15º Congresso Brasileiro de Geologia de Engenharia e Ambiental CONSIDERAÇÕES PARA A UTILIZAÇÃO DA CARTA DE SUSCETIBILIDADE A MOVIMENTOS GRAVITACIONAIS DE MASSA E INUNDAÇÕES NA GESTÃO MUNICIPAL Priscila Ikematsu 1; Agostinho Tadashi Ogura 2; Omar Yazbek Bitar3; Alessandra Cristina Corsi4; Fabiana Checchinatto Silva5. Resumo – Este trabalho apresenta algumas considerações para a utilização da carta de suscetibilidade a movimentos gravitacionais de massa e inundações, elaboradas sob a coordenação nacional do Serviço Geológico do Brasil (CPRM), na gestão municipal. Para essa atividade foram sistematizadas diversas aplicações potenciais da carta previstas em instrumentos contidos na jurisdição brasileira. Complementarmente, realizaram-se entrevistas com técnicos de três municípios do Estado de São Paulo nos quais a carta foi elaborada: Embu-Guaçu, Guarujá e Santos, com a finalidade de identificar eventuais dificuldades e desafios no uso da carta e dos correspondentes materiais recebidos pelas Prefeituras e subsidiar a proposição de orientações gerais para sua utilização na gestão municipal. Os resultados indicaram que há grande potencialidade no uso da carta, tanto em relação às exigências legais e aos diversos elementos disponibilizados pelos mapeamentos realizados, propiciando orientar o crescimento urbano em áreas desocupadas, quanto pela facilidade de inserção em sistemas de informações geográficas para análises integradas com outros temas comumente utilizados no planejamento territorial. Por outro lado, a aplicabilidade parece estar influenciada por questões relacionadas à capacitação da equipe técnica perante o conteúdo da carta, à adequação do corpo técnico da Prefeitura frente às novas diretrizes da legislação, aos investimentos e regulamentação necessários para a estruturação e a manutenção de órgão municipal de proteção e defesa civil, bem como à integração entre os diversos setores da administração pública municipal para ações conjuntas e focadas na prevenção de desastres. Abstract – This paper presents initial proposals for the use of the landslide and flood susceptibility mapping, elaborated under the coordination of the Geological Survey of Brazil (CPRM) for municipal management. The method involved review about its workable applications in Brazilian jurisdiction and interviews with technical staff of three municipalities of state of São Paulo: Embu, Guaruja and Santos, in order to identify possible difficulties and challenges about using it on municipal planning; and to establish general guidelines for this use. The results indicated that there is great potential for mapping use to fulfill legal requirements for urban growth and for integrated territorial planning analysis using geographic information systems. However, training must be considered for technical staff, including support to carry out new guidelines established in legislation, investments and regulations for civil defense organization as well as the integration between public administration sectors for joint actions focused on disaster prevention. Palavras-Chave – Carta de suscetibilidade, gestão municipal, planejamento territorial, prevenção de desastres. 1 2 3 4 5 Eng. Ambiental, Mestre, Instituto de Pesquisas Tecnológicas - IPT, Tel. (11) 3767-4386, [email protected] Geólogo, Instituto de Pesquisas Tecnológicas - IPT, Tel. (11) 3767-4352, [email protected]; Geólogo, Dr., Instituto de Pesquisas Tecnológicas - IPT, Tel. ( 11)3767-4489, [email protected]. Geóloga, Dra, Instituto de Pesquisas Tecnológicas - IPT, (11) 3767-4352, [email protected] Geóloga, Mestre, Instituto de Pesquisas Tecnológicas - IPT, (11) 3767-4642, [email protected] 15º Congresso Brasileiro de Geologia de Engenharia e Ambiental 1 1. INTRODUÇÃO A Política Nacional de Proteção e Defesa Civil – PNPDEC, estabelecida pela Lei Federal nº 12.608/2012 (BRASIL, 2012), contempla, entre seus princípios fundamentais, as ações de mapeamento e prevenção, visando à redução de desastres. Nessa perspectiva, as cartas de suscetibilidade a movimentos gravitacionais de massa e inundações estão previstas na PNPDEC para fornecer informações que possibilite os municípios sujeitos a desastres naturais planejarem seu crescimento de forma ordenada. A lista com os 821 municípios do cadastro nacional criado pela PNPDEC e que necessitam de mapeamento de suscetibilidade foi divulgada em agosto de 2012 e faz parte do Plano Nacional de Gestão de Riscos e Resposta a Desastres Naturais – PNGRRDN (BRASIL, 2013). Para o desenvolvimento dos métodos de mapeamento, na escala geográfica de referência 1:25.000, o Serviço Geológico do Brasil (CPRM) estabeleceu parceria com o Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT), visando, inicialmente, municípios situados nas regiões Sul e Sudeste do País. Nesse desenvolvimento, estabeleceram-se algumas premissas básicas à elaboração das cartas: aplicabilidade nacional, com as adaptações necessárias a cada região, permitindo comparar os municípios mapeados; padronização de produtos; e objetividade no atendimento às diretrizes da PNPDEC e ações do PNGRRDN. Uma síntese dos conceitos adotados e métodos desenvolvidos pode ser obtida na Nota Técnica Explicativa elaborada no âmbito do trabalho (BITAR, 2014). Com a aplicação dos métodos desenvolvidos, foram mapeados municípios em diferentes regiões do País. Após a finalização do mapeamento e entrega dos produtos, torna-se fundamental integrar o material gerado aos procedimentos adotados pelas Prefeituras na gestão municipal. Nesse contexto, este trabalho objetiva efetuar considerações gerais para a utilização da carta de suscetibilidade a movimentos gravitacionais de massa e inundações na gestão municipal. 2. MÉTODOS Inicialmente, foi realizada uma pesquisa bibliográfica e documental sobre as potencialidades do uso da carta de suscetibilidade a movimentos gravitacionais de massa e inundações para as finalidades estabelecidas na PNPDEC. Essa etapa consistiu na elaboração de um quadro referencial que permitiu compreender a diversidade de aplicações em ações municipais de prevenção de desastres e de planejamento e gestão territorial. Posteriormente, foi realizada uma atividade piloto para obter a percepção acerca do entendimento e da utilização da carta de suscetibilidade por parte de representantes de três municípios pertencentes ao Estado de São Paulo: Embu-Guaçu, Guarujá e Santos. Buscou-se identificar, por meio de preparação de uma entrevista semiestruturada presencial, eventuais dificuldades encontradas pelos diversos agentes municipais no uso do material entregue às Prefeituras. Essa etapa teve como objetivo identificar os principais aspectos a serem analisados visando à utilização da carta de suscetibilidade. Para isso, foram consideradas as seguintes informações: Conhecimento teórico e prático sobre a utilização potencial da carta de suscetibilidade na Prefeitura, incluindo aspectos legais (Lei 12.608/12, Lei 10.251/01; Lei 6.766/79; Lei Municipal de Uso do Solo e outras normas); conceitos (suscetibilidade, vulnerabilidade, perigo, risco, aptidão, resiliência, entre outros); e aplicações potenciais (exemplos no município); e Estrutura da prefeitura para a utilização da carta de suscetibilidade, incluindo recursos humanos (estrutura organizacional da Prefeitura) e materiais (estrutura física, equipamentos, softwares e programas de SIG/mapeamento disponíveis). 15º Congresso Brasileiro de Geologia de Engenharia e Ambiental 2 Para a coleta de dados, foi realizada uma visita a cada município, com a execução da entrevista semiestruturada, orientada por um roteiro com perguntas principais, de forma a permitir observações e questões complementares inerentes às circunstâncias. Nessa primeira aproximação, foram utilizados campos e questões norteadoras sintetizados no Quadro 1. Campo Identificação Acesso à carta Questão norteadora Qual o nome, função, formação, tempo de Prefeitura e departamento no qual faz parte? Quais departamentos tiveram acesso à carta (Secretaria de Planejamento; Obras; Habitação; Meio Ambiente; Educação; Defesa Civil, Outras)? Finalidade de uso da carta A carta de suscetibilidade já foi incorporada a alguma ação municipal? Experiência Em quais ações municipais houve a incorporação desses conhecimentos (revisão de plano diretor, elaboração de plano de manejo, outros)? Importância da carta Como você avalia a importância do uso da carta de suscetibilidade no planejamento territorial? Entendimento da carta O material entregue é de fácil entendimento? Recursos materiais Capacitação A Prefeitura utiliza Sistema de Informação Geográfica (SIG) como ferramenta para a gestão territorial? Considera necessária a capacitação para diferentes secretarias do município para melhor utilização da carta de suscetibilidade? Divulgação A Prefeitura Municipal já realizou ações de divulgação da carta de suscetibilidade ou pretende realizar tal atividade? Sugestões O que você sugere para melhorar o entendimento e facilitar o uso da carta? Justificativa Identificar a qualificação, função e experiência do interlocutor. Explorar se é necessário ampliar a divulgação para outros setores da Prefeitura. Explorar se houve a aplicação do mapeamento de suscetibilidade e os instrumentos de planejamento e gestão municipais, conforme estabelece a Lei Federal nº 12.608/12. Identificar a proximidade do interlocutor com o planejamento territorial e ações municipais, bem como o conhecimento sobre o município. Verificar rotatividade dos profissionais dentro da Secretaria/Departamento. Identificar a familiaridade com os aspectos legais e técnicos que embasam a utilização da carta para fins de redução de riscos de desastres naturais. Abordar se há problemas de entendimento da legenda; dos termos utilizados; dos conceitos; de como utilizar os dados, da forma de representação cartográfica (símbolos e cores), entre outros. Verificar a importância de alfabetização cartográfica, conceitual, ou outros. Identificar existência ou carência de recursos materiais para utilização da carta (Computadores, Softwares de SIG, AutoCAD, Material de escritório, outros). Identificar a necessidade de capacitar o corpo técnico da Prefeitura para o melhor uso da Carta tendo em vista o seu propósito. Verificar importância de elaborar cartilhas, vídeos, entre outros meios de divulgação a fim de conscientizar a população a não ocupar, sem os devidos cuidados, áreas perigosas a desastres naturais Sistematizar informações para o aprimoramento do produto, reforçando pontos a serem destacados na Capacitação. Quadro 1. Roteiro orientativo para entrevista semiestruturada com técnicos de municípios. Após a entrevista semiestruturada presencial apontaram-se, com base na pesquisa bibliográfica e documental, bem como considerando os pontos salientados pelos interlocutores consultados, orientações gerais, estabelecidas em eixos estratégicos, com posterior indicação de possíveis ações para a utilização da carta de suscetibilidade. 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO Os resultados estão apresentados em três partes: a) potencialidades de uso da carta de suscetibilidade; b) entrevista semiestruturada; c) orientações gerais para a utilização da carta. 3.1 Potencialidades de uso da carta de suscetibilidade Conforme a PNPDEC (BRASIL, 2012), a aplicação da carta de suscetibilidade deve estar relacionada às políticas de ordenamento territorial, desenvolvimento urbano, saúde, meio ambiente, mudanças climáticas, recursos hídricos, geologia, infraestrutura, educação, ciência e tecnologia e outras políticas setoriais. Além dessa diretriz, diversos autores citam a importância da utilização da cartografia geotécnica no planejamento urbano (DINIZ, 2005; DINIZ e FREITAS, 2012; SOBREIRA e SOUZA, 2012; BITAR et al., 2012; SANTOS, 2014). No entanto, vale ressaltar que existem outros tipos de cartas geotécnicas, variáveis de acordo com sua finalidade. Enquanto as cartas de suscetibilidade têm a sua aplicação voltada principalmente para áreas não ocupadas em todo o território municipal (urbano e rural), as cartas geotécnicas de aptidão à urbanização indicam aos gestores municipais os terrenos favoráveis ou não à implantação de novos parcelamentos do solo urbano, conforme suas características geológico-geotécnicas, além de medidas necessárias à sua adequação, podendo ser baseadas em resultados de análises de perigo e, eventualmente, de cenários potenciais de risco. 15º Congresso Brasileiro de Geologia de Engenharia e Ambiental 3 Em relação à utilização da carta de suscetibilidade em ações municipais, poucos exemplos práticos estão disponíveis na literatura técnico-científica correspondente. Isso provavelmente deve ao fato desse instrumento se tornar obrigatório com a aprovação da PNPDEC. Assim, analisandose o quadro normativo e a finalidade para qual a carta deve ser elaborada, é possível listar um rol de usos e potencialidades, sintetizados no Quadro 2, onde as normas legais estão apresentadas em ordem cronológica. Norma legal Requisito Potencialidade de uso Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979 (Lei Lehmann) Art 12 – nova redação incluída pela PNPDEC determina que nos Municípios inseridos no cadastro de áreas suscetíveis, “a aprovação de novos projetos de parcelamento do solo urbano fica vinculada ao atendimento dos requisitos constantes da carta geotécnica de aptidão à urbanização”. Desenvolver método que incorpore a carta de suscetibilidade na elaboração da carta geotécnica de aptidão à urbanização, de forma a considerar os elementos indicados por esse mapeamento e avançar na indicação de setores ou compartimentos de terrenos sujeitos a atingimento quando da ocorrência de um dado processo perigoso. Lei Federal nº 6.938, de 31 de agosto de 1981 e alterações (Política Nacional do Meio Ambiente PNMA) Art. 9º - define como instrumentos da PNMA, entre outros, o zoneamento ambiental, a avaliação de impactos ambientais e o licenciamento ambiental, os quais dependem da elaboração de um estudo de impacto ambiental. Subsidiar a análise das alternativas tecnológicas e locacionais apontadas em novos projetos apresentados ao órgão licenciador, bem como na definição da área de estudo e diagnóstico ambiental da Área de Influência Direta (AID) e Área de Influência Direta (AIII). Lei Federal nº 9.433, de 08 de janeiro de 1997 (Política Federal de Recursos Hídricos) Art. 2º define como um dos objetivos da Política a prevenção e a defesa contra eventos hidrológicos críticos de origem natural ou decorrentes do uso inadequado dos recursos naturais. Incorporar a carta de suscetibilidade no planejamento de ações prioritárias da bacia, já que ela adota a bacia hidrográfica como unidade de análise para o zoneamento das suscetibilidades no caso de corridas de massa e de processos hidrológicos, de acordo com diretriz da PNPDEC (Artigo 4º, inciso IV) e da própria Política de Recursos Hídricos (Art. 1º, inciso V). Lei Federal nº 9.985, de 18 de julho de 2000 (Unidades de Conservação - UCs) Art. 4º - define que a criação de UCs tem, entre os seus objetivos, proteger as características relevantes de natureza geológica, geomorfológica, espeleológica, arqueológica, paleontológica e cultural. Incorporar a carta de suscetibilidade no Plano de Manejo a fim de auxiliar na definição de normas de uso da área e de manejo dos recursos naturais. Lei Federal nº 10.257, de 10 de julho de 2001 (Estatuto da Cidade) Art 42 – nova redação dada pela PNPDEC exige que o mapeamento de áreas suscetíveis seja incorporado no instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana do município – o Plano Diretor Fornecer elementos para a definição/revisão das Macrozonas e perímetro urbano, por meio da indicação das áreas onde se deve evitar a ocupação ou onde a ocupação deve ser feita somente mediante execução de medidas fundamentadas em rigorosa avaliação geotécnica, restringindo-se as modificações que possam afetar a estabilidade dos terrenos e a dinâmica de escoamento local. Decreto Federal nº 4.297, de 10 de julho de 2002 (Zoneamento ecológico-econômico - ZEE): Art. 3º - estabelece que o ZEE, na distribuição espacial das atividades econômicas, deve considerar “a importância ecológica, as limitações e as fragilidades dos ecossistemas, estabelecendo vedações, restrições e alternativas de exploração do território”. Incorporar a carta de suscetibilidade como um dos temas a serem considerados no diagnóstico dos recursos naturais, que subsidiarão o ZEE. Lei Federal nº 12.608, de 10 de abril de 2012 (PNPDEC) Art. 26 – altera o Estatuto da Cidade e obriga municípios com áreas suscetíveis elaborarem o Plano Diretor, mapearem essas áreas e utilizarem essa informação para revisão do perímetro urbano. Auxiliar o gestor municipal na determinação de metas e ações de desenvolvimento com base em avaliações de suscetibilidades a processos que estabeleçam condições de ameaças, de forma a evitar ou reduzir sua ocorrência. Lei Federal nº 12.651, de 25 de maio de 2012 e alterações (Código Florestal Brasileiro) Art. 3º - define que as Áreas de Preservação Permanente (APPs) são estabelecidas com o objetivo de preservar a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico entre populações, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas. Auxiliar a gestão da ocupação de APPs, inclusive nas exceções postas na legislação (interesse social, baixo impacto ambiental ou utilidade pública). Fornecer subsídios para programas de ação em áreas prioritárias nos Planos Municipais de Conservação. Quadro 2. Normas legais e potencialidades de uso da carta de suscetibilidade na gestão municipal. Deve-se destacar, também, a aplicação da carta de suscetibilidade para fins educativos de forma a evitar que o conteúdo seja meramente informado ao gestor, mas que seus conceitos e aplicações sejam explorados na concepção de educação transformadora, com explicitação de papéis e poderes, por meio da comunicação em um processo dialógico. Dessa forma, visando construir essas pontes de acesso, foi realizada uma primeira aproximação com representantes das gestões municipais que receberam o material elaborado, a fim de subsidiar a elaboração de orientações gerais para fomentar o uso da carta de suscetibilidade. 3.2 Entrevista semiestruturada A aplicação de entrevista semiestruturada nos três municípios selecionados foi importante por destacar potencialidades e obstáculos para aplicação da carta de suscetibilidade, evidenciando-se aspectos que devem ser considerados em etapa futura de interação com prefeituras. 15º Congresso Brasileiro de Geologia de Engenharia e Ambiental 4 O material foi entregue aos diversos representantes da defesa civil municipal, que também acompanharam os trabalhos de campo na época da elaboração da carta de suscetibilidade. A escolha da Defesa Civil como primeiro interlocutor foi importante, pois representa a instância onde estão concentrados os profissionais mais familiarizados com os conceitos norteadores da carta de suscetibilidade. Por esse saber específico, foi feito encaminhamento desse produto cartográfico para as diversas secretarias municipais (planejamento, meio ambiente, habitação, obras e outras), reconhecendo a importância da carta de suscetibilidade para o planejamento municipal. Foram citados pelos interlocutores alguns exemplos de utilização da carta de suscetibilidade em ações municipais, a saber: Plano Diretor, Planos Municipais de Conservação e Recuperação da Mata Atlântica, Planos de Bacia Hidrográfica; além de consultas para problemas localizados, como a instalação de uma nova unidade habitacional pela Secretaria de Habitação. Em relação ao Plano Diretor, foi mencionado um problema de timing entre a revisão do Plano Diretor Municipal e entrega das cartas de suscetibilidade. No caso do município de Santos a revisão do Plano tinha acabado de ser concluída; no caso de Guarujá a revisão estava em curso; e em Embu-Guaçu o processo ainda não havia sido iniciado. Foi destacada, também, a importância da PNPDEC na gestão municipal, reconhecendo que a alteração do escopo de atuação da Defesa Civil no País, que passa a fazer a "proteção", isto é, o CONDEC (Conselho Nacional de Defesa Civil) passa a ser CONPDEC (Conselho Nacional de Proteção e Defesa Civil), exige uma adequação do município a essas novas diretrizes, sendo essencial o suporte técnico para essa atividade. Outro ponto positivo está relacionado à qualidade da informação cartográfica gerada. Quando há Sistema de Informação Geográfica (SIG) nos processos de gestão municipal de dados georreferenciados, a inserção da carta de suscetibilidade foi feita de forma automática, facilmente se sobrepondo a outras informações municipais já existentes. Por outro lado, há setores com carência de recursos materiais e mecanismos para disponibilização e acessibilidade às informações de forma técnica e pública (Sistema Gerencial de Informações), o que dificulta a integração. Apesar da qualidade do material e do reconhecimento da importância de inserir esse tema no planejamento territorial, verificou-se que os problemas estão atrelados, ainda, aos diferentes interesses políticos, econômicos e de desenvolvimento. Há divergência entre diretrizes políticas determinadas pelos governantes e posições técnicas estabelecidas nos instrumentos de ordenamento territorial, onde se incluem as cartas de suscetibilidade e os mapeamentos de risco, em que áreas com alta restrição podem acabar sendo ocupadas com concessão de licença pelo órgão ambiental estadual e municipal. Foi citado um caso de loteamento aprovado, apesar de demarcado em área de alta suscetibilidade à inundação e como setor de risco muito alto ao mesmo processo. Além disso, a existência de distintos graus de capacitação técnica e envolvimento no tema da prevenção de risco de desastres (conceitual e prática) quando se comparam técnicos de diferentes setores/departamentos da Prefeitura foi posto como problemático, havendo necessidade de decodificar o conteúdo da carta para os técnicos. Contribui para essa problemática a descontinuidade administrativa, onde a eventual rotatividade de técnicos nas diferentes gestões municipais implica em diferentes graus de capacitação, acesso e conhecimento do material disponível. A falta de regulamentação e investimentos para a estruturação e a manutenção de órgão municipal de proteção e defesa civil, que por vezes conta com voluntários ou técnicos remanejados de outras áreas, foi outro obstáculo mencionado. As dificuldades operacionais das prefeituras na fiscalização do uso e ocupação do solo em áreas suscetíveis a processos de movimentos gravitacionais de massa e inundações, aliada à escassez de moradia para a população de baixa renda e ao desconhecimento dos habitantes perante a importância de manter áreas com alta suscetibilidade livres de ocupação, podem resultar em novas áreas de risco. Assim, é importante também compreender a fiscalização, não apenas como uma ação punitiva imediata, mas como preventiva, associando-a a processos de educação e cidadania. 15º Congresso Brasileiro de Geologia de Engenharia e Ambiental 5 A ausência de regulamentação da PNPDEC foi outro aspecto salientado pelos técnicos da Defesa Civil. Tal regulamentação é fundamental para esclarecer, por exemplo, como deve ser feita a restrição da ocupação urbana de áreas mais sujeitas a processos de movimentos gravitacionais de massa e inundações, com base nas cartas de suscetibilidade e demais produtos de base cartográfica como cartas de risco e as cartas geotécnicas de aptidão à urbanização. O conteúdo das entrevistas indicou que é fundamental, inicialmente, conhecer como estão os municípios em relação às informações contidas nas diversas cartas para então criar roteiros que possibilitem o seu uso pelos gestores. O diálogo com diversos setores da administração municipal, cada qual com sua particularidade, pode indicar, ainda, novas demandas além daquelas compiladas no levantamento preliminar realizado, conforme ações municipais em curso ou planejadas. Apesar do caráter preliminar dessa atividade, que indica a necessidade de ampliar o públicoalvo de forma a abarcar a diversidade de municípios para os quais a carta de suscetibilidade foi elaborada, os resultados permitiram desenvolver orientações gerais para fomentar a utilização da carta de suscetibilidade na prevenção de desastres, bem como no planejamento e gestão territorial do município. 3.3 Orientações para fomentar o uso da carta de suscetibilidade Visando estabelecer as estratégias prioritárias para a gestão territorial municipal, contribuindo efetivamente para a não geração de novas áreas de risco, foram definidas orientações gerais por meio da seleção de eixos estratégicos e da indicação de possíveis ações para essa aplicação. Considerando os objetivos da PNPDEC explicitados no seu Art. 5º, bem como o resultado da pesquisa bibliográfica e da entrevista semiestruturada, selecionaram-se três eixos para a proposição das orientações: planejamento territorial, gestão municipal e prevenção de desastres, conforme mostra o Quadro 3. Tal proposta consiste em uma primeira abordagem acerca das atividades que devem ser executadas para nortear a utilização das cartas na prevenção de desastres, com base no planejamento e gestão territorial municipal, devendo ser aprimorada ou adaptada, conforme necessidades identificadas em cada município ou, ainda, segundo ações específicas em curso ou planejadas em cada Prefeitura. Gestão municipal Planejamento territorial Prevenção de desastres Eixo Orientações gerais Promover a fiscalização permanente de empreendimentos potencialmente poluidores instalados no município (licenças ambientais, plano de controle ambiental e de contingência, e outros). Estimular iniciativas que resultem na destinação de moradia em local seguro. Implementar Programas de Educação Ambiental no município e a conscientização da população para a não ocupação de áreas de risco. Promover a divulgação dos diversos usos da carta de suscetibilidade nos diversos setores das Prefeituras Municipais, bem como a atualização, complementação e/ou ampliação das competências necessárias ao seu uso. Estimular o ordenamento da ocupação do solo urbano e rural, tendo em vista o planejamento do uso e ocupação do solo, controle da expansão urbana para evitar a ampliação ou formação de áreas de risco, avaliação de cenários potenciais de riscos e outras aplicações no âmbito regional. Promover a integração intersetorial entre os diferentes departamentos/secretarias municipais, bem como a articulação entre atores municipais e esferas estaduais e federais. Garantir recursos (humanos e materiais) e procedimentos necessários para a formação e manutenção dos quadros para a implementação das ações previstas na PNPDEC. Disponibilizar arquivos e pastas em local acessível aos três segmentos de administração pública (União, Estado e municípios), bem como à sociedade de maneira geral. Ação Utilizar a carta de suscetibilidade em associação com outros elementos no planejamento territorial para a análise de usos futuros. Utilizar a carta de suscetibilidade em associação com outros elementos no planejamento territorial para a análise de usos futuros. Produzir e distribuir material didático sobre a prevenção de desastres naturais, incluindo a diferença de conceitos e escalas, entre outras. Realizar treinamento específico de acordo com a situação atual da Prefeitura frente ao desafio de capacitação, de forma a reduzir ou eliminar a diferença entre os diferentes níveis de conhecimento de cada equipe técnica da Prefeitura Municipal. Explorar os temas apresentados no Quadro 2. Incorporar a carta de suscetibilidade no planejamento e gestão municipal, incluindo planejamento territorial, de áreas protegidas, de prevenção de desastres, planos regionais, identificando limites e potencialidades; e elaborar propostas de ações para as áreas estratégicas identificadas e de ações gerenciais gerais. Realizar oficina participativa ou workshop regional, onde os participantes expõem suas vivências que se transformam de forma conjunta em produtos concretos para o uso da carta. Explorar novas aplicações, conforme ações específicas em curso ou planejadas no(s) município(s). Investir na melhoria da infraestrutura municipal e na capacitação da equipe envolvida. Avaliar a possibilidade de integrar, armazenar, gerenciar e disponibilizar informações em disco virtual (nuvem). Quadro 3. Orientações para fomentar a utilização da carta de suscetibilidade na gestão municipal. 15º Congresso Brasileiro de Geologia de Engenharia e Ambiental 6 4. CONCLUSÕES As aplicações da carta de suscetibilidade estão bem explícitas na PNPDEC e um amplo leque de possibilidades se abre quando se considera a prevenção de desastres naturais e o planejamento territorial. No entanto, dado que ainda não há regulamentação para detalhar como essa utilização deve ser feita e considerando as diversas realidades de cada administração municipal, ainda há obstáculos para que seja possível, de fato, assessorar os agentes públicos no atendimento à PNPDEC. O conhecimento da percepção dos agentes municipais na avaliação do conteúdo da carta de suscetibilidade é relevante, pois pode indicar a necessidade de treinamentos específicos, workshops regionais, oficinas locais, entre outros artifícios para elucidar o conteúdo técnico, reduzir ou eliminar a diferença entre os diferentes níveis de conhecimento de cada equipe da Prefeitura Municipal, visando atualização, complementação e/ou ampliação das competências necessárias ao uso da própria carta. A diversidade da condição estrutural dos municípios em adequar-se à PNPDEC, de forma prática no uso da carta de suscetibilidade, indica a importância de desenvolver e aplicar um modelo de abordagem capaz de reconhecer as demandas específicas para a melhor utilização dos conhecimentos obtidos com a sua elaboração. Além disso, a experiência acumulada pelas áreas de geociências aplicadas na produção de cartas de risco, cartas geotécnicas de aptidão à urbanização e cartas de suscetibilidade a processos do meio físico, mostra que há necessidade de uma atuação na ponta municipal, por parte dos produtores desse conhecimento, para que haja maiores condições de que os objetivos das mesmas tenham significado prático na gestão municipal, contribuindo efetivamente para a não geração de novas áreas de risco. Nesse sentido, considera-se que a formulação e implementação de um programa de capacitação que tenha como foco a adequação dos municípios que receberam a carta de suscetibilidade à PNPDEC seriam muito importantes para aumentar as condições no alcance de metas e evitar a formação de novas áreas de risco em municípios com áreas suscetíveis a processos de movimentos gravitacionais de massa e de inundações no País. Para isso, a atividade aqui realizada deve ser aprimorada para fins de auxílio à atuação futura da CPRM junto aos municípios, no sentido de difundir o uso da carta para as finalidades determinadas na PNPDEC e no PNGRRDN. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem ao Serviço Geológico do Brasil (CPRM) e ao Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT), pelo apoio para a realização das entrevistas; à: Coordenadora Regional da Defesa Civil da Baixada Santista, Regina Elsa Araújo; ao geólogo da Defesa Civil de Santos Marcos Pellegrini Bandini; ao coordenador da Defesa Civil de Santos Daniel Onias; ao geólogo da Defesa Civil do Guarujá Carlos Adolfo; à equipe da Defesa Civil de Embu-Guaçu, Aguimar da Costa e Samuel Albino; e aos colegas do IPT: naturalista Dra. Vilma Alves Campanha, geólogo Dr. Carlos Geraldo Luz de Freitas e geólogo Mestre Marcelo Fisher Gramani, pelo apoio no desenvolvimento do trabalho. REFERÊNCIAS BITAR, O.Y; FREITAS, C.G.L; SEPE, P.M. Cartografia geotécnica, plano diretor e prevenção de desastres. Téchne, v. 20, n.180, p. 68-74, mar., 2012. BITAR, O.Y. (Coord.). Cartas de suscetibilidade a movimentos gravitacionais de massa e inundações: 1:25.000: Nota Técnica Explicativa. São Paulo: IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo; Brasília, DF: CPRM – Serviço Geológico do Brasil, 2014. (Publicação IPT; 3016 - livro eletrônico). 15º Congresso Brasileiro de Geologia de Engenharia e Ambiental 7 BRASIL. Governo Federal. Plano Nacional de Gestão de Riscos e Resposta a Desastres Naturais PNGRRDN. [S.l.]. Disponível em: <http://www.pac.gov.br/pub/ up/relatorio/d0d2a5b6f24df2fea75e7f5401c70e0d.pdf>. Acesso em: set. 2013. BRASIL. Lei nº 12.608, de 10 de abril de 2012. Institui a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil - PNPDEC; dispõe sobre o Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil - SINPDEC e o Conselho Nacional de Proteção e Defesa Civil - CONPDEC; autoriza a criação de sistema de informações e monitoramento de desastres; altera as Leis nos 12.340, de 1º de dezembro de 2010, 10.257, de 10 de julho de 2001, 6.766, de 19 de dezembro de 1979, 8.239, de 4 de outubro de 1991, e 9.394, de 20 de dezembro de 1996; e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 11 abr. 2012. CARVALHO, E. T. Carta Geotécnica de Ouro Preto. Dissertação de Mestrado, Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa, 1982. 92 p. DINIZ, N.C. Cartografia geotécnica por classificação de unidades de terreno e avaliação de suscetibilidade e aptidão. Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental. Brasília: Universidade de Brasília – UnB, 2005. DINIZ, N.C.; FREITAS, C.G.L. CAPÍTULO 3 - CARTOGRAFIA GEOTÉCNICA. In: Gestão de riscos – textos e guias. 2012. Disponível em: https://gestaorisco.files.wordpress.com/2012/11/capitulo-3-cartografia-geotecnica.pdf. Acesso 10 mar. 2015. INSTITUTO DE PESQUISAS TECNOLÓGICAS DO ESTADO DE SÃO PAULO - IPT. Carta Geotécnica dos Morros de Santos e São Vicente. São Paulo: IPT, 1980. Série Monografias, nº 3, 31 p. SANTOS, A.R. Manual Básico para elaboração e uso da Carta Geotécnica. São Paulo: Editora Rudder, 2014. SOBREIRA, F.S.; SOUZA, L.A. Cartografia Geotécnica Aplicada ao Planejamento Urbano. Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental. São Paulo: ABGE 2012. 15º Congresso Brasileiro de Geologia de Engenharia e Ambiental 8