BAURU, domingo, 1 de junho de 2014 13 JOGOS IMAGINÁRIOS Jogos inspiram literatura fantástica A prática de RPG aguçou o imaginário do professor João Henrique e o levou à criação de um universo próprio que gerou uma trilogia NÉLSON GONÇALVES J oão Henrique Silveira Paschoal, hoje professor e designer 3d, nascido em Bauru e morador de Agudos, transformou as histórias criadas durante os anos de prática com os jogos imaginários no lançamento de Primeira Alvorada, o primeiro livro pela editora bauruense Idea de uma série que virou trilogia. O “mundo próprio” criado em seus enredos no RPG gerou o ‘insight’ para a literatura fantástica. Nas referências de infância, Paschoal sempre abusou dos jogos. “Foi motivo de conflito com minha mãe, porque eu era um menino introvertido e que queria ficar Trilogia da “Primeira Alvorada” usa a lua, o sol e o céu para instigar o leitor jogando videogame em casa e minha mãe queria que eu fosse brincar na rua”, conta. Em sua adolescência, entretanto, os jogos eletrônicos não eram dotados de tecnologia para retratar a “realidade virtual” das atuais versões. “Hoje os jogos eletrônicos adquiriram enorme capacidade tecnológica, gráfica, para retratar a violência crua. Mas na minha fase de adolescência, os videogames não tinham essa capacidade. Hoje os pais precisam prestar mais atenção do potencial desses jogos. Os jogos hoje estão sendo comprados para crianças mas com conteúdo adulto, com muita violência explodindo na tela”, opina. João Henrique está “defasado” com jogos. Ele tem o Playstation 3. “A imaginação cresce dentro da cabeça de um menino mesmo a partir de jogos simples. Quando um quadradinho, dos jogos da minha geração, pula um buraco, os meninos pensam em um homem forte com cipó pulando um lugar alagado cheio de crocodilos embaixo, e ele não pode cair. Daí para o desenvolvimento da imaginação a partir da cabeça de uma criança é um pulo, e isso foi crescendo dentro de mim”, diz. HÁBITO DE ESCREVER A convivência com os jogos de imaginação despertou em Paschoal o gosto por pensar histórias. “Eu tinha escrito um primeiro livro, bem futurista, que ficou na gaveta e eu ainda não estava na faculdade. No curso superior eu senti necessidade de contextualizar desenhos que eu passei a criar e a aperfeiçoar a técnica de desenho ligado a um contexto me le- Autor explica elo entre jogar, pensar e escrever vou a dar função para esses personagens”, menciona. Então, o autor passou a querer que esses personagens tivessem vida, mundo, história. “E isso me levou a querer escrever para criar essas histórias. O livro Primeiro Alvorada nasceu da necessidade de dar vazão a esse mundo imaginário que eu deixei aflorar”, explica. Na trilogia da “Primeira Alvorada”, sendo a lua, o sol e o céu, o convite é que as pessoas mergulhem no sentido da ideia do raiar do sol. “Há um ciclo de dia e noite atuando nesse universo da trilogia, cada qual com suas nuances. O lado do desconhecido acaba permeando alguns personagens, embora não seja uma coisa explícita. À medida que você lê, acaba identificando esses elementos, como a existência de uma energia intangível.” O jogo Douglas Reis A partir do mundo próprio concebido durante a prática do RPG, João Henrique Paschoal construiu uma relação de comunicação que o levou até a literatura fantástica: Jornal da Cidade - Os jogos imaginários ajudaram em que na literatura fantástica? João Henrique S. Paschoal - Primeiro por que os jogos estimulam muito a imaginação, que é diferente da criatividade. Imaginação é nosso potencial de criar imagens em nossas mentes. Daí em diante é um passo não muito longo para descrever de forma literária uma cena imaginada. JC - Você era tímido, introvertido, e os jogos lhe ajudaram em algo a respeito, ou não? Você já era desenvolto e com imaginação apurada? João Henrique - No meu caso eu já tinha uma imaginação bem afiada, talvez pelo fato de desenhar desde bem pequeno. Mas os jogos me ajudaram muito a ter uma “Os jogos me ajudaram a melhorar a narrativa”, diz Paschoal noção melhor de narrativa e estimularam bastante pesquisas em temas que norteiam a fantasia e ficção. JC - Entre os colegas com quem você jogou RPG, os jogos ajudaram em algo a respeito de timidez, imaginação, comunicação? João Henrique - O jogo no geral é um passatempo bem sociável que ajuda bastante na construção de amizades. No meu caso já comecei com bons amigos e até hoje Timidez e comunicação z Bruno Pola também partilha da posição de socialização e de desenvolvimento pessoal a partir do convívio com o RPG. “Em um jogo de RPG você tem que interagir bem com o campo de coisas que tem para fazer ou falar. Mais ainda, com o RPG de mesa temos que interagir com as pessoas que estão em volta. Outra coisa que os jogos estimulam é a imaginação. Em jogos on line os cenários são ricos em detalhes e nos permitem fazer coisas inimagináveis ou até mesmo conhecer e executar uma tática de ataque ao inimigo, fazendo com que ele se desestruture rápido e não percamos nenhuma tropa.” Pola diz que joga desde moleque. “Eu ‘pirava’ no meu Atari e no meu 386 (IBM). A chegada da internet e o mIRC me fizeram ter o contato com esses jogos. Mas foi no primeiro ano do colégio técnico que conheci um pessoal que já jogava. Como desde moleque gostei de jogos eletrônicos, não demorou muito já estava fazendo o meu cadastro no Mu Online. Daí para combinar a primeira partida num de mesa foi um pulo”, conta. Graduado em ciência da computação e atuando como técnico de informática em uma empresa prestadora de serviços em Bauru, Bruno Pola reforça os benefícios dos jogos. “Os jogos me deram bastante habilidade para digitar, ler e pensar rápido. Até meu vocabulário aumentou.” mantemos contato. JC - Alguns desses, por ventura, eram tímidos ou desenvolveram alguma habilidade que você notou em função da prática de jogar RPG? João Henrique - Em alguns sentidos, sim. Percebi muito claramente que o jogo, por estimular a imaginação, levou muitos de meus amigos a arriscarem uma expressão artistica de alguma forma, como desenhos de perso- nagens ou até criar textos descrevendo o personagem. Como tudo é dividido com o grupo, o RPG acaba sendo também um veículo de socialização. Às vezes, durante algumas cenas de jogo, acabamos até interpretando trejeitos e mudando a voz para imitar um personagem... É interessante ver como as pessoas vão aceitando mais a exposição de suas ideias. JC - Os jogos RPG nos formatos atuais das novas tecnologias perdem esse sentido de veículo de socialização? João Henrique - Os RPGs on line criaram um outro modo de socialização. Por um lado ele permite ao jogador “esconder-se” atrás de um avatar digital. E isso não é muito saudável, dependendo do nível de maturidade do jogador. Por outro lado, existem pessoas reais jogando do outro lado, e isso gera compromissos e conversas com pessoas de verdade. Conheço histórias de amizades reais que nasceram desta forma, nos RPG massivos on line. O ponto negativo real é a falta de contato direto, como expressão social, entre pessoas no mesmo ambiente físico. JC - Se os jogos RPG socializaram e ajudaram no ‘link’ com a imaginação, esta ferramenta cabe no ensino? João Henrique - A formação de um grupo de jogo é um projeto escolar que eu já havia imaginado fazer. O motivo é simples: é uma ferramenta muito eficiente no ensino, principalmente no tocante à apresentação de ambientes e épocas. Eu acredito sim que o RPG é uma ferramenta incrível de ensino, ainda mais se encarado como matéria complementar e optativa. z RPG, do inglês Role-Playing Game, é um jogo de imaginação onde um dos jogadores conta uma história e os demais participantes interagem interpretando personagens dessa história como se estivessem vivendo essa história. O RPG fica mais fácil de entender quando você pensa em um jogo de tabuleiro junto com uma peça de teatro. Então cada peça do tabuleiro desempenha um personagem. Quando chega sua vez de jogar é proposto uma situação, como por exemplo: A porta está fechada e você precisa entrar. Você como jogador imagina uma situação para entrar. O segredo é imaginar sempre e pensar na sua cabeça o desfecho do que você pensou.