados, privilegiaram o género jornalístico reportagem no tratamento da informação sobre a II Cimeira UE/África”; Hipótese 3 – “Robert Mugabe e Muammar Kadhafi foram os grandes protagonistas políticos na descrição dos acontecimentos que marcaram a II cimeira UE/África”, e a UE foi a organização a que teve mais impacto na imprensa; Hipótese 4 – “Os países mais referenciados na imprensa foram por um lado o Zimbabwe e o Sudão devido à forte polémica gerada em torno da violação dos direitos humanos e das crises humanitárias (Darfur) e também a China devido à sua forte presença no continente”; Hipótese 5 – “Ao fazerem a cobertura da II Cimeira UE/África, de todos os temas previstos na agenda e tratados durante a Cimeira, os jornais deram mais relevância às questões relativas ao comércio e integração regional”; (Quadro 4). Hipótese 6 – “A II Cimeira UE/África e as questões relacionadas com África e a Europa, suscitaram na imprensa em análise posições mais desfavoráveis do que favoráveis”; (Quadro 5). Hipótese 7 – “Os jornais ao fazerem a cobertura da II Cimeira UE/África deram mais enfoque aos aspectos negativos sobre a II Cimeira UE/África, à Europa e a África”; (Quadro 6). Em todas estas hipóteses avançadas, os objectivos últimos são aqueles que foram enunciados atrás. 143 1.4. Perguntas de investigação Face às hipóteses apresentadas, aos objectivos delineados vou procurar responder às seguintes perguntas de investigação: 1) Qual é a relevância da informação sobre a II Cimeira UE/África na imprensa portuguesa, espanhola, francesa e britânica? 2) O facto da II Cimeira UE/África, ter sido realizada em Portugal, produziu mais informação no nosso país do que nos restantes países europeus? 3) A quantidade de peças que foram produzidas relativas à II Cimeira UE/África, foi muito diferente nos jornais seleccionados? 4) Quais os géneros jornalísticos que dominaram a informação sobre a II Cimeira UE/África? 5) Quais são os líderes/protagonistas da informação sobre África na II Cimeira UE/África? 6) Qual ou quais são os líderes/protagonistas da informação fotográfica sobre a África? 7) Quais foram as instituições envolvidas na informação sobre a II Cimeira UE/África? 8) Quais foram os temas mais abordados na imprensa? 9) A cobertura da II Cimeira UE/África na imprensa focalizou-se mais nos aspectos negativos, positivos/neutros sobre a II Cimeira UE/África e sobre África? 10) Será que a II Cimeira UE/África suscitou na imprensa, críticas mais desfavoráveis que favoráveis ao continente africano e à própria realização da II Cimeira UE/África? 11) Quais foram os países com mais enfoque na imprensa? 144 12) A II Cimeira no geral contribuiu para projectar uma imagem mais positiva do continente na imprensa? 1.5. Corpus em análise Ao escolhermos este tema, tínhamos como objectivo principal, verificar qual foi a cobertura dada à II Cimeira pela imprensa europeia e o tipo de imagem que foi projectada sobre África neste contexto. Para que o objectivo pudesse ser cumprido, uma vez que, face aos meios disponíveis, seria impossível analisar toda a imprensa europeia, seleccionamos para o estudo jornais de informação geral, englobando na amostra jornais de referência europeus publicados em Dezembro de 2007. Em concreto, escolhemos dois jornais diários nacionais – Diário de Notícias (DN), Público e seis jornais diários internacionais – El Mundo, El País (Espanha), Le Fígaro, Le Monde (França), The Daily Telegraph/Sunday Telegraph e o The Guardian (Grã-Bretanha). Para além de serem considerados jornais de referência, representam países que foram importantes potências coloniais, como é o caso de França e Inglaterra; pelos fortes laços históricos e culturais que mantêm com África e também por terem sido um dos mais importantes colonizadores de alguns países africanos que fazem hoje parte dos PALOP86 como foi o caso de Portugal; pela proximidade geográfica (Espanha), este último sobretudo por ser um dos principais países de destino da maioria dos imigrantes ilegais que vêm de África para o continente europeu. Este corpus segundo Laurence Bardin (2006: 96) é definido como “um conjunto de documentos tidos em conta para serem submetidos aos procedimentos analíticos”. Desta forma, iremos analisar qual foi o tratamento noticioso dado por cada jornal face à cobertura da II Cimeira UE/África. 86 PALOP é a designação dada aos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa: Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe. 145 No entanto antes de se reunir o corpus procedeu-se a uma leitura flutuante procurando uma familiarização com os documentos. Depois de escolhidos os materiais, empregou-se segundo Krippendorf (1980:65), “todo o conhecimento possível para distinguir o material relevante do irrelevante recorrendo a uma selecção objectiva e sistemática”. Assim, serão aqui representados resultados relativos à análise de conteúdo dos referidos jornais que abarcou o período de quatro dias: de 07 de Dezembro de 2007 (véspera da Cimeira) até ao dia 10 de Dezembro de 2007 (dia após a II Cimeira). Nesse período, foram analisadas vinte e cinco edições dos jornais diários escolhidos – oito edições dos jornais nacionais, seis edições dos jornais diários espanhóis, quatro franceses e sete britânicas. No total foram analisadas 159 peças noticiosas (120 peças, 39 caixas de enquadramento), num total de 88 páginas. Este universo é composto por 68 notícias (46 notícias de abertura, 22 notícias baixo de página), 18 Entrefiletes, 10 Reportagens, 7 entrevistas, 3 Opiniões, 6 Comentários, 3 Análises e 5 Editoriais. Todas estas peças dizem respeito ao acontecimentos que pretendemos analisar Esta análise permitiu-nos verificar as perspectivas apresentadas pela imprensa antes e os resultados dos trabalhos apresentados depois da realização da II Cimeira. Para analisarmos as 159 peças foi utilizada a análise de conteúdo, onde à posteriori definimos as unidades de análise para cada categoria sujeita à análise. A análise dos dados será feita com base em frequências absolutas e relativas. O objectivo final da análise de conteúdo será efectuar inferências, com base numa lógica explicitada, sobre as mensagens cujas características foram inventariadas e sistematizadas. 146 2. Técnicas de Investigação 2.1. Fontes de documentação e análise de documentos Para procedermos à operacionalização dos conceitos ao longo de todo este trabalho, fizemos uma revisão da bibliografia. A pesquisa bibliográfica é, segundo Carlos Diogo Moreira, o primeiro contacto que o investigador tem com o tema que se propõe a estudar (Moreira, 1994:19-20). Devido à natureza prática de muita da investigação social, todos os trabalhos de investigação devem conter um enquadramento teórico-conceptual de carácter histórico e contextual. No nosso caso esse enquadramento esteve ligado às diversas teorias dos media, à Ciência Política e às Relações Internacionais que traçou os antecedentes da abordagem que fizemos, apontando as alternativas já experimentadas avaliando a sua eficácia e explicando o motivo pelo qual se enveredou pela pesquisa em causa. Isto implicou desde logo, uma utilização restrita de fontes documentais. No presente trabalho, a pesquisa bibliográfica feita permitiu não só esse primeiro contacto mas, conhecer também o que é falado e investigado na área, que possa ter articulação com a parte empírica do nosso estudo. Os documentos que serviram de apoio à percepção das matérias são de diversos tipos e de fontes diferenciadas. Nesta investigação, utilizámos um conjunto de documentação, primária e secundária. As fontes primárias fornecem informação directa e são documentos que foram produzidos pelas pessoas sobre os assuntos que estamos a estudar. No nosso caso utilizámos os artigos de jornais da imprensa europeia que em muitos casos permitiram ter acesso às diferentes visões, percepções, opiniões e contradições sobre a II Cimeira UE/África; discursos oficiais da II Cimeira, publicações de documentos oficiais (Estratégia Conjunta; Declaração de Lisboa); sites de internet, revistas especializadas europeias e africanas, conferências de imprensa; Telejornal da RTP1 à noite nos dias 7,8,9 de Dezembro e 147 programa “Prós e Contras” da RTP 1 no dia 10 de Dezembro de 2007 (dia após a II Cimeira). As fontes secundárias foram constituídas por documentos escritos após o acontecimento, ou, por alguém que não o testemunhou na primeira pessoa. Aqui servimo-nos de obras, relatórios, estatísticas oficiais, artigos publicados em revistas especializadas, nacionais e estrangeiras etc. Sendo o nosso trabalho, um estudo de caso “abordagem empírica que investiga um fenómeno actual no seu contexto real, quando os limites entre determinados fenómenos e o seu contexto não são claramente evidentes e no qual são utilizadas muitas fontes de dados” (Yin, 1988, cit. in Carmo e Ferreira, 2008: 234), o objectivo deste estudo, prendeu-se com a descrição do acontecimento e os dados recolhidos são de natureza quantitativa, embora, na interpretação dos dados a análise tenha um carácter mais qualitativo, como já foi explicado. Para a análise do tratamento e enquadramento que foi dada à informação produzida pela imprensa europeia no contexto da II Cimeira UE/África, utilizámos, como já dissemos, a técnica de análise de conteúdo para inferir sobre o sentido exacto do conteúdo dos documentos em causa. A sua adequação e tratamento na análise descritiva (quantitativa) e também inferencial (qualitativa) dos conteúdos comunicacionais leva-nos a optar por esta técnica. A perspectiva da análise de conteúdo teve por base as peças jornalísticas dentro do período seleccionado. A Selecção dos jornais está inserida numa óptica comparativa, ou seja, feita a análise, a nossa prioridade é poder compará-los e, posteriormente verificar se a abordagem que é feita sobre a II Cimeira UE/África, difere muito entre eles, apresentando os aspectos mais relevantes para que possamos deduzir sobre que tipo de imagem foi projectada sobre África no conjunto dos jornais europeus analisados. 148 Ao querermos fazer este tipo de análise e por ser impossível um estudo intensivo, optámos apenas por verificar qual a quantidade de informação disponibilizada na imprensa e a sua distribuição no interior dos jornais, quais os géneros jornalísticos mais utilizados, os protagonistas políticos mais proeminentes, os países mais focados, as temáticas mais abordadas, o posicionamento crítico das opiniões e o ângulo de abordagem do discurso jornalístico das peças jornalísticas, criando unidades de registo e categorias de análise para examinar as 159 peças . 2.2. Análise de Conteúdo A análise de conteúdo é uma técnica de investigação utilizada em várias áreas, e consiste, segundo Romero (1991). “Na utilização de métodos, técnicas e instrumentos que, indistintamente, são usados pelos investigadores da Informação e da Comunicação e tem como objectivos analisar e explicar objectiva, sistemática, quantitativa e qualitativamente as formas e os significados das ideias, palavras, imagens e factos actuais que, protagonizados e difundidos pelo homem podem provocar reacções sociológicas e psicológicas nas audiências que são receptoras daquelas ideias, palavras, imagens e acontecimentos, através de mensagens que são difundidas por qualquer meio de comunicação social” (p.15) De forma mais resumida e de acordo com Laurence Bardin (2008:44), “ (…) É um conjunto de técnicas de análise de comunicações visando obter por procedimentos sistemáticos e objectivos de descrição do conteúdo das mensagens indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens”, ou seja, de acordo com a aplicação de processos de codificação, categorização e inferência, permite um alcance analítico de natureza quantitativa e/ou inferencial, das consoante os objectivos e técnicas de análise. 149 Na aplicação da análise categorial, para além da codificação, da categorização e da inferência, faz-se recurso a instrumentos conceptuais como as hipóteses e objectivos, as categorias, os indicadores e as unidades de análise. Quanto ao âmbito de aplicação, a análise de conteúdo aplica-se a materiais de qualquer natureza como escrita, oral, pictórica, audiovisual, de entre outras. Ao analisar de forma quantitativa ou qualitativa as mensagens implícitas ou explícitas no corpus de análise, serve para estudar factores que intervêm no processo de comunicação, especialmente o emissor, e para conhecer: a estrutura da informação; as tendências dos desenvolvimentos da informação; a fenomenologia da informação; as componentes e características da mensagem e os efeitos previsíveis desta sobre as audiências. Ao analisar através deste processo melhorase a qualidade das mensagens levando o público a ser mais crítico e selectivo. Após termos traçado o objectivo e termos escolhido o objecto de estudo, reunimos o corpus de análise. “O corpus é o conjunto de documentos tidos em conta para serem submetidos aos procedimentos analíticos” (Bardin: 2008:122). A Constituição do corpus pressupõe algumas regras: exaustividade, representatividade, homogeneidade e pertinência (Bardin: 2008,122-124). Ao ter o material seleccionado, tratámos de o fragmentar em unidades mais pequenas (recorte das unidades de análise), que são as unidades de análise ou unidades básicas de codificação que podem ser palavras, temas, frases ou até parágrafos. Utilizaram-se unidades de registo e de contexto como medidas de análise do corpus seleccionado. Quando estiveram definidas foi preciso estabelecer uma ordem entre elas, existindo algumas regras para esse reagrupamento: uma classificação exaustiva, as categorias devem excluir-se mutuamente (o mesmo elemento não pode pertencer a duas categorias em simultâneo), os critérios de classificação têm de ser pertinentes e concretos e a própria classificação deve ser sistemática e clara. 150 A análise de conteúdo, enquanto técnica matriz que afere o conteúdo das comunicações, envolve um conjunto de outras sub-técnicas, tais como: a análise categorial, a análise de avaliação, a análise de enunciação, a análise de expressão, a análise de relações e a análise de recursos (Bardin, 2008:117). Para a elaboração deste estudo optou-se pela tipologia categorial, que é o método mais antigo e mais utilizado, e consiste em desmembrar o corpus em categorias, que são autênticas produções e especificações das hipóteses anteriormente levantadas, tendo como objectivo central “atingir através de significantes ou de significados (manipulados), outros “significados” de natureza psicológica, sociológica, politica, histórica, etc. (…) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (…) destas mensagens” (Bardin, 2008: 43-44) A Categorização de um corpus determinado corresponde inicialmente a uma classificação dos elementos que o constituem, sendo que as categorias são “rubricas ou classes”, segundo Bardin (2008: 45), cujos componentes (unidades de registo e enumeração) carecem de uma teorização lógica e adaptação à natureza do material em causa, para que não se produzam quaisquer desvios. As categorias devem “reflectir a questão do investigador e as variáveis que implica” (Gérard Namer, 1976:17), devem ser objectivas e claramente definidas, devem ser exaustivas e excluírem-se mutuamente. Com base nesta premissa metodológica, foi criada uma grelha de análise para a apresentação de todas as categorias, indicadores e respectivas unidades de análise procedendo-se de seguida à explicitação de cada uma das categorias e indicadores. Assim sendo, foram determinadas as unidades de registo e as seguintes categorias para o presente estudo. 151 2.3. Definição das unidades de registo e respectivas categorias de análise A análise categorial (por categorias) é o mais generalizado no âmbito da análise de conteúdo e tem por pretensão “tomar em consideração a totalidade de um “texto”, passando-o pelo crivo da classificação e do recenseamento, segundo a frequência de presença (ou de ausência) de itens de sentido” (Bardin, 2008: 38-39). Por outras palavras, as categorias são “rubricas significativas”, em função das quais o conteúdo será classificado e eventualmente quantificado. “É um método taxinómico” que procura “introduzir uma ordem, segundo certos critérios, na desordem aparente” (Bardin, 2008:39). As categorias são desta forma, consideradas classes que agrupam sob a mesma designação um conjunto homogéneo de elementos que partilham características comuns. Os estudos serão produtivos na medida em que as categorias se encontrem formuladas em fidelidade ao conteúdo em análise. Cada categoria é composta por um termo chave que indica a significação central. Assim a inclusão e quantificação de um segmento ou unidade pressupõe a detecção dos pressupostos relativos a essa categoria. Como variáveis de análise vamos introduzir as unidades de registo, definidas por Laurence Bardin como unidades de “significação a codificar e corresponde aos segmentos de conteúdo a considerar como unidade de base, visando a categorização e a contagem frequencial. A unidade de registo pode ser de natureza e de dimensão muito variáveis” (Bardin, 2008:104), uma vez que deve obedecer à regra da pertinência (manter uma relação pertinente com as características do material e com os objectivos da análise). No presente trabalho optou-se pela definição de Bardin e utilizou-se como unidades de registos tanto as formais como as semânticas, e como unidades de 152 enumeração, a frequência e a direcção. A atenção incidiu sobre a frequência com que determinadas palavras e ideias aparecem no corpus, partindo-se do pressuposto que uma determinada unidade pode ser tão mais importante quanto maior é a sua frequência. No que se refere ao processo de codificação, Bardin (2008: 130-138), define como unidades de registo: a palavra, o tema, objecto ou referente, o personagem, o acontecimento, o documento e as unidades de contexto (que podem ser a frase, a palavra e o parágrafo para o tema). Quanto às regras de enumeração, temos a presença (ou ausência), a frequência, a intensidade e a intensidade e a coocorrência. As várias unidades de registo serão, por sua vez, submetidas à regra de enumeração, seguindo algumas vezes a forma de Frequência (nº de vezes ou tempo que determinada categoria aparece), unidades de ordem quantitativa e, outras vezes, a direcção (favorável/ desfavorável e positivo/neutro, negativo), de ordem mais qualitativa. Segundo Jorge Vala e Maria Benedita, (2000, 114-115), as unidades de análise podem ser divididas em unidades de registo, unidades de contexto e unidades de enumeração. O autor considera que a unidade de registo é o segmento de determinado conteúdo que se caracteriza colocando-o numa dada categoria e identifica dois tipos de unidades de registo: formais (palavra, frase, personagem, entre outras) e semânticas (a mais comum é o tema). Por outro lado, a unidade de contexto é o segmento mais largo de conteúdo que o analista examina quando caracteriza uma unidade de registo e a sua dimensão depende do tipo de unidade de registo escolhida. A unidade de enumeração é a unidade em função da qual se procede à quantificação. Ainda relativamente à codificação, a classificação ou agregação das categorias (concepção do quadro categorial), com vista à sistematização dos 153 padrões e valores em análise, foram pré-concebidos por nós uma parte – à priori – de acordo com o quadro teórico presente e de acordo com as primeiras impressões que a leitura flutuante do corpus de estudo sugeriram, e após uma exploração mais aprofundada redefinimos a nossa categorização – à posteriori, ou seja após a codificação passou-se à categorização definitiva do material em análise. Ou seja, o processo de codificação foi efectuado à medida que a investigação foi avançando, sendo que apenas no final concluímos o seu formato. A última operação da análise de conteúdo é, naturalmente, o tratamento dos dados que corresponde a um conjunto de operações de organização e sistematização dos dados. É neste sentido que se orienta o presente trabalho. Numa primeira fase optámos pela análise quantitativa, através das categorias definidas, das unidades de análise e unidades de enumeração, em função de cada uma das hipóteses levantadas. Ultrapassada essa fase, enveredamos pela livre interpretação, que não é mais do que fazer associações, deduções ou inferências, aquilo em que se baseia a análise qualitativa. Assim, para tornar exequível este trabalho, achamos pertinente a inventariação das seguintes unidades de registo e categorias de análise: Quadro 2: Estrutura da Análise de Conteúdo Hipóteses Categorias Indicadores Unidades de Análise Hipótese 1 – “A Cimeira UE/África 1- Peças/caixas de enquadramento 1 - Número de peças teve mais impacto na imprensa 2 - Localização 2 - Página ímpar / portuguesa que na imprensa 3 - Primeira página Página par espanhola, francesa e britânica”. 4 - Posicionamento 3 - Manchete, foto, 5 - Mancha gráfica chamada à 1ª página IMPACTO (variável forma) Unidade de enumeração Frequência 4 -1º Plano, 2º plano, página inteira 5 - fotolegenda, infografia, cronologia e ilustração 154 Hipóteses Categorias Indicadores Unidades de Análise Hipótese 2 – “Os diferentes jornais 1 - Notícia (de abertura) Número de vezes que seleccionados, privilegiaram o 2 - Notícia (baixo de página) cada género jornalístico género jornalístico reportagem no 3 - Breve aparece no tratamento da informação. tratamento da informação sobre a GÉNEROS 4 - Entrefiletes II Cimeira UE/África”. (variável forma) 5 - Reportagem Unidade de enumeração Frequência 6 - Entrevista 7 - Artigos (Opinião/Comentário/ Análise) 8 - Editorial Hipótese 3 – “Robert Mugabe e 1 - Líderes Políticos Africanos Número de vezes que Muammar Kadhafi foram os 2 - Líderes Políticos Europeus estes indicadores grandes protagonistas políticos na PROTAGONISTA 3 – Representantes de (nomes de líderes e descrição dos acontecimentos que (variável conteúdo) Organizações Internacionais, organizações), Regionais e Organizações Não aparecem ou não na Governamentais (Ong´s) Informação/ Foto Hipótese 4 – “Os países mais 1 - Estados-Membros da UE Informação referenciados na imprensa foram 2 - Estados africanos (palavra, frase, tema) por um lado o Zimbabwe e o 3 – Países candidatos à UE marcaram a II cimeira UE/África”. Sudão devido à forte polémica PAÍSES gerada em torno da violação dos (variável conteúdo) 4 – Outros países Frequência Frequência direitos humanos e das crises humanitárias (Darfur) e também a China devido à sua forte presença no continente”. Hipótese 5 – “A imprensa 1 - Paz e segurança; Informação europeia ao fazer a cobertura da II 2 - Governação e direitos humanos; (palavra, frase, tema) Cimeira UE/África, (de todos os 3 - Comércio e integração regional, temas previstos na agenda e infra-estruturas; tratados durante a Cimeira), deram 4 - Questões-chave sobre o mais relevância às questões desenvolvimento: acelerar a relativas ao comércio e integração TEMA progressão para a concretização regional”. (variável conteúdo) dos ODM (objectivos do Frequência Desenvolvimento do Milénio), até 2015; 5 - Energia; 6 – Alterações climáticas 7 - Migração /mobilidade/emprego 8 - Ciência, sociedade de informação, espaço Hipótese 6 – “A II Cimeira 1. Favorável/ Desfavorável 1. Opinião UE/África, os temas e as 2. Positivo, neutro/ Negativo (palavra, frase, tema) personagens envolvidas no evento suscitaram na imprensa em análise posições mais desfavoráveis do que favoráveis”; Hipótese 7 – “Os jornais ao 2. Informação DISCURSO (variável discurso) (palavra, frase, tema) Direcção Frequência fazerem a cobertura da II Cimeira UE/África deram mais enfoque aos aspectos negativos sobre África”. 155 Quadro 3: Quadro Conceptual referente ao TEMA aplicado aos jornais Objectivo Categorias Paz e Segurança Indicadores Unidades de Análise 1.Criminalidade organizada e terrorismo Unidades de 2. Tráfico seres humanos e droga Enumeração: 3. Proliferação de armas de destruição maciça. - Palavra 4. Questões relacionadas com a prevenção, gestão e - Tema resolução de conflitos em África 1. Promoção da Democracia e do Estado de Direito 2. Problemas de direitos humanos (violação de direitos Governação e Direitos humanos, crimes de guerra, genocídios e crimes contra a Humanos humanidade etc.) 3. Problemas de governação (corrupção e transparência) 1. Investimento Comércio e Integração 2. Economia, negócios e comércio justo Regional, infra-estruturas 3. Reformas e Desenvolvimento Identificação 4. Acordos de Parceria Económica (APE) das áreas 1.Pobreza e fome abordadas no debate Questões – chave sobre o desenvolvimento (ODM) – “Fixados na “Cimeira do milénio” da ONU” em Setembro de 2000. 2. Educação (Ensino básico e universal) 3. Igualdade entre homens e mulheres 4. Mortalidade infantil 5. Saúde materna 6. VIH/Sida, malária e outras doenças 7. Sustentabilidade ambiental, 8.Criação de uma parceria para o desenvolvimento Energia Alterações climáticas 1. Questões relacionadas com a energia e segurança energética 1. Questões relacionadas com as alterações climáticas 1 Questões relacionadas com Emigração/Imigração, Migrações, Mobilidade e 2. Fluxos migratórios Emprego 3. Emprego, mobilidade Ciência, Sociedade de 1. Promoção da utilização das tecnologias de informação e Informação e Espaço. Comunicação (TIC) Na variável Tema, através do documento Parceria Estratégica UE/África definimos as oito parcerias estratégicas em discussão na agenda da II Cimeira. Esta variável foi criada após terem sido analisados os temas abordados na agenda e serão analisados respeitando a mesma ordem com que foram apresentados na Estratégia Conjunta. Assim classificámos os conteúdos pelos seguintes temas que dizem respeito aos domínios estratégicos prioritários relacionados entre si tal como foi definido na Estratégia Conjunta. O DISCURSO é uma categoria que se baseia na abordagem da técnica da análise de conteúdo na sua vertente mais qualitativa e inferencial. Aqui considerámos importante a informação tanto nos textos de opinião como nos textos informativos 156 (peças produtos das rotinas jornalísticas), na abordagem às questões de África e à II Cimeira UE/África de um ponto de vista mais valorativo. Pretendemos saber através de palavras, frases, temas, se o enquadramento do discurso jornalístico teve um ângulo mais positivo ou neutro/negativo, ou seja, termos que pelo seu significado e carga semântica ou no contexto em que foram enunciados, tenham um valor ou entendimento positivo/neutro ou negativo, e, por outro lado, saber se o discurso opinativo assumiu um tom mais favorável/desfavorável, ou se quisermos mais optimista ou mais pessimista relativamente às questões africanas e à própria concretização da II Cimeira. A conotação positiva/ neutra e negativa foram analisadas apenas no texto jornalístico (peças de carácter informativo, descritivo), constituídas, predominantemente, por notícias e reportagens, e o discurso favorável/desfavorável analisados nas peças analíticas e opinativas. É importante referir que algumas frases podem ser compostas de unidades linguísticas negativas e terem uma orientação positiva, como por exemplo “luta contra a corrupção” ou “lutar contra a imigração clandestina”, i.e., uma opinião ou informação pode ser positiva, neutra ou favorável e conter aspectos negativos na sua elaboração. Por outras palavras, a frase pode ser envolvida por um contexto positivo de incentivo ou manifestação de apoio, ou, expressar uma declaração de mudança que pode ser reforçada com a utilização de verbos. Nesse caso consideramos como positiva/neutra ou favorável. O mesmo se aplica ao negativo e desfavorável. O Quadro conceptual da análise da categoria discurso (Quadros 6 e 7), sintetiza deste modo, a orientação ou intenção conotativa que certas palavras-chave ou frases foram proferidas na imprensa no contexto da II Cimeira UE/África e que geram um tipo de discurso (através de um conjunto de referentes) que traduzem os indicadores que decorrem dos objectivos de análise definidos. 157 Importa referir que estes indicadores foram definidos à posteriori após uma segunda “triagem” de todo os elementos presentes nos textos informativos e opinativos passíveis de serem enquadrados nas respectivas categorias. Este tipo de análise será diferente da análise do Discurso (AD). A análise do Discurso explica com termos das gramáticas modernas, as estruturas da superfície, ou seja, palavras, frases, períodos ou recursos estilísticos, mais as estruturas semânticas subjacentes e explica as suas implicações, pressuposições e conexões estratégicas implícitas nos discursos. No nosso estudo não iremos utilizar este tipo de análise porque não nos interessa quem diz o quê, a quem se dirige e que significado tem aquilo que se escreve. Não é nosso propósito, por isso, identificar subjectividades, intencionalidades e potencialidades possivelmente presentes nos recursos linguísticos utilizados, a utilização de expressões substantivadas e adjectivos que demonstrem tendência para a negatividade ou positividade, interessando apenas a orientação ou intenção do discurso independentemente dos qualificativos. No relato descritivo das notícias, a procura de ideologias e revelação de etnocentrismos não serão considerados no nosso estudo. Quadro 4: Quadro Conceptual referente ao DISCURSO OPINIÃO favorável/desfavorável aplicado aos jornais. Indicadores de análise DISCURSO OPINIÃO Favorável Unidades de análise (exemplos.) 1) África “Angola (…), país mais promissor do continente” 2) Europa “Europa virou a página”. 3) II Cimeira UE/África “Mugabe (…) uma voz isolada”. 4) Relações entre a Europa e “Abordagem multilateral”,”mudança de paradigma”. África Indicadores de análise 1) África Unidades de análise (e.g.) “África é um problema de Estados falhados e de proliferação nuclear”,”de fundamentalismo islâmico”,”seis milhões de refugiados”. DISCURSO OPINIÃO 2) UE (Europa) “Não é fácil para a UE ter uma politica comum e uma abordagem unificada para realidades tão diferentes”. Desfavorável 3) II Cimeira UE/África “O passado colonial ainda ensombra a cimeira da viragem”. 4) Relações entre a Europa e “O que de mais substantivo se podia concluir em Lisboa – os APE (Acordos África de Parceria Económica), ficaram por assinar”. 158 Quadro 5: Quadro Conceptual referente ao DISCURSO INFORMAÇÃO positivo/neutro, negativo aplicado aos jornais. Indicadores de análise Unidades de análise (exemplos) “África DISCURSO 1) África a mudar para seu benefício e não da Europa”, diamantes do mundo”. INFORMAÇÃO Positivo/neutro 2) Europa 3) II Cimeira UE/África “UE pressiona África nos direitos humanos”, “Europa é (…) a zona mais aberta às importações de África” “Cimeira considerada pela diplomacia portuguesa (…) um êxito”; “cimeira do reencontro”; “cimeira foi frutífera” 4) Relações entre a Europa e “Relação de igual para igual”; “um novo arranque nas relações entre os dois África continentes”, “fim do colonialismo” Indicadores de análise Unidades de análise (E.g.) “Darfur e Zimbabwe tratados como exemplos do que mais urgente há para DISCURSO INFORMAÇÃO está “liberdade”,“democracia”, “igualdade”,”Botswana (…) maior produtor de 1) África resolver”,”regime de Mugabe”,”não respeitam os direitos humanos”,”estados africanos rejeitam os APE”. Negativo 2) Europa “Líderes europeus faltaram”. 3) II Cimeira UE/África “O Zimbabwe não fazia parte da ordem dos trabalhos”. 4) Relações entre a Europa e “Dez países africanos recusam a liberalização das trocas propostas pela UE”. África De seguida passamos à explicitação de cada um dos indicadores da Categoria Discurso tanto para a Opinião como para a informação: 1) África – Neste indicador considerou-se em todas as peças jornalísticas e opinativas, frases e expressões cujo ângulo dominante ou tema é tendencialmente positivo ou neutro; negativo (ângulo dominante das peças); favorável e desfavorável em relação a África (ângulo dominante das peças opinativas). Importa referir que esta análise referente ao ângulo dominante pode ser em alguns momentos subjectiva. Interessa-nos o tipo de discurso onde seja abordada África no seu todo, a referência a personalidades africanas, conflitos etc., e o discurso favorável ou desfavorável acerca dos mesmos itens, mas que sejam apenas enunciados por analistas políticos, comentadores, especialistas em assuntos africanos etc. A definição da orientação dos artigos de opinião, análise e editoriais foi feita através da 159 direcção discursiva presente no texto. Assim sendo, e como já foi referido, as opiniões foram consideradas desfavoráveis quando o texto se centrava predominantemente nos aspectos negativos do acontecimento, ou seja, na essência da II Cimeira UE/África. Uma opinião favorável poderia também referir aspectos negativos, embora estes fosse envolvidos por um contexto positivo, de incentivo ou manifestação de apoio. 2) Europa – Discurso jornalístico/opinativo que aborde acontecimentos que envolvam a Europa, pessoas individuais e colectivas do continente, acções de pessoas individuais e colectivas de um dos continente sobre o outro continente, acções favoráveis ou desfavoráveis de políticas de um continente sobre outro continente; discurso favorável, desfavorável de líderes europeus acerca de lideres africanos, citações de lideres políticos; importância da Cimeira para o continente africano. 3) II CIMEIRA UE/África – Discurso jornalístico/opinativo cujo ângulo dominante ou tema seja referente à II Cimeira UE/África, aos objectivos da sua realização, sobre os temas e personagens, agenda política da Cimeira. 4) Relações entre a Europa e África – Discurso cujo ângulo dominante ou tema contribua para o estreitamento das relações entre a Europa e África, como por exemplo uma notícia sobre acordos comerciais, Estratégia Conjunta, cooperação. Este indicador diz unicamente respeito às relações estabelecidas entre os dois continentes no plano de cooperação para o desenvolvimento. Consideramos aqui tudo o que seja dito de forma positiva/neutra ou negativa e que diga respeito aos dois continentes. Embora já existam muitos programas de computadores para tratar a análise de conteúdo na vertente quantitativa, no nosso trabalho não recorremos a nenhum programa, por termos de recorrer também a análise qualitativa. 160 2.4. Observação Participante Todas as pesquisas de newsmaking têm em comum a técnica da observação participante. Os dados são recolhidos pelo investigador presente no ambiente que é objecto de estudo, quer pela observação sistemática de tudo o que ai acontece, quer através de conversas, mais ou menos informais e ocasionais, ou verdadeiras entrevistas com as pessoas que põem em prática os processos produtivos. O Observador pode ter uma atitude mais ou menos passiva na cena social, isto é, o observador pode interagir menos com os indivíduos analisados como pode ter uma atitude mais participativa e integrada. No nosso caso a interacção restringiu-se à observação dos jornalistas que motivou a captura do acontecimento no espaço onde decorreu a II Cimeira UE/África, sendo o acesso aos líderes políticos envolvidos mais restrito e limitado a apenas a alguns jornalistas que previamente já tinham estabelecido contacto com os respectivos Assessores de Imprensa, ou que o fizeram no decorrer dos trabalhos da II Cimeira através dos Oficiais de Ligação. A outra forma de contacto foi feita com os chefes de delegação através de pequenas conferências de imprensa nas salas de Briefing. A observação durou dois dias que correspondeu ao tempo de duração da II Cimeira UE/África. O processo de selecção e produção de notícias, passou obviamente pela redacção dos jornais a que não tivemos acesso, não só por falta de tempo, mas também porque não fazia parte do objecto de estudo no que diz respeito à parte empírica, sendo este processo de newsmaking sido explorado apenas teoricamente para enquadramento da nossa análise. 161 2.5. Entrevistas A Entrevista qualitativa, como a própria designação indica, é uma técnica de investigação qualitativa. É uma técnica muito utilizada em estudos de investigação científica. São vários os tipos de entrevistas: estruturada ou padronizadas, semiestruturadas e não estruturadas (Moreira, Carlos, 1994:113). Na presente investigação, a utilização de entrevistas trouxe a mais valia de podermos saber com mais detalhe, quais foram os grandes objectivos da realização desta nova Cimeira no contexto desta Nova Ordem Mundial, a importância que representou para o fortalecimento das relações entre a UE e África e quais os resultados que se esperam ver alcançados com a definição destes novos objectivos agora concretizados em Planos de Acção. Por isso entrevistámos o actual Ministro dos Negócios Estrangeiros, o Dr. Luís Amado. A opinião de um grande pensador e político português que esteve durante muito tempo ligado às questões africanas, foi um contributo importante, para o entendimento deste novo tipo de relações que se estabeleceu entre a Europa e África através da realização da II Cimeira e por isso entrevistámos o professor Doutor Adriano Moreira. A opinião de um jornalista especialista em assuntos africanos revelou-se também importante para o nosso estudo, e daí a entrevista a Jorge Heitor do jornal Público, um jornalista que tem acompanhado os principais acontecimentos que têm marcado o continente africano desde as independências. Para o desenvolvimento desta investigação e tendo em conta as hipóteses e o problema de pesquisa a que se queria responder, foi escolhida a entrevista semiestruturada. Esta técnica não apresenta um formato tão rígido e, como refere Carlos 162 Diogo Moreira (1994:133), o entrevistador “ (…) faz sempre certas perguntas principais mas é livre de alterar a sua sequência ou introduzir novas questões em busca de mais informação”. Por outro lado, e como o mesmo autor refere, este tipo de entrevistas é muito útil como “estratégia de descoberta” (Moreira, Carlos, 1994:134), o que neste caso é particularmente importante porque permite também ao entrevistado uma certa liberdade. Foi isso que aconteceu. Através das perguntas que definimos inicialmente para os entrevistados, acabámos por dar liberdade nas respostas e isso permitiu-nos obter informação adicional útil que contribuiu para a compreensão do assunto que investigámos. 3. Apresentação e Discussão dos Resultados A análise dos dados foi feita com base em frequências absolutas e relativas. As tabelas foram feitas em Word pela autora. Não foi utilizado nenhum programa SPSS, sendo os dados calculados manualmente. Os dados foram sistematizados em gráficos. Partindo da primeira hipótese do nosso trabalho: “A Cimeira UE/África teve mais impacto na imprensa portuguesa que na imprensa espanhola, francesa e britânica”, entre os dias 7 e 10 de Dezembro de 2007, todos os jornais analisados fizeram referência à II Cimeira UE/África. Podemos verificar no Gráfico 1, que ao todo foram publicadas 159 peças. O Diário de Notícias foi o diário que mais peças publicou 73 peças (46%), o Público 52 peças (33%); o El País com 11 (7%); o El Mundo, 6 peças (4%); o, The Guardian com 6 peças (4%) também, o jornal The Daily Telegraph/The Sunday Telegraph87, 4 peças (2,5%); Le Monde, 4 peças (2,5%); Le Fígaro, 3 peças (2%) 87 Sunday Telegraph é a edição de Domingo do Jornal Daily Telegraph do dia 9/12/2007. 163 Gráfico 1 – Peças/caixas de enquadramento Peças 46% 33% 7% 4% Total jornal 2% 2,5% 4% 2,5% Público Diário de Notícias El País El Mundo Le Fígaro Le Monde The Daily Telegraph The Guardian 52 73 11 6 3 4 4 6 159 Verifica-se uma diferença considerável entre o Público e Diário de Notícias dois diários de referência (a Imprensa de referência tem como público-alvo a opinião pública dirigente e os seus conteúdos estão centrados na política nacional e internacional, na economia e na cultura), onde tanto o DN como o jornal Público, através de um ângulo de abordagem mais analítico e explicativo, tiveram um cuidado acrescido com o enquadramento e aprofundamento dos temas. Sendo a II Cimeira UE/África um acontecimento já agendado, (logo previsível), a planificação regulada pela agenda e pelas deadlines permitiram que já houvesse conteúdo para desenvolver e por isso a imprensa, nomeadamente a portuguesa, distingue-se da restante imprensa na contextualização dos temas. Os dois jornais de referência espanhóis publicaram poucas peças sobre a II Cimeira, o El País 11 (7%); o El Mundo 6 (4%); mas este dado não significa que tivessem dado pouca importância ao acontecimento. Simplesmente o número de páginas atribuído ao acontecimento foi menor, porque ao contrário da imprensa portuguesa não teve a preocupação de aprofundar temas ou explicitá-los. Aqui também o critério da “proximidade” justifica a “relevância” dada à II Cimeira, mas a atenção dos jornais espanhóis centrou-se sobretudo na questão do controlo dos 164 fluxos migratórios em direcção à Europa, que afecta de forma significativa o país, e como veremos mais adiante no tratamento dado aos temas, foi dada grande ênfase ao fenómeno das migrações. A imprensa francesa deu também pouca ênfase à II Cimeira em número de peças: Le Monde 4 peças (2,5%) e o Le Fígaro com 3 peças (2%). O enfoque maior foi dado à visita que se iria realizar no dia 10 de Dezembro de 2007 (dia após à II Cimeira) de Muammar Kadhafi a Paris. A imprensa francesa aproveitou ainda para fazer referências à força de segurança europeia- EUFOR, (nomeadamente o Le Fígaro), de que faz parte a França, e que se encontra no Chade a proteger a população refugiada da região do Darfur e também a do país vizinho – Chade. Esta força tem causado muita polémica, por ser acusada por Bashir de ser uma força predominantemente francesa. Para além do número de peças, também se pode analisar, através da localização das páginas no interior do jornal, se estas são maioritariamente pares ou ímpares. Relativamente à imprensa em análise, de acordo com o gráfico 2, num total de 77 páginas, verificamos que no jornal Público, 18 encontram-se na página par (40%), no Diário de Notícias, 15 são pares (33%) um valor ligeiramente inferior. Estes valores são substancialmente diferentes no que diz respeito à inserção das notícias nas páginas ímpares. Os dois jornais colocaram as peças jornalísticas maioritariamente nas páginas pares. Nos jornais espanhóis, o El País, do total de páginas 6 páginas, 4 são pares (9%) e no El Mundo, do total de 5 páginas, 4 também são pares (9%) o que mostra a predominância da informação também nas páginas pares. Na imprensa francesa, o Le Fígaro e o Le Monde com um total de 2 páginas cada um, a predominância, no Le Fígaro vai para a página ímpar, com um total de 2 representa (6%), ao passo que, no Le Monde, divide-se entre uma página par (3%) e uma ímpar (2%) do total de páginas ímpares e pares. 165 Quanto aos jornais britânicos podemos verificar que a predominância da informação vai para as páginas ímpares (7), contra (3) pares. Assim o The Daily Telegraph/The Sunday Telegraph, de um total de 3 páginas (4%), 2 são ímpares, e o The Guardian, de um total de 7 páginas (9%), 5 são também ímpares. As páginas ímpares foram deste modo, as mais escolhidas pelos dois jornais para a descrição dos acontecimentos. Comparativamente, podemos concluir que os jornais portugueses e os espanhóis ao contrário dos jornais franceses e britânicos escolherem maioritariamente as páginas pares para a descrição do acontecimento. Gráfico 2 – Localização das peças 40% 33% 31% 28% 16% 9% 9% 6% 6% 6% 4% 2% 3% 2% 3% Público Diário de Notícias El País Página ímpar 9 10 2 1 2 1 2 5 32-42% 32-42% 45-58% Página par 18 15 4 4 0 1 1 2 45-58% El Mundo Le Fígaro Le Monde The Daily The Telegraph Guardian Relativamente ao indicador, primeira página, que representa a importância que cada jornal dá a um acontecimento (proeminência da peça), pela análise do gráfico 3, verificamos que na imprensa portuguesa, tanto no DN como no Público mostrou um equilíbrio no destaque dado à II Cimeira na unidade de análise manchete (4-36%) em ambos os jornais. Neste item foram considerados as 166 chamadas de atenção na manchete, as fotos e ainda as chamadas à primeira página. Na restante imprensa europeia estes elementos não foram significativos, com a ressalva do Jornal El País (2-18%) e o Le Monde (1-9%), por terem sido os únicos jornais europeus, a fazerem referência na manchete à II Cimeira UE/África em Lisboa. No indicador primeira página, a manchete destaca-se com 11% no total de todos os jornais, seguido da foto com 9%, e a chamada à primeira página com apenas 3%. As fotos foram utilizadas apenas nos jornais portugueses Público (4-44%), DN (3-33%) e nos jornais espanhóis El País (1-11%) e El Mundo (1-11%). Nos jornais franceses (Le Fígaro e Le Monde), e nos diários britânicos (The Guardian e The Daily Telegraph/The Sunday Telegraph), não há referências à II Cimeira na manchete, nem utilização de fotos no período em que decorreu o evento. Ao contrário do El País e do El Mundo e do The Guardian e The Daily Telegraph/The Sunday Telegraph e também do Diário de Notícias, só os jornais franceses e o Público fizerem uma chamada à primeira página relativa à II Cimeira UE/África. 167 Gráfico 3 – Primeira Página 36% 36% 44% 33% 18% 33% 11% 9% 11% 33% 33% Público Diário de Notícias El País El Mundo Manchete 4 4 2 1 11-48% Foto 3 4 1 1 Chamada à 1ª página 1 9-39% 3-13% Le Fígaro 1 Le Monde 1 The Daily Telegraph The Guardian . Quanto á distribuição dos artigos no interior dos jornais (espaço) escolhidos para este estudo, a utilização da página inteira predomina em todos eles. De acordo com o gráfico 4, no total de todos os jornais seleccionados verificamos que o total da página inteira é de 53 (69%) o 1ºplano (16-21%%) e o 2º plano e apresenta (810%)%. O jornal Público utilizou 3 vezes o 2º plano, (37,5%), do total dos jornais com utilização do 1º plano e o DN utilizou 2 vezes o 1º plano (12%) no total de todos os jornais com a utilização do 2º plano. No entanto a utilização nos dois jornais portugueses, a página inteira foi mais utilizada, sendo que o Público utilizou mais vezes esta página (23-43%), e o jornal Diário de Notícias apresenta os valores (2241%). O jornal El Mundo, foi o que utilizou mais o 1º plano, num total de 4 vezes (25%) por comparativo com o El País (6%). Não foi utilizado o 2º plano em ambos os jornais. Nos jornais espanhóis, o El País, utiliza também a página inteira mais vezes para descrever os acontecimentos que marcaram a II Cimeira, (5-9%), contra (1-2%) no 1º plano do jornal El Mundo. O Jornal Le Fígaro optou por noticiar a II Cimeira 168 tanto no 1º plano (1-12%) como no 2º plano (1-12%), e o Jornal Le Monde, utilizou o 2º plano (1-12%) e a página inteira (1-2%) no total dos jornais analisados. Os jornais britânicos The Daily Telegraph/The Sunday Telegraph e The Guardian utilizaram sobretudo o 1º plano para apresentarem as suas notícias, com (4-25%) e (3-19%) respectivamente. Como é sabido, a metade superior da página capta mais a atenção da opinião pública do que a metade inferior, e neste caso é visível que a maioria dos artigos se encontra ou na metade superior da página (1º plano) com 16 referências (21%) ou página inteira com 53 referências (69%) no total dos jornais analisados. Gráfico 4 – Distribuição artigos no interior dos jornais 43% 41% 9% 37,5% 25% 25% 19% 6% 12% 12% Público Diário de Notícias El País El Mundo Le Fígaro Le Monde The Daily Telegraph The Guardian 1º Plano 1 2 1 4 1 0 3 4 16-21% 2º Plano 3 1 0 0 1 1 0 2 8-10% Página inteira 23 22 5 1 0 1 0 1 53-69% 6% 2% 6% 12% 25% 12%2% 2% Por fim quanto à mancha gráfica (fotolegendas, infografia, cronologia ilustração), podemos verificar, pela análise do gráfico 5, que as fotolegendas foram o item mais utilizado, sobretudo nos Jornais, Diário de Noticias (75-48%) e Público (54-34%). 169 O jornal El País também recorreu às fotolegendas (10-6%), o El Mundo (53%), o Le Fígaro (4-3%), o The Daily Telegraph/The Sunday Telegraph (4-3%), o The Guardian (4-3%), e o Le Monde (1-0,6%). No total da mancha gráfica, verificamos que, a fotolegenda foi o item mais utilizado em todos os jornais, com um total de 157 (94%), contra 7 da infografia (4%), e 3 da ilustração (2%). Não foi encontrada nenhuma cronologia. Entre todos os elementos que compõem a mancha gráfica o destaque vai para a fotolegenda. Gráfico 5 – Mancha gráfica 48% 34% 6% 14% 33% 48% 33% 3% 3% 3% 29% 1% 33% 3% 14% Público Diário de Notícias El País El Mundo Le Fígaro Le Monde The Daily Telegraph The Guardian Fotolegenda 54 75 10 5 4 1 4 4 Infografia 1 3 2 1 Cronologia Ilustração 1 1 1 157-94% 7-4% 0-0% 3-2% Em resumo, verificamos que a II Cimeira UE/África teve mais impacto na imprensa portuguesa, do que na restante imprensa europeia (Jornal Diário de Notícias (73) e Público (52)). Esta conclusão fundamenta-se não só no número de peças jornalísticas dedicadas ao evento, como também no número de páginas, jornal Público (27) e Diário de Notícias (25) na localização das peças, jornal Público (18) e Diário de Notícias (15) na distribuição de artigos no interior do jornal (Diário de 170 Notícias (23) e Público (22)), e na mancha gráfica, com destaque para a fotolegenda (Diário de Notícias (79) e Público (56)). Em termos estruturais, podemos afirmar seguramente que, o grande “impacto” foi visível sobretudo na imprensa nacional, não só pela quantidade de informação que foi produzida, como também pelo conjunto de valores-notícias que estiveram presentes que justificaram a maior noticiabilidade conferida pela imprensa nacional. Em relação à segunda hipótese: “Os diferentes jornais seleccionados, privilegiaram o género jornalístico reportagem no tratamento da informação sobre a II Cimeira UE/África”, podemos concluir que esta hipótese não se verifica. O gráfico 6 mostranos que, das 120 peças jornalísticas, os géneros jornalísticos mais utilizados pela imprensa europeia, foram a notícia abertura (46) e notícia baixo de página (22), que perfaz 68 peças (57%), seguindo-se o género entrefiletes com 18 peças (15%) e só depois a reportagem com 10 peças (8%) no total dos jornais analisados. A notícia como género mais recorrente nesta cobertura é uma construção com base nas respostas às perguntas que fazem parte do lead noticioso. O género jornalístico notícia, tendo sido o mais utilizado pode ser justificado pela necessidade de aprofundar e contextualizar os temas. Gráfico 6 – Género jornalístico nos jornais 57% 68 15% 18 8% 10 Notícia Entrefiletes Reportagem 6% 5% 7 6 Entrevista Comentário 4% 2,5% 5 3 Editorial Opinião 2,5% 3 Análise 171 Na terceira hipótese: “Robert Mugabe e Muammar Kadhafi foram os grandes “protagonistas políticos africanos na descrição dos acontecimentos que marcaram a II Cimeira UE/África”, podemos verificar no gráfico 7 a hipótese confirma-se. Na análise da variável conteúdo foram consideradas todas as peças jornalísticas e também a mancha gráfica. Robert Mugabe como líder africano foi referido na informação jornalística 230 vezes (23%) do total em todos os jornais e Muammar Kadhafi, 218 (22%). O protagonista do lado europeu na informação jornalística, foi o primeiro-ministro português, José Sócrates (132-13%), que corresponde a um total Outro líder que se destacou no lado europeu mas que não esteve presente na II Cimeira mas que gerou controvérsia foi o primeiro-ministro britânico Gordon Brown (73-7%), que acabou por ficar em quarto lugar, como o líder mais citado na imprensa, sobretudo nos jornais britânicos, The Daily Telegraph/The Sunday Telegraph (21) e o The Guardian (19) o que corresponde a 20%. Relativamente a outros protagonistas envolvidos na II Cimeira UE/África e de acordo com a análise do gráfico 7, a UE representada por Javier Solana, alto representante para a política externa, foi a instituição mais focada no discurso jornalístico, com 193 referências no total de todos os jornais, o correspondente a 51%. Gráfico 7 – Protagonistas da II Cimeira UE/África 23% 22% 51% 230 218 13% 193 132 7% 73 Robert Mugabe Muammar kadhafi José Sócrates Gordon Brown UE - Javier Solana 172 Ao analisarmos a quarta hipótese: “Os países mais referenciados na imprensa foram por um lado o Zimbabwe e o Sudão devido à forte polémica gerada em torno da violação dos direitos humanos e das crises humanitárias no Sudão (Darfur) e também a China devido à sua forte presença no continente”, verificamos que ela se confirma em parte. No gráfico 8, verificamos que do lado europeu os países mais referenciados foram Portugal (197), país organizador do evento, o correspondente a 16% no total de todos os jornais, seguido do Reino Unido (50-4%), pela polémica gerada à volta da visita de Robert Mugabe à Europa. Do lado africano verificamos que a hipótese se confirma: as referências ao Zimbabwe (163-13%) e o Sudão (14111%). Relativamente aos outros países as referências foram pouco significativas como podermos verificar no gráfico 8. A China aparece na quinta posição como observadores, uma vez que, não esteve presente na II Cimeira (57-5%) seguido dos EUA (35-3%). A China foi apresentada pela imprensa europeia, como uma das principais motivações que levaram a Europa, perante a sua crescente influência e actuação no continente africano, a solidarizar-se na concretização desta II Cimeira. A nossa hipótese confirma-se assim em parte. Gráfico 8 – Países protagonistas da II Cimeira UE/África 16% 13% 11% 197 163 4% 141 50 Portugal Inglaterra 5% 3% 57 Zimbabwe Sudão China 35 EUA 173 Relativamente à quinta hipótese – “Ao fazerem a cobertura da II Cimeira UE/África, de todos os temas previstos na agenda e tratados durante a II Cimeira, os jornais deram mais relevância às questões relativas ao comércio e integração regional”. Depois de termos definido o quadro conceptual de categorias e indicadores relativo à variável de conteúdo tema (Quadro 4), as notícias publicadas em todos os jornais repartiram-se por oito categorias temáticas – Paz e Segurança, Governação e Direitos Humanos, Comércio e Integração Regional, Questões chave sobre o Desenvolvimento assente na prossecução dos Objectivos Desenvolvimento do Milénio (ODM), Energia, Alterações Climáticas, Migrações, Mobilidade e Emprego, Ciência, Sociedade de Informação e Espaço. De acordo com o gráfico 9, de entre os temas previstos que foram debatidos na II Cimeira, (depois de uma análise de conteúdo detalhada e de acordo com o teor da informação), foi o tema da Governação e Direitos Humanos (343-39%) no total de todos os temas. Gráfico 9 – Temas com mais enfoque nos jornais 39% 30% Temas com mais enfoque nos jornais 343 271 11% 58 6% 56 4% 35 2% 17 1% 7 Co m G ov er na çã ér o ci e o, Di In re te ito gr M s aç ig Hu ra ão çõ m R Q an e e ue s, gi os on M st ob õe al ili se da Ch In de ... av e e so Em br pr e eg o o de se n vo Pa l.. z . e Se gu Ci ra ên nç ci a a, Al So te En ra ci er çõ ed gi es ad a e cl de im át In ic fo as rm aç ão ... 99 7% Dentro da categoria Governação e Direitos Humanos, considerámos tudo o que estivesse relacionado com esta categoria. Por isso a Promoção da Democracia e do Estado de Direito, os Problemas de Direitos Humanos (violação de direitos 174 humanos, crimes de guerra, genocídios e crimes contra a humanidade etc.) e os Problemas de Governação (corrupção e transparência). Os assuntos relacionados com esta categoria foram os mais expressivos. No continente africano, o tema ligado aos problemas dos direitos humanos são recorrentes. A crise no Darfur (Sudão); a deslocação de dois milhões de refugiados na região, e de mais 215 mil para região do Chade a somar aos milhões de deslocados em países vizinhos; os deslocados do Sul, (Cartum); as violações dos direitos humanos no Zimbabwe com seis milhões de refugiados; as referências ao genocídio do Ruanda em 1994, onde se estima terem sido mortos entre 800 mil a um milhão de mortos arrastando o conflito para a República Democrática do Congo (RDC) e para o Burundi; o fim da Guerra Civil [1991-2002] na Serra Leoa, e todas as outras referências aos atentados aos direitos humanos no continente, contribuíram significativamente para este destaque. Não quer isto dizer que, não hajam violações dos direitos humanos um pouco por todo o mundo, mas as dimensões que atingem nestes países são geralmente superiores. Claro que, o facto de se mediatizarem este tipo de problemas (como acontece), pode contribuir para criar uma visão parcelar do que acontece no continente africano, ajudando na construção de uma imagem negativa e estereotipada. É a chamada “cosmologia Social do Ocidente”, de que falamos no capítulo I, termo empregue por Galtung e Vincent, em que o fluxo das notícias internacionais refere-se sobretudo aos chamados países do “primeiro mundo”, enquanto que os ditos de “terceiro mundo” só figuram neste fluxo quando envolvem países considerados de elite, como sucedeu no caso da imprensa europeia por ocasião da II Cimeira UE/África. Por isso, falou-se no passado, da exigência de uma Nova Ordem Mundial da Informação e Comunicação por parte de muitos países, que pelos vistos, em nada alterou a forma como se continua a relatar as notícias relativamente a estes países, e no caso em concreto, em relação aos países africanos. 175 Na II Cimeira coube a Ângela Merkel a exposição deste tema. O título “Não houve cedências a Mugabe e direitos humanos ficam centro na nova parceria”88, reforça a importância do tema que levou Ângela Merkel a dirigir duras críticas a Robert Mugabe e os direitos humanos acabaram por tornar-se o lado mais visível e mais exigente desta II Cimeira UE/África. O desrespeito dos direitos humanos no Zimbabwe e o conflito no Darfur foram muitas vezes referidos nas intervenções públicas dos líderes e tratados como exemplos do que deve ser urgentemente resolvido no continente africano. O Tribunal Penal Internacional (TPI) já emitiu vários mandados de captura contra responsáveis sudaneses mas o Governo de Bashir (Sudão) não tem colaborado, ao não reconhecer a este tribunal, qualquer autoridade para decidir sobre o que quer que seja sobre a gestão do seu país. José Sócrates, primeiro-ministro português e Presidente em exercício do Conselho Europeu, lembrou na II Cimeira disse que os direitos humanos “não são património de nenhum continente mas de toda a humanidade”89. Luís Amado, ministro dos Negócios Estrangeiros português, proferiu que a “Nova Parceria Estratégica só fará sentido se houver boa governação e respeito pelos direitos humanos”90. Salim Osman, que recebeu o prémio Sakharov disse que “o processo [Sudão], não está a progredir”91. Mas a questão da má governação foi também abordada. John Kufuor, líder ganês e Presidente em exercício da UA disse que no “mundo global, não há nada que se possa esconder”92 e para Omar Alpha Konaré, presidente em exercício da Comissão da UA defende que “muitos problemas de África resultam da má governação”93. Entre outros factores de interesse que resultam da análise do gráfico 9, parece-nos, importante sublinhar os seguintes pontos: Nas questões ligadas à Paz e Segurança, (criminalidade organizada e terrorismo; tráfico seres humanos e droga; 88 In Jornal Público, 9/12/2008, p.2 In Jornal Público, 9/12/2008, p.2 Entrevista à autora (20/01/2009) 91 In Jornal Público, 9/12/2007, p. 2 92 In Jornal Público, 10/12/2007, p.2 93 Ibidem 89 90 176 proliferação de armas de destruição maciça e as questões relacionadas com a manutenção da paz e segurança) não verificámos, grande atenção por parte dos jornais (56-6%), embora, este tivesse sido também um dos temas prioritários debatidos na II Cimeira, ocupando assim a quinta posição. O relatório da Oxfam, [ONG] mostra que o total dos gastos nos conflitos internos desde 1990 em África, ultrapassa o total recebido em ajudas externas, ou seja, isso poderá ser uma das provas que “os dinheiros não têm sido bem geridos segundo António Monteiro”94. Mas a questão da Paz e Segurança incidiu sobretudo sobre o destacamento de uma força de manutenção de paz conjunta da ONU e UA para a província sudanesa – Darfur. A Human Rights Watch (HRW), apela à urgência na mobilização de 20 mil tropas das NU e da UA para o terreno. Omar al-Bashir, Presidente do Sudão, ouviu insistentes apelos para levantar os obstáculos que tem colocado ao destacamento de uma força internacional para a região. O Presidente do Sudão – Bashir, tem rejeitado essa mobilização, uma vez que, teme que essa força seja constituída por soldados predominantemente europeus. Javier Solana (Alto-representante para a política externa da UE), José Sócrates, primeiro-ministro português (presidente em exercício da UE, durante a Presidência da União Europeia), e José Manuel Durão Barroso (presidente da Comissão Europeia), tiveram uma reunião à margem da II Cimeira UE/África com o Presidente do Sudão para discutirem o assunto. João Gomes Cravinho, Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros português, participou também na reunião, e disse “que o diálogo diplomático foi muito claro, que foi uma reunião muito franca95”. Na intervenção durante a sessão de abertura, o presidente em exercício da Comissão da UA, Alpha Oumar Konaré, insistiu para que a força híbrida fosse instalada no Sudão, e José Sócrates na conferência de encerramento repetiu que o já assinado acordo de cessar-fogo entre as partes 94 Entrevista ao jornal Público em 8/12/2007. Briefing do Ministro Português dos Negócios Estrangeiros, Luís Amado e João Gomes Cravinho, Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação – Sala de briefing da Presidência (sala 3), gravada pela autora, em 8 de Dezembro de 2007. 95 177 sudanesas em conflito96 (região do Sul e Darfur), “continua a ser a base para a resolução do problema”. Com menor peso, mas a ocupar a segunda posição em termos percentuais, aparece as questões relativas ao Comércio, Integração Regional e infra-estruturas (271-30%). Aqui considerámos tudo o que estivesse relacionado com Investimento; Economia, negócios e comércio justo; Reformas e Desenvolvimento; e claro os famosos e controversos Acordos de Parceria Económica (APE). A narrativa jornalística centrou-se essencialmente nestes acordos, que provocaram fortes críticas não só por parte dos líderes africanos como das organizações não governamentais (ONG), associações de agricultores/produtores africanos e sociedade civil. O jornal Público apresenta os títulos “Pequenos agricultores contra parcerias” e “Actuais relações Europa-África deixam de lado muitas preocupações essenciais”97, “Agricultores africanos pedem tempo à União Europeia”98, que mostram o destaque dado ao tema. Peter Mandelson, comissário do comércio da UE, foi um dos alvos de protesto por parte dos activistas presentes na Gare do Oriente em Lisboa. Para estes grupos os APE não são ferramentas para o desenvolvimento porque contribuem para que África recorra mais à ajuda externa. Alpha Oumar Konaré disse mesmo que “as trocas comerciais não fazem sentido quando não existe reciprocidade e quando não contribuem para o desenvolvimento”99. As negociações dos APE foram a fase mais crítica da II Cimeira UE/África, com o Senegal e a Nigéria a lideraram os protestos, acordos estes que entretanto já tinham sido assinados por muitos países de África, Caraíbas e Pacífico (ACP). Abdoulaye Wade queixou-se de Bruxelas, querer impor a África um sistema que é rejeitado pelos africanos. Estes acordos substituem os antigos acordos de Cotonou que expiraram no final de Dezembro de 2007, por imposição da OMC. Oumar 96 O conflito que estalou em 2003, que opõe várias facções rebeldes ao Governo, apoiado nos janjawid já fez dois milhões de deslocados e mais de 215 mil no Chade. 97 In Jornal Público, 8/12/2007, p.8 98 In Jornal Público, 9/12/2007, p.6 99 In Jornal Público, 9/12/2007, p.2 178 Konaré (na altura Presidente da Comissão Africana) pediu tempo à UE, para que se firmassem acordos justos. Os APE, foram rejeitados pela maioria dos africanos que temem a perda de receitas dos direitos alfandegários, receitas estas que representam entre 35 a 70 por cento dos orçamentos dos países africanos. O Presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, aceitou prosseguir com as discussões, com os países africanos que rejeitam as novas parcerias, durante o ano de 2008, mas lembrou que os “acordos intercalares” já assinados por alguns países teriam de entrar em vigor no dia 1 de Janeiro de 2008. Durão Barroso, voltou a defender na conferência de encerramento que os novos acordos constituem uma “oportunidade” para África e não uma imposição da OMC. Contudo durante o decorrer da II Cimeira, Luís Amado, actual ministro dos Negócios Estrangeiros, chegou mesmo a admitir, e apresentado em título “Acordos de Parcerias económicas estão em fase crítica”100. Relativamente às Questões Chave sobre o Desenvolvimento (ODM), que incluem os oito objectivos prioritários a atingir até 2020: Pobreza e fome; Educação (Ensino básico e universal) Igualdade entre homens e mulheres; Mortalidade infantil; Saúde materna; VIH/Sida malária e outras doenças; Sustentabilidade ambiental e Criação de uma parceria para o desenvolvimento, registaram os valores (9-4%) levando a concluir que não foi um tema considerado relevante pela imprensa. Foi muito pouco expressivo se compararmos com a questão da Governação e Direitos Humanos. Embora as alterações climáticas (17-2%), a energia (35-4%) e as questões relacionadas com a Ciências e as novas tecnologias (7-1%), sejam temas muito debatidos a nível internacional, não tiveram grande impacto na imprensa europeia, durante os dias em que decorreu a II Cimeira. O tema das Migrações, Mobilidade e Emprego, onde aparecem as questões relacionadas com a emigração/imigração, fluxos migratórios; emprego e mobilidade 100 In Jornal Público, 9/12/2007, p.4 179 regista (99-11%), aparece na terceira posição, embora estes sejam temas de extrema importância que preocupa cada vez mais a Europa. Zapatero apelida a imigração clandestina como “um falhanço colectivo”101. O chefe de Governo de Madrid, defendeu que esse pacto deverá centrar-se em três eixos: “A escolarização, o emprego dos jovens e o desenvolvimento de infra-estruturas para dinamizar o tecido social e económico dos países de origem”102. De acordo com as hipóteses 6 e 7: “A II Cimeira UE/África, os temas e as personagens envolvidas no evento suscitaram na imprensa em análise posições mais desfavoráveis do que favoráveis” e “os jornais ao fazerem a cobertura da II Cimeira UE/África deram mais enfoque aos aspectos negativos sobre a II Cimeira UE/África e/ou sobre África”. Se analisarmos o gráfico 10, podemos verificar que o ângulo dominante das opiniões neste jornal é tendencialmente desfavorável (220-81%). A opinião favorável representa apenas 19%. Gráfico 10 – Direcção da Opinião 81% 220 19% 52 Opinião desfavorável Opinião favorável As posições tendencialmente desfavoráveis centram-se na maioria das opiniões apresentadas, e o ângulo de abordagem centrou-se sobretudo nas questões relacionadas com África. São exemplos destas opiniões expressões como 101 102 In Jornal Diário de Notícias, 9/12/2007, p.2 In Jornal Diário de Notícias, 9/12/2007, p.2 180 ”Angola é um país cujo povo (…) continua a viver numa imensa pobreza”, “as riquezas são muitas, mas estão muito mal divididas”; ”esperança de vida é das mais baixas do mundo (…) e o nível da literacia”,”Angola não é uma democracia, antes uma cleptocracia”,”delírio de Mugabe (…) precipitou [Angola] num precipício”,”José Eduardo dos Santos e Robert Mugabe, (…) líderes africanos (…) responsáveis pelas desgraças das nações que dirigem”103 Teresa de Sousa104 salientou por exemplo que o “Zimbabwe é um problema de política interna (…) A opinião pública britânica ainda não esqueceu as imagens terríveis das expropriações das mais de quatro mil plantações de fazendeiros brancos que fizeram do Zimbabwe durante os primeiros 20 anos de independências o “celeiro de África”. Jorge Heitor comenta a existência de “muitas Áfricas”, utilizando o título “Um continente, muitas realidades”105. Jorge Heitor, especialista em assuntos africanos do Jornal Público, prenunciou-se de modo desfavorável acerca das diferenças culturais que existem no continente e até mesmo dentro de um Estado ou região e da fragilidade e especificidades de algumas regiões como por exemplo, “especificidade de regiões como Casamansa, Cabinda ou Darfur”106. Na opinião de Vasco Pulido Valente, o indicador África também aparece como o mais referenciado, onde Omar al-Bashir (Sudão), Robert Mugabe (Zimbabwe) e Muammar Kadhafi (Líbia), são os líderes mais visados 107. Numa entrevista ao embaixador António Monteiro108, a crítica centra-se também essencialmente sobre África A entrevista a Daniel Marko Adwok109, bispo auxiliar de Cartum, também teve um discurso tendencialmente desfavorável sobre África. Ao referir-se sobretudo à situação do Darfur (Sudão), o bispo auxiliar tornou-se uma persona non grata no país, ao falar do problema da conquista do poder político e económico e o controlo da terra no Darfur numa região onde 98 por cento da 103 Editorial, José Manuel Fernandes, Jornal Público, 8 de Dezembro de 2007, p.3. In Jornal Público, 10/12/2007, p.6 e na entrevista dada à autora em 3/11/2008. In Jornal Público, 8/12/2007, p.7 106 Ibidem 107 In Jornal Público, 8/12/2007 (última página) 108 In Jornal Público, 8/12/2007, p. 4 109 In Jornal Público, 9/12/2007, p.6 104 105 181 população são muçulmanos. Para o bispo, e expresso em título “Sudão não poderá permanecer unido se o Governo persistir na agenda islâmica”110. Em entrevista a Delphine Djirabe, advogada, esta activista dos direitos humanos no Chade, disse que “o petróleo é a causa das maldições do Chade”111 José Manuel Fernandes112, chama a atenção de que “Só o tempo decide quando e onde se fez história”. Carla Machado, professora universitária, fala dos “defensores do relativismo que têm enfatizado a origem cultural ocidental da própria concepção de direitos humanos e afirmam que a sua imposição ignora as especificidades culturais dos países menos desenvolvidos, correspondendo a uma estratégia de dominação de pendor neocolonial”113. O discurso das peças jornalísticas (excluindo agora as peças de carácter opinativas) foi analisado em todos os jornais neste estudo. De acordo com a análise do gráfico 11, podemos concluir que a maior parte da informação da II Cimeira UE/África teve um ângulo de abordagem predominantemente negativo (693 -68%) no total de todos os jornais. A informação cujo ângulo de abordagem foi positivo/neutro representa 32% do total das peças. Gráfico 11 – Direcção da Informação 68% 693 32% 322 Informação Negativa Informação Positiva/neutra 110 In Jornal Público, 9/12/2007, p. 6 Entrevista ao Jornal Público, 10/12/2007, p.8 Editorial, Jornal Público, 10/12/2007, p. 42 113 “Do relativismo ao compromisso”, Comentário. In Jornal Público, 10/12/2007. 111 112 182 A grande percentagem da informação negativa, incide sobre África, e aborda os temas do Darfur, Zimbabwe, os conflitos na Etiópia, Eritreia, Somália, Leste da República Democrática do Congo, Libéria e Ruanda. Embora os APE, tenham sido um tema muito abordado na imprensa em geral, e de forma muito negativa pelas consequências que possam representar para os países africanos, não conseguiram suplantar o discurso negativo sobre o continente africano, que foi visivelmente superior. O ângulo de abordagem foi centrado sobretudo nas relações Europa/África (43), no novo quadro político definido para o relacionamento dos dois continentes, e na definição de uma agenda comum dentro de um quadro de valores convergentes entre a UE e a UA. Expressões como por exemplo “resolver problemas globais”, ”proximidade” “valores comuns” ”atitude de equilíbrio e de parceiros”, fizeram parte da maior parte do léxico jornalístico como unidade de análise dentro deste indicador. 183 CONCLUSÕES A cobertura jornalística da II Cimeira UE/África e o tratamento da informação por parte da imprensa europeia é divergente nalguns pontos, e convergente noutros. Todos os jornais europeus, escolhidos para o nosso estudo, abordaram a II Cimeira UE/África no período escolhido para a amostra. No entanto, foram os jornais portugueses (Jornal Público e Diário de Notícias) que deram maior relevância ao acontecimento, pelo número de peças apresentadas, e onde o critério de noticiabilidade, a “proximidade”, poderá justificar o interesse acrescido pelos assuntos abordados. Houve também, muita preocupação por parte da imprensa portuguesa em desenvolver os temas e explicitá-los, o que prova que houve preocupação em investigar e aprofundar os temas que estariam em discussão na agenda política da II Cimeira UE/África, nos dias que antecederam à Cimeira, até porque, sendo um acontecimento já agendado, a planificação das agenda, permitiu o conhecimento prévio dos conteúdos a serem abordados. Por outro lado as rotinas tornam as notícias semelhantes e por isso estes dois jornais tiveram uma abordagem muito semelhante. Em número de peças, em relação aos jornais franceses e ingleses, embora, tivessem abordado o assunto, não foi de modo tão significativo. Os jornais portugueses e espanhóis, no que diz respeito à localização das peças, colocaram as peças essencialmente nas páginas pares, ao contrário dos franceses e dos ingleses que optaram maioritariamente pelas páginas ímpares. Relativamente à primeira página, como indicador do impacto das notícias na opinião pública, verificámos que os jornais portugueses e espanhóis foram os únicos a colocar o acontecimento em manchete e a utilizarem fotos para a descrição dos 184 acontecimentos. Os jornais franceses optaram por uma chamada à primeira página. Os jornais britânicos não fizeram nenhuma referência na primeira página. Ao analisarmos a distribuição dos artigos no interior dos jornais, verificamos que a maioria optou pela página inteira para a descrição dos acontecimentos, com excepção dos jornais Le Fígaro e o The Daily Telegraph/The Sunday Telegraph que optaram mais por apresentar as peças no primeiro plano. Esses valores foram mais significativos nos jornais portugueses pela quantidade de peças apresentadas. Na mancha gráfica a fotolegenda destacou-se em todos os jornais. O género jornalístico mais utilizado por todos os jornais foi a notícia. Relativamente aos grandes protagonistas europeus, na informação jornalística da II Cimeira UE/África, e que marcaram a imprensa europeia neste período, foram o primeiro-ministro português José Sócrates, logo seguido do primeiro-ministro britânico Gordon Brown, que não tendo estado presente na II Cimeira, conseguiu ser alvo da imprensa, sobretudo da imprensa britânica pelos motivos já anteriormente apresentados. Em termos fotográficos, do lado dos países da UE, o primeiro-ministro português, foi o mais fotografado, no decorrer dos acontecimentos que marcaram a II Cimeira UE/África. Os grandes protagonistas africanos que marcaram a informação jornalística na II Cimeira, tal como formulámos na nossa hipótese, foram mesmo o Presidente do Zimbabwe, Robert Mugabe, e o Presidende da Líbia, Muammar Kadhafi. Em termos de organizações internacionais, regionais e não-governamentais, o destaque na informação jornalística e mais representada na imprensa europeia por ocasião da II Cimeira UE/África foi a UE, que pode ser justificada pela liderança e interesse que manifestou na concretização da realização da Cimeira. Os países protagonistas do lado europeu desta II Cimeira na imprensa foram Portugal, seguido do Reino Unido e depois a França. Do lado Africano, e de acordo com a hipótese formulada, foi sem dúvida o Zimbabwe e o Sudão. Relativamente 185 aos países candidatos à UE e a outros países fora do continente europeu e africano, destaca-se a China, pelas razões já apontadas ao longo deste trabalho. Relativamente aos grandes temas abordados, destacaram-se a Governação e os Direitos Humanos, no conjunto de todos os jornais, analisados, logo seguido do Comércio e Integração Regional, infra-estruturas onde se enquadram os Acordos de Parceria Económica (APE). Se considerarmos a direcção de opinião/informação verificámos nos jornais onde esses géneros jornalísticos foram utilizados, que o balanço foi claramente desfavorável/negativo relativamente a todos os indicadores que tínhamos definido para a II Cimeira UE/África (África, Europa, II Cimeira UE/África e Relações UE/África). O indicador que mais contribuiu para estes valores, foi o continente africano e tudo o que esteja directamente relacionado com ele. Em 2005 quando o primeiro-ministro Blair declarou o “Ano de África”, a imagem do continente era familiar: pobre, desesperada, e dependente. Desde então, os países industrializados aperceberam-se que, ao mesmo tempo que declaravam África o “continente sem esperança”, a China aumentava o seu envolvimento. O negativo retrato que se tem da África tem vindo a ser um motivo de preocupação por parte de líderes africanos e de vários grupos da sociedade civil, e a II Cimeira UE/África, constituiu um marco na história, da Europa e de África, no sentido de os líderes africanos, face à globalização, mostrarem ao mundo que estão empenhados politicamente em alterar os padrões instituídos, e lutarem em parceria com a Europa por uma “nova” África. Contudo, existem profundas alterações que têm de ser feitas, para que possa emergir uma “nova imagem de África”. A análise comparativa da cobertura noticiosa da II Cimeira UE/África de oito jornais europeus em quatro países diferentes, situados no continente europeu, mostrou que existem semelhanças significativas quanto ao que foi noticia, e isso reflecte-se na forma como foi projectada a imagem de África nesse contexto. Os jornalistas através 186 das fronteiras nacionais partilham valores-notícia semelhantes e suportam a proposição de que os jornalistas são uma “comunidade interpretativa” transnacional. Ao seleccionarem os acontecimentos e assuntos para tratamento jornalístico, o jornalismo tem o poder de dar vida a esse acontecimento através dos enquadramentos dados aos temas, e oferecem definições da realidade e contam “estórias” tal como foi preconizado por Tuchman. Estamos assim, perante uma imagem refractada, que passa como vimos, pela cultura jornalística e pela teoria do agendamento. Os media, numa primeira fase, dizem-nos sobre o que pensar, mas numa segunda fase, também nos dizem como pensar sobre isso, quando valorizam certos atributos de um acontecimento em detrimento de outros, como foi o caso das inúmeras referências, mais negativas do que positivas, ao continente africano e aos seus líderes, que verificámos através da análise de conteúdo. De tudo isto resulta que, passados quarenta e tal anos depois do processo de independência, África continua a ser o continente (de acordo com esta análise) que permanece com os mesmos problemas e dificuldades da década de 1960. Os media continuam ainda a dar ênfase a tudo o que é negativo, tornando mediáticos determinados temas e situações. As análises por exemplo que se fazem sobre os conflitos africanos reforçam a ideia de que, explicar a instabilidade política de África, é resultado das fronteiras herdadas do colonialismo, que seriam “fronteiras artificiais”. Existem vários preconceitos em relação ao continente africano que podem constituir um obstáculo ao conhecimento concreto da realidade africana (no seu todo) e que continua a marcar a imagem global que se tem do continente. África continua assim, a ter uma imagem projectada para o subdesenvolvimento e pessimismo. Apesar de ser muito esquecida nos media, a II Cimeira UE/África conseguiu dar visibilidade a este continente, muito embora, o contexto tenha servido para se falar de África num tom depreciativo e estereotipado. No entanto, também vimos que, África tem vindo a procurar soluções para os seus problemas e 187 procurado estratégias para se reafirmar no contexto internacional, procurando alterar a sua imagem no seio das Relações Internacionais. A abertura que o continente mostrou ao participar nesta II Cimeira UE/África, é significativo do desejo de mudança dos padrões instituídos que até agora têm vindo a predominar. 188 BIBLIOGRAFIA Amado L., e Cravinho, J.G., Briefing do Ministro Português dos Negócios Estrangeiros, e do Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação – Sala de briefing da Presidência (sala 3), gravada pela autora, em 8 de Dezembro de 2007. Bardin, L., (2008), Análise de Conteúdo, Edições 70, 4ª Edição, Lisboa. Berger, P. L. e T. Luckmann (1966/1999), A construção Social da Realidade, Lisboa, Dinalivro. Breed, W. (1955 b) “Controlo social na redacção. Uma análise funcional”, in Traquina N. (1999) (org.). Jornalismo: Questões, Teorias e "estórias". 2ª Edição Vega, Lisboa, pp. 152-166. Carmo, H. e Ferreira, Manuela M., (2008) Metodologia da Investigação – Guia para Auto – aprendizagem –, 2ª Edição, Universidade Aberta Correia, P. 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