GÊNEROS JORNALÍSTICOS
“NARRATIVOS”
1ª PARTE: A REPORTAGEM
Prof. Alexandre Marques
O REPÓRTER É FUNDAMENTAL
Entre todos o gêneros jornalísticos, é impossível não dar destaque à reportagem, a
base de qualquer veículo de comunicação, pois é a fonte das notícias, dos comentários
e do editorial
Embora existam muitas atividades a ser realizadas numa redação de jornal (reuniões
de pauta, entrevistas, pesquisas em arquivos, telefonemas, redação, revisão e edição
dos textos, diagramação, preparação das fotografias, seleção das manchetes), é
comum nesse ambiente a tese de que o trabalho mais importante da imprensa é
realizado por repórteres.
São eles que saem às ruas em busca de notícias, são eles que conseguem entrevistas
estarrecedoras, são eles que invetigam as denúncias que chegam aos jornais. Não é à
toa que Clóvis Rossi – um dos mais importantes jornalistas do país, colunista e
membro do conselho editorial da Folha de S. Paulo – diz que “é um privilégio ser
repórter”.
Que me desculpem Vinicius de Moraes, os editores e os redatores, mas
repórter é fundamental. É certamente a única função pela qual vale a
pena ser jornalista. Jornalista não fica rico, a não ser um punhado de
iluminados, jornalista não fica famoso, a não ser outro (ou o mesmo)
punhado e assim mesmo no círculo restrito que frequenta ou no qual é
lido.
Jornalismo, por isso, só vale a pena pela sensação de se poder ser
testemunha ocular da história de seu tempo. E a história ocorre sempre
na rua, nunca numa redação de jornal. É claro que estou tomando "rua"
num sentido bem amplo. Rua pode ser a rua propriamente dita, mas
pode ser também um estádio de futebol, a favela da Rocinha, o palanque
de um comício, o gabinete de uma autoridade, as selvas de El Salvador,
os campos petrolíferos do Oriente Médio. Só não pode ser a redação de
um jornal.
Por isso é um privilégio ser repórter.
Clóvis Rossi, 1990.
REPÓRTER E REPORTAGEM: A PRODUÇÃO DA NOTÍCIA
Metade do trabalho do repórter, de fato, ocorre na “rua”. A outra metade se faz na
redação do jornal, organizando os dados coletados e preparando o texto da
reportagem.
Assim a tarefa da maioria dos jornalistas divide-se em duas partes: a investigação e a
redação.
Esta segunda parte é a que mais nos interessa: a reportagem é um tipo de texto
essencialmente narrativo. Por meio dela dela, o repórter narra algum acontecimento
– o que implica mudanças temporais, isto é, uma sucessão de estados -,
transformando-o em notícia. Dessa forma, noticiar é uma maneira de narrar.
O LIDE E A PIRÂMIDE INVERTIDA
Para redigir uma matéria jornalística, é comum empregar uma técnica de redação
conhecida como pirâmide invertida: os dados mais pertinentes são transmitidos no
início do texto da reportagem, ou seja, segue-se uma hierarquia de importância das
informações.
O termo pirâmide invertida é utilizado porque a base desta, aquilo que é noticiosamente
mais importante, se encontra no topo – em ordem muito distinta à que seguem, por
exemplo, a novela, o drama ou o conto.
Tradicionalmente, os autores creem que a "pirâmide invertida" tenha surgido em abril
de 1861, em um jornal de Nova Iorque. Pouco depois, ela veio a ser utilizada pelas
agências de notícias, expandindo-se por todo o planeta, por ser mais prática e com
preço mais barato na transmissão via telegrama, da época; assim, dependendo do
interesse do cliente da agência, o primeiro ou o segundo parágrafo já seriam
suficientes para atender à demanda do veículo assinante; a matéria completa, contada
letra a letra, saía invariavelmente mais onerosa.
Graficamente, teríamos:
Nessa técnica de redação jornalística, o primeiro parágrafo (ou, em alguns
casos, os dois e até os três primeiros, dependendo do tamanho da matéria) é o
que mais merece atenção.
Ele é chamado de lide – do inglês lead, que significa, segundo o dicionário
Houaiss, “liderança, exemplo, vanguarda”, e passou a designar a “seção
introdutória de uma reportagem”.
O lide deve responder a uma série de perguntas, que funcionam como um
verdadeiro roteiro de escrita para os repórteres:
•Quem?
•O quê?
•Onde?
•Quando?
•Como?
•Por quê?
Nem sempre todas essas perguntas são pertinentes. Mas é inegável que elas
funcionam como um “norte” para o jornalista, que, ao produzir sua reportagem,
deve preocupar-se em compreender os fatos para poder relatá-los.
Veja o exemplo:
A notícia é esta: um general brasileiro foi encontrado morto no Haiti, no
sábado, dia 7 de janeiro, pela manhã; os indícios apontam como causa um
acidente com arma de fogo.
Essas são as informações essenciais, localizadas nos primeiros parágrafos. Se
você se interessasse pelo assunto, poderia ler os outros parágrafos da matéria,
os quais narram aspectos acessórios da reportagem.
Observe que esse texto é tipicamente narrativo, pois apresenta uma sucessão de
transformações. A principal delas – a morte do general brasileiro – vem no
primeiro parágrafo.
IDENTIFIQUE O LIDE
LIDES RUINS E NOTÍCIAS DESASTROSAS
GAFE CLÁSSICA
O ano era 1983. A Revista Veja, então com 15 anos de história, cai no conto da
revista inglesa New Science, que em todo 1º de abril costumava soltar notícias
absurdas sobre descobertas científicas. Naquele ano, a publicação britânica
noticiou a descoberta do “fruto da carne”, derivado da fusão da carne do boi e do
tomate, batizado com o sugestivo nome de “boimate”.
Para a Veja, este constituiu-se, sem dúvida, no mais sensacional “fato científico”
daquele ano e assim publicou uma reportagem na sua edição de 27 de abril. Na
verdade, tratou-se da maior “barriga” (notícia inverídica) da divulgação científica
brasileira.
O autor da gafe foi o diretor de redação da revista na época, Eurípedes
Alcântara. Inclusive, ele se tornou uma entidade mitológica no jornalismo
brasileiro. Ele ficou tão empolgado com a matéria que nem percebeu as pistas
que a New Science colocou no texto. Além da ideia já inicialmente absurda, a
revista afirmou que a descoberta havia sido feita pelo Dr. McDonald’s (referência
a lanchonete) na Universidade de Hamburgo, Hamburguer em inglês.
Com o texto original nas mãos, Eurípides convocou o correspondente da Veja
na Alemanha para repercutir junto a comunidade científica. Sabendo da
tamanha bobagem, ele não aceitou trabalhar nesta matéria e acabou sobrando
para um repórter entrevistar um engenheiro genético da USP, Ricardo Brentani.
No primeiro contato do repórter, o cientista disse ser impossível tal experiência.
Com a pauta nas mãos e precisando de uma boa declaração, o repórter insistiu
mudando a pergunta para “Mas suponhamos que…”. O geneticista caiu e estava
aí a maior barriga do jornalismo científico apoiada por alguém da USP.
Dentre os absurdos da matéria, que você pode ler na íntegra abaixo, o seguinte
trecho: “a experiência dos pesquisadores alemães, porém, permite sonhar com
um tomate do qual já se colha algo parecido com um filé ao molho de tomate. E
abre uma nova fronteira científica”.
A descoberta do engano foi feita pelo jornal O Estado de S. Paulo que, após
esperar inutilmente pelo desmentido, resolveu “botar a boca no mundo” no dia
26 de junho.
Finalmente, com o objetivo de pôr fim ao caso que já divertia as redações, a
Veja publicou, na edição de 6 de julho, ou seja, depois de dois meses, o
desmentido: “tratou-se de lastimável equívoco”. E justificou-se, explicando que é
costume da imprensa inglesa fazer isso no dia 1º de abril e que, desta vez,
havia cabido à revista entrar no jogo, exatamente no “seu lado mais
desconfortável”.
Na edição comemorativa de 30 anos, a Veja publicou uma pequena nota sobre
o caso.
Confira a matéria na íntegra. Detalhe especial para o lide: “Familiarizados com
as delicadas estruturas da células…”
Agora destaque para o infográfico da Veja. Além do absurdo, vale a
pena para ver como era feito sem o auxílio de computadores.
Aqui segue uma carta do leitor publicada na edição seguinte a do
Boimate. Hilário!
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