Augusto Coelho Mí dia O jornalismo pós-blog da Petrobras M uito já se escreveu sobre o blog “Fatos e Dados”, da Petrobras [http://petrobrasfatosedados.wordpress.com/], lançado em 2 de junho passado. Nunca será demais, todavia, registrar o que essa iniciativa pioneira no Brasil representa para a prática do jornalismo da grande mídia. O liberalismo clássico reservava aos jornais o papel de fazer circular as ideias da/na sociedade. Essa perspectiva iluminista normativa se baseava na crença de que, existindo um mercado livre de ideias, a razão e a verdade acabariam por prevalecer. E os jornais eram considerados o espaço em que qualquer cidadão poderia exercer sua liberdade de expressão, isto é, expressar livremente suas ideias. O tempo mostrou que a realidade era outra. A teoria da responsabilidade social da imprensa (Hutchins Commission) surgiu nos EUA, na década de 40 do século 20, como resposta às críticas de que, no mercado livre de ideias, a verdade nem sempre prevalecia e que a própria ideia desse mercado era uma ficção num mundo dominado por grupos empresariais em que a atividade jornalística já se convertera em business e a notícia, em mercadoria. A competição pelo acesso às fontes transformou o que deveria ser informação pública em propriedade do jornalista que dependia da exclusividade para competir no mercado de notícias. Foi por necessidade das empresas jornalísticas – e não do processo democrático – que surgiram o monopólio da “mediação” feita por jornalistas/jornais entre fonte e cidadão e o poder, daí derivado, de construção do espaço público. É assim, basicamente, que o jornalismo funciona até hoje. Ou melhor, funcionava. A iniciativa da Petrobras de publicar as perguntas feitas por jornalistas e as respostas a elas em um blog restabelece o caráter público da informação que a fonte (qualquer fonte) deve prestar à sociedade e quebra o monopólio que os jornais/jornalistas consideram seu “direito” em nome de uma “mediação” privada exclusiva. Não importa se a divulgação das perguntas/respostas no blog seja feita antes, simultaneamente ou depois de publicadas pelos jornais. Na verdade, quebra-se um paradigma de “fazer jornalismo” cujo envelhecimento estava anunciado desde o surgimento da internet e da possibilidade de circulação em tempo real (on-line) de informações oriundas das mais diversas fontes e/ou “mediadas” por qualquer cidadão que tenha acesso a um computador conectado ou a um celular. Mas não é só isso. Blogs como o da Petrobras tornam mais difícil a costumeira distorção que jornalistas/jornais fazem das respostas oferecidas pelas fontes, no interesse do cumprimento de uma pauta opi- 37 Venício A. de Lima, sociólogo e jornalista, autor/organizador de A Mídia nas Eleições de 2006, Editora Fundação Perseu Abramo, 2007 nativa predeterminada ou em favor de um dos “lados da questão”. Talvez ainda mais importante, o “Fatos e Dados” obrigará – a curto e médio prazo – jornais e jornalistas a praticar um jornalismo que não se limite ao envio de perguntas por e-mail e à espera acomodada das respostas das fontes. Para sobreviver, será indispensável à mídia tradicional adotar um outro jornalismo. Isso requer comprometimento com a verdade, trabalho – muito trabalho –, ética profissional e prioridade ao interesse público. Não surpreende, portanto, a rea ção irada que a grande mídia teve quando do lançamento do blog da Petrobras. Num embate que ainda não terminou, a estatal foi acusada, por exemplo, de “intimidar a imprensa”, de “antiética”, de impedir o “jornalismo investigativo” e de quebrar um inexistente “sigilo na relação da fonte com o jornalista”. O “Fatos e Dados” desafia um modelo de negócio. Exacerba também um conjunto de transformações e de mudanças que estão ocorrendo na prática do jornalismo: o jornalismo de insinuação e o monopólio da mediação jornalística estão morrendo. Só a mídia tradicional ainda não se convenceu disso. ✪ Teoria e Debate 83 H julho/agosto 2009