Violência e Jornalismo Impresso: estudo de caso de A Razão e o Diário de Santa
Maria1
Caroline SCOLARI 2
Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS
RESUMO
O presente estudo procede à análise da produção da violência como acontecimento na mídia
impressa, focando na construção da morte por latrocínio como acontecimento nos jornais
Diário de Santa Maria e A Razão, da cidade de Santa Maria/RS. Os procedimentos
metodológicos adotados mesclam a análise quantitativa e qualitativa. Na primeira, foram
mensurados os espaços conferidos à violência no geral e ao caso específico de latrocínio em
ambos os periódicos. Já na análise qualitativa foram contabilizadas, através de análise de
conteúdo, as adjetivações e subjetivações adotadas por ambos os jornais para tratar do
latrocínio em questão. Os resultados apontam para notícias construídas pela manutenção de
estereótipos de mocinho e bandido. Além disso, constatou-se que os jornais alocam o tema
violência de maneira diferente em suas edições.
PALAVRAS-CHAVE: morte como acontecimento; jornalismo impresso; Diário de
Santa Maria; A Razão.
Localizada na região central do Estado do Rio Grande do Sul, Santa Maria é a
quinta cidade do estado em população, com cerca de 260 mil habitantes (IBGE, 2010).
É um importante centro militar, sendo o segundo maior contingente militar do país, com
oito unidades do exército, cinco da brigada militar e um núcleo da Base Aérea. Santa
Maria também é um importante pólo educacional, com oito instituições de ensino
superior, entre públicas e privadas, sendo que uma das maiores universidade federais
brasileiras se situa na cidade: a Universidade Federal de Santa Maria – UFSM, fundada
em 1960.
Dentre os principais veículos de comunicação da cidade, estão os jornais
impressos diários A Razão e o Diário de Santa Maria. Os dois jornais apresentam nas
suas biografias midiáticas elementos que nos permitem falar em concorrência, pois o A
1
Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho Estudos de Produção Jornalística do V SIPECOM - Seminário
Internacional de Pesquisa em Comunicação
2
Estudante Graduada do Curso de Comunicação Social – Jornalismo da UFSM – CESNORS, email:
[email protected]
1
Razão, fundado em 1934, foi o primeiro jornal da cidade e é um dos impressos mais
tradicionais do estado do Rio Grande do Sul, sendo reconhecido por representantes da
sociedade santa-mariense como “o jornal de Santa Maria”. Já o Diário de Santa Maria,
oriundo de uma organização midiática que abrange os estados do Rio Grande do Sul e
Santa Catarina, o Grupo Rede Brasil Sul (RBS), tem apenas 11 anos de circulação.
Diante disso, a problematização do presente estudo refere-se à morte como
acontecimento no jornalismo impresso de Santa Maria, partindo do tratamento
discursivo conferido por A Razão e o Diário de Santa Maria ao caso de latrocínio de um
estudante na cidade. A partir desse estudo, busca-se compreender a lógica da cobertura
sobre violência nesses jornais, principalmente ao dar enfoque, como valor-notícia, ao
assassinato do jovem acadêmico de Design de Produto, do Centro Universitário
Franciscano (UNIFRA), Ângelo Razzolini Biazzi, 23 anos, que por volta das 6h30min
do dia 14 de agosto de 2011 (domingo) foi assassinado no Calçadão Salvador Isaia –
ponto central da cidade. Ele passava pelo local com sua namorada, Juliana Ferreira, e,
na entrada da galeria do Comércio - mesmo local onde morava -, foi vítima de latrocínio
(roubo seguido de morte), sendo atingido com pelo menos duas facadas na região do
tórax. Os suspeitos chegaram a roubar o boné da vítima e a pedir dinheiro, e foram
identificados como três jovens com idades entre 18 a 22 anos.
A temática da morte tem evidente espaço nos meios de comunicação. Traquina
(2008), ao falar de valor-notícia, aponta para o fato de se informar ao público os fatos
que são importantes porque têm um impacto sobre a vida das pessoas e a morte é um
deles. O tratamento da morte, como acontecimento, sofreu modificações ao longo dos
anos, resultado das modificações na própria sensibilidade das pessoas frente à morte do
outro. Conforme Oliveira-Cruz (2008, p. 150), “as representações da morte vêm se
modificando ao longo dos tempos, sendo possível observar verdadeiras transformações
no que diz respeito às sensibilidades humanas frente à própria finitude”. Essa percepção
acaba refletida no fato de que a morte de um torna-se mais importante enquanto fato
jornalístico do que a morte de outro. É interessante percebemos que, no cotidiano de
uma cidade, ocorrem várias mortes, mas nem todas as pessoas que morrem vão ter
espaços nos veículos de comunicação. Mouillaud (2002 apud NEGRINI, 2011), por
exemplo, categoriza diferentes tipos de mortos nos jornais: os mortos de serviço - que
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compõem a necrologia; os mortos acidentais; os mortos dos conflitos, das guerras e das
revoluções, que passam a fazer parte da história; e o “grande morto”, que se destaca
pelo seu nome, pela sua fama.
Tanto o Diário de Santa Maria quanto A Razão trabalharam discursivamente a
morte de Ângelo Razzolini Biazzi, inclusive como tema de capa. Segundo OliveiraCruz (2008, p. 155), “[...] alguns aspectos se mostram importantes para que a ocorrência
do fato seja elevada à condição de acontecimento jornalístico: a circunstância do
falecimento, o papel e a participação social do falecido, e, por fim, uma reivindicação
do poder na sociedade”. É justamente o interesse na produção dessa morte como
acontecimento, em relação a outras coberturas sobre violência, o objeto do presente
artigo.
Tendo em vista a possibilidade de avaliar um mesmo fato relacionado à violência
em dois diferentes periódicos, Diário de Santa Maria e A Razão, problematiza-se a
maneira como cada um trabalha a morte como acontecimento, visando descobrir de que
forma a finitude humana publicada nas páginas dos jornais também serve como ponto
de partida no levantamento de outros debates na sociedade - tais como segurança
pública, violência urbana, consumo de bebidas alcoólicas, drogas, roubos, entre outros.
Para tanto, realizarmos uma análise quantitativa e qualitativa da abordagem sobre a
violência nos veículos em questão e apresentamos, a seguir, o embasamento teórico que
guiou esta investigação.
A violência como valor-notícia no jornalismo impresso
Antes de entendermos as circunstâncias em que a violência se institui como
pauta para diversos meios de comunicação, cabe explicarmos em que conceito de
violência este artigo se baseia. Não existe uma definição precisa para o termo violência,
e que atenda, assim, a todas as abordagens sobre o assunto. No presente estudo,
trabalhamos com a violência banal, sendo aquela que desagrega todo um sistema de
sentidos e valores universais na sociedade. Santos (1998 apud LEAL e ZALUAR, 2011)
considera a violência como um dispositivo de abuso de poder, uma prática disciplinar
que produz um dano social, atuando em um plano espaço-temporal, a qual se instaura
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como uma justificativa racional, desde a prescrição de estigmas até a exclusão, efetiva
ou simbólica. A violência, portanto, sempre traz algum dano social - seja ele físico,
material ou simbólico. E cada um desses danos atua como informação nova aos
consumidores dos produtos midiáticos. Os jornais, por sua vez, publicam notícias
porque a informação nova é, a priori, interesse da grande maioria da população.
Segundo Noblat (2008, p. 26) “notícia é todo o fato relevante que desperta interesse
público.” Erbolato (1991, p. 52) acrescenta que “as notícias são comunicações sobre
fatos novos que surgem na luta pela existência do indivíduo e da própria sociedade.”
Portanto, a sociedade procura estar informada sobre assuntos novos de interesse tanto
pessoal como de outras instâncias de sua vida pública.
A partir de valores-notícia (TRAQUINA, 2008), visualizam-se como os
acontecimentos se tornam notícias nos meios de comunicação. Galtung e Ruge
(1965/1993 apud TRAQUINA 2008) enumeram doze valores-notícias, dentre os quais
podemos destacar como característicos do tratamento discursivo da violência: a) a
amplitude do evento; b) sua significância, em que diz respeito à relevância do
acontecimento e a proximidade cultural; c) o inesperado ou insólito; d) a continuidade,
isto é, a continuação como notícia do que já ganhou noticiabilidade; e) a referência a
nações de elite; f) a referência a pessoas de elite, isto é, o valor-notícia na proeminência
do ator do acontecimento; g) a personificação, isto é, a referência às pessoas envolvidas;
e h) a negatividade, ou seja, a máxima “bad news is good news”.
Além disso, para Galtung e Ruge (1962/1993 apud TRAQUINA 2008)
apresentam alguns fatores para explicar o estado da coisa: as notícias negativas
satisfazem melhor os critérios de frequência; são mais inesperadas em relação às
positivas, tanto no sentido de que os fatos referidos são mais raros, como no sentido de
que são menos previsíveis; facilmente consensuais e inequívocas, no sentido de que
haverá acordo acerca da interpretação do acontecimento como negativo. Também
Traquina (2008, p. 79) complementa “[...] onde há morte, há jornalistas. A morte é um
valor-notícia fundamental para esta comunidade interpretativa e uma razão que explica
o negativismo do mundo jornalístico que é apresentado diariamente nas páginas do
jornal ou nos écrans da televisão”.
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Essa relevância à abordagem do tema violência, especificamente relativo à
morte, é mostrada na grande cobertura jornalística dos jornais Diário de Santa Maria e
A Razão, no período de análise deste estudo. Traquina (2008) diz que todos nós seremos
notícia pelo menos uma vez na vida, no dia subsequente à morte, ou como destaque na
capa ou nas páginas interiores. Dependerá, na maioria das vezes, da nossa popularidade
ou da notoriedade do ator principal do acontecimento – afinal “quanto mais o
acontecimento disser respeito às pessoas de elite, mais provavelmente será transformado
em notícia.” (GALTUNG e RUGE, 1962/1993 apud TRAQUINA, 2008).
Oliveira-Cruz (2008), ao falar da morte como um “acidente-limite”, que orienta
o sentido e o posicionamento de outros fatos também reguladores da experiência do
indivíduo e do coletivo, salienta que o papel da morte se dá ainda pelo silêncio que
marca seu interdito, ou pela transformação de seu caráter irrevogável em inesperado.
Assim, o discurso jornalístico sobre a morte se adéqua de reproduções que vão
classificá-lo num parâmetro de normalidade e expectativa, embora, quanto mais
imprevista ou insólita, a morte estará mais próxima da classificação como
acontecimento jornalístico. O sentido do caráter “inesperado” da morte encontra
subsídios na ideia de que existam maneiras mais ou menos naturais, ou períodos mais
adequados, para se morrer. Perante uma probabilidade de ampliação da perspectiva de
vida, a morte inesperada é aquela que causa assombro na população.
Embora não seja possível negar a existência da morte, o seu caráter acidental
como noção de falha do curso normal remonta a construção de uma rotina
que se baseia na desejada amortalidade. Esta significação da morte como
irrupção do real, como evento inesperado, em muito se assemelha ao conceito
de acontecimento desenvolvido por Adriano Duarte Rodrigues, como sendo
“tudo aquilo que irrompe a superfície lisa da história de entre uma
multiplicidade aleatória de fatos virtuais”, destacando-se quanto mais
imprevisível for sua realização. Esta “imprevisibilidade” da morte, é claro, só
pode aproximar-se da ideia de acontecimento se considerada como elemento
distante da elaboração do cotidiano. (RODRIGUES 1993, p.27 apud
OLIVEIRA-CRUZ 2008, p. 151-152)
Elias (2003 apud OLIVEIRA-CRUZ 2008, p. 154) afirma que a maneira como
uma pessoa morre depende de que ela tenha sido capaz de formular objetivos e alcançálos, de imaginar tarefas e realizá-las. Portanto, é possível inferir diferenças do quanto
inesperado pode ser o acontecimento relativo à morte. Mouillaud (2002, p. 350 apud
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NEGRINI, 2010, p.153) avalia a importância da morte acidental – pauta aqui em estudo
- para os meios de comunicação social, dizendo que, nela, “a morte se torna
acontecimento como o corte ou a derrota de uma rotina [...] É a particularidade (do
acidente ou do crime) que se torna notícia; sua diversidade é a essência”.
Nesse sentido, a escolha por analisarmos a morte de um jovem de apenas 23
anos obedecem aos critérios de noticiabilidade antes citados, pois se trata de uma pessoa
que ainda não consegue avaliar suas realizações, porque não as completou. É uma morte
inesperada, um corte na rotina. Ao mesmo tempo, por se tratar de um caso de violência
urbana, incorre-se no risco de banalização da mídia.
A morte indiferente, caracterizada por Barbosa, é aquela banalizada pela
violência: “a mídia, diante da violência, banaliza o corpo insepulto. A
proliferação da morte violenta, fruto da guerra urbana e da desigualdade
social, faz com que, para os meios de comunicação, neste caso, seja
importante não a morte em si mesma, mas o espetáculo da brutalidade
cotidiana”. (OLIVEIRA-CRUZ, 2008, p. 156)
Para a autora, a morte em si não possui importância, mas sim o espetáculo que se
faz sobre a morte. Como há abundância de pautas que chegam às redações de jornais
todos os dias, cabe a cada veículo selecionar as que lhe parecem relevantes. Noblat
(2008, p. 33) destaca que “[...] se um jornal preferir não publicar certa notícia, outro a
publicará. Ou dela o público tomará conhecimento por outros meios. Se, mesmo
reconhecendo a importância da notícia, um jornal preferir escondê-la, outro lhe dará o
destaque merecido.” É por isso que vemos notícias em certos jornais e em outros não e,
por vezes, a partir de diferentes enfoques.
Procedimentos Metodológicos
Os jornais impressos analisados neste estudo são o A Razão e o Diário de Santa
Maria. O A Razão é uns dos jornais mais tradicionais do estado do Rio Grande do Sul.
Já o jornal Diário de Santa Maria, fundado pelo jornalista Maurício Sirotsky Sobrinho,
pertence ao Grupo Rede Brasil Sul (RBS). Para realizar o estudo, decidiu-se pela análise
de sete edições consecutivas dos jornais, Diário de Santa Maria e o A Razão, publicadas
entre os dias 15 e 22 de agosto de 2011. Por opção metodológica, consideramos tudo o
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que foi publicado sobre violência na cidade neste período, ainda que as edições
analisadas tenham como fato chave a cobertura do desfecho do latrocínio no Calçadão
Salvador Isaia.
As análises, realizadas de forma quantitativa e qualitativa, têm como objetivo a
comparação do tratamento discursivo nos dois periódicos em questão. A análise
quantitativa foi realizada a partir da mensuração do espaço conferido às matérias sobre
violência em centímetros quadrados. Considerando que cada reportagem é um texto
como um todo, as matérias analisadas foram medidas em sua completude, abrangendo o
texto verbal e a fotografia, descontamos as publicidades de ambos os periódicos para
melhor calcular o enquadramento das informações. Também foram analisados,
quantitativamente, o espaço em que cada edição alocou suas matérias relacionadas à
violência, o que faz diferença no sentido construído pela publicação. Utilizaram-se três
categorias para análise quantitativa da morte como acontecimento: a) morte do
universitário; b) morte indiferente (pessoas desconhecidas); e c) outras mortes (pessoas
conhecidas pela sociedade). Bauer e Gaskell (2008, p. 201) comentam que “tanto o
‘tamanho’ como ‘formato da notícia’ são códigos originais de uma teoria de que o
tamanho de uma história expressa à importância editorial atribuída a ela, e serve como
um indicador dos valores existentes nas redações”.
Qualitativamente, avaliaram-se, por meio de análise de conteúdo, as diferenças
entre o jornalismo policial de cada um dos jornais, para detectar como ambos
trabalharam a violência como acontecimento jornalístico diário. Para Oliveira-Cruz
(2008), os sentidos podem ser levantados a partir da enunciação da morte na fala
jornalística.
Assim, a compreensão dos sentidos construídos a partir da enunciação da
morte no discurso jornalístico possibilita a noção do quanto estas narrativas
afloraram sentidos, bem como reelaboram novas significações para a relação
tão fundamental que se institui entre homem, cultura e morte. Por isto, a
observação da estruturação deste discurso jornalístico sobre a morte a partir
de seu processo de construção de significados, na própria enunciação, é
preponderante. (OLIVEIRA-CRUZ, 2008, p. 158)
Na análise dos textos jornalísticos, duas categorias de conteúdo podem ser
apontadas, dentre outras: a) Manifesto: o que é concreto e explícito; por exemplo,
quantas vezes determinadas palavras aparecem, ou quantas vezes se referem a
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determinado grupo, ato ou indivíduo diretamente; e b) Latente: o que não é explícito;
analisa-se o estilo do texto, as referências indiretas. Utilizei na análise de conteúdo,
preferencialmente o conteúdo manifesto, porém não descartei a consideração do
conteúdo latente.
“[...] análise de conteúdo desfavorece a dicotomia entre o quantitativo e o
qualitativo, promovendo uma integração entre as duas visões de forma que o
conteúdo manifesto (visível) e o latente (oculto, subentendido) sejam
incluídos em um mesmo estudo para que se compreenda não somente o
significado aparente do texto, mas também o significado implícito, o contexto
onde ele ocorre, o meio de comunicação que produz e o público ao qual ele é
dirigido.” (LAGO e BENETTI, 2008, P. 126)
Trabalhamos, então, com os procedimentos semânticos, através da análise de
palavras e sentenças, nos textos publicados nos jornais, Diário de Santa Maria e A
Razão. Em seguida, confrontamos as informações obtidas, estabelecendo uma análise
comparativa, no intuito de percebermos como cada um dos periódicos trataram a
violência como acontecimento.
Resultados Encontrados: Uma análise comparativa do discurso sobre a violência
em A Razão e o Diário de Santa Maria
A análise comparativa do espaço alocado nas páginas dos jornais para o tema
violência demonstra que ambos os periódicos trabalharam quase que de maneira
equivalente o tema nas edições analisadas. Ambos os jornais debateram o assunto
violência quase por igual na semana da pesquisa. A edição que mais abordou o tema
violência no Diário de Santa Maria (doravante DSM), foi a de 15 de agosto,
contabilizando 23,92% da edição. Esse fato deve-se, justamente, ao tratamento
discursivo sobre latrocínio, pois é o dia subsequente ao acontecimento. Já o A Razão
(doravante AR), na semana de análise, apresentou maior espaço dedicado à violência
em 16 de agosto, com 25,81% da edição. Outro dia que teve maior índice de publicação
no DSM, dia 22 de agosto, último dia de análise, 20,85%, sendo o segundo dia com
maior publicação de notícias sobre violência. E também no AR, o segundo dia com
maior publicação de matérias sobre violência foi no dia 17 de agosto, com 24,79%.
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Em se considerando outras editorias importantes, como saúde, política,
economia, educação, variedades, etc., o tratamento conferido à violência por ambos os
jornais foi grande. Isso pode ocasionar debate social sobre questões agregadas ao tema,
como falta de segurança pública, ausência de policiamento, manifestações de pedido de
paz, fiscalização dos estabelecimentos que vendem bebidas alcoólicas, consumo de
drogas e acidentes de trânsitos. Lago e Benetti (2008, p. 90) dizem que “a
institucionalização de um tema e de uma agenda em torno dele comporta duas
orientações básicas, uma, de caráter vertical e hierárquico e, outra, horizontal, de caráter
linear e agregador de adesões (inclusive e, talvez, principalmente, da mídia)”.
A cobertura jornalística dos veículos em questão motivou o debate social sobre o
tema violência urbana. Um exemplo disso foi à cobertura jornalística da edição de A
Razão, de 16 de agosto de 2012, que noticiou a manifestação organizada por amigos da
vítima, com pedido paz e maior policiamento, com a manchete de capa “Cidade diz não
à violência e exige mais policiamento.” Ramos e Paiva (2007, p.20) afirmam que “os
jornalistas que cobrem criminalidade e violência são repórteres do geral e, portanto,
dedicam-se também a cobrir outras questões urbanas. Esta mudança é importante por
favorecer nos textos a integração do fenômeno da criminalidade a temas como
educação, habitação, saúde, trânsito etc.” Assim, por exemplo, na mesma edição citada
anteriormente, há um anúncio do prefeito da cidade antecipando reunião, devido ao
acontecimento do latrocínio: “Schirmer convoca reunião de emergência para pedir mais
policiamento na cidade”. Para Quesada (1987 apud SEQUEIRA 2005) o objeto do
jornalismo da atualidade está em averiguar como operam as instituições públicas que
afetam a vida dos cidadãos, mostrar como funcionam os mecanismos burocráticos do
sistema, já que a população comum não tem como desvendar cada vez mais complexa e
burocratizada, e como se produzem os acontecimentos que afetam diretamente.
Por outro lado, a recorrência do tratamento sobre a violência podem ocasionar
também medo ou vulgarização de atos violentos na sociedade. Ramos e Paiva (2007, p.
97) falam que “a disseminação das práticas violentas gera, por sua vez, um sentimento
crescente de insegurança que invade toda a cidade, inclusive os bairros nobres”.
Percebemos que os periódicos analisados trabalharam a morte do jovem como
acontecimento jornalístico, porém não abordam com a mesma importância outras
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mortes de anônimos, vítimas da violência urbana cotidiana, que segue banalizada.
Durante os sete dias referentes à pesquisa, os dois jornais apresentaram cobertura
jornalística do caso de latrocínio, o que demonstra que no decorrer da semana foram
surgindo novos elementos sobre o acontecimento, que foram registradas pelos meios
que publicaram as informações.
O Diário de Santa Maria tratou do latrocínio, somente na Capa com manchetes
e fotos, e na editoria de policia. Nota-se, porém, que a relação dada pelo DSM, ao caso
de latrocínio com diversos assuntos ocorreu só na editoria de policia. Consideramos,
então, que o DSM trata do caso como um acontecimento, não direciona de imediato
para outros assuntos. O periódico A Razão apresentou um tratamento diferenciado do
caso, pois além de trazer a informação na capa como manchete, além de texto na
editoria de policia, o jornal também noticiou em outros espaços. Podemos afirmar,
então, o AR relacionou o acontecimento com outros temas que surgiram no decorrer da
semana, tais como falta de segurança pública, manifestação de pedido de paz, instalação
de câmera de segurança no centro da cidade, em vez de dar ênfase apenas ao
acontecimento em si.
Essa diferença, percebemos ainda nas publicações de chamadas de capa para o
acontecimento em ambos os periódicos. Contabilizou-se 23% a mais de chamadas em
capa para o latrocínio no DSM, em relação ao AR, o que deixa indícios de que o DSM
apostou mais no caso em si, e não o deslocou imediatamente para outras discussões.
Podemos comparar que os dois jornais trabalharam os fatos sobre o latrocínio na
capa e na editoria de polícia, porém, analisando os dois nota-se que o DSM não cedeu
ao tema espaço em outras editorias. Já o AR noticiou 28% das informações sobre o caso
em outras editorias. Esse dado vai ao encontro dos dados encontrados sobre a alocação
dos demais textos sobre violência nos jornais, que demonstraram anteriormente que AR
designa espaço à questão em outras editorias, ao contrário do DSM. Nota-se, então, que
para o AR a morte em si não possui tanta relevância, mas sim serve de gancho para
outros debates na sociedade.
Ao trabalhar o tema em outras editorias, o AR deslocou o foco do latrocínio para
a segurança pública. Hohlfeldt (2008) comenta justamente que os valores-notícia têm
que ligar os acontecimentos em si: a notícia terá uma importância para a sociedade com
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certo impacto sobre a nação, com um nível de relevância e significação dos
acontecimentos quanto a sua consequência para o leitor. Esse nível de relevância foi
compreendido principalmente em AR, que fez do latrocínio um motivo para colocar em
debate temas variado sobre segurança pública.
Para Wainberg (2005, p. 96), “[...] cabe ao veículo de comunicação de massa
contar sua história com palavras, como história, em capítulos, em enredo, drama e
personagens. São as palavras que explicam, ou tentam explicar, afinal, a mortandade
refletida nas imagens dos telejornais e nas fotos estampadas nos periódicos de todo o
mundo.” Tanto o Diário de Santa Maria quanto o A Razão trabalharam a vítima
principalmente como jovem e universitário. Traquina (2008, p.75) descreve que “[...]
neste tipo de cobertura constrói-se um enorme lote de conhecimentos estereotipados
para garantir visualmente ‘a eterna repetição”.
No DSM, o sujeito Ângelo é substituído por jovem (28 vezes), universitário (24
vezes), e vítima (22 vezes), tratamento muito semelhante ao AR, que abordou jovem (30
vezes), universitário (27 vezes), e vítima (17 vezes). Para Herscovitz (2007, p.125 apud
CORREIA 2011, p. 64) “as palavras, frases, imagens e sons podem ser reduzidas a
categorias baseadas em regras explícitas sobre as quais se farão inferências lógicas”.
Estas inferências podem ser visualizadas quando jornais pesquisados deixam indícios da
ideia de que universitários não poderiam morrer, quem sabe por terem um futuro
brilhante, o que difere de outros jovens como traficantes, criminosos, jovem com pouco
estudo etc. Nas notícias tanto do DSM quanto de AR, induzem à ideia de que o jovem
morto era um rapaz bom, de boa índole, um bom filho, entre outros adjetivos. Como
exemplo disso, tem-se a edição do dia 15 de agosto, na página 8 do DSM “- Ele adorava
desenhar. Era um ótimo filho – lamenta o pai”; “-Ele era um cara muito legal, feliz. Não
causava problema para ninguém – lamenta o amigo Pablo Zambeli, 26 anos”.
Percebemos também que o fato de o acontecimento ter se dado no Calçadão da
cidade indicia nos jornais maior nível de acidentalidade; em contrapartida, crimes em
periferias são banalizados. Isso fica explícito na exacerbação de citações da palavra
Calçadão e outros substantivos que remetem a ela, que apareceram 68 vezes no Diário
de Santa Maria, e 41 vezes no A Razão. Dentre esses substantivos relacionados estão:
Centro da cidade, ponto de encontros do público de todas as idades e estilos, no coração
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da cidade, centro vital da cidade, região central da cidade. Exemplo disso está na página
1 da edição 266 do AR, publicada em 15 de agosto, que enuncia: “O estudante de
Design da Unifra Ângelo Razzolini Biazzi, 23 anos, foi assassinado a facadas no inicio
da manhã de ontem, no Calçadão Salvador Isaia, em pleno Centro de Santa Maria,
ao ser atacado por um grupo de pelo menos três rapazes”.
Ramos e Paiva (2007, p.34) dizem que “[...] os incidentes envolvendo pessoas de
classe média para cima, capazes de mobilizar a atenção da impressa, passam a ocupar
uma posição central para os governantes, reforçando o quadro de desigualdade na
provisão da segurança pública.” Os autores exemplificam isso citando o jornalista
Josmar Jozino: “podre não é notícia, infelizmente. Se tem um caso de latrocínio em
Itaquera e outro em Moema, os repórteres vão querer fazer o de Moema, um é da
perifeira e outro da região nobre de São Paulo.” (RAMOS e PAIVA, 2007, p.79). É o
que podem ser notado através da análise do enfoque dado ao latrocínio: por ter
acontecido no Calçadão, no centro da cidade, a morte torna-se mais destacada.
Em contrapartida ao tratamento da vítima como jovem e universitário, os
rapazes que cometeram o crime, conforme consta na página 2 da edição de 17 de agosto
do AR, são designados por outras adjetivações: “o bárbaro crime cometido contra o
jovem Ângelo Razzolini Biazzi, 23 anos, morto por delinquentes na manhã do último
domingo, pelo visto mexeu com as autoridades encarregadas de dar segurança ao
cidadão”. Wainberg (2005, p. 99) afirma que “[...] a palavra produz efeito persuasor ao
alterar julgamentos, ou ainda influenciar o nível de compreensão e memória do receptor
sobre os fatos [...].” Logo os rapazes que cometeram o crime são associados às drogas e
outras atividades ilícitas. Na edição de 16 de agosto do DSM, na página 12, enuncia-se:
“Algumas pessoas vêm ao Centro na intenção de roubar para comprar drogas, segundo
comandante do 1° Regimento de Polícia montada da Brigada Militar”. O termo drogas,
aliado aos jovens criminosos, apareceu 15 vezes no DSM, e 49 vezes no AR, já a
expressão bebidas alcoólicas foi citada no DSM por 12 vezes, e no AR por 47 vezes.
Nesse sentido, o AR enfatizou mais a diferenciação de ações entre vítima e
criminosos, embora fossem jovens da mesma faixa etária. Por exemplo, na edição de 17
de agosto, o AR enunciou em sua página 2: “Os menores que se envolveram no
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homicídio de domingo estariam alcoolizados e drogados e as pesquisas comprovam que
a proibição do consumo do álcool diminui a violência”.
Os jornais também enfatizaram que os jovens que cometeram o assassinato são
moradores da periferia da cidade, e provém de família humilde. Segundo Ramos e Paiva
(2007) “[...] uma pauta sobre o indivíduo branco, jovem, com nível superior, morador
de um bairro nobre, valerá muito mais do que a de um trabalhador manual,
desempregado, negro, morador da periferia e que mal completou o Ensino
Fundamental.” Como, por exemplo, conforme consta na página 8, de 15 de agosto do
DSM: “o estudante de Design de Produto da Unifra, Ângelo Razzolini Biazzi, 23 anos,
foi assassinado no Calçadão Salvador Isaia. Biazzi engrossou uma triste estatística: ele
foi à quinta vítima de latrocínio em Santa Maria em 2011.”
Ramos e Paiva (2007, p. 96) dizem que “a maior expressão da hierarquização,
que culmina na definição de valores diferenciados para a vida, é o destaque concedido
pela mídia à morte de pessoas dos setores médios ou dominantes, ao lado da
naturalização do massacre cotidiano de moradores da periferia, em particular o que
atinge os jovens negros e com baixa escolaridade”. Questões como a infraestrutura da
periferia, o acesso desses jovens marginais ao ensino superior ou motivações para o
crime que não tangenciassem a droga e o álcool não foram exploradas. Como afirma
Gauer (2008, p.125-126) diz que “a violência é desnudada nas bancas dos jornais e
descrita cotidianamente. Isso faz com que cada indivíduo a absorva e internalize na sua
rotina. Muitas vezes a condenação de um indivíduo que foi nos jornais, durante
semanas, é sentida como alivio, pela sociedade, que por sua vez, o esquece.”
O crime valeu, em si, para mais uma vez vitimizar o mocinho e massacrar
discursivamente os criminosos, que inclusive já foram assim julgados e citados pelos
meios de comunicação em questão. Por outro lado, contribuiu também como estímulo
para o debate social sobre temas referentes à segurança pública. Percebemos também
que como o caso de violência aconteceu no centro da cidade, o crime toma outra
proporção nas páginas dos jornais, porque ali é ponto de encontro dos moradores da
cidade, ambos jornais construíram uma narrativa repleta de adjetivações. Enfim,
percebemos que o jornalismo investigativo, que poderia ter trazido outras várias
atribuições ao acontecimento, acabou dando espaço para o jornalismo de atualidade, que
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baseia-se em estereótipos prontos, narrativas pré-concebidas, e uso de uma ocorrência
como estopim para a exploração da pauta em outras editorias.
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