UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA AMBIENTAL PROCAM LÚCIA LAURENTINA OMAR OS DESAFIOS PARA CONSERVAÇÃO AMBIENTAL E PATRIMÔNIO CULTURAL NA ILHA DE MOÇAMBIQUE SÃO PAULO 2013 LÚCIA LAURENTINA OMAR OS DESAFIOS PARA CONSERVAÇÃO AMBIENTAL E PATRIMÔNIO CULTURAL NA ILHA DE MOÇAMBIQUE Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental (PROCAM) da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Mestrado em Ciência Ambiental. Orientador: Prof. Dr. Euler Sandeville Júnior Versão Corrigida (Versão original disponível na Biblioteca da Unidade que aloja o Programa e Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da USP) São Paulo 2013 AUTORIZADA A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÓNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA DESDE QUE CITADA A FONTE. FICHA CATALOGRÁFICA Omar, Lucia Laurentina. Os Desafios para conservação ambiental e patrimônio cultural na Ilha de Moçambique/Lucia Laurentina Omar; orientador: Euler Sandeville Júnior. – São Paulo, 2013. 171 f.; il.; 30 cm. Dissertação (Mestrado – Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental) – Universidade de São Paulo. 1. Conservação ambiental. 2. Patrimônio Cultural – Patrimônio da Humanidade. I. Título Omar, L.L. Os Desafios para conservação ambiental e patrimônio cultural na Ilha de Moçambique. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental da Universidade de São Paulo para obtenção do título de mestre na área de concentração em Conservação e Desenvolvimento Socioambiental. Aprovado em: 01/03/2013 Banca Examinadora Aprovado em: 01/04/2013 ___________________________________.................................._____________________ Euler Sandeville Junior (Presidente) --------------------------------------------- Conceito Professor Doutor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e do Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental da Universidade de São Paulo ______________________________...........................................________________________ Profª. Drª. Silvia Helena Zanirato (Titular) ---------------------------------------- Conceito Professora Doutora do Curso de Gestão Ambiental e dos Programas de Pós-Graduação em Mudança Social e Participação Política e Ciência Ambiental da Universidade de São Paulo. _____________________________..............................................._______________________ Profª Drª Mónica Junqueira Camargo (Suplente) ------------------------------ Conceito Professora Doutora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo São Paulo 2013 Dedico esta dissertação Á minha mãe Mwamine Saide À minha filha Neyd Zaina René Abílio e ao meu marido Ernesto de N. G. Mirasse Aquimo. “Esta ilha pequena, que habitamos em toda esta terra certa escala De todos os que as ondas navegamos De Quíloa, de Mombaça e de Sofala; E, por ser necessária, procuramos, Como próprios da terra, de habitá-la; E por que tudo enfim vos notifique, Chama-se a pequena ilha Moçambique” Luís Vaz de Camões In: Lusíadas – 54 AGRADECIMENTOS Nenhum obstáculo é inquebrantável quando confiamos em Deus. Eu agradeço a Deus por tudo. Já há anos que sonhava em continuar com os meus estudos. Numa manhã de terçafeira, em pleno sol escaldante de Agosto de 2009, na Ilha de Moçambique, uma moça colega, funcionária do Gabinete de Conservação da Ilha de Moçambique, chamou: Lúcia! Tal como sempre quis que as pessoas me tratassem, ―tem um fax para ti vindo do Maputo‖, peguei no papel que apenas tinha um parágrafo dizendo: ―Lucia Omar e (...) tem a oportunidade de se candidatar para uma bolsa de estudo de Pós-Graduação, oferecida pela Fundação Ford...”. O Fax tinha sido assinado pela Drª Célia Diniz. Na verdade, não sei como e porque o fax mencionava o meu nome, só Deus dará a resposta devida, mas a ela, com muito carinho e respeito dirijo o meu profundo agradecimento. O meu muito obrigada a todos: os familiares, professores, amigos e colegas que, com a sua boa vontade consegui atingir os objetivos pelos quais atravessei o Atlântico; os que acreditaram em mim e que me ajudaram para que a presente dissertação se tornasse uma realidade. Meus agradecimentos vão: Ao meu marido Liskay que, mesmo com apenas 30 dias de casamento, confiou, apostou e me liberou para correr pelo mundo da ciência. Ao meu orientador Prof. Dr Euler Sandeville Júnior, pela orientação e acompanhamento; À Professora Dra Sílvia Helena Zanirato, pelas suas valiosas contribuições nos Comitês de orientação e que pacientemente, pelo profissionalismo, pela orientação e pelos conselhos e pela força que me fez acreditar que eu era capaz... Às minhas amigas, colegas e irmãs em cristo, Mitiko, Tais e Kazue Yamamoto, pelo amor, carinho, encorajamento, apoio e toda dedicação incondicional que me deram em cada hora que estive no Brasil, sem as quais, as minha vida se tornaria tímida. Aos meus professores do Mestrado, Prof. Drs e Dras Euler Sandeville Jr, Paulo Antônio de Almeida Sinisgalli, Sónia Maria F. Gianesella, Sueli Ângelo Furlan, Yara Shaefter-Novelli, Ana Paula Fracalanza e Rose Hikiji, pelos conhecimentos e experiências do mundo científico que sabiamente passaram para mim. Às minhas amigas Priscila e Simone, que mesmo conhecendo as minhas dificuldades, não desanimaram em me apoiar, encorajando-me e me fizeram acreditar que eu podia e devia seguir em frente, obrigada pelo apoio incondicional. Obrigada Priscila, pelo amor, carinho e paciência. À Universidade de São Paulo, Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental, por oferecer um ensino de qualidade, pela colaboração que me dispensaram em todas as fases do meu trabalho e por ter me ajudado na conquista desse grande sonho. Ao Prof. Dr. Orlando Cristiano da Silva, pelo apoio e encorajamento no processo de elaboração desta dissertação; Aos colegas do Grupo do Núcleo de Estudo da ―paisagem, Cultura e Participação Social‖ da FAU/USP, Priscila, Simone, Larissa, Gabriela, Gabriel, Henrique, Rafael, Cláudia, Melissa e outros, pela amizade, apoio incondicional e pelas tardes partilhadas no processo de estudo e aprendizagem; À Drª Cecília Moraes, pela amizade, força, encorajamento e, sobretudo, por me ter transmitido a sua experiência de trabalho de campo na Brasilândia; Ao Prof. Dr. Carlos Subuhana, pelo apoio incondicional no meu processo de integração em São Paulo; Agradeço à família Santana, por me ter incorporada na sua família e me ter dado o amor, carinho, amizade, atenção e conforto habitacional em São Paulo; Aos Colegas e amigos do Mestrado e Bolsistas da Fundação Ford, Drª Lídia Mondlane, Lina Buque, Papucides Bosco Ntela e outros, pela amizade, força e encorajamento; Ao Luciano de Souza, Priscila, Júlia, técnicos acadêmicos da Secretaria de PósGraduação de Ciência Ambiental – PROCAM, pelo apoio prestado enquanto aqui estudei. Em Moçambique, os meus agradecimentos vão: Ao Professor Catedrático Armindo Saúl Atelela Ngunga, pelo acompanhamento desde os primeiros momentos de minha candidatura à bolsa de estudos até ao final desta caminhada acadêmica. À minha irmã Fátima Jonasse e meu cunhado Assale Jafar, por terem acreditado nos meus sonhos e aceite ficar com minha e nossa filhinha Neyd René e feito dela uma menina feliz. À minha filha Ney, minha mãe Mwamine Saide e aos meus irmãos, Assane Jackson Omar, Mateus Baptista Omar, Jaime Omar e Aweto (em memória), Antônio Omar, Rosa, Luísa e Cássimo, e meus sobrinhos, e cunhadas, a todos, o meu muito obrigada; Agradeço ao Gabinete de Conservação da Ilha de Moçambique, na pessoa do seu Diretor, o Dr. Celestino Girimula, por ter acreditado em mim e dado apoio em todo momento que o procurei. Ao Arquiteto Jens Hougaard, pela sua disponibilidade e atenção dispensada na indicação de livros, artigos e diversos relatórios do tema em estudo; Aos Drs. Rajabo Momade Chimalawoonga e Alexandre Antônio, pela força e pelo apoio na preparação do trabalho de campo; Mais uma vez, agradeço à Drª Célia Diniz, pelo saber e profissionalismo com que liderou a African-American Institute, pela cortesia, amizade, humanismo, sensibilidade com que resolvia as questões de seus bolsistas, respostas rápidas fosse qual fosse o meio usado, e por todas virtudes; A toda equipe técnica do Africa-America Institute em Maputo, vai o meu muito obrigada. À inesquecível Maria Blandina Barbosa, pela sua dedicação em manter-nos permanentemente informados de todos os acontecimentos da nossa Pátria Amada – Moçambique; Ao International Fellowships Programe da Fundação Ford pela viabilidade da bolsa de estudos, que tornou realidade um sonho que perdurava em mim há décadas, alocando recursos necessários para suporte do mestrado; Ao Ministério da Cultura e Direção Nacional da Cultura, pelo todo apoio. E, por fim e não menos importante, mas o que considero a base desta dissertação foi contar em primeira mão com o conhecimento que ao longo do tempo foi produzido, seja de forma empírica, seja com métodos científicos. Aqui, pretendo referir aqueles com quem interagi, Dona Flora Magalhães, Chehe Hafiz Jamu, Srs.Momade Ossumane, Amade Ismael, Arquiteto Jans, Abdul, Abudo, Manuel Balança, Jovenato Mahimba, Dr Júlio, Dona Chamo, Buanamade Martinho (em memória), mamã Pirice, mamã Ancha (em memória), tia Conceição, tia Maria, Lúcia, Jonas, todos eles, conhecedores da área de estudo, e sem os quais, o presente trabalho teria sido difícil a sua concretização; é, pois, para eles que vão os meus sinceros agradecimentos, como gesto de profundo reconhecimento pela sua contribuição e acompanhamento obtido durante quatro meses de trabalho de campo na Ilha de Moçambique e que resultou nesta dissertação. À minha amiga Josefina Salência, minha intérprete nas entrevistas durante o trabalho de campo. Ela me acompanhou nas marcações de entrevistas aos diferentes líderes comunitários da Ilha de Moçambique. Ao dr. Otávio Waite, pela disponibilidade de fontes primárias de Distrito da Ilha de Moçambique para consulta, que sem as quais, a presente dissertação seria incompleta. RESUMO OMAR, Lúcia Laurentina. OS desafios para conservação ambiental e do patrimônio cultural na Ilha de Moçambique. 171f. Dissertação (Mestrado) – Programa de PósGraduação em Ciência Ambiental (PROCAM) Universidade de São Paulo, 2013. O presente trabalho visa compreender e explicar práticas das populações da Ilha de Moçambique relativas à conservação do patrimônio cultural e do meio ambiente. A ocupação desordenada de espaços de habitação, a alteração da estrutura arquitetônica das moradias e do material tradicionalmente utilizado para a edificação são algumas das práticas que contrariam recomendações sobre a conservação de lugares que são definidos como Patrimônio da Humanidade. Além de serem contrárias às normas preconizadas pelas políticas públicas sobre a conservação ambiental e do Patrimônio Cultural Mundial, essas práticas têm implicações diretas sobre o meio ambiente urbano e, consequentemente, a redução da qualidade de vida dos seus habitantes. Nesse contexto, a presente pesquisa parte dos pressupostos de que as clivagens que se verificam no contexto da conservação ambiental e do patrimônio cultural na Ilha de Moçambique necessitam ser compreendidas para que seja possível pensar numa conservação mais compatível com a compreensão da população sobre um bem que lhe pertence. A pesquisa procurou analisar a origem dos problemas daí advenientes a fim de propor alternativas de resolução e para atingir os objetivos preconizados, se valeu de pesquisa bibliográfica e documental e de entrevistas semiestruturadas. Palavras-chave: Conservação ambiental, Patrimônio cultural, Patrimônio da Humanidade. ABSTRACT OMAR, Lúcia Laurentina. The Challenges for Environmental and Conservation of Cultural Heritage in the Island of Mozambique. 171f. Thesis Master´s Dissertation – Graduate Program of Environmental Science, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2013. The present work intends to understand and explain some practices of the Mozambique Island inhabitants regarding cultural heritage and urban environment conservations. Unordered occupation of public free spaces due to, mainly, the expansion of houses; change of traditional materials and the architecture structure are some of such practices which are against the conservation of sites recommendations defined as Humanity Heritage. Apart from being against the norms approved by the public authorities on the environmental and world cultural heritage conservation, such practices have direct implications on the urban environment and, consequently, reduce the life quality of the inhabitants. Thus, the present research presupposes that the cleavages observed in environmental and cultural heritage in Mozambique Island need to be understood in order to make possible to tune the kind of conservation with people´s understanding of theirs good. With this aim, the research analyses the problems origins in order to come up with possible solutions. The study has been based on bibliographical and documental research as well as on semi-structured interviews. Key-words: Environmental Conservation, Cultural Heritage, Humanity Heritage. LISTA DE FIGURAS Figura 1- Vista aérea da Ilha de Moçambique – área de estudo. .............................................. 19 Figura 2- Localização da área de estudo. ................................................................................. 31 Figura 3- Características da Cidade de Macuti (Africana) e Cidade de Pedra e Cal (Europeia) .................................................................................................................................................. 32 Figura 4- Dança Tufo. .............................................................................................................. 38 Figura 5- Dança Maulide. ......................................................................................................... 38 Figura 6 - Atividade pesqueira na Ilha de Moçambique. ......................................................... 42 Figura 7- Compradores e revendedores do peixe a espera do regresso dos pescadores. .......... 42 Figura 8- Manguezal preservado .............................................................................................. 44 Figura 9- Processo de degradação do manguezal ..................................................................... 44 Figura 10- Recuperação da área degrada de manguezal........................................................... 44 Figura 11- Salinas - área de produção do sal. ........................................................................... 44 Figura 12- Produção de alimentos na Ilha de Moçambique. .................................................... 46 Figura 13- Mulheres vendendo alimentos diversos nas bermas da praia, junto ao mercado do peixe. ........................................................................................................................................ 46 Figura 14- Feira comercial realizada nas segundas feiras. ....................................................... 46 Figura 15- Feira comercial na Ilha de Moçambique................................................................. 46 Figura 16- Cruzeiros de turistas que geralmente fazem escala a Ilha de Moçambique entre os meses de Julho/Outubro. .......................................................................................................... 47 Figura 17- Prática da medicina tradicional na Ilha de Moçambique. ....................................... 51 Figura 18- Imagens da situação precária das moradias da população da Cidade de Macuti. ... 57 Figura 19 - Precariedade de valas de drenagem a céu aberto. .................................................. 60 Figura 20 - Enchentes devido a impermeabilidade do solo urbano na Ilha de Moçambique ... 60 Figura 21- Poço de água caseiro, junto da vala de drenagem................................................... 61 Figura 22- Cidade de Macuti, princípios do Séc. XIX. ............................................................ 68 Figura 23- Mapa descritivo da Cidade de Macuti, 1957. ......................................................... 71 Figura 24- O estado de Conservação de alguns imóveis do patrimônio edificado na Cidade de Pedra e Cal. ............................................................................................................................... 88 Figura 25- O estado de conservação da maioria dos imóveis do patrimônio edificado na Cidade de Pedra e Cal – 2012................................................................................................... 88 Figura 26- Vala de drenagem assoreada pelo lixo domiciliar ................................................ 148 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AAIM Associação dos Amigos da Ilha de Moçambique ACUMIM Associação Cultural de Mulheres da Ilha de Moçambique APETUR Associação dos Pequenos Empresário do Turismo APIE Administração do Parque Imobiliário do Estado ARPAC Arquivo do Patrimônio Cultura BAD Banco de Desenvolvimento Africano CEDH Centro de Estudo e Desenvolvimento Habitacional CESA Centro de Estudo sobre África e Desenvolvimento CMIM Conselho Municipal da Ilha de Moçambique CNMA Conselho Nacional do Meio Ambiente e Desenvolvimento CDS Centro de Desenvolvimento Sustentável DINAC Direção nacional da Cultura GACIM Gabinete de Conservação da Ilha de Moçambique GTARIM Gabinete Técnico de Apoio à Reabilitação da Ilha de Moçambique ICOM – CC Comitê Internacional dos Museus ICOMUS Conselho Internacional de Monumentos e Sítios ICUCN União Internacional de Conservação da Natureza IGESPAR Instituto de Gestão do Patrimônio do Patrimônio Arquitetônico e Arqueológico INPF Instituto Nacional de Planejamento Físico IPAD Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento IPCIIM Inventariação do Patrimônio Cultural Imaterial da Ilha de Moçambique WHF Fundo Africano do Patrimônio Mundial (Africa World Heritage Fund) MEC Ministério da Educação e Cultura MICOA Ministério para Coordenação da Ação Ambiental MICULT Ministério da Cultura ONU Organização das Nações Unida PDIM Plano de Desenvolvimento Integral da Ilha de Moçambique PARPA Plano de Desenvolvimento para Redução da Pobreza Absoluta PGIM Plano de Gestão da Ilha de Moçambique PNGA Programa Nacional de Gestão Ambiental PNHS Programa nacional de Habitação Social PNMA Política Nacional do Meio Ambiente SEC Secretaria de Estado da Cultura TDM Telecomunicações de Moçambique UCCLA União das Cidades Capitais Luso-África-América-Ásia UGA Unidade de Gestão Ambiental UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e a Cultura. SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO.......................................................................................................... 17 1.1 Contextualização ........................................................................................................ 17 1.2. A Pesquisa na Ilha de Moçambique ........................................................................... 22 1.3. Metodologia................................................................................................................ 23 1.3.1. Trabalho de campo ............................................................................................. 24 1.3.2. Observação direta ............................................................................................... 24 1.3.3. Entrevista semiestruturada .................................................................................. 26 1.3.4. Sistematização e tratamento de dados das entrevistas ........................................ 27 1.3.5. Procedimento de análise de dados recolhidos .................................................... 28 Apresentação da área do estudo – Ilha de Moçambique ............................................ 30 2. 2.2. Localização Geográfica e Características Físico-Ambientais .................................... 30 2.3. População e Características Socioeconômicas e Culturais ......................................... 34 2.3.1. População ........................................................................................................... 34 2.3.2. Características Socioculturais ............................................................................. 36 2.3.3. Condições de Vida da população – Laços de entreajuda.................................... 39 2.4. Atividades Socioeconômicas ...................................................................................... 41 2.4.1. Atividade pesqueira ............................................................................................ 41 2.4.2. Atividade Agrícola ............................................................................................. 43 2.4.3. Atividade Industrial ............................................................................................ 43 2.4.4. Atividade Comercial ........................................................................................... 44 2.4.5. Turismo............................................................................................................... 47 2.5. Serviços Sociais e Infraestruturas ............................................................................... 48 2.5.1. Educação ............................................................................................................. 48 2.5.2. A Rede Sanitária da Ilha de Moçambique .......................................................... 50 2.5.3. Transportes e comunicações ............................................................................... 52 2.5.4. Habitação ............................................................................................................ 52 2.5.5. Saneamento Urbano na Ilha de Moçambique ..................................................... 58 3. 3.2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA ILHA DE MOÇAMBIQUE ................................... 62 Origem do nome Moçambique ................................................................................... 62 3.3. História do território ................................................................................................... 62 3.4. A Transformação da Paisagem Urbana da Ilha .......................................................... 67 4. O MEIO AMBIENTE E O PATRIMÔNIO COMO CATEGORIAS CONCEITUAIS PARA SE ENTENDER O PROBLEMA DA PESQUISA ...................................................... 72 4.2. Conservação Ambiental ............................................................................................. 72 4.3. Patrimônio Cultural .................................................................................................... 76 4.4. O papel do Estado e da Sociedade Civil na Conservação do Patrimônio Multural e do Meio Ambiente..... .................................................................................................................... 81 4.5. Estado atual da conservação do ambiente urbano e do patrimônio cultural .............. 86 4.6. Patrimônio Cultural e sua relação com a questão ambiental ...................................... 90 4.6.1. Quadro Institucional referente à Conservação do Patrimônio na Ilha. ............... 97 4.6.2. Principais instrumentos legais referentes à conservação do patrimônio Cultural em Moçambique ....................................................................................................................... 99 5. PATRIMÔNIO CULTURAL EM MOÇAMBIQUE ............................................... 101 5.2. Processo Histórico do Patrimônio Cultural em Moçambique e a Formação de órgãos de tutela 101 5.3. Processo de Patrimonialização da Ilha de Moçambique .......................................... 111 5.4. Ações para a conservação do meio ambiente urbano e do patrimônio cultural ....... 114 5.6. Usos sociais do patrimônio Cultural ........................................................................ 126 6. CONCEPÇÕES DOS ILHEUS A RESPEITO DA CONSERVAÇÃO DA NATUREZA E DA CULTURA............................................................................................. 131 6.2. Conservação do ambiental e do patrimônio cultural – Ilha de Moçambique ........... 131 6.2.1. Percepções da conservação ambiental .............................................................. 131 6.1.2 Causas da degradação do ambiente urbano ...................................................... 138 6.1.3 Identificação de documentos legislativos sobre meio Ambiente ..................... 143 6.1.4 Coleta e disposição final do lixo na Ilha de Moçambique ................................ 145 6.2 Patrimônio Cultural e Percepções da População ...................................................... 148 CONCLUSÕES ...................................................................................................................... 155 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................... 161 1. INTRODUÇÃO 1.1 Contextualização Moçambique faz parte dos 54 países africanos, localizado na Costa Oriental de África; limitado a norte pela Tanzânia, a noroeste pelo Malawi, a sudoeste pelo Zimbabwe, África do Sul e Suazilândia e é banhado a leste pelo Oceano Índico, em toda a extensão da sua costa de 2470 quilômetros. Tem uma extensão territorial de 799.380km². É o país mais populoso das antigas colônias portuguesa de África com cerca de 20.366.795 (Censo, 2007). Administrativamente Moçambique está dividido em 11 províncias, a Norte, encontram-se as Províncias do Niassa, Cabo Delgado e Nampula, no Centro, Zambézia, Tete, Manica e Sofala e no Sul, Inhambane, Gaza, Maputo e Maputo Cidade e estas, por sua vez, subdividem-se em distritos que totalizam 150. (INE, 2011). A agricultura é a base da economia do país, mais de 70% da população vivem em áreas rurais, dedicando-se principalmente à agricultura, silvicultura e pesca. A sua estrutura demográfica é característica de um país em desenvolvimento, sendo a sua pirâmide demográfica de base muito larga e achatada no topo. Metade da população está na faixa etária entre os 6 a 24 anos de idade sendo a maioria do sexo feminino. Cerca de 80% do investimento público vai para os sectores sociais (educação e saúde), bem como a agricultura, transportes e infraestruturas rurais. A população moçambicana apresenta taxas de analfabetismo superiores à média da região subsaariana situando-se por volta de 56,19%, sendo a taxa mais elevada registada nas zonas rurais (61.2%) e é mais saliente nas mulheres (76.9%). A esperança de vida ao nascer é de 50.9 anos, sendo 52.5 na zona urbana e 50.3 anos na zona rural e entre homens e mulheres, é de 48.8 e 52.9 anos respectivamente (INE, 2011). Moçambique é um dos países mais pobres no mundo. O PIB per capita foi estimado pelo Banco Mundial em 454 dólares americanos em 2010 e no que se refere ao posicionamento na classificação do Índice de Desenvolvimento Humano, está em 184º lugar dos 187 países da lista publicada pelo PNUD (PNUD, 2011). O presente estudo foi realizado na Província de Nampula, mais especificamente na Cidade da Ilha, inserida no Distrito com o mesmo nome. A Cidade da Ilha de Moçambique é uma das quatro Cidades Municipais da Província de Nampula, localizada a 180 quilómetros da capital da província, que tem o mesmo nome. Cerca de 2400 quilómetros separam a Ilha da capital do país, a cidade de Maputo. 17 Administrativamente, o Distrito da Ilha de Moçambique encontra-se dividido em duas porções, a continental (Posto Administrativo de Lumbo) e a insular (Posto Administrativo da Ilha). Uma ponte com extensão de 4 quilômetros construída na década de 1960, liga a porção continental à insular. A parte insular por sua vez encontra-se subdividida em duas partes, a Cidade de Pedra e Cal, denominada cidade europeia e a de Macuti, denominada africana; ambas perfazem uma área de 1,5 quilômetros quadrados. Deste modo, a designação ―Ilha de Moçambique” refere-se simultaneamente ao Distrito, ao Posto Administrativo e à Cidade/Município, entes político-administrativos que se encontram sobrepostos no mesmo território. Dada à localização privilegiada no Oceano Índico, desde os primórdios da sua história a Ilha de Moçambique foi o centro de confluências de vários povos oriundos de diferentes pontos do mundo, África, Ásia e Europa entre os séculos X a princípio do século XX. Após o período da descolonização, a Ilha de Moçambique continuou com o seu papel de receptor, agora no processo interno de migração de população oriunda do interior da Província de Nampula e das zonas rurais circunvizinhas. A guerra de desestabilização ocorrida no período de 1977 a 1992, entre a FRELIMO – (partido no poder) e a RENAMO – (partido de oposição), provocou o êxodo rural sem precedentes e em decorrência dos problemas habitacionais, grande soma dessas famílias foram habitar em edifícios abandonados de forma precipitada pelos proprietários, sobretudo, os portugueses que tiveram de abandonar o país logo após independência nacional em 1975, outras foram ocupar os poucos espaços livres que a Ilha dispunha, constituindo assim, verdadeiros bolsões de pobreza e de miséria. Essa crescente concentração trouxe consigo a ampliação das carências sociais, e também a deterioração do ambiente e da qualidade de vida. A Ilha de Moçambique passou a expressar problemas de progressiva degradação do patrimônio edificado e do ambiente urbano. Dado ao reconhecimento internacional do valor histórico-cultural, arquitetônico e natural e necessitando de uma proteção legal, em 1991, o conjunto urbano da Ilha de Moçambique foi declarado pela UNESCO, Patrimônio Cultural da Humanidade (figura 1). 18 Figura 1- Vista aérea da Ilha de Moçambique – área de estudo. Fonte: (PGIM, 2010). A aglomeração humana na Ilha de Moçambique e as dificuldades de sobrevivência da maioria da população que vive em situação de pobreza levou a população moradora do local a alterar os espaços patrimonializados e a transformação das suas moradias subdividindo-as e alterando a estrutura anterior para sublocar partes da habitação e assim conseguir outras formas de rendimento. As transformações abrangem, sobretudo, alterações das estruturas arquitetônicas, do material tradicional recomendado nas construções de habitações na Ilha de Moçambique e a privatização dos espaços públicos no processo das ampliações dessas moradias, criando conflitos entre essas práticas com os preceitos de proteção recomendados pela Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural, resultando ainda em problemas de saneamento e consequentemente a redução de qualidade de vida. As soluções encontradas pela população da Ilha expressam as práticas cotidianas discutidas por Canclini (1994, p. 102), para quem ―é compreensível que as classes populares, enredadas na escassez das moradias e na necessidade de sobrevivência, se sintam pouco envolvidas na conservação de valores simbólicos, sobretudo, se não são os seus”. 19 Estas práticas encontram o seu fundamento no fato de que durante cinco séculos da dominação portuguesa em Moçambique, os bens culturais da população nativa não foram valorizados e a população interiorizou que o Patrimônio Cultual, classificado pela UNESCO em 1991, como ―da humanidade‖, era somente aquele constituído pelo conjunto arquitetônico representado pela Cidade de Pedra e Cal, que em 1955, havia sido classificado como em ―Imóvel de Interesse Público‖ em detrimento da Cidade congénere, a de Macuti. Assim, ao considerar a parte africana Cidade de Macuti também como patrimônio e exigir a conservação desse lugar, as normas de conservação acabaram por impedir que houvesse transformações no espaço de moradia de uma população que sempre viveu na penúria, relegando assim esse espaço a permanência na rudimentalidade que sempre o caracterizou. Portanto, após a declaração da Ilha de Moçambique como Patrimônio Mundial da Humanidade em 1991, o sentimento de rejeição expressou-se na maior parte da população, devido a ausência e/ou seja, a não articulação entre as políticas públicas de conservação do patrimônio cultural e as necessidades das comunidades locais, o que condicionou a criação de dicotomia na percepção do processo da patrimonialização da Ilha de Moçambique. A contradição entre as políticas que defendem o patrimônio e o entendimento de alguns membros da comunidade em ver valor no patrimônio chamaram a atenção para a necessidade de aprofundar o entendimento desta contradição e contemplar no estudo entendimentos sobre a percepção das pessoas que partilham aquele espaço a respeito da proteção ali definida. Esta situação tem demandado debates nos ambientes governamentais e não governamentais e na sociedade em geral, que buscam encontrar mecanismos que possam resultar em ações que contribuam para a minimização da clivagem entre políticas públicas e a realidade socioeconômica da população local. A presente pesquisa parte do pressuposto de que as clivagens que se verificam no contexto da conservação ambiental e do patrimônio cultural na Ilha de Moçambique devem-se a existência de medidas políticas que não estão de acordo com a realidade no que diz respeito ao desenvolvimento das comunidades locais e da falta de articulação entre os propositores e os receptores das mesmas. Ao mesmo tempo, são aqui propostas formas alternativas de minimizar essa oposição e solucionar parte dos problemas que explicam os sentimentos e práticas de rejeição ao Patrimônio ali verificadas. Portanto, o objetivo geral da pesquisa é o de compreender os motivos por que as populações protagonizam práticas contrárias ao preconizado pelas 20 políticas públicas sobre a conservação ambiental e do patrimônio cultural na Ilha de Moçambique. Esse objetivo, por sua vez, está apoiado em quatro procedimentos específicos: 1º- Analisar os principais fatores que causam a degradação do ambiente urbano e impedem a sua conservação; 2º- Analisar o grau de articulação entre as políticas de conservação ambiental e desenvolvimento urbano no contexto do patrimônio cultural; 3º-Investigar as percepções das comunidades locais sobre a conservação do patrimônio cultura e sua relação com desenvolvimento da sua cidade; e, 4º- Propor medidas que visem a melhoria da conservação integrada do patrimônio cultural sem por em causa as condições de vida dos seus habitantes. É com base nessa perspectiva que se apresenta o estudo sobre ―Os desafios da Conservação do Patrimônio Cultural e Ambiental na Ilha de Moçambique‖. Entende-se, portanto, que o estudo deste tema só fará sentido se, de alguma forma, houver a articulação de políticas nessa direção com o diálogo entre os propositores das normas e os receptores das mesmas. Para a análise e compreensão dos assuntos supracitados, a dissertação apresenta um entendimento sobre a conservação ambiental e do patrimônio cultural que enfatiza a problemática da degradação ambiental em relação com a salvaguarda do patrimônio cultural. Com esse propósito o trabalho está estruturado em seis capítulos. Uma parte introdutória, onde se apresentam o problema e questões de pesquisa, a justificativa, os objetivos e procedimentos metodológicos. No segundo capítulo apresenta a área de estudo, que para além de localizar no espaço e suas características físicas ambientais, se faz uma caracterização da população e atividades e aspectos socioeconômicos e culturais, serviços e infraestruturas urbana da Ilha de Moçambique. No terceiro capitulo, versa sobre a evolução histórica que determinou a ocupação do território desde os primórdios das migrações das populações bantu1, começando pela origem do nome Moçambique, as transformações que ocorrem na paisagem urbana ao longo do tempo No capítulo quatro, apresenta-se o meio ambiente e o patrimônio como categorias conceituais para se entender o problema da pesquisa. De igual modo, neste capítulo se analisa 1 Povo bantu é uma comunidade cultural com uma civilização comum e linguagens similares. Para além das características linguísticas comuns, este povo também manteve no seu processo de fixação em diferentes pontos de África, uma base de crenças, rituais e costumes muito similares; uma cultura com características idênticas e específicas que os tornam semelhantes e agrupados. 21 o papel do Estado e da sociedade civil na conservação do patrimônio cultural e do ambiente urbano na Ilha, o estado de conservação em que se encontra o patrimônio cultural na Ilha de Moçambique, o patrimônio e a sua relação com o ambiente, o quadro institucional, no qual se apontam os principais instrumentos que se apoiam na conservação do patrimônio e no ambiente. Para o efeito, foram revisadas as convenções internacionais, leis, decretos, resoluções, posturas camarárias municipais moçambicanas, Planos de Gestão e Planos Integrados de Desenvolvimento da Ilha de Moçambique, normas e artigos pertinentes ao assunto. No capítulo cinco, faz a análise do processo histórico do patrimônio cultural em Moçambique e da formação dos órgãos nacionais de tutela, o processo de patrimonialização da Ilha de Moçambique, ações para a conservação do meio ambiente urbano e do patrimônio cultural e usos sociais do patrimônio. No capítulo seis, são expostas e analisadas as percepções da população local a respeito da conservação do ambiente e da cultura. O trabalho termina com as conclusões sobre o tema tratado e algumas recomendações para ações futuras e as referencias bibliográficas usadas na concretização desta dissertação. 1.2. A Pesquisa na Ilha de Moçambique A população da Ilha de Moçambique, em particular da cidade de Macuti, esteve durante anos vivendo em habitações sem condições físicas adequadas, construídas com material frágil e precário (terra socada, palha, capim). As moradias tinham esse material construtivo, tradição típica de da África. Entretanto, o regime colonial 1498-1975, tornou esse material obrigatório para a população, impedindo que esse material fosse substituído por outros tipos e que houvesse novas habitações. E, de acordo com a Miranda (2005, p. 44), a moradia e posse da terra regularizada constituem condições mínimas para o respeito à vida, à liberdade e à dignidade, protegendo necessidades indispensáveis à realização da condição de humanidade, independentemente de suas diferenças. Portanto, as moradias devem ser habitáveis, tendo condições físicas que não prejudiquem a saúde das pessoas e salubridade adequada. A alteração da estrutura arquitetônica, a ampliação, bem como a mudança de material de construção tradicional para o convencional das moradias dessas populações entra em contradição com a pertinência e a necessidade de conservação do patrimônio histórico e 22 cultural e ambiental urbano da Ilha, elevada a Patrimônio Cultural da Humanidade. Esta situação implica em colocar as seguintes questões: Em que medidas as políticas públicas de conservação do meio urbano e do patrimônio cultual entram em contradições com a realidade local Qual é a percepção da população sobre a importância da Declaração da Ilha de Moçambique como Patrimônio Mundial nas suas vidas? De quem é a responsabilidade de manutenção de um imóvel classificado como patrimônio cultural? De que forma as políticas públicas incentivam a população local a participar na conservação ambiental, do patrimônio cultural e desenvolvimento local? De que forma o proprietário de um imóvel considerado patrimônio cultural pode manter o seu imóvel? Em que medidas a substituição do material tradicional por material convencional na construção das casas na Cidade de Macuti, que por sinal significa melhoria de condições de vidas dos seus proprietários, entram em contradição com as políticas de conservação do patrimônio cultural? 1.3. Metodologia Para o presente estudo, adotou-se o método qualitativo como uma forma de entender e trabalhar a paisagem adotada pelo grupo de pesquisa: Paisagem, Cultura e Participação Social, da FAU e PROCAM- USP, o qual esta pesquisa se vincula. Esse método, segundo Sandeville Jr (2004), possibilita ao pesquisador repartir, conjuntamente com quem produz e vive a paisagem estudada, sentimentos, memórias e práticas. Este método procura, a partir do convívio com os protagonistas do processo em estudo, descobrir como e por que as coisas ocorrem e como ocorrem. De acordo com Psathas (1973) apud Bogdan & Biklen (1994, p. 51), nesse método o investigador procura desenvolver empatia para com as pessoas que fazem parte do estudo, fazendo esforço concertado para compreender vários pontos de vista, com o objetivo de perceber aquilo que os sujeitos de investigação experimentam, o modo como interpretam as suas experiências e o modo como eles próprios estruturam o mundo social em que vivem. Deve-se atentar também para as contradições em que se tecem as experiências de vida desses protagonistas. 23 Com base na opção metodológica adotada foi possível perceber as relações entre as políticas públicas que promovem um local como Patrimônio Cultural da Humanidade, aparentemente sem a participação dos sujeitos que habitam a Ilha e que continuam agindo como agentes transformadores do meio que os rodeia, na perspectiva de melhorar as suas condições de vida. Por isso, se adotou a investigação qualitativa na perspectiva de compreender e interpretar a complexidade da situação que ali se vive, bem como encontrar respostas para algumas das questões de pesquisa. 1.3.1. Trabalho de campo O trabalho de campo foi feito nas cidades moçambicanas de Maputo e Ilha de Moçambique, no período de Janeiro a Maio de 2012. Começou com uma visita exploratória nas primeiras duas semanas de Janeiro às instituições ligadas à gestão do Patrimônio Cultural, nas Cidades do Maputo e Ilha de Moçambique. Da terceira quinzena de Janeiro a Maio de 2012, desenvolveu-se o trabalho de campo, sobretudo, na Ilha de Moçambique. Junto aos gestores buscou-se a inteiração das atividades desenvolvidas em prol da conservação do ambiente urbano, do patrimônio cultural e das dificuldades para a sua efetivação. 1.3.2. Observação direta De acordo com Marconi e Lakatos, (2008, p. 78), a observação é uma técnica de coleta de dados para conseguir informações de determinados aspectos da realidade. Além de ver e ouvir, o observador também examina os fenômenos que se pretende estudar. Portanto, é uma técnica de coleta de dados que utiliza os sentidos para compreender determinados aspectos da realidade. Ela permite identificar e obter informações a respeito de situações sobre as quais os indivíduos não têm clareza, mas que orientam seu comportamento. Ainda, de acordo com estes autores, a observação direta permite: • compreender o contexto no qual se desenvolvem as atividades; • testemunhar os fatos, sem depender de informações de terceiros; • perceber aspectos que escapam aos participantes, rotineiramente envolvidos com a situação; • captar aspectos de determinada situação sobre os quais os participantes não desejam falar numa entrevista, por ser um tema delicado ou embaraçoso; 24 • trazer para a análise as percepções do próprio observador, que, ao serem confrontadas com as percepções dos entrevistados, fornecem uma visão mais completa do objeto estudado; • formar impressões que extrapolem o que é possível registrar, mesmo nas mais detalhadas anotações de campo, e que podem auxiliar na compreensão do objeto de auditoria e suas interações. Portanto, a observação direta feita ao longo do trabalho de campo, permitiu uma maior compreensão de aspectos ligados ao tema e ao cotidiano dos habitantes da Ilha. Através da observação direta, com procedimentos formais (baseados em protocolos de observação: entrevistas semiestruturadas) e informais (entrevistas abertas), foi possível registrar os acontecimentos e avaliar a incidência de certos de tipos de comportamentos, entre os quais a relação dos habitantes com o meio ambiente urbano, o meio natural circundante, os bens patrimoniais, as manifestações culturais presentes na Ilha, o trabalho de artesanato, a construção de moradias e construção naval, atividades de pesca e outras semelhantes. Por fim, a observação direta ajudou na identificação dos principais interlocutores (que depois foram entrevistados) na discussão dos problemas do desenvolvimento das entrevistas. As evidências obtidas nas entrevistas abertas foram úteis para as informações adicionais sobre o tópico em estudo. De uma forma geral, a observação direta forneceu dados que permitiram compreender a problemática da conservação do ambiente urbano e do patrimônio cultural da Ilha de Moçambique. Durante o período de trabalho de campo, foram desenvolvidos vários debates relacionados com a situação da conservação e desenvolvimento socioeconômico e cultural da cidade, alguns organizados pelo Gabinete de Conservação da Ilha de Moçambique, outros pelo Conselho Municipal e pelo Governo do Distrito, que forneceram informações para o trabalho. Foi feito também o registro fotográfico, sobretudo, do patrimônio edificado (tanto da cidade de Pedra e Cal como a de Macuti), do patrimônio imaterial (expressões culturais tais como os ritos de iniciação, indumentária, gastronomia, arte construtiva, artesanato), atividades socioeconômicas (a pesca, comércio, turismo, produção do sal, a construção naval e o dia-adia das pessoas). 25 1.3.3. Entrevista semiestruturada A entrevista serviu para construir informações pertinentes para objeto de estudo e foi a principal etapa do trabalho de campo. Para Manzini (1991, p. 154), a importância da entrevista semiestruturada está no fato dela focalizar em um assunto sobre o qual se elabora o roteiro de perguntas principais, geralmente complementadas por outras questões que momentaneamente possam surgiu no decorrer da entrevista, uma vez que as respostas não estão condicionadas a um padrão de alternativas. Para assegurar o cumprimento dos objetivos da investigação, foi elaborado um protocolo de entrevistas que serviu de guia para a condução na interlocução. Nele havia perguntas que foram colocadas aos interlocutores sobre suas percepções a respeito da conservação ambiental na Ilha e do Patrimônio Cultural da Humanidade. Foram entrevistadas 33 pessoas entre gestores, membros da comunidade, representantes de instituições que trabalham em prol do desenvolvimento da Ilha de Moçambique, destes 02 residentes em Maputo e 31 na Ilha de Moçambique. As respostas forneceram informações acerca do que as pessoas sabem, esperam, sentem, ou desejam, pretendem fazer, aquilo em que creem, bem como suas explicações ou razões a respeito das políticas públicas de conservação do ambiente e do patrimônio cultural na Ilha de Moçambique. Na escolha do método, teve-se em conta a necessidade de descrever e de explicar os fenômenos abordados pelo projeto, valorizando-os em seus aspectos qualitativos, através do qual se expõe a complexidade do tema em estudo. Assim, as entrevistas foram aplicadas tanto individual, como coletivamente. A identificação dos entrevistados seguiu três categorias de interlocutores considerados no presente estudo: • Gestores Públicos: Profissionais que trabalham diretamente com a gestão e conservação do patrimônio cultural na Ilha de Moçambique, tais como: Chefe do Departamento da Cultura e do patrimônio, Diretor do Turismo, Desenvolvimento e Planejamento Territorial; Diretor dos Serviços Urbanos do CMIM, Vereador da Área de saneamento Ambiental do CMIM, Diretor do GACIM, Assessor do GACIM; Coordenador da Rádio Comunitária da Ilha de Moçambique e Representante da UNESCO na Ilha de Moçambique. 26 • Organizações Sociais: Membros da Associação dos Amigos da Ilha de Moçambique – AAIM (2); Associação de Pequenos Empresários Turísticos – APETUR (2), Associação dos Pescadores da Ilha de Moçambique - ASSOPIMO (2), Associação das Mulheres Empreendedoras da Ilha de Moçambique - ORERA-ORERA (2); Associação Cultural das Mulheres da Ilha de Moçambique - ACUMIM (2); • Comunidade em Geral: Os naturais da Ilha, com mais de 30 anos de idade e outros residentes no local há mais de 10 anos. Os primeiros contatos com os entrevistados eram feitos de diversas formas entre as quais telefônica, visitas à locais de trabalho e de residência e encontros ocasionais. A seguir eram aplicadas as entrevistas. Houve casos em que, a partir de um entrevistado ou de um grupo de entrevistados se identificaram outros. A marcação das entrevistas incluía informação sobre o assunto, marcação de data, hora e local, conforme a disponibilidade de cada entrevistado ou grupo de entrevistados. As principais línguas de comunicação foram o português e o makhuwa (língua falada pela população local). A língua makhuwa era usada somente em circunstâncias específicas, e com recurso a intérpretes, sobretudo, quando o entrevistado mostrasse dificuldades de comunicação em língua portuguesa, ou quando assim o quisesse. Todas as entrevistas foram gravadas em aparelho digital, e partes delas registradas em blocos de apontamentos, como nomes, datas, locais, função, idade, ente outros aspectos. Por sua vez, estas eram transcritas em formato digital, com vista a facilitar o processo. Para organizar a informação dos entrevistados foi utilizada a técnica de fichamento, que consistiu em registrar os dados dos entrevistados (o nome, a data e o local da entrevista, idade e local de nascimento, profissão, estado civil). 1.3.4. Sistematização e tratamento de dados das entrevistas A sistematização de dados consistiu na transcrição dos discursos orais recolhidos através de gravador digital em discursos escritos e da organização dos dados em geral. As transcrições foram feitas imediatamente ao fim do dia, após a realização das entrevistas, com vista a possibilitar a recuperação com maior precisão, as impressões do encontro. 27 Para executar o processo de transcrição das entrevistas, foram utilizados os procedimentos descritos por Thompson (1992), caracterizados pela transcrição integral do material gravado. Para o caso das entrevistas gravadas em língua emakhuwa, foram feitas as transcrições e respectivas traduções para a língua portuguesa com recurso de intérpretes. As transcrições e traduções foram incialmente registradas em blocos de apontamentos e depois digitalizadas. As entrevistas gravadas em língua portuguesa foram transcritas diretamente num computador para evitar o duplo exercício e possíveis distorções em função da grafia. Uma vez realizada a primeira etapa da transcrição, fez-se o trabalho de conferência das transcrições. Nessa etapa, ouviu-se novamente a gravação e comparou-se com o texto transcrito, e, quando necessário, foram efetuadas correções de datas, nomes de pessoas e lugares. 1.3.5. Procedimento de análise de dados recolhidos A análise de dados foi feita com base nas informações bibliográficas, documental, observação direta e entrevistas, na qual se procurou entender como as políticas públicas, sendo instrumentos veiculadores e legitimadores de normas/regras socialmente aceites se configuram numa relação de continuidade ou de descontinuidade com a dinâmica sóciopolítica do contexto em que ela se encontra e se desenvolve, isto é, entender a relação políticas/população como uma relação de interação. Este fato implica cruzar uma perspectiva de análise documental com o contato direto com os gestores públicos, para perceber o que tem sido feito para a ligação entre as políticas públicas e as práticas cotidianas da população local, bem como para compreender as percepções dos diferentes intervenientes sobre a sua participação na conservação ambiental e na salvaguarda do patrimônio cultural na Ilha de Moçambique. A análise da informação coletada durante o estudo é essencialmente temática, uma vez que, segundo Bardin (1994) apud Cimalawoonga (2011, p.87) é rápida e eficaz por se aplicar a discursos diretos e simples. E para Bardin (1977, p. 95) & Michel (2005, p. 70), esta técnica permite aprofundar a análise do conteúdo das informações prestadas pela pessoa que fornece os dados, por um lado, e, por outro, permite analisar com profundidade a pertinência das respostas, a lógica, a coerência, a fidedignidade dos mesmos e evita eventuais distorções e omissões voluntárias. Portanto, constitui a técnica que procura compreender o sentido da comunicação das 28 entrevistas e descobrir o que está por detrás das mensagens, ou seja, o significado da mensagem de natureza psicológica, sociológica, política e histórica. Por fim, os resultados da análise das diferentes categorias foram agrupados em oportunidades e desafios. 29 2. APRESENTAÇÃO DA ÁREA DO ESTUDO – ILHA DE MOÇAMBIQUE 2.2. Localização Geográfica e Características Físico-Ambientais A Ilha de Moçambique localiza-se na costa do Oceano Índico, a 180 km, a Leste da cidade de Nampula, capital e dista cerca de 2.400 km da cidade de Maputo, capital de Moçambique. É um dos 150 Distritos da República de Moçambique. Tem uma área territorial de 445 km² e forma um arquipélago de que fazem parte três pequenas ilhas não habitadas, a Ilha de São Lourenço, onde está localizado o Fortim S. Lourenço, a Ilha de Goa e a Ilha de Sena (popularmente denominada, Ilha das Cobras). No que se refere ao aspecto político-administrativo, esse Distrito está integrado ao território mais amplo da Província de Nampula, administrada por um Governador Provincial. Esta província compreende 23 distritos cuja gestão está a cargo de Administradores distritais. Por sua vez, os Distritos dividem-se em Postos Administrativos e localidades. O Distrito da Ilha de Moçambique encontra-se dividido em duas partes, a porção continental (Posto Administrativo de Lumbo) e a porção insular (Posto Administrativo da Ilha), que também é denominado pela população local por ―Omuhipiti”, nome que no capítulo três se explica. A ligação entre as duas porções é estabelecida por via rodoviária, através de uma ponte construída na década de 1960, com aproximadamente 4 quilómetros de comprimento, e por via marítima, através de pequenas embarcações artesanais. Neste contexto, a denominação ―Ilha de Moçambique” refere-se simultaneamente ao Distrito, ao Posto Administrativo e à Cidade/Município, entes político-administrativos que se encontram sobrepostos no mesmo território. Enquanto Distrito, a Ilha de Moçambique tem como entidade máxima o Administrador. Para além da estrutura governamental, o Distrito da Ilha de Moçambique possui quatro regulados (liderança comunitária, escolhida no meio da comunidade local), sendo dois na parte insular e dois na parte continental. Essa liderança trabalha em estreita colaboração com os secretários dos 32 bairros do distrito como um todo. Ao nível das comunidades encontram-se as lideranças comunitárias, que constituem elos entre a população e as autoridades administrativas e governamentais (Conselho Municipal e Governo da Cidade). 30 A parte insular constitui o recorte espacial da área do estudo da presente dissertação, tem uma área de aproximadamente 1,5 quilómetros quadrados e está orientado no sentido nordeste - sudoeste à entrada da Baía de Mossuril. Entretanto, os aspectos relacionados, sobretudo com os setores da Educação, Saúde, Pesca, Indústria e agricultura, serão tratados no contexto do distrito como um todo. A figura 2 ilustra a localização da área de estudo, no contexto da África, Província de Nampula e Distrito da Ilha de Moçambique. Figura 2- Localização da área de estudo. Fonte: Base Cartográfica dos Serviços de Geografia e Cadastro, 1956. Organização: Priscila Ikematsu 31 A Ilha é formada por oito bairros agrupados em dois conjuntos urbanos: a "Cidade de Pedra e Cal", europeia, constituída pelos edifícios construídos com base, principalmente em pedra e cal, onde se concentram infraestruturas residenciais, comerciais, hoteleiras, serviços governamentais e não governamentais e monumentos (fortalezas, igrejas, palácios, templos, museus e capelas); e a "Cidade de Macuti", tipicamente africana, construída com base em material tradicional (pau-a-pique, argila e com cobertura de palha de palmeiras e capim), predominantemente residencial, embora tenha pequenos focos de atividade comercial e artesanal. É na Cidade de Macuti que vive a maior parte da população nativa da Ilha de Moçambique. A Figura 3 destaca as características dos dois conjuntos urbanos. Figura 3- Características da Cidade de Macuti (Africana) e Cidade de Pedra e Cal (Europeia) Fotos: Lucia Omar (2011) Organização: Priscila Ikematsu No que concerne às características físico-ambientais, a Ilha de Moçambique faz parte do grupo de Ilhas formadas por grés costeiro através da precipitação de cloreto de cálcio e da cimentação subsequente das partículas de areia. Sobre essa camada de grés costeiro, uma formação rochosa mais recente é composta de grés costeiro e organismos marinhos fossilizados, especialmente corais. Parte dos solos da Ilha é coberta por uma camada de areia terciária branca e fina. 32 De uma forma geral, na Ilha de Moçambique predomina a formação de rochas sedimentares do período Quaternário, mas com algumas formações do Terciário e do Cretáceo. No entanto, não se conhecem estudos sobre a ocorrência de jazidas de minérios na região. A topografia é relativamente plana e o nível varia entre 9,07 metros acima do nível médio das águas do mar (HATTON et al., 1994). A parte Sudoeste que atinge os bairros Litine, Macaripe e Esteu, situa-se num nível muito abaixo, criam situações extremamente desconfortáveis para os seus habitantes no tempo das chuvas, pois o alagamento é inevitável e o escoamento é sempre lento ou mesmo nulo devido ao tipo do solo e a ocupação que se configurou ao longo do tempo. Segundo a Classificação de Köeppen, o clima da Ilha é do tipo Aw, tropical úmido, caracterizado por apresentar duas estações: uma chuvosa de Novembro a Março e outra seca, de Abril a Outubro. É uma região que sofre influência da ZIT (Zona de Convergência Intertropical), que causa variações climáticas ao longo do ano. As médias anuais oscilam entre 27°C a 29°C, no mês mais quente e entre 21ºC a 23ºC no mês mais frio. Em Dezembro registam-se as temperaturas médias acima de 28ºC. Os ventos de Leste prevalecem entre Junho e Setembro, na época mais seca, enquanto os ventos de Sul iniciam em Novembro, com o início da época chuvosa, e prolongam-se até meados de Abril-Maio. A precipitação média anual é de cerca de 800 mm, com um máximo de 100 a 150 mm por mês de Janeiro a Março. A umidade relativa é de 79,5% (HATTON et al.,1994). E por se situar na faixa de ocorrência dos ciclones provenientes do Oceano Índico, a Ilha de Moçambique também sofre influência de ciclones que ocorrem com maior frequência nos meses de Janeiro a Março. No entanto, a zona é afetada apenas marginalmente, visto que os ciclones atingem em geral o litoral de Moçambique e só na fase de dissipação é que se estendem à costa da Ilha de Moçambique, podendo, no entanto, causar grandes danos, como os casos dos ciclones Nádia e Jokwe, ocorridos na faixa costeira moçambicana em 1994 e 2008, respectivamente. No que toca à vegetação, pode-se afirmar que, ao longo dos anos a intervenção humana gerou profundas modificações na cobertura vegetal original. Atual vegetação da Ilha é resultante da introdução de várias espécies provenientes da zona continental, bem como da Ásia, América Latina e da Austrália. Hatton et al (1994, p.10), assinalam a predominância de árvores ornamentais, tais como a casuarina, plantada ao longo das praias, a palmeira (Coccos 33 musciferal), jacarandá (Jacaranda mimosifolia), acácia amarela (Cassia simaea), acácia vermelha (Cassia sp), amargosa (Azadirachta indica) e figueira-brava (Ficus sp), que contribui com as suas raízes na destruição da maioria das casas na Ilha de Moçambique. Persistem ainda ao longo das praias alguns manguezais que não só ajudam a prevenir a erosão da costa, mas também, fornecem habitat para muitas espécies de aves, incluindo os grandes flamingos, a cegonha-de-bico-amarelo, a garça-cinzenta, as graçolas, a ave-martelo, picapeixe, pernaltas (tarambolas, andorinhas, gaivotas e outras). As extensas comunidades de ervas marinhas e algas que ocorrem nos baixios arenosos e argilosos em redor da Ilha favorecem um habitat favorável aos mamíferos marinhos como os golfinhos (Sousa chinensis, Tursiops truncatus e Stenella longirostris) e o dugongo (Dugong dugon), assim como tartarugas marinhas, diversas espécies de corais duros e moles, e uma gama variada de espécies de peixes. A sobrevivência da maior parte da população da Ilha de Moçambique está estreitamente relacionada aos recursos naturais, seja marítimo, seja florestal e faunístico. Pois, para esta população os recursos naturais assumem um valor inestimável, já que: as conchas são utilizadas no artesanato; os peixes constituem a maior fonte de sua alimentação; a pedra calcária é empregada na construção civil; o manguezal é usado como fonte de energia sob a forma de combustível lenhoso ou como carvão, dentre vários outros usos cotidianos dos recursos naturais como plantas medicinais, por exemplo. 2.3. População e Características Socioeconômicas e Culturais 2.3.1. População A evolução da população da Ilha de Moçambique variou em função das dinâmicas sócio-políticas e econômicas locais e internacionais. Assim, constata-se que o número da população da Ilha de Moçambique sofreu um decrescimento de 12.000 habitantes em 1962 para 8.200 habitantes em 1968. Refere-se ainda que esse número apresentou maiores índices de decrescimento após a Independência em 1975 (HATTON et al, 1994, p. 12). O primeiro censo populacional realizado em 1980, registrou um número de 6.837 habitantes. Em finais de 1991, registrou-se uma população total de 11.988 pessoas, distribuídas em 2.077 agregados familiares, o que significa 5,77 pessoas por agregado familiar. Devido à guerra civil, no período de 1980 a 1991, a Ilha de Moçambique registrou um crescimento populacional anual em torno de 5% (HATTON et.al, 1994. op.cit). 34 O crescimento populacional verificado na cidade a partir dos finais da década de 1980 acompanha o que se observou em todas as áreas urbanas do país e é explicado, para além do crescimento natural, que continua elevado, por um fluxo migratório do campo-cidade muito acentuado devido à insegurança das áreas rurais durante a guerra civil, assim como ao fraco desenvolvimento do campo. Isto fez com que a Ilha se transformasse numa espécie de miragem para se conseguir segurança e melhoria das condições de vida para a população rural. Este é um fator social muito antigo que explica as migrações campo-cidade, mas que no caso de Moçambique, de uma forma geral, foi bastante potencializado pela guerra civil que afligiu o país durante longos anos. Os dados do levantamento populacional feito entre os anos 1994 e 1997 indicam uma estabilização da população de 12.000 e 13.000 habitantes, respectivamente, constituída majoritariamente por jovens em média de 18 anos, fato justificado pela alta taxa de fecundidade que ali é carcterística (MUTAL, 1998). Neste contexto, o 3° Recenseamento Geral da População e Habitação realizado em 2007 confirma a tendência crescente do número de habitantes de Ilha de Moçambique, de 13.000 habitantes em 1997 para 17.000 habitantes em 2007, das quais 8.630 homens e 8.370 mulheres. Do total de ambos os sexos, 8.320 habitantes corresponde à população economicamente ativa. Arantes (2010) coloca que, para além das razões já apontadas, outros fatores que estimulam o fluxo contínuo de pessoas do continente para a Ilha são as expectativas alimentadas pela proclamação da Ilha como Patrimônio da Humanidade, os discursos subsequentes em torno desse importante acontecimento, os esforços de divulgação através dos órgãos de comunicação social e pelos projetos, pela grande movimentação dos turistas nacionais e estrangeiros, pelas reuniões e seminários reforçam nos habitantes a ideia de que vale a pena aguardar dias melhores na Ilha e não fora dela. No entanto, a população desta cidade encontra-se concentrada em dois bairros Museu, que compõe toda a Cidade de Pedra e Cal e o do Litene, um dos sete bairros da Cidade de Macuti. As fontes documentais tais como relatórios do Governo do Distrito da Ilha e do Gabinete de Conservação da Ilha de Moçambique (GACIM) constatam que a concentração da população nesses dois bairros, como mostram os dados na tabela 1, está associado ao processo histórico de formação da cidade e ocupação do espaço. O bairro do Museu (único da Cidade de Pedra e Cal) foi o primeiro a ser criado na Ilha e é onde se implantaram as primeiras infraestruturas sociais e econômicas como hospital, escolas, 35 serviços administrativos, porto, estabelecimentos comerciais e correios, entre outros. Tempos depois, a população, constituída por escravos, migrantes, predominantemente de baixa renda, começou habitar nos locais da antiga pedreira, nos chamados bairros de Litine e Esteu e posteriormente os restantes bairros que compõem a Cidade de Macuti. Tabela 1: Distribuição espacial da população na Ilha de Moçambique em 2011 Cidade Bairro Pedra e Cal Museu 3.582 21 Litine 3.787 22 Esteu 1.879 11 Marangonha 1.253 7 Makaribe 1.595 9 Areal 1.790 11 Quirahi 1.471 9 S Antônio/Unidade 1.643 10 Macuti População total % TOTAL 17.000 100 Fonte: Adaptado pela autora com base nos dados do Relatório do GDIM, 2011, 2.3.2. Características Socioculturais Tradicionalmente, a população da Ilha de Moçambique encontra-se estruturada em linhagens, onde os membros dos diversos grupos sociais se identificam através da sua própria filiação. De acordo com Lerma (1987), é dentro dessas linhagens e dos substratos sociais e econômicos que se analisam as relações de dependência e a posição dos membros dos diferentes sexos e gerações nos processos produtivos e reprodutivos da sociedade tradicional emakhuwa, que é predominantemente matrilinear, cujos filhos pertencem ao nihimo (linhagem) da mulher e a sucessão se faz por via uterina. Entre os séculos XIX e XX assistiu-se à instalação das confrarias islâmicas na Ilha de Moçambique que se agregaram com as tradições locais, criando na zona litoral uma grande sobreposição entre as autoridades tradicionais e as autoridades religiosas islâmicas. Deve se referir que o Islão tornou-se, ao longo do tempo, “a religião das linhagens das elites e dos grupos miscigenados do litoral, descendentes dos árabes, indianos, comorianos e malgaxes”. Só mais tarde, a partir do início do século XX, é que a religião muçulmana se expandiu para as regiões do interland, atingindo as populações das Províncias de Nampula, Cabo Delgado e Niassa (LERMA, 1987). 36 Assim, existem na Ilha de Moçambique duas ordens de confrarias, correspondentes às duas primeiras que se estabeleceram na zona: a Xadulia, fundada em 1897 por um descendente do Sultão das Comores, com o nome de Tuarica Xadulia Liaxuruti, e a Cadiria, fundada em 1904 pelo Chehe Issa Bin Amad, de Zanzibar, com o nome Tuarica Cadiria Sadate2. Estas confrarias são predominantemente unidades culturais, com cerimonial e simbologia litúrgica próprios, organizadas para a gestão dos assuntos religiosos: culto, educação e ritos de transição. Têm, adicionalmente, responsabilidades na gestão dos conflitos intra-crentes e dos mecanismos de entreajuda interna. Portanto, elas são um importante veículo de disseminação do Islão e das formas de organização social e expressões culturais a ele associados, tendo criado um grande impacto na identidade cultural das populações. Dados do Plano Estratégico da Ilha de Moçambique (2010, p. 7) indicam que mais de 95% da população da Ilha de Moçambique professa a religião muçulmana e a língua predominante é emakhuwa. De fato, o islamismo é a religião predominante, ao lado de uma pequena minoria católica e seguidores de algumas denominações cristãs protestantes. Do Induísmo, que foi bastante presente na Ilha até algumas décadas atrás, restam apenas um templo e o crematório que são visitados ou utilizados esporadicamente por indianos ou descedentes de fora da Ilha. Na Ilha de Moçambique predominam danças típicas locais expressivas, como são os casos do Ntsope, Tufo e Maulide, todas de influência islâmica e associável às particularidades swahilis. Estas expressões artísticas fazem parte das novas formas de ritualização da vida social da Ilha de Moçambique (CESO-CI, 2008). Há que se referir que o tufu (Figura 4) é uma dança festiva executada nas mais diversas ocasiões (casamentos, encerramento dos ritos osinkiya, emwali, nascimentos, entre outras celebrações de carácter religioso e não religioso) atualmente praticada apenas por mulheres, anamwina, dirigidas por uma mestra que pode ser uma halifa (esposa de um sheik ou de um shehe, figuras da hierarquia religiosa muçulmana), também designada rainha ou raice. Na dança, os homens apenas participam como instrumentistas, tocadores de kotxokotxo (chocalhos de mão) e de batuques, localmente denominado de anatamboro, onde ‗ana‘, na língua emakhuwa, é o prefixo indicativo de pessoa que faz algo, e tamboro, um empréstimo da palavra portuguesa ‗tambor‘. (IPCI, 2010). 2 Boletim de Arquivo Histórico de Moçambique, 1998, p.61 37 Figura 4 - Dança Tufo. Fonte: (Matsinhe, 2010) A dança de Maulide (Figura 5) é praticada somente por homens, a sua palavra deriva do árabe Mawlid, o que significa ―aniversário do profeta‖. É uma manifestação de louvor, agradecimento e reconhecimento a Deus (Allah), razão pela qual a sua prática se inicia com uma oração, denominada de Duha. Na Ilha de Moçambique esse ritual adquiriu um sentido mais genérico e significa ―celebração‖ de modo geral, tais como nascimentos, casamentos, festas populares. Figura 5- Dança Maulide. Fonte: In. IPCIM (Matsinhe, 2010) A integração sociocultural dos jovens nas sociedades africanas, em geral, e a norte de Moçambique, em particular, é feita através dos ritos de iniciação que constituem a primeira escola da/do jovem. Os ritos de iniciação subdividem-se em femininos e masculinos. 38 Os ensinamentos são administrados pelas anamalaka e pelas namuko (tias maternas em representação das mães que não participam diretamente das encenações) com recurso a encenações, ilustrações, enigmas, contos e cânticos acompanhados pelo rufar de batuques das anamalakas, que versam sobre diferentes temáticas associadas ao contexto das tradições locais como, a hospitalidade, que obriga a mulher educada a acolher bem todos os parentes (do noivo e da noiva); a equidade, que motiva a mulher a não favorecer os seus próprios familiares em detrimento do marido; o sigilo sobre os problemas conjugais surgidos no lar; procurar pessoas idôneas para obter ajudas quanto aos problemas reincidentes (adultério, ofensas corporais, falta de respeito, insultos, recusa de sustentar a família, entre outros). 2.3.3. Condições de Vida da população – Laços de entreajuda A vida da população da Ilha de Moçambique não difere tanto em relação a de muitas cidades cuja separação entre o centro e a preferia se confundem. O crescimento acelerado da população na Ilha, devido ao longo conflito armado, constituiu um terreno fértil para que as formas de solidariedade tradicional se transformassem gradualmente em novas formas de solidariedade no contexto urbano, formas essas baseadas em grupos solidários como a família, a comunidade de vizinhança ou os grupos religiosos, como são o caso das Confrarias religiosas que constituem um importante veículo de disseminação do islão e de organização social da comunidade na Ilha de Moçambique. Os agrupamentos culturais ligados a expressões artísticas musicais constituem uma rede institucionalizada de entreajuda e solidariedade e têm importantes dimensões económica e político-partidária. Os problemas da pobreza e da falta de emprego formal tornaram as atividades informais centradas no comércio, como uma das principais fontes de rendimento das famílias quer das nativas, quer das imigrantes, situação que de certa forma, proporcionou ao ressurgimento/fortalecimento de laços de solidariedade tradicional num espaço citadino, onde predomina a lógica de sobrevivência das famílias residentes. Portanto, aqui se considera atividades informais àquelas que desenrolam fora do controle oficial, à margem dos regulamentos e procedimentos que estruturam o sistema formal de produção e troca. A Organização das Nações Unidas (ONU, 1996), considera atividade informal toda atividade econômica que se desenvolve sem a sua formalização junto das entidades do governo nacional ou local, portanto, compreende essencialmente as chamadas atividades de sobrevivência. No âmbito das relações sociais, também se destacam as relações 39 que decorrem da ação direta e recíproca entre as pessoas, isto é, relações sociais decorrentes da vida familiar e das relações de vizinhança. Para Rodrigues (2006), as construções de redes de solidariedade no contexto africano se baseiam no privilégio dos laços de proximidade e de confiança contribuindo, desta forma, para a informalidade e pessoalidade das relações de base. As redes sociais de solidariedade e entreajuda no setor informal contribuem de certa forma para o crescimento e sustento destas atividades comerciais e consequentemente estimulam a emergência e o fortalecimento das relações sociais no seio das camadas mais desfavorecidas a nível institucional, uma vez que através do processo produtivo os homens estabelecem entre si determinadas relações de natureza social, no sentido em que têm de se associar e cooperar em quaisquer circunstâncias, tal como os entrevistados 10 e 11 se referiram e que sintetiza nas palavras do entrevistado 10, Somos pobres e a sobrevivência dos pobres se baseia em relações de entreajuda. Os pobres, aqueles que vivem dependentes de pequenos negócios e sem rendimentos estáveis precisam de se ajudar, de se apoiar em tudo e foi graças aos vizinhos, por exemplo, que conseguimos erguer essa barraca onde confeccionamos alimentos que vendemos e não podemos afirmar que a vida seja fácil aqui na Ilha e, sobretudo, para nós pobres, mas mesmo assim, não dá para sairmos daqui e fixar as nossas residências na parte continental sem ajuda de ninguém por duas razões: uma porque não temos dinheiros para comprar o terreno e a outra, para construir a casa. Aqui, apesar de não termos casas próprias e dinheiro para aguentarmos com as despesas do mês, há sempre vizinhos e amigos que podemos pedir pouco de sal, pouco de óleo de cozinha, pouco de lenha e assim os dias passam e isso porque amanhã, nós também daremos o que estiver em nosso alcance ‖3. As relações de entreajuda entre os membros da mesma confraria também se baseiam, por exemplo, na organização de trabalhos que envolvem cerimônias diversas relacionadas com aspectos socioculturais, na construção de casas, embarcações, estiques em dinheiros ou em sistemas de poupanças e em outras formas de convivência da população. Existe uma nítida divisão social de trabalho, na qual a pesca e atividades relacionadas com construções são reservadas aos homens e cabe às mulheres, crianças e velhos os trabalhos, sobretudo, domésticos e outras atividades consideradas leves. No entanto, uma característica que mais se destaca na Ilha de Moçambique, é o fato das atividades ligadas à agricultura serem praticamente reservadas às mulheres e crianças. Em muitos núcleos familiares na Ilha de Moçambique quem garante o sustento da é a mulher, principalmente naquelas em que os homens estão desempregados e não possuem 3 Os entrevistados 10 e 11 são sócios no negócio de confecção e venda alimentos confeccionados, sobretudo, aos pescadores que parte muito cedo ao alto-mar para suas diárias atividades. 40 negócios para o sustento. Nesses casos, as mulheres dedicam-se à pequenos negócios de venda de chá, mandioca com peixe frito e papinhas de milho para o sustento do seu lar. 2.4. Atividades Socioeconômicas De uma forma geral, a análise da economia da Ilha de Moçambique não pode ser separada a da economia global do Distrito devido a sua interdependência entre a parte continental e a do insular. Os recursos pesqueiros são abundantes, mas o aumento populacional associado à limitação dos meios de produção leva a uma sobre-exploração dos recursos nas imediações da Ilha, causando baixos níveis de capturas e rendimento. É de salientar que a população da Ilha de Moçambique é economicamente pobre e a maior parte das suas atividades estão baseadas no aproveitamento de recursos naturais existentes na zona, tais como, a pesca, comércio (formal e informal), produção artesanal de sal e agricultura, atividades praticadas na zona continental. O índice de desenvolvimento humano na Ilha de Moçambique é fortemente condicionado pela situação educacional do país. O baixo nível de instrução da população, por sua vez, se reflete também na sua baixa capacitação, dificultando a criação de alternativas de superação das vulnerabilidades e carências sociais, deixando de contribuir no combate à crise do mercado de trabalho, pois só os mais qualificados são selecionados para as escassas vagas aqui disponíveis. 2.4.1. Atividade pesqueira A pesqueira (Figuras 6 e 7) constitui uma das atividades base de sobrevivência da maior parte das famílias. Esta atividade é principalmente assegurada pelo sector familiar, o que faz com que a sua prática seja feita em moldes tradicionais, isto é, com o predomínio do uso de técnicas artesanais, como a rede de arrasto e o uso de canoas e barcos a vela. Esta atividade é desenvolvida pelos homens, cabendo às mulheres, crianças e velhos, o processo de apanha de mariscos. 41 Figura 6 - Atividade Moçambique. Fonte: (GACIM, 2011). pesqueira na Ilha de Figura 7- Compradores e revendedores do peixe a espera do regresso dos pescadores. Fonte: (GACIM, 2011) De acordo com o relatório anual do Governo do Distrito da Ilha de Moçambique (2011), existe um total de 1028 pescadores que se dedicam a esta atividade em regime de ocupação exclusiva, empregando um total de 1917 pessoas de forma sazonal, sem contar com outras centenas de indivíduos, sobretudo, mulheres e crianças que se dedicam a coleta de mariscos e crustáceos nos períodos de maré baixa. A organização desses pescadores varia bastante, podendo-se encontrar pescadores artesanais que operam isoladamente ou em grupos de dois a três sócios. As principais artes de pesca utilizadas são a draga, o arrasto para a praia, a rede de cerco a partir de barcos, as armadilhas, a linha de mão e a caça submarina com arpão, sendo algumas destas artes consideradas predatórias e ilegais devido à agressividade das mesmas para o meio ambiente, pois é uma pesca que pode limitar a produtividade pesqueira, quer seja sob ponto de vista biológica, quer econômica, porque retira do ambiente aquático mais do que ele consegue repor, provocando consequências desastrosas – com impacto social e o desequilíbrio ecológico. A indeterminação de período de defeso da pesca é outro problema na Ilha de Moçambique, pois, limita a reprodução do peixe e acaba prejudicando o repovoamento do ambiente aquático. 42 2.4.2. Atividade Agrícola Dada a inexistência terrenos para roças na parte insular, os dados do relatório anual do Governo da Ilha de Moçambique (2011), estima-se que 20% da população residente na Cidade da Ilha de Moçambique desenvolve agricultura na zona continental (Lumbo). As roças são relativamente pequenas e variam normalmente entre 1,5 a 3 hectares, variando de acordo com as condições econômicas e meios de produção que cada família possui. As principais culturas são o milho, mandioca, mapira, arroz, batata-doce, feijões e diversas hortícolas, que na maioria dos casos serve para a subsistência familiar. 2.4.3. Atividade Industrial Extração do Sal Esta é uma das atividades desenvolvida na zona continental e constitui a única atividade industrial relevante no contexto do Distrito, que apesar da sua existência datar há séculos, só conheceu a sua expansão nos anos de 1980 e 1990 com a abertura de novas cooperativas de produção de sal. Até 2011, as 45 unidades salineiras que existiam eram todas privadas e trabalham com níveis de produtividade muito diferentes, existindo algumas praticamente em estado de abandono. Destas salinas, apenas 28 possuem titulo e registo na Geografia e Cadastro. Não existe um registro confiável da produção alcançada por cada unidade, nem do número exato de trabalhadores que cada salina emprega, devido à falta de um órgão local e tutela da atividade que atualize o cadastro industrial. Os dados apresentados pelo Relatório Anual do Governo do Distrito de 2011 apontam para uma produção de sal de 32.000 toneladas, correspondendo a um aumento na ordem de 9,5% comparados com a produção dos dois anos anteriores. A quantidade de sal produzido num canteiro varia principalmente de acordo com o comportamento das marés. Assim sendo, de Setembro a Novembro pode-se produzir de 50 a 60 kg de sal/canteiro e em Dezembro, a produção pode subir de 80 a 90 kg/canteiro. O período de produção termina pouco antes do fim de Dezembro, quando começa em geral a época de chuvas. O sal produzido na Ilha abastece as províncias de Tete, Niassa e Manica, bem como aos países fronteiriços do Malawi e Zimbabwe. 43 Esta atividade constitui uma das importantes na economia da população da Ilha de Moçambique, por um lado, e, por outro, é aquele que mais apresenta impacto negativo direto sobre o ambiente, devido à devastação de grandes extensões de manguezal para o seu desenvolvimento. As Figuras 8, 9, 10 e 11 demonstram os impactos da atividade. Figura 8- Manguezal preservado Fonte: Arquivo – (GACIM, 2000) Figura10- Recuperação da área degrada de manguezal Fonte Arquivo – (GACIM, 2010) Figura 9- Processo de degradação do manguezal Fonte: Arquivo – (GACIM, 2012) Figura 21- Salinas - área de produção do sal. Fonte: Arquivo – (GACIM, 2011) 2.4.4. Atividade Comercial A Ilha de Moçambique tem mantido ao longo do tempo a sua característica secular de Entreposto Comercial da Região, portanto, uma intensa atividade comercial. Diariamente chegam a Ilha centenas de pessoas que compram e vendem produtos diversos. Contrariamente às atividades acima apontadas, esse setor é o que mais absorve a camada jovem da população da Ilha de Moçambique e é assegurado principalmente pelo comércio informal, fato geral em todas as cidades moçambicanas. 44 A descentralização do sistema de comercialização dos produtos de consumo para diversos pontos da cidade permitiu que cada parte cidade possuísse um mercado formal e diversos pontos de comércio informal. Nos mercados formais, os técnicos do Município cobram taxas e prestam alguma assistência em infraestruturas, apesar de incipiente. Nos mercados informais são cobradas algumas taxas, que supostamente se dizem destinar às melhorias das condições de saneamento nos locais onde se localizam, mas que na prática, pouco se faz sentir essa ação. A população da Ilha de Moçambique adquire produtos de consumo tanto num sistema de mercados formais como no outro, independentemente do lugar de residência ou de localização do mercado. No entanto, a rede de lojas no centro histórico constitui um mercado de consumo que continua a ser o ponto de convergência de toda a população. Ainda no sistema de relações de trocas comerciais com o resto do distrito, diariamente dezenas de pessoas se deslocam à cidade para venderem diversos produtos agrícolas como manga, abacaxi, mamão e banana, feijão cuté, diversas hortícolas, abóboras, pepinos, mandioca seca, amendoim; produtos pesqueiros como peixe, camarão, caranguejo e outros mariscos; ovos, galinhas; objetos artesanais, lenha e carvão. Ali também compram produtos industrializados tais como sabão, açúcar, arroz, farinha de trigo, óleo alimentar, peças de roupa, capulanas (canga), diversos utensílios domésticos e petróleo. Com maior destaque no setor do comércio informal estão as mulheres que diariamente se deslocam às ruas e às praias para vender os diversos produtos alimentares já confeccionados (Figuras 12 e 13). Os principais consumidores dos mesmos são, na sua maioria, os pescadores que partem para o mar muito cedo e retornam às cinco da tarde, bem como alguns turistas jovens. Estas mulheres trabalham diariamente entre as 5 horas da manhã até às 5 da tarde, sob intenso calor e em palhotas totalmente degradadas e sem condições higiênicas para o tipo de atividade. 45 Figura 12- Produção de alimentos na Ilha de Moçambique. Fonte: (Lucia Omar, 2012) Figura 13 - Mulheres vendendo alimentos diversos nas bermas da praia, junto ao mercado do peixe. Fonte: (Lucia Omar, 2012) É de realçar que o comércio informal tem elevado peso nas trocas comerciais da região e, concomitante, no emprego e na subsistência da população. Como foi referido, é o setor que ocupa grande parte da população ativa da Ilha. Esta atividade tem se apresentado como uma estratégia frente à inexistência de condições adequadas de conservação e transporte de bens alimentares perecíveis, notadamente o peixe, que é um dos principais produtos da Ilha. As segundas-feiras são reservadas para a realização da feira comercial na cidade da Ilha (figuras 14 e 15), que geralmente é realizada no mercado localizado no Bairro Areal, na chamada ponta da Ilha. E, aos domingos, a feira é revertida para a parte continental. Figura 14- Feira comercial realizada nas segundas feiras. Fonte: (Lucia Omar, 2012) Figura 15- Feira comercial na Ilha de Moçambique. Fonte: (Lucia Omar, 2012) 46 2.4.5. Turismo O turismo é considerado uma atividade importante na Cidade da Ilha de Moçambique. Os dados do relatório do Governo do Distrito da Ilha de Moçambique 2010 indicam que o setor emprega um total de 222 trabalhadores. Os principais polos de atração são os principais Monumentos, como o Palácio Museu de São Paulo (que contempla os Museus de Arte Sacra, da Marinha e Decorativa); Largo do Coreto, Estátua de Vasco da Gama, Igreja da Misericórdia, Fortaleza de São Sebastião que também contempla (a Capela manuelina de Nossa Senhora de Baluarte); Templo Hindu, Jardim de Memória da Escravatura, Igreja de Santo Antônio, Capela de São Francisco Xavier, Igreja de Nossa Senhora de Saúde, Estátua de Luís de Camões, rua dos arcos, Mercado Municipal, Mesquita Grande (Central), Capitania, Escola de Artes e Ofícios, hospital da ilha de Moçambique, Tribunal, Edifício do Conselho Municipal da Ilha de Moçambique, Crematório Hindu, Ponte-Cais e a Cidade de Macuti. Após a classificação da Ilha como Patrimônio Cultural da Humanidade em 1991, o turismo passou a assumir um papel de destaque na economia de uma parcela da população da Ilha de Moçambique. Figura 16 - Cruzeiros de turistas internacionais que geralmente fazem escala a Ilha de Moçambique entre os meses de Julho/Outubro. Fonte: (Shehe Hafiz Jamu, 2007) Entretanto, para que a Ilha possa satisfazer os propósitos dos seus visitantes, é necessário investir na área de infraestruturas e no potencial humano, pois esses constituem os principais entraves para tornar esse ponto do país como um destino preferencial de turistas. 47 Na cidade de Macuti, que constitui um dos grandes atrativos de turistas, os seus habitantes não dispõem de infraestrutura de saneamento ambiental e serviços de qualidade para atender às suas próprias necessidades e essa situação se agrava quando em função dos fluxos de visitantes. O número de visitantes que chega a Ilha varia de ano para ano. Os dados do Governo do Distrito indicam que o período com pico máximo tem sido entre Agosto a Outubro. Em 2010, a Ilha recebeu um total de 2.740 turistas, dos quais 684 nacionais; em 2011, o número quase que triplicou para 6.532, sendo 3.048 nacionais4. De acordo com dados de cadastros efetuados pelo setor do Turismo no Distrito indicam que os turistas estrangeiros que visitam a Ilha de Moçambique apresentam o seguinte perfil: 60% têm entre 20 a 65 anos de idade, sendo de 40% entre 24 a 30 anos de idade, pois, a maior parte desses turistas são estudantes universitários e para os casos de turistas nacionais, a maior parte é constituída por estudantes do ensino médio e profissional. E isto significa que quase 70% dos visitantes se encontram na idade ativa e apenas 30% aposentados5. Em relação à origem dos turistas, os dados não permitem discriminar. No entanto, de uma forma geral, pode-se ver que a maior parte do grupo de turistas é constituída por estrangeiros. O contato direto com área de estudo tornou possível observar que a maior parte de turistas estrangeiros que visita a Ilha de Moçambique tem a sua origem na Europa e, sobretudo, Portugal e Espanha, seguida pela República de África do Sul. A gastronomia constitui também o motivo de interesse em visitar a Ilha de Moçambique, segundo os dados fornecidos pelo relatório do Governo do Distrito. O período de permanência dos turistas estrangeiros na Ilha é em média três dias, de acordo com as informações de alguns turistas contatados. 2.5. Serviços Sociais e Infraestruturas 2.5.1. Educação Uma população educada é fundamental para o desenvolvimento nacional. Combinada com boas políticas macroeconômicas, a educação é considerada um fator-chave na promoção do bem-estar social e na redução da pobreza, pois, pode afetar positivamente a produtividade 4 5 Relatório anual do GDIM, (2011. Idem. 48 local ou nacional e, por via disso, determinar padrões de vida da sua população. A educação é um o processo pelo qual a sociedade prepara os seus membros com vista à sua própria continuidade e desenvolvimento. Este afirmação é fundamentada por Gruber, apud Chimalawoonga (2011, p. 52), ao considerar que ―o principal objetivo da educação em qualquer sociedade é salvaguardar a sua continuidade”. Ainda de acordo com este autor, a educação constitui o meio que possibilita a superação e melhoria da condição humana marcada por carências e limitações, pois, ―o objetivo de toda e qualquer ciência é humanizar, isto é, promover o homem de sua condição humana menor para a maior”. No contexto da valorização do patrimônio cultural imaterial, a análise do fator educação passa necessariamente pela abordagem da educação informal, que compõe os ritos de iniciação (masculinos e femininos), nubilidade (femininos), parte importante do sistema de educação tradicional, em virtude do alto valor social e simbólico que lhes é atribuído pelas sociedades africanas, sobretudo a Norte de Moçambique. Por se considerar que a Ilha de Moçambique é constituída majoritariamente pela população que professa a religião muçulmana, a madrassah6 ocupa uma posição de destaque na educação de jovens neste distrito. Até bem pouco tempo atrás, provavelmente uma década, a educação informal muçulmana (madrassah) era a primeira preferência dos pais. Para a população muçulmana, é uma honra ver seu filho a ler e escrever em árabe, a única língua até agora usada na escrita e na transmissão dos ensinamentos e das leis islâmicas. Para Novelli (2001, p.8), a educação proporciona o segundo nascimento do indivíduo porque o torna autônomo, senhor de si no convívio de seu povo. A autonomia é uma conquista do indivíduo porque este precisa aderir à proposta de seu povo e renunciar suas particularidades e exclusivismos. Isso não se dá no âmbito da natureza reduzida ao em si de si mesmo, ou seja, enclausurada numa existência determinada. Portanto, a educação diz respeito à existência de indivíduos e de como estes vêm a ser individualidade coletivizada e coletividade individualizada. Na Constituição da República de Moçambique (1990, p. 26), no seu artigo 88, estabelece que, a educação constitui um direito e um dever de cada cidadão‖ e que o Estado promove a extensão e o acesso equitativo para que todos os cidadãos beneficiem deste direito. O art. 113 da mesma Constituição (p.32) sublinha o papel do Estado moçambicano na promoção de uma estratégia de educação visando ―a unidade nacional, a erradicação do analfabetismo, o domínio da ciência e da técnica, bem como a formação moral e cívica dos cidadãos‖ 6 Escola religiosa muçulmana, onde acriança aprende o abecedário e as leis islâmicas do alcorão em árabe. 49 É neste contexto que se procurou analisar o estágio de educação na Ilha de Moçambique como um todo, visto que as estatísticas não permitem avaliar a situação de forma separada, a parte Continental e Insular (que constitui objeto de estudo da presente dissertação). Ainda assim, é importante que se tenha uma ideia sobre o nível de escolaridade no distrito como um todo em anos recentes. De acordo com os dados do Relatório Anual do Governo do Distrito da Ilha de Moçambique (2011), o setor da educação conta com 17 escolas públicas, das quais 7 lecionam da 1ª a 5ª Classe, denominada por Escola Primária (EP1), 7 lecionam da 1ª a 7ª classes, denominada por Escola Primária Completa (EPC), 2 são do ensino secundário, subdivididas em 8ª a 9ª classes, denominada, Escola Secundária do Primeiro Grau (ESG 1º) e 10ª a 12ª classes, denominada, Escola secundária do Segundo Grau (ESG 2º), 1 Escola do Ensino Técnico Profissional Vocacional. Para além destas, existe 1 Núcleo do Curso Médio à Distância. Para a erradicação do analfabetismo, o Distrito conta com 124 Centros de Alfabetização e educação de Adultos (AEA), dos quais 79 são de regime Regular e 45 são do Programa Alfa-Radio com 2.754 educandos do 1º ao 3º ano, assistidos por 124 Alfabetizadores. Além disso, 8 Educadores Profissionais facilitam a organização do processo de Ensino-Aprendizagem nas diversas unidades existentes no distrito. (RELATÓRIO DO GDIM, 2011). 2.5.2. A Rede Sanitária da Ilha de Moçambique A saúde tem um papel fundamental no desenvolvimento de uma sociedade, pois, além de ser uma condição primordial para o bem-estar físico, também está intimamente relacionada com um conjunto de outras variáveis fundamentais para a promoção do bem-estar social. Dai que ao promover a saúde da população está-se a promover outras condições sociais, tais como habitacionais e de educação. A Rede sanitária da Ilha de Moçambique é constituída por 5 Unidades, sendo 2 Centros de Saúde de tipo 1 e 3 Centros de saúde de tipo 2, dos quais 1 localizado na parte insular e os restantes na parte continental. O setor é assegurado por apenas 1 médico, 21 enfermeiros e 10 técnicos. Esses dados demonstram o quão grande é a fragilidade do setor de saúde da Ilha de Moçambique. Esta situação leva a que a maior parte da população opte pelos 50 tratamentos tradicionais oferecidos pelos curandeiros da comunidade quando afligidos pelas doenças. A medicina tradicional foi oficialmente reconhecida em Moçambique, e em 2001 foi criada a Associação dos Médicos Tradicionais de Moçambique (AMETRAMO), que nasceu com o intuito de chancelar o trabalho dos curandeiros, além de criar padrões de atendimento e comportamento. É na medicina tradicional que a maioria da população encontra o primeiro atendimento e que em certas circunstancias, constitui o único. Portanto, essas pessoas são geralmente procuradas porque se acredita que determinada doença tenha origem sobrenatural, como feitiçaria ou possessão de espíritos. A medicina tradicional em Moçambique e, sobretudo, nas zonas rurais desempenha um papel preponderante nas comunidades, porque os praticantes desta medicina são os que estão próximos da população, falam a mesma linguagem da população, pertencem à mesma cultura e, de certa forma, são os fazedores de comportamentos. Boa parte dos problemas de saúde passa por mudança de comportamento, que poderia associar os saberes tradicionais sobre cura com a medicina moderna. Figura 17- Prática da medicina tradicional na Ilha de Moçambique. Fonte: In: IPCI – (Matsinhe, 2010) Entretanto, há que realçar que ainda há muito por fazer em todas as áreas ligadas ao desenvolvimento humano. E isso, passa por uma melhoria das condições de higiene e salubridade, pelas condições das instituições e equipamentos de saúde, mas também por uma maior educação e consciencialização das populações em questões de educação e promoção de saúde pessoal e comunitária. 51 2.5.3. Transportes e comunicações A cidade de Ilha de Moçambique conta com três estradas urbanas principais: a da Contra-costas (Av. da Unidade), em bom estado de conservação, pavimentada em 2009, a Central (Av. 25 de Junho), encontra-se em estado degradado, aguardando os estudos ligados ao sistema de drenagem que possam garantir a evacuação das águas pluviais devido à fraca capacidade de permeabilidade dos solos, e a da Costa (Av. dos Trabalhadores), que até princípios do ano de 2012, se encontrava em estágio final da pavimentação. A cidade estabelece comunicação com outros pontos da província através da estrada nacional número 105 e ainda possui um pequeno aeródromo, localizado na porção continental. O Distrito ainda conta com o sistema de comunicações constituído pela rede de telefonia fixa, pertencente às telecomunicações de Moçambique – TDM, com serviços de Café Internet e duas telefonias móveis das companhias da Mcel e Vodacom, ambos em bom estado operacional mas sem serviços de atendimento ao cliente na Ilha de Moçambique. Possui ainda os serviços de correio em funcionamento que asseguram as correspondências e o pagamento de pensionistas. De igual modo, a cidade se beneficia de uma rádio comunitária e dois canais de Televisão (TVM e RTP). A Ilha de Moçambique beneficia-se de uma corrente elétrica da linha de Cahora Bassa com uma cobertura em 70% na zona insular e cerca 40% na zona continental. A partir de Outubro de 2007, foi introduzido o sistema de credelec (Relatório do GDIM, 2011). Possui igualmente uma bomba de combustível de pouca capacidade que funciona durante um período do dia, das 5 horas da manhã até às 10 horas da noite, localizada na zona insular da Cidade. No tocante aos meios de transporte, a Ilha conta com uma associação de transportadores constituído por 48 associados, sendo 31 de transporte de passageiros e 17 de carga, que estabelecem as ligações entre a Ilha, a cidade de Nampula e Distritos circunvizinhos. O transporte é também efetuado por via marítima, através de embarcações de carga e passageiros (majoritariamente a vela). Há uma ponte para atracagem de embarcações e navios de grande porte, recentemente reabilitada. 2.5.4. Habitação De acordo com Pandolfo (2001), a habitação constitui a grande base de sustentação para a existência do ser humano, para tal, a habitação como sendo a relação de equilíbrio entre 52 três conjuntos de necessidades humanas: abrigo, a acesso e ocupação. O autor ainda salienta que o valor de habitação para o usuário é a função de que ela pode oferecer e não se restringe apenas à aparência da estrutura física ou a maneira como é vista pela vizinhança. Neste sentido, a necessidade de abrigo está vinculada diretamente à estrutura física do ambiente construído. A função da habitação, ainda segundo este autor, é parcialmente atendida enquanto essa estrutura protege o seu morador contra agentes externos e, internamente, proporciona o atendimento das suas exigências. Refletir sobre a questão da habitação na Ilha de Moçambique, implica reconhecer a cidade em todos os seus aspectos e momentos. Desde a sua proclamação como primeira capital colonial até os dias atuais, passando por momentos-chave como no ano de 1868, com a abertura da cidade à população negra, e que se caracterizou pelas construções de palhotas frágeis na área anteriormente reservada para a exploração mineral e atividades tidas como nocivas à cidade; a transferência da capital de para Lourenço Marques (Maputo) em 1898, que se caracterizou pela saída de uma parte da população ligada às funções públicas, e uma parte da camada intelectual para outras cidades; a classificação da Cidade de Pedra e Cal como núcleo urbano de interesse público em 1955 em detrimento da sua congênere, a Cidade de Macuti; período pós-independência nacional em 1975; a nacionalização do parque imobiliário em 1976; a guerra civil entre 1977 a 1992, que provocou uma intensa migração da população rural com culturas diferentes para a Ilha em busca de segurança e melhores condições de vida, que acarretaram em transformações na cidade cujos reflexos ainda se fazem sentir nos dias atuais; processo de alienação imobiliária em 1991, em que o Estado assumiu o direito exclusivo de arrendamento de imóveis, permitindo a cada família apenas os direitos imobiliários sobre a sua própria habitação e ainda, no mesmo ano, a declaração da Ilha de Moçambique como Patrimônio Cultural da Humanidade, e em 2006, a criação do Gabinete de Conservação da Ilha de Moçambique, que assumiu a gestão de imóveis classificados ou em vias de classificação que outrora estavam na responsabilidade do APIE – Administração Pública do Parque Imobiliário do Estado. Em cada uma destas épocas apontadas, a questão habitacional teve uma característica diferente, tendo-se destacado no período pós-independência nacional de Moçambique em 1975 onde mais de 95% da população portuguesa e os seus descendentes, que constituía a quase a totalidade de quadros governamentais e empresariais, médicos, enfermeiros, engenheiros, técnicos, professores, mecânicos, entre outros, abandonaram as cidades moçambicanas e que quase a maior parte dos edifícios foram ocupados pela população local 53 economicamente pobre, com necessidades básicas e que não deixaram espaço para os esforços de conservação desses edifícios. Após a independência nacional, a esperança do Governo de Moçambique era sem dúvidas de atingir um desenvolvimento social, econômico e cultural, com a erradicação da pobreza absoluta e da discriminação social que afetava de certa forma todo o território moçambicano. A nacionalização de toda a propriedade imobiliária, como medida contra o mercado capitalista fundiário e imobiliário, foi a intervenção mais determinante sobre o espaço urbano, tomada pelo novo governo sob comando da FRELIMO (Partido no poder), na sequência, foi constituída para administração da propriedade imobiliário do Estado (APIE). A instituição tinha por missão distribuir a habitação em função das necessidades das famílias e dos níveis salariais, fixar os preços de aluguel e, controlar o número de habitações consideradas devolvidas ou abandonadas. Tal como aconteceu em todo o território nacional, após Independência Nacional, também na Ilha de Moçambique, uma parte da população negra e pobre que vivia em casas sem condições de habitabilidade na Cidade de Macuti e das zonas circunvizinhas da Ilha, migrou para o centro da cidade ocupando as habitações abandonadas pelos portugueses (europeus) e indianos. Esse processo constituiu uma autêntica ―revolução do direto à habitação aos cidadãos moçambicanos‖. Deste modo, o art.1 do Decreto-Lei nº 5/76, de 5 de Fevereiro, determinou-se que ―somente a habitação familiar é que tem a garantia como propriedade privada‖. Assim sendo, o Estado se tornou o único proprietário dos imóveis a partir desse período. Assim sendo, os edifícios que pertenciam aos que haviam abandonado ou expulsos de Moçambique logo após a independência, aos estrangeiros que viviam fora de Moçambique (art.3) e aos demais nacionais que viviam no estrangeiro (art.5) e dos edifícios não ocupados pelos proprietários ou utentes legais (art.6). Foi nesse contexto que se instituiu APIE Administração do Parque Imobiliário do Estado, que passou a ser responsável pelo arrendamento e manutenção dos imóveis nacionalizados (PEREIRA, 1994). A situação habitacional na Ilha de Moçambique se tornou em caos nessa época, tal como Pereira (1994) comenta, A recém-formada instituição não dispunha de capacidade técnica, de meios financeiros, materiais e nem de sensibilidade para impedir a pilhagem, travar a degradação, fazer cumprir as regras e perspectivar uma utilização racional do patrimônio e isso, teve como consequências, o desmando que se deu durante esse período. Os edifícios públicos passaram a ter outras funções, casas de habitações e pátios foram subdivididos, as coberturas, as vigas, os barrotes de madeira, as janelas, as portas, os fios elétricos, as casas de banho foram sistematicamente pilhados. ―portanto, ação antrópica da degradação do meio ambiente e do próprio patrimônio 54 edificado foi mais forte que da influência dos fatores climáticos‖(PEREIRA, op.cit. p.‘18). Entretanto, apesar das dificuldades apontadas nesse processo, o governo considerouo uma ―conquista do povo‖ e que de certo modo, atenuou a problemática habitacional de uma parte da população no país. Em 1977, realiza-se o III Congresso da FRELIMO, tido como o I pós-independência, que teve marco importante no setor de habitação em Moçambique ao reconhecer que o melhoramento das condições de vida das populações que se debatia nas cidades e vilas representaria uma grande contribuição para elevação do nível de vida dessas pessoas (CEDH, 2006, p.9). Também se destacou nesse Congresso a definição das diretivas econômicas e sociais, centradas em seguintes aspectos cruciais: • Definição de orientações estratégicas de planificação dos assentamentos humanos; • Elaboração de Planos de Urbanização e definição de métodos de controle e de sua execução; • Elaborar projetos e apoiar as populações na execução de obras de infraestrutura e de equipamento social, dando prioridade ao abastecimento de água e ao saneamento; • Organizar e enquadrar tecnicamente as populações integradas nos programas de autoconstrução e cooperativas habitacionais; • Apoio ao desenvolvimento de mecanismos de acesso ao crédito; • Criar legislação, tanto para a construção como para a tramitação das habitações; • Estudar a normalização dos elementos de construção civil para as habitações, a concepção de novas tipologias habitacionais e de equipamentos que sejam acessíveis à população; • Definir o papel das entidades empregadoras em relação à habitação dos seus trabalhadores; • Proceder a um estudo de formas e técnicas tradicionais de construção de habitação; Formação de técnicos para participar nos programas de planificação do desenvolvimento urbano (CEDH, 2006, op.cit). 55 Para responder a uma série de problemas no âmbito da gestão urbana, a população, utilizando os seus próprios recursos, iniciou com o processo de construção de suas casas, e na Ilha de Moçambique, o processo foi-se caracterizando pela contínua transformação de casas de construção com material precário de pau-a-pique e de cobertura de palmares, para construções com uso de materiais de alvenaria, para o caso da Cidade de Macuti. Para o caso da Ilha de Moçambique, a população não teve nenhum apoio nesse processo, quer em termos financeiros, querem materiais e essa situação deu no que hoje se pode presenciar, sobretudo, na Cidade de Macuti, uma ocupação desordenada e sem espaços até para circular. E para Cidade de Pedra e Cal, o fenômeno foi caraterizado pelo processo de alteração arquitetônica das estruturas, sobretudo, as internas dos imóveis ocupados legalmente ou ilegalmente pela comunidade local e essas transformações visavam adequar a realidade familiar. Dado ao elevado número de famílias que procuravam moradias num período em que mais da metade de edifícios se encontravam em ruínas, e na tentativa de acolher a todos, a alternativa era arrendar o número maior possível de famílias numa casa. Assim, numa casa de tipo 3, arrendava-se a três famílias diferentes, cabendo a cada uma um quarto. De uma forma geral, a constituição de agregado familiar em Moçambique é em média 6 membros. Sendo assim, um quarto era subdividido também em dois ou mais compartimentos com recurso a cangas, esteiras e, em outros casos, com bloco de cimento, sendo um para o casal, para os rapazes e as raparigas, contribuindo cada vez mais o processo de degradação dos imóveis. (Relatório do GACIM, 2009). Esta situação constitui atualmente o calcanhar de alquiles para os técnicos que lidam com a gestão de imóveis do Estado, pois, havendo interesse de uma das famílias em alienar o imóvel torna-se praticamente impossível determinar o legitimo proprietário. E isto, se deve ao fato, como foi referido por Pereira (1994, op.cit.), que APIE não tinha uma estrutura sólida de gestão, não tinha recursos financeiros e nem sequer tinha punho para por ordem em tais situações, nada tinha a fazer do que simplesmente contemplar a situação. A insuficiência de espaços para novas construções quer na Cidade de Pedra e Cal, quer na Cidade de Macuti, constituiu um dos entraves para os imigrantes e a resolução imediata encontrada no meio em que há carências em todos os aspectos (financeira, espaços, etc.) foi a de compartilhar as casas dos anfitriões, na qualidade de inquilinos secundários, isto é, os que tinham celebrados contratos com APIE, para o caso da Cidade de Pedra e Cal, passaram, por sua vez, a sublocar os quartos. 56 A partilha de espaço por grupos de famílias traduz uma realidade comum na Ilha explicada por fatores estruturais, econômicos, sociais e culturais. Problemas como o desemprego e a pobreza de muitas famílias (principalmente na Cidade de Macuti) conduziram a estratégias de vida que encontram nas locações de imóveis um meio de assegurar seu sustento e resolver inúmeros outros problemas. Assim, pode-se afirmar que o aluguel de espaço para habitação tornou-se o negócio mais vulgar na Cidade da Ilha de Moçambique. Famílias utilizam suas próprias residências para o aluguel, cedendo quartos, salas e outros espaços úteis ainda que minúsculos e muitas vezes insalubres. Há casos em que compartimentos de uma residência ocupada a título de aluguel são cedidos a outros pelo mesmo título. Mas a consciência de que tais atos não são lícitos e muitas vezestem dificultado a identificação dos infratores que agem sempre a coberto dos ―inquilinos‖. O preço do aluguel varia consoante o tamanho e as condições do lugar (privacidade, acesso à casa de banho, disponibilidade de água potável, etc.). Para o caso da Cidade de Macuti, onde as casas são particulares, em cada uma das casas passou a viver um conjunto de cinco ou mais famílias ou, noutros termos, um ―grupo domiciliar‖, isto é, por ―grupo domiciliar‖ o conjunto de famílias que partilham o espaço de uma mesma casa. Os agregados familiares em média na Ilha de Moçambique como foi referido acima, é em média 6 membros. Há que destacar que as ―mudanças‖ verificadas na Cidade de Macuti trouxeram duas consequências negativas no meio ambiente urbano: desaparecimento de espaços livres, caracterizado agora por uma circulação deficitária entre os moradores e mesmo dos que visitam e as condições de saneamento se tornaram mais deploráveis, tal como as ilustrações na Figura 18. Figura18 - Imagens da situação precária das moradias da população da Cidade de Macuti. Fonte: (Lucia Omar, 2012). 57 A pobreza e a falta de recursos e influências típicas de um ambiente rural, as formas de gestão inadequadas, a superpopulação de residências, entre outros fatores, participaram da degradação acelerada dos imóveis, explicando esse fato a urgência de um plano global e integrado, visando a restauração do patrimônio habitacional da Ilha, sem com isso significar a exclusão dos seus habitantes, como geralmente acontece em cidades patrimoniais. 2.5.5. Saneamento Urbano na Ilha de Moçambique Ao longo do tempo, a noção de saneamento assumiu conteúdos distintos, variando de acordo com a cultura, relações existentes entre homem e natureza, classe social, condições materiais de existência e dos níveis de informação e conhecimento. A incorporação de questões de ordem ambiental e de ordem sanitária às preocupações no campo do saneamento resultou na perda de força da visão antropocêntrica que vigorava, dando lugar a uma nova perspectiva da relação sociedade ambiente. Dessa forma, o saneamento passa a ser tratado também em termos de saneamento básico e saneamento ambiental (RUBINGER, 2008, p.20). Segundo a Organização Mundial da Saúde – OMS o saneamento é um controle de todos os fatores do meio físico do homem, que exercem ou podem exercer efeito deletério sobre seu bem-estar físico, mental e social, portanto, é um fator importante para a fixação, desenvolvimento socioeconômico e saúde de uma comunidade. Existem diversos significados para qualidade de vida, mas é inegável que não se tem qualidade de vida sem saúde, e para uma boa manutenção da saúde de uma comunidade é importante o acesso a condições mínimas de saneamento. O saneamento básico é fator na proteção à qualidade de vida e é por falta deste que a Ilha de Moçambique enfrenta graves problemas. A maioria dos problemas sanitários que afeta a população da Ilha de Moçambique está intrinsecamente relacionada com o meio ambiente. O saneamento urbano é fundamental para a melhoria de vida da população e em termos genéricos, o saneamento significa higiene e limpeza (RIBEIRO & ROOKE, 2010, p.22). E as ações de saneamento são uma série de medidas prévias que garantem a adequada ocupação do solo urbano. Abrange desde o abastecimento de água, o cuidado com a destinação de resíduos sólidos e esgotamento sanitário, até obras de drenagem urbana, 58 controle de vetores e focos de doenças transmissíveis, e mesmo a preocupação com a melhoria das condições de habitação e a educação sanitária e ambiental. Dentre as principais atividades de saneamento estão a coleta e o tratamento de resíduos das atividades humanas tanto sólidos quanto líquidos (lixo e esgoto), prevenir a poluição das águas subterrâneas e do mar, garantir a qualidade da água utilizada pelas populações para consumo, bem como seu fornecimento de qualidade, além do controle de vetores de doenças. Incluem-se ainda no campo de atuação do saneamento, a drenagem das águas das chuvas, prevenção de enchentes e cuidados com as águas subterrâneas. A inexistência de condições de saneamento adequadas, aliada à falta de práticas de educação sanitária na Ilha de Moçambique, tem sido traduzida pela incidência direta de várias enfermidades que prejudicam o rendimento do trabalho, diminuem a expectativa de vida média dos indivíduos, trazendo uma situação de mal estar geral para a população e podendo dificultar, ou mesmo impedir, o progresso social. Com o aumento desenfreado da população e o desaparecimento de espaços livres a população ficou mais susceptível a riscos ambientais, devido ao uso das praias para a satisfação das necessidades biológicas (defecação), que apesar dos esforços do edil do Município em aumentar o número sanitários públicos ao longo das margens das praias, e a construção de mais de 53 latrinas caseiras nos últimos dois anos, não resolveu o problema deste grande mal. A persistência do fenômeno de fecalismo a céu aberto é justificado pela falta de condições higiênicas nos tais sanitários públicos e latrinas caseiras, devido ao elevado número de utentes, pois, por exemplo, as latrinas caseiras não atingem três metros de profundidades recomendados, devido ao nível alto do lençol freático em alguns bairros da Cidade de Macuti, e isso não permite a que as mesmas sejam utilizadas por muito tempo. A falta de condições higiênicas facilita em muitos casos a transmissão de doenças infecciosas. Considerando-se as condições precárias em que vive exposta grande parcela da população da Ilha de Moçambique, o saneamento básico é encarado como um desafio para autoridade municipal. As inundações verificadas, sobretudo, nos bairros de Litine e Esteu em épocas chuvosas constituem um dos mais importantes impactos negativos sobre a população e são provocadas por ocupação, ou seja, a expansão pelos espaços livres que outrora servia de vias para fluir as águas e que com o tempo sofreram estrangulamento causados pelo lixo jogado nas valas de drenagem a céu aberto construídas nesses bairros, como se pode observar nas 59 (Figuras 19 e 20). Outro impacto se configura em relação à produção de sedimentos que tem consequências ambientais graves para essas áreas, como assoreamento dos drenos com valas abertas, processo que se mostra ineficaz para a solução do problema de estagnação das águas pluviais e esgotos. Figura 19 - Precariedade de valas de drenagem a céu aberto. Fonte: (Lucia Omar, 2012) Figura 20 - Enchentes devido a impermeabilidade do solo urbano na Ilha de Moçambique Fonte: (GACIM, 2010) A outra grande preocupação são as inundações das fossas, levando à superfície excrementos humanos, o que constitui um atentado à saúde pública, tomando em consideração que os moradores na sua maior parte consomem água dos poços a céu aberto, ressalta-se ainda a degradação da qualidade da água drenada pelos esgotos pluviais e contaminada. A Ilha precisa de uma gestão cuidadosa em termos de saneamento do meio e gestão do lixo. A precariedade de serviços públicos nessa área acarreta a formação de um ambiente propício à propagação das mais variadas doenças. As fontes de água para os habitantes da Ilha de Moçambique têm três origens: canalizada, poços e cisternas. A água canalizada provém da estação de captação de Ntete, situada nas margens do Rio Monapo, a cerca de 20 quilômetros da Ilha. O sistema foi projetado em 1962, para atender a um número reduzido da população e que de lá para cá o número de consumidores quadriplicou e o sistema manteve-se com a mesma capacidade, o que tem criando problemas de escassez, mesmo com adoção de rodízio no abastecimento na cidade. As cisternas e poços têm constituído uma alternativa para a maior parte da população, quer para Cidade de Pedra e Cal, quer para a Cidade de Macuti. A postura 60 camarária de 1878 tornava obrigatória a construção de cisternas em cada casa. As principais cisternas da Ilha eram as da Fortaleza, do Hospital, da Ponta da Ilha, do Museu, da Escola Secundária, Escola Profissional e as situadas em algumas praças públicas. As cisternas localizadas na Cidade de Macuti estão em desuso. Neste momento, ainda fornecem água à população as cisternas da Fortaleza e a da Praça Pública situadas junto ao edifício onde funciona o GACIM. De uma forma geral, a situação de abastecimento de água na Ilha deixa a desejar, devido às deficiências do sistema e as dificuldades econômicas estruturais da Empresa de Águas. Entretanto, em Março de 2012, o Governo do Distrito assinou com o Banco Australiano para reabilitar a ampliação do sistema de abastecimento de água para todo Distrito, cujo início estava marcado para Agosto de 2012. Talvez essa venha a ser a solução do problema de água na Ilha de Moçambique nos próximos anos. Figura 21- Poço de água caseiro, junto da vala de drenagem. Fonte: (Lúcia Omar, 2012) 61 3. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA ILHA DE MOÇAMBIQUE 3.2. Origem do nome Moçambique A Ilha de Moçambique aparece mencionada em documentos árabes muito anterior à chegada dos portugueses ao Oceano Índico. Entretanto, esta parcela do país só veio a receber o nome de ‖Moçambique‖ com a fixação dos portugueses. Segundo Rodrigues et al. (2009, p.18), as origens dos nomes, Moçambique e Omuhipiti, encontram sua explicação na tradição oral. Conforme se relata, a palavra Moçambique proviria de Mussa, filho de M‘biki, nome do sultão que vivia na Ilha na época em que Vasco da Gama ali chegou. Dada a dificuldade em pronunciar os nomes nativos, os portugueses associaram os nomes Mussa e M´bike, o que resultou em único nome - Moçambique. Por outro lado, os falantes da língua emakhuwa teriam dado à Ilha o nome de Omuhipiti porque, em tempos recuados, ali ter-se-ia instalado um pescador makhuwa, de nome Muhipiti, atraído pela abundância de peixe. Ainda os mesmos autores, levantam a hipótese de que o vocábulo muhipiti poder ter derivado do verbo wiphita, cujo significado é esconder-se em língua emakhuwa, que ajustado ao papel que a Ilha desempenhou na história da escravatura e do tráfico e ao seu impacto na população, pode levar à interpretação de que ao abrir-se, a ilha se deixou ficar presa ou escravizada. Atualmente, o nome oficial Ilha de Moçambique, cunhado ao longo do regime colonial, convive com a designação local de Omuhipiti, nome que os makhuwa mantiveram para designar a Ilha ao longo dos tempos (Rodrigues et al., 2009, p. 18). 3.3. História do território A população da Ilha de Moçambique descende das comunidades ―Proto-Swahili‖, falantes da língua bantu e que se dispersou pela África Austral e Oriental entre os anos 200 a 900 DC (ADAMOWICZ 1987, DUARTE &MINESES, 1996, apud PGIM, 2010, p.17). A favorável localização geográfica no Oceano Índico, permitiu que muito cedo o território se tornasse ponto de ligação entre os continentes africano e asiático, cujas primeiras grandes navegações nesse oceano iniciaram-se com os árabes no século VIII e que perduraram até ao século XV. A partir do século XV, a Ilha tornou-se o centro do comércio intercontinental fazendo a ponte entre Europa e o Oriente. Nesse período os árabes detinham o monopólio do 62 transporte de mercadorias e promoveram e acentuaram as relações entre povos e culturas diferentes. A influência islâmica, para além da criação do Sultanato de Delhi e da progressão no arquipélago indonésio, estendeu-se na costa africana, do Mar vermelho até ao Rio Save, ao Sul de Moçambique. Foi ao longo desta costa e, sobretudo, nas suas ilhas que surgiu a nova civilização swahili, fruto de cruzamento da população africana, de origem bantu, com os comerciantes muçulmanos vindos do Mar Vermelho, Golfo de Aden, Golfo Pérsico e mar da Arábia, nordeste da Índia e Indonésia. Foi esta fusão cultural que estimulou o aparecimento de núcleos linguísticos diversos, como é o caso do Naharra na Ilha de Moçambique (DINAC/IGESPAR, 2007). Com a expansão comercial e advento do Islão, entrepostos comerciais espalhados ao longo da costa oriental africana estruturaram‐se em unidades político-administrativas sob a designação de Xeicados7 e Sultanatos, como são os casos de Lamu, Mombassa (Quénia), Zanzibar e Quíloa (Tanzania). O Xeicado da Ilha de Moçambique foi fundado por Hassani Moussa M‘Biki (de onde advém provavelmente o nome de Moçambique). A Ilha foi até cerca de 1500 um importante porto e centro de construção naval dos Árabes (PEREIRA, 1988, SEC &ARKITEKTSKOLEN I AARHUS, 1985, apud PGIM, 2010, p. 17). Segundo IGESPAR (2007), a segunda fase das grandes navegações no Índico começou em finais do século XV, com a chegada do navegador português Vasco da Gama em 1498. Com apoio de um marinheiro tanzaniano, Vasco da Gama estabeleceu a ligação direta marítima da África Austral com a Índia. Ainda, segundo a mesma fonte, os períodos entre século XVI e a primeira metade do século XVII, foram do domínio português na costa Oriental de África. No entanto, a escolha da Ilha de Moçambique como principal base portuguesa e politicamente sustentada pelo Governo Português deu-se em 1507, devido a sua importância estratégica como porto (MEC &ARKITEKTSKOLEN I AARHUS, 1985). Devido a sua importância estratégica, a Ilha foi alvo de vários ataques árabes e turcos, inicialmente. Em 1570, a povoação muçulmana foi destruída e substituída pela portuguesa, que se organizou junto da Torre Velha. Os mouros, antigos moradores foram afastados para o sul da Ilha. O século XVII assistiu ao regresso à costa africana dos árabes de Mascate (Capital de Omã), que criaram uma extensa colônia, o sultanato de Zanzibar (Tanzânia), que duraria até 7 Xeicados são reinos dirigidos por altas entidades da hierarquia muçulmana (sheiks) 63 ao século XIX. A importância crescente da Zambézia8, à conta do ouro, veio a secundarizar a Ilha, mantendo-se, todavia, o seu porto como indispensável para as escalas de longo curso. Entretanto, até ao século XVII, a Ilha continuou ser alvo dos ataques, então protagonizados pelos colonizadores europeus como holandeses, franceses e ingleses. Dos três ataques holandeses à Ilha, 1604, 1607 e 1608, o mais grave foi o de 1607: foram destruídos os edifícios como a Ermida, a Fortaleza de São Gabriel, a Igreja do Espírito Santo e o Convento de São Domingos, bem como todas as palhotas que compunha a cidade e a vegetação da Ilha de Moçambique foi toda devastada pelo incêndio. Nesta devastação, apenas a Fortaleza de São Sebastião resistiu à destruição (PEREIRA, 1994:5 & CESO-CI, 2009, p. 21). A reconstrução da cidade manteve a estrutura anterior, entretanto, os edifícios foram reconstruídos com o material de pedra e cal. Os pedreiros foram os baneanes (indianos) e africanos. Os problemas em Diu (na Índia) levaram as autoridades portuguesas, ainda em 1687, a autorizarem a instalação, na Ilha, da Companhia dos Baneanes. Em 1721, nasceu o comércio regular com as Ilhas francesas do Índico e em 1728 com a colônia portuguesa na América Latina - atual Brasil. Todavia, a situação difícil da Ilha manteve-se e em 1752, o Marquês de Pombal, Primeiro-Ministro Português, tomou a decisão de instituir o Governo de Moçambique, desligando-se da administração direta de Goa (Índia portuguesa). Os portugueses organizaram os serviços da nova administração, construíram uma nova alfândega, com uma Ponte-cais e, em 1755, liberalizaram o comércio, acabando os monopólios. Surgiram novas leis de cidadania em 1762, que abriram os serviços a todos os cristãos, goeses ou mestiços, e a povoação de Moçambique recuperou a prosperidade e tornou-se vila em 1763. Com esta situação, paulatinamente a Ilha foi-se reconstituindo tornando-se assim, nos anos subsequentes, um importante centro Missionário Católico. Os Dominicanos e os Jesuítas foram as principais ordens religiosas e que mais contribuíram na construção da maior parte das igrejas, palácios e conventos na Ilha de Moçambique. Na segunda metade do século XVIII, o tráfico de escravos na Ilha foi suplantado pelo de Sofala, Quelimane e Ibo9, os ―portos de escravos‖ com o destino às Ilhas Mascarenhas, 8 Zambézia é uma das Províncias de Moçambique, localizada no centro do país. 9 Sofala é uma das províncias de Moçambique, localizada ao centro do país. Quelimane - capital da província da Zambézia Ibo – é um distrito pertencente a província de cabo Delgado, localizado a norte do país 64 Madagascar, Zanzibar, Golfo Pérsico, Brasil e Cuba. A captura de escravos aumentou após a liberalização, em 1787, da venda de armas no interior. As relações com a colônia Portuguesa na América Latina se tornaram mais intensas, cuja burguesia de armadores e mercadores se instalou na Ilha e na Índia (DINAC & IGESPAR, 2007). Entre os finais do século XVIII e durante o século XIX, a Ilha de Moçambique se tornou um dos principais compradores e fornecedores de escravos depois da Costa Ocidental ter deixado de fornecer escravos. A Ilha de Moçambique serviu durante todo esse período como principal ponto de entrada e saída de escravos vindos de diferentes pontos do território moçambicano (RODRIGUES et al., 2009, p. 21). O crescimento demográfico derivado do comércio dominante de escravos, uma parte dos quais acabavam ficando na Ilha, revolucionou o crescimento urbano no período em alusão, fazendo com que a Ilha fosse elevada ao estatuto de cidade em 17 de Setembro de 1818. A Carta Lei dirigida pelo rei de Portugal conferia aos cidadãos brancos e moradores da Ilha todas as distinções, franquezas, privilégios e liberdade de que gozavam os cidadãos e moradores das outras cidades do Reino (PEREIRA, 1994, p. 20). Durante esse período, a população da Ilha foi caraterizada por uma sazonalidade, resultante da estada dos comerciantes entre Março a Setembro, que era determinada pelo regime de monções, crucial para a navegação, e do fluxo de escravos para o tráfico. Os lugares de campismo para caravanas de escravos, os armazéns nas costas, assim como as rampas de embarque de escravos, são alguns dos marcos físicos deste período. Enormes quantidades de pedra calcária foram extraídas na chamada ―ponta da Ilha‖ (atual cidade de Macuti) para a construção de armazéns para escravos. Entretanto, os habitantes da Ilha na época eram Portugueses e Indianos (cristãos), enquanto a população de origem luso-africana e indo-portuguesa viviam em Mossuril e nas Cabaceiras (idem). Ao longo do século XIX a instabilidade regressou, e novo ciclo descendente se verificou após a independência do Brasil em 1822. O último barco oficial de escravos com este destino saiu em 1831. Nova e profunda alteração veio pouco depois, com o triunfo do liberalismo em Portugal em 1834. A escravatura nas colônias portuguesas foi abolida em 1837 e que só começou diminuir após 1840 (idem.). Na segunda metade do século XIX, a par das outras potências coloniais, Portugal avançou em profundidade para o interior do continente africano, enfrentando a revolta das populações. A capital da colônia portuguesa foi transferida da Ilha de Moçambique para 65 Lourenço Marques (Maputo, atual capital de Moçambique) em 1898, ficando apenas esta a servir de capital da Província. Entretanto, construção do caminho de ferro em 1913, a perda da importância do porto de Mossuril, a transferência da capital da província em 1935 da Ilha de Moçambique para atual cidade de Nampula e a inauguração do porto de águas profundas em Nacala, em 1951, contribuíram para o declínio da hegemonia da Ilha de Moçambique (SEC– Moçambique/ Arkitektskolen I Aarhus, 1985). Todo esse processo contribuiu, em definitivo, para a perda de importância da Ilha, mesmo diante da construção, em 1966, da ponte que a uniu à terra firme. Rodrigues et al. (op.cit, p.18-19), referem que no contexto da perda da importância econômica, devido aos fatores descritos, a Ilha chegou a ser chamada por Ilha-museu, designação que significava, para o Governo colonial, um tributo à densidade de peças arquitetônicas - fortins, igrejas, palacetes - consideradas testemunhos materiais da presença portuguesa plurissecular e isso reforçava a crença de que o período econômico áureo da Ilha pertencia definitivamente ao passado. Após a Independência Nacional de Moçambique, os portugueses tiveram que abandonar a Ilha, o que resultou no abandono de serviços e comércio que a Ilha ainda tinha. Parte considerável dos edifícios foi ocupada pela população local que não tinha condições financeiras e nem materiais para manter a conservação desses imóveis. A partir de então, quer pelas vicissitudes da organização do país e da guerra civil iniciada em 1977 e terminada em 1992, quer pelo processo de diferenciação e reajustamento da importância dos vários centros urbanos do país, a Ilha de Moçambique ficou no esquecimento por parte do Estado. A guerra civil intensificou-se em meados da década de 1980 em Moçambique, trazendo para a Ilha um grande número de refugiados das zonas rurais, aumentando a pressão demográfica e contribuindo para a deterioração do patrimônio urbano. Por exemplo, na Cidade de Macuti, a superlotação obrigou a extensão das casas para os quintais pequenos e para o espaço público, criando condições caóticas e pouco saudáveis de saneamento (CESOCI 2008). A importância então atribuída às edificações da Ilha de Moçambique contribuiu para que essa passasse a ser objeto de reflexão, fazendo com o Governo de Moçambique inscrevesse esse antigo conjunto urbano na Lista do Patrimônio Mundial, pela UNESCO, o que aconteceu em 1991. A elevação da Ilha à condição de Patrimônio Histórico-Cultural da Humanidade aumentou a pressão pela conservação do patrimônio ali existente. A inclusão da 66 Ilha de Moçambique na Lista do Patrimônio Mundial significou o reconhecimento internacional pelo valor histórico, arquitetônico, natural e ambiental desse local. 3.4. A Transformação da Paisagem Urbana da Ilha A Ilha de Moçambique foi durante séculos o centro dos principais acontecimentos históricos que ditaram o desenvolvimento socioeconômico e políticos do país. A sua estrutura urbana desenvolveu‐se a partir do estremo norte, inicialmente fortificado para defender a entrada da Baía (Capela Nossa Senhora do Baluarte em 1522 e Fortaleza de São Sebastião iniciada em 1558). A parte sul da Ilha (a Ponta da Ilha) localizava‐se fora da cidade e sem interesse particular durante a primeira fase de ocupação, com exceção das pequenas fortificações, nomeadamente, o Fortim de São Lourenço (inicialmente construída em 1588) e o Fortim de Santo Antônio (inicialmente construído em 1588), para a proteção da parte sul da Ilha (PGIM, 2010, p. 17-18). Nos séculos XVI e XVII registrou-se o desenvolvimento do núcleo urbano, marcado pelas edificações ao longo da baía na costa norte da Ilha; pela fila de estreitos talhões de lojas com fachadas viradas para as ruas; pelos armazéns de mercadorias e pelos palmares na faixa central da cidade, virados para a contra costa. O padrão dos arruamentos, hoje aparentemente labiríntico, teve a sua lógica própria ligando os pontos importantes da época: a ponte de atração; a praça central, a Fortaleza e o Convento Hospital fora da cidade no lado sul, além da ligação às fortificações na ponta sul da Ilha (LOBATO, 1975, apud PGIM, 2010, p. 22). A partir do século XVIII se construíram, sobretudo, na zona sul da Cidade de Pedra e Cal, as feitorias com dois andares, arruamentos mais regulares e praças amplas. E foi nesse período que a Praça de Moçambique foi elevada à Vila. O Convento de São Paulo, construído pelos jesuítas, foi convertido em Palácio do Governador. Este período foi caracterizado por grandes transformações na paisagem urbana, os edifícios mais antigos, foram ampliados para o primeiro andar. Na mesma época, a zona Sul da Ilha, onde hoje se situa a Cidade de Macuti, além do convento de João de Deus, do lavadouro da Marangonha e do Fortim de Santo Antônio, nada havia além de pedreiras, dunas e vegetação. Cidade de Pedra e Cal começou a se expandir e para efeito, havia necessidade de grandes quantidades de pedra, matéria-prima fundamental para a edificação das suntuosas habitações ocupadas pelas instituições do regime colonial e por seus funcionários. Começouse assim a intensa exploração da pedreira localizada na parte sul da Ilha (Idem). 67 O trabalho da exploração da pedra era executado por escravos vindos em sua maioria do continente, os quais, numa primeira fase, eram alojados nos quintais das grandes casas existentes na Cidade de Pedra e Cal. À medida que a pedra para construções se esgotava, o local era gradualmente ocupado por palhotas para os escravos, como se pode ver na figura 22. Figura 22- Cidade de Macuti, princípios do Séc. XIX. Fonte: (IPCIIM, 2010) A administração autorizava-os a construir palhotas temporárias e precárias com dimensões não superiores a 25 m² para sua instalação durante o período em que estivessem envolvidos em trabalhos intensivos, visto que na época eles não tinham direito de ter palhotas próprias na Ilha (porção insular). Foi neste contexto que começa a nascer a Cidade de Macuti, que irá se expandir a partir da zona da costa, onde se encontravam o matadouro e o celeiro, em direção à contra-costa. No período áureo do tráfico de escravos (1776-1803), observou-se uma expansão da Cidade de Pedra e Cal em direção à costa ocidental. Enquanto a cidade de Pedra e Cal se erguia ocupando parte do território, com edificações espaçosas e uma estrutura relativamente mais sólida, beneficiada por infraestruturas básicas para seu saneamento, abastecimento de água e vias de acesso, a Cidade de Macuti, com construções mais frágeis, era levantada à medida que se esgotava a pedra. 68 Em 1866 foi ampliada a área onde era permitida a construção de palhotas para o bairro de Marangonha e também para as áreas limítrofes das pedreiras, respeitando regulamentos específicos, tais como, o alinhamento das obras e a altura, espaçamento entre as palhotas de 2.5 braças equivalentes a 5,5 m (PGIM, 2010, p. 22-23) De acordo com Pereira (1994, p. 12), em 1868, a Postura Camarária estabeleceu a linha divisória da costa (atual mercado do peixe) à contra-costa (Alto Mrangonha). Ao sul da linha divisória ficaria o denominado ―Bairro Indígena‖. Esta linha limitava também os usos: só ao sul se permitiam pedreiras, curais, matadouros, fornos de cal, depósitos de lenha ou carvão. Estabeleceu-se, a partir desse período, a proibição de construir ou reconstruir palhotas dentro da Cidade e definiu-se que todas anteriormente construídas fossem destruídas num prazo de cinco anos, tendo, no entanto, a Câmara se responsabilizado por indenizar os proprietários. Por conseguinte a fronteira, ou a arte da ―di-visão‖ permanece através da classificação da Unesco. A hegemonia criada entre patrimônio material e patrimônio imaterial é uma ficção cultural, como de resto revela a persistente ―di-visão‖ que acompanham as formas de habitar a Ilha. Segundo Elias (2001) apud Sousa (2011, p. 3), esta demarcação traduz a estrutura social que se repercute na Ilha até os dias atuais. Na cidade de pedra, em torno do governador, vivia uma sociedade de corte, composta por funcionários, comerciantes, militares e religiosos. Na cidade de Macuti, instalavam-se os escravos e trabalhadores nas pedreiras de pedra de coral. Em 1887, foi construído o majestoso Hospital da Ilha de Moçambique, no lugar onde antes havia sido construído o Convento São João de Deus. O Bairro pobre da Contra Costa foi demolido e novos Bairros de Macuti foram planejados nas antigas pedreiras no sul da cidade, começando com os Bairros da Contra Costa: Marangonha e Areal, e no interior, no baixo da zona dos armazéns: Esteu e Litine (PEREIRA, 1998, ARANTES, 2010, PGIM, 2010, p. 22). Assim, de acordo com os autores, a Cidade de Macuti foi sendo paulatinamente ocupada e nascendo novos os bairros como o Esteu e Litine em direção a contra-costa, onde também surgiram os bairros de Marangonha, Areal, Quirahi. Até à década de 1950, nada havia sido edificado no atual bairro Unidade, que foi um dos últimos a serem ocupados, a partir dos anos de 1960 (PEREIRA, 1998 e ARANTES, 2010). No século XIX completou praticamente a urbanização da Ilha, deixando apenas os palmares e hortas da Contra Costa e as pedreiras na Ponta da Ilha para a expansão. As obras 69 de destaque no século XX foram as construções da ponte que liga a Ilha ao continente e da rua ao longo da contra-costa, que liga a ponte com o novo hotel turístico e a Fortaleza. Houve igualmente uma grande expansão da Cidade de Macuti, principalmente depois da Independência Nacional em 1975, caracterizada por parcelamentos ao longo das ruas com um espaçamento que variava de 5 a 10 metros entre as palhotas, dependendo do número do agregado familiar. Depois desse período a organização do espaço urbano não se alterou e, na parte da Cidade de Pedra e Cal, considerado o centro histórico, manteve-se a hierarquia funcional como o centro de comércio e de serviços tal como se constituía no sistema colonial. As costas da Ilha exprimem diferenças nas suas funções históricas e na consequente expressão paisagística urbana. A costa virada à Baía tem, na sua maior extensão, caráter de porto. Foi deste lado que se desenvolveram as atividades ligadas ao comércio pela via marítima, devido ao ancoradouro protegido na baía. Enquanto que a costa virada ao mar, chamada Contra Costa, não protegida e não acessível por barcos de maior porte, tinha menos interesse econômico no período que prevaleciam essas atividades e mantém, em grande parte, um carácter de praia aberta. 70 Figura 23- Mapa descritivo da Cidade de Macuti, 1957. Fonte: SEC – Moçambique &Arkitektskolen i Aarhus – Denmark, 1985 71 4. O MEIO AMBIENTE E O PATRIMÔNIO COMO CATEGORIAS CONCEITUAIS PARA SE ENTENDER O PROBLEMA DA PESQUISA 4.2. Conservação Ambiental Para melhor entendimento do conceito ―conservação ambiental‖, achou-se necessário destrinchar de forma breve os termos meio e ambiente, já que muitos autores os consideram polissêmicos e ainda se encontrar em processo de construção, fazendo com que o mesmo seja definido de modo diferente por especialistas de diferentes áreas de conhecimento. O ambientalista Fiorillo (2001) considera os termos ―meio‖ e ―ambiente‖ como sinônimos. De uma forma geral, a terminologia meio ambiente é entendida como tudo aquilo que nos circunda, por essa razão o uso dos dois termos juntos é considerado pleonástico. De acordo com autor, o termo ambiente, já por si só, traz em seu conteúdo a ideia que circunda, e por esta razão, se considera desnecessário o uso da complementação da palavra meio. Refutando a ideia, Milaré (2001, p. 63-64) refere que o termo meio ambiente não constitui um pleonasmo porque essas duas palavras não detêm um significado único, tal como descreve: Tanto a palavra meio quanto o vocábulo ambiente passam por conotações, quer na linguagem científica quer na vulgar. Nenhum destes termos é unívoco (detentor de um significado único), mas ambos são equívocos (mesma palavra com significados diferentes). Meio pode significar: aritmeticamente, a metade de um inteiro; um dado contexto físico ou social; um recurso ou insumo para se alcançar ou produzir algo. Já ambiente pode representar um espaço geográfico ou social, físico ou psicológico, natural ou artificial. Não chega, pois, a ser redundante a expressão meio ambiente, embora no sentido vulgar a palavra identifique o lugar, o sítio, o recinto, o espaço que envolve os seres vivos e as coisas. De qualquer forma, trata-se de expressão consagrada na língua portuguesa, pacificamente usada pela doutrina, lei e jurisprudência de nosso país, que, amiúde, falam em meio ambiente, em vez de ambiente apenas. Portanto, partindo deste princípio, pode-se afirmar que a expressão meio ambiente não chega a ser redundantes/pleonástica pelo fato das duas assumirem significados distintos e se complementarem. Em vista dos motivos expostos autores em obras de direito ambiental tais como Freitas (1995) e Silva (2004) classificam o meio ambiente, de acordo com os aspectos de sua composição, em pelo menos quatro tipos: ―Meio ambiente natural, ou físico, local onde se realiza a interação dos seres vivos e seu meio, onde se dá a correlação recíproca entre as espécies e as relações destas com o ambiente físico que ocupam; meio ambiente artificial, constituído pelo espaço urbano construído e Meio ambiente cultural, integrado pelo patrimônio histórico, artístico, arqueológico, paisagístico, turístico, que, embora artificial, difere do 72 anterior pelo sentido de valor especial que adquiriu ou de que se impregnou e ainda com o meio ambiente de trabalho, conjunto de condições existente no local de trabalho relativo à qualidade de vida do trabalhador‖ (SILVA, 2004, p. 21). Neste contexto, o meio ambiente artificial também considerado ambiente urbano é entendido como relações dos homens com o espaço construído e com a natureza, em aglomerações de população e atividades humanas, constituídas por fluxos de energia e de informação para nutrição e biodiversidade; pela percepção visual e atribuição de significado às conformações e configurações da aglomeração; e pela apropriação e fruição (utilização e ocupação) do espaço construído e dos recursos naturais. Ainda segundo Fiorillo (2008, p. 20), o que se busca com essa didática divisão é ―facilitar a identificação da atividade degradante e do bem imediatamente agredido‖. O autor lembra ainda que ―o direito ambiental tem como objeto maior tutelar a vida saudável, de modo que a classificação apenas identifica o aspecto do meio ambiente em que valores maiores foram aviltados‖. Os ambientalistas Milaré (2001) & Fiorillo, (op.cit, p. 21), frisam, nas suas definições mais amplas e atuais que o meio ambiente não só engloba os aspectos naturais, aqueles surgiram na decorrência de leis e fatores naturais mas também, abarca o ambiente artificial, aquele que surge na decorrência de processos e moldes da ação transformadora humana, por exemplo o espaço urbano (fechado e aberto). Na constituição moçambicana, o meio ambiente é legalmente definido pela Lei nº. 20/97, em seu art. 1°, ponto 2, como o meio onde o homem e outros seres vivem e interagem entre si e com o próprio meio e inclui: a). o ar, a luz, terra e água; b). Os ecossistemas, à biodiversidade e interações ecológicas; c). toda a matéria orgânica e inorgânica, d) todas as condições socioculturais e econômicas que afetam as condições das comunidades(CARLOS SERRA, 2008, p. 18-19). Portanto, é uma lei que tem em vista as bases legais para uma utilização e gestão correta do meio ambiente e seus componentes, com vista à materialização de um sistema de desenvolvimento sustentável do país. É uma definição na visão antropocêntrica, em que o meio ambiente tem no centro o homem e a razão de ser do ambiente - o lugar em que vivem as pessoas em interação com tudo aquilo que as cerca, sejam os demais seres vivos ou outros componentes. Portanto, aqui, verifica-se um direito ao meio ambiente equilibrado como um bem de interesse da coletividade e essencial à sadia da qualidade de vida. 73 Em relação ao conceito ―conservação‖, Milaré (op.cit), define como sendo a utilização racional de um recurso ou bem qualquer, de modo a se obter um rendimento considerado bom, garantindo-se, entretanto a sua renovação ou a sua auto-sustentação. Enquanto que o termo ―conservação ambiental‖, o autor define como sendo, ―o uso apropriado do meio ambiente dentro dos limites capazes de manter a sua qualidade e seu equilíbrio em níveis aceitáveis”, em outras palavras, significa ―manejar, usar com cuidado”, diferenciando-se, de acordo com o autor, do termo ―preservação‖ que significa “guardar, não usar, não permitir intervenção do homem”. Tanto para Milaré (2001) e Zanirato & Ribeiro (2006, p. 255), consideram os conceitos ―Conservação e preservação‖, como duas correntes que se contrapõem no que se diz respeito à relação meio ambiente/espécie humana. Segundo esses autores, a corrente conservacionista, a conservação ambiental significa manter uma área protegida, porém, utilizá-la sem colocar em risco sua dinâmica natural e atributos físicos. Enquanto que a corrente preservacionista é mais radical, o fato de entender que as áreas naturais protegidas devem ficar sem a presença humana para que apenas processos naturais influenciem sua dinâmica. Nesta corrente o homem é apontado como o causador da quebra do ―equilíbrio‖. Portanto, esta tem um caráter explicitamente protetor, propõe a criação de ―santuários‖, intocáveis. Os debates entre as duas correntes permanecem até hoje e divide tanto ambientalistas quanto técnicos e acadêmicos e essa contrariedade tem implicações nas comunidades, onde a população muitas vezes é compulsivamente retirada em áreas consideradas protegidas, como por exemplo, em Moçambique, a Lei de terra nº19/97, e a Lei de Florestas e Fauna Bravia nº10/99, que estabelece os princípios e normas básicas sobre a proteção e conservação e utilização sustentável dos recursos florestais e com características ambientais especiais. Estas leis definem os parques e reservas naturais como áreas de proteção total, sendo assim, não são aceites as comunidades no seu interior. Estas leis não toleram a existência de assentamentos humanos nas áreas protegidas. Entretanto, a conjuntura social, política e econômica do país não favorecem a aplicação efetiva das mesmas leis e como solução, foram criada zonas denominadas por ―tampão‖, estabelecimentos de fronteiras, entre zona de influência humana e zonas totalmente intocáveis. No contexto da Política Nacional da Biodiversidade, o conceito pode estar em consonância com a Convenção sobre Diversidade Biológica, tendo um sentido mais próximo ao do conceito de preservação. 74 A conservação in situ significa conservação de ecossistemas e habitats naturais, e a manutenção e recuperação de populações viáveis de espécies em seus meios naturais e, no caso de espécies domesticadas ou cultivadas, nos meios onde tenham desenvolvido suas propriedades características. No contexto patrimonial, o Comitê Internacional dos Museus - ICOM-CC - define a conservação como: [...] o conjunto todas as operações que visam a compreensão de uma obra, o conhecimento da sua história e do seu significado; assegurar a sua salvaguarda material e, eventualmente, o seu restauro e a sua valorização e, portanto, compreende todas aquelas medidas ou ações que tenha o objetivo de salvaguardar o Patrimônio cultural material e imaterial, com vista a assegurar a sua acessibilidade às gerações atuais e futuras. (ICOM-CC, 1972, p. 115). Ainda de acordo com este organismo internacional, os termos que se referem à terminologia ―Conservação‖ se distinguem entre si pelos objetivos, medidas e ações que eles abrangem, como: • Conservação Preventiva: todas aquelas medidas e ações que tenham como objetivo evitar ou minimizar futuras deteriorações ou perdas. As ações realizam-se no contexto ou na área circundante ao bem; • Conservação curativa: todas aquelas ações aplicadas de maneira direta sobre um bem ou um grupo de bens culturais, que tenham como objetivo deter os processos danosos presentes ou reforçar a sua estrutura. Essas ações são realizadas somente quando os bens se encontram em estado de fragilidade adiantada; e •Restauração: ações aplicadas diretamente a um bem de forma individual e que tenha como objetivo facilitar a sua apreciação, compreensão e uso. Só se realiza quando o bem perde uma parte do seu significado ou função através das alterações passadas, baseando-se no respeito ao material original. Neste caso, a ação de conservação buscará cessar as causas de deterioração e procurará dar estabilidade à obra, enquanto que a restauração irá mais além, buscando aproximar, o mais possível, a obra, estrutural e esteticamente, da „quantidade inicial de informações‘. Portanto, ressalta-se que todo o trabalho de restauração deve basear-se em referências contidas na própria obra ou, em alguns casos, em documentação segura sobre a mesma. O respeito ao original é fundamental e delineia os limites das intervenções. Ainda de acordo com ICOM-CC, a expressão ―conservação da natureza‖ deve ser adotada para se referir-se à exploração racional da mesma, ou seja, uma exploração que leva em consideração a legislação ambiental, os preceitos éticos e os aspectos técnicos dos 75 recursos naturais de maneira a mantê-los em condições adequadas para o uso das atuais e futuras gerações. 4.3. Patrimônio Cultural A noção de patrimônio advém etimologicamente da concepção de ―herança paterna‖. Esse termo nas línguas românicas, segundo Funari (2005) apud Pelegrini (2006, p. 116) deriva do latim patrimonium e faz alusão à ―propriedade herdada do pai ou dos antepassados‖ ou ―aos monumentos herdados das gerações anteriores‖. Ainda, segundo Funari, essas expressões fazem menção a moneo, que em latim significa ―levar a pensar‖. Portanto, as noções de patrimônio cultural mantêm-se vinculadas às de lembrança e de memória — uma categoria básica na esfera das ações patrimonialistas, uma vez que os bens culturais são conservados em função dos sentidos que despertam e dos vínculos que mantêm com as identidades culturais. Este conceito é compartilhado por vários autores como Choay (2001, p. 11), que define o temo patrimônio como ―bem de herança que é transmitido, segundo as leis, dos pais e das mães aos filhos”. É, portanto, um conceito que segundo autor, a sua génese esteve ligado às estruturas familiares, econômicas e jurídicas de uma sociedade e que se situa em certo tempo e espaço. Ainda por volta do século XVIII, os monumentos históricos eram restritos aos antiquários e fundamentados nas antiguidades gregas e romanas, com o fim de confirmação da história e do estudo dos estilos arquitetônicos. A evolução dá-se no período da Revolução Francesa, quando o conceito de patrimônio nacional despontou com a finalidade de salvaguardar os imóveis e as obras de arte de propriedade do clero e da nobreza, transformados em propriedades do Estado. Diga-se, ademais, que o patrimônio nacional originou-se de um confronto entre o sentimento nacional e a conveniência econômica. Conforme Choay (2001, p. 31), o monumento, acrescido do adjetivo histórico, nasce em Roma, em 1420, configurando-se como obras arquitetônicas remanescentes de épocas passadas. Por essa razão, o monumento histórico converte-se em um tema importante e muito estudado dentro do campo disciplinar da arquitetura. Ao longo do tempo, organismos internacionais e diversos investigadores e arquitetos ocuparam-se na reflexão sobre suas definições e conceitos, ajudando a estabelecer, a partir desses estudos, a noção atual de patrimônio cultural. A par da descoberta de novas 76 centralidades e da expansão da noção de patrimônio, superaram-se os enfoques que reconheciam os bens culturais apenas aos grandes monumentos artísticos do passado, interpretados como fatos destacados de uma civilização e avançou para uma concepção do patrimônio entendido como o conjunto dos bens culturais, referente às identidades coletivas. Paulatinamente, o patrimônio cultural passou a contemplar as dimensões testemunhais tais como as múltiplas paisagens, arquiteturas, tradições, gastronomias, expressões de arte, documentos e sítios arqueológicos, abarcando potencialmente elementos de todos os grupos e camadas sociais e a ser reconhecidos e valorizados pelas comunidades e organismos governamentais na esfera local e nacional ou internacional (ZANIRATO & RIBEIRO, 2006, p. 1). No decorrer do século XIX, o patrimônio passa a ser caracterizado como ―uma coleção simbólica unificada, que se preocupa a dar base cultural idêntica a todos, através de uma construção social de extrema importância política, buscando ser algo construído para que se representasse o passado histórico e cultural de uma sociedade” (ZANIRATO, 2006, p. 2). Sob esta ótica, Funari et.al. (2009, p. 9) define o patrimônio como o conjunto dos bens culturais, referente às identidades coletivas, tais como, arquiteturas, expressões, conhecimentos, práticas, sistemas de valores, representações, técnicas construtivas tradicionais, ofícios tradicionais, conjunto de sítios mistos, envolvendo os bens naturais, histórico-culturais e arqueológicos. A Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural de 1972, nos seus Artigos I e II, assinala a definição do patrimônio distinguindo-o em quatro grandes grupos de categorias, enfatizando sempre a componente o Valor Universal Excepcional que cada um apresenta. Assim, de acordo com essa distinção se tem o Patrimônio Natural, Patrimônio Cultural, Patrimônio Misto e a Paisagem Cultural. Deste modo, o Patrimônio Natural, é definido como sendo o conjunto formado por monumentos naturais constituídos por formações físicas e biológicas ou por grupos de tais formações que tenham um Valor Universal Excepcional do ponto de vista estético ou científico; as formações geológicas e fisiográficas e as zonas estritamente delimitadas que constituem o habitat de espécies animais e vegetais ameaçados, que tenham um Valor Universal Excepcional do ponto de vista estético ou científico; os lugares naturais ou as zonas naturais estritamente delimitadas, que tenham um Valor Universal Excepcional desde o ponto de vista científico, da conservação ou da beleza natural. (CONVENÇÃO DO PATRIMÔNIO, 1972) 77 O patrimônio Cultural, definido como O conjunto formado por monumentos: obras arquitetônicas, de escultura ou pinturas monumentais, elementos ou estruturas de caráter arqueológico, inscrições, grutas e grupos de elementos, que tenham um Valor Universal Excepcional desde o ponto de vista da história, de arte ou de ciência; os conjuntos: grupos de construções, isoladas ou reunidas, cuja arquitetura, unidade e integração à paisagem tenham um Valor Universal Excepcional desde o ponto de vista da história, da arte ou da ciência; e, os lugares: obras do homem ou obras conjuntas do homem e da natureza assim como as áreas, incluídos os lugares arqueológicos que tenham um Valor Universal Excepcional desde o ponto de vista histórico, estético, etnológico ou antropológico. Patrimônio Misto constitui os bens que respondam parcial ou totalmente às definições de patrimônio natural e cultural que figuram na Convenção e, finalmente, Paisagem Cultural, que engloba os bens culturais que representam ―obras conjuntas do homem e a natureza‖ e ilustram a evolução da sociedade humana e seus assentamentos ao longo do tempo, condicionados pelas limitações e/ou pelas oportunidades físicas que apresenta seu entorno natural e pelas sucessivas forças sociais, econômicas e culturais, tanto externas como internas. (IPHAN, 2008, p. 6-11). Pereiro (2006:3) distingue cinco tipos de posturas que coincidem com nos processos de interpretação, recuperação e conservação do patrimônio cultural: • Tradicionalista ou Folclorista, também considerada monumentalista: uma postura que reduzido o patrimônio a um conjunto de bens materiais e imateriais que representam a cultura popular pré-industrial. A sua visão é historicista, pois consideram o patrimônio cultural como objeto e apenas relicário do passado, mas também é conservacionista, pelo fato de considerar que a finalidade do patrimônio cultural é a sua conservação, independentemente do seu uso atual. • Construtivista: postura em que o patrimônio cultural é entendido como o conjunto de bens culturais, fruto de um processo de construção social, isto é, segundo as épocas e os grupos sociais dominantes, valorizam-se, legitimam-se e conservam-se uns bens patrimoniais em detrimento de outros, independentemente do valor que os mesmos representam. • Patrimonialista: postura que considera o patrimônio cultural como a recuperação de memórias do passado, a partir de uma perspectiva presente, para explicar a mudança dos modos de vida. Segundo esta postura, O patrimônio cultural está integrado por elementos culturais que adquirem um novo valor e uma nova vida através de um processo de “patrimonialização” e para definir o que é patrimônio usam-se critérios de escassez (bem limitado), singularidade, raridade e sobrevivência no tempo; 78 • Produtivista ou mercantilista, nesta postura, o patrimônio cultural é entendido como uma nova forma de produção cultural para “os outros” (ex. turistas, mercado), que pode ajudar a solucionar o problema do desemprego, a revitalizar o consumo e a atrair turismo cultural; uma estratégia de distinção grupal e territorial que utiliza os bens patrimoniais como valor acrescentado no mercado. Usa como critério para selecionar o patrimonial os de espetáculo, consumo, estética, atrativo turístico e comercialidade e interessa tanto a sua integração na vida quotidiana dos grupos humanos; • Participacionista: nesta perspectiva de abordagem considera que a recuperação e conservação do patrimônio cultural deve estar em consonância com as necessidades sociais presentes, e com um processo democrático de seleção do que se conserva, deve estar ligada à participação social com o objetivo de evitar as desigualdades e a monumentalização e a “coisificação” de objetos, isto é, pensar primeiro nas pessoas e depois nos bens culturais ou de forma associada. O participacionismo defende uma política do patrimônio cultural que tenha primeiro em conta o artesão e depois o artesanato. Desde esta última perspectiva, o patrimônio cultural é um instrumento de auto definição e autoconhecimento que promove as chaves de compreensão da cultura e o fortalecimento da consciência na sua diversidade cultural. Consequência desta óptica é a aplicação da ciência no conhecimento e na investigação do mesmo, assim como de metodologias de intervenção comunitárias democráticas e participativas (PEREIRO, 2006, p. 4). As alterações no entendimento do conceito permitiram, de acordo com Zanirato & Ribeiro (2006, p. 252), o estabelecimento de relações entre as transformações a respeito do que se entende por cultura e as modificações na categoria do patrimônio, por um lado, e, por outro, procurou-se mostrar a aplicabilidade do conceito nas regulações produzidas em escala internacional por organismos multilaterais, em especial pela UNESCO e pelo PNUMA, no que diz respeito às políticas de proteção do que se convencionou como patrimônio cultural. De igual modo, permitiu a abrangência de mais elementos patrimoniais dos povos, pois, entendeu de que não existia uma cultura superior que a outra e por isso, uma não podia servir de referência da outra. Cada cultura é uma cultura. As técnicas construtivas, artesanais, as expressões culturais que são características de um povo e que são transmitidas de geração 79 para geração, denotam excepcionalidades que merecem essa atenção. Por isso, a cultura campesina, por exemplo, não pode ser vista como inferior face à industrial. Assim, de acordo com os diversos conceitos expostos e as Diretrizes Operacionais apresentadas pela UNESCO, a Legislação moçambicana define o patrimônio cultural no seu Art.3, como ―o conjunto de bens materiais e imateriais criados ou integrados pelo Povo moçambicano ao longo da história, com relevância para a definição da identidade cultural moçambicana‖ (Lei 10/88, de 22 de Dezembro). Esta definição abrange igualmente todos os bens culturais que venham a ser descobertos no território moçambicano, nomeadamente no solo, subsolo, leitos de águas interiores e plataforma continental, assim como aos bens culturais de outros países existentes no país que justifiquem a sua relevância cultural. E com base nessa definição, divide-se o patrimônio cultural em bens culturais materiais e bens culturais imateriais. Bens culturais imateriais referem-se ao conjunto que constituem elementos essenciais memória coletiva do povo, tais como história e a literatura oral, as tradições populares, os ritos e o folclore, as próprias línguas nacionais e ainda obras do engenho humano e todas as formas de criação artística e literária independentemente do suporte ou veículo por que se manifestem. Enquanto que bens culturais materiais, referem-se ao conjunto bens imóveis e móveis que pelo seu valor arqueológico, histórico, bibliográfico, artístico e científico, bem como os elementos naturais, sítios e paisagens protegidas por Lei ou passíveis de tal proteção em razão do seu valor cultural (Legislação da Cultura, 2007). No entanto, há que se admitir que embora a definição de patrimônio cultural busque contemplar as mais diversas formas de expressão dos bens da humanidade, tradicionalmente o referido conceito continua sendo apresentado de maneira fragmentada, associado às distintas áreas do conhecimento científico que o definem como patrimônio cultural, natural, paisagístico, arqueológico e assim por diante. Contudo, nos últimos anos do século XX e início do século XXI, já se depreende que essas áreas se inter-relacionam e que, independentemente das suas respectivas categorias, todo o patrimônio se configura e se engendra mediante suas relações com a cultura e o meio. Sem dúvida, hoje se reconhece que a cultura é construída historicamente, de forma dinâmica e ininterrupta, alterando-se e ampliando seu cabedal de geração em geração, a partir do contato com saberes ou grupos distintos (PELEGRINI, 2006, p. 118). 80 4.4. O papel do Estado e da sociedade civil na conservação do patrimônio cultural e do meio ambiente urbano A Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural constitui um marco na cooperação internacional entre todos os Estados em prol da valorização e preservação dos bens por ela protegidos como forma de defesa da identidade cultural, refletindo, portanto, numa ―proteção coletiva‖ desse patrimônio e transmissão deste para as futuras gerações. Para tal, a Convenção apresenta uma noção de patrimônio como bens compartilhados por ―todos os povos do mundo‖, por ―toda a humanidade‖, sendo por esse motivo, de responsabilidade de ―todos os povos do mundo‖, e de ―toda a humanidade‖ (IPHAN, COPEDOC, 2008, p. 23). É ainda, um marco como único documento a incluir as concepções de conservação da natureza e preservação do patrimônio cultural O conceito de patrimônio cultural encontra-se na Legislação Cultural de Moçambique de 1988, na qual contempla uma noção dinâmica ou prospectiva e ampla ou abrangente de patrimônio cultural, evitando uma concepção marcadamente subjetiva do direito de fruição cultural e de preservação dos bens culturais. A Legislação Cultural de Moçambique optou ainda por erigir a defesa do patrimônio cultural em fim do Estado nos termos do art.4.º do capítulo III ao preceituar que incumbe ao estado “proteger e valorizar o patrimônio cultural do povo Moçambicano”, muito embora possa ter ficado aquém do desejável, atento o preponderante carácter defensivo que ainda se alcança nestas matérias. Assim, o Estado deve assumir esta tarefa fundamental no pressuposto que o patrimônio cultural constitui um elemento caracterizador da coletividade política a que empresta uma identidade cultural historicamente configurada. E isso, não significa que se esteja perante uma simples obrigação unilateral do Estado, mas também, em vários aspectos, está-se perante verdadeiros direitos e deveres dos cidadãos - como o direito à fruição do patrimônio e dever de defendê-lo, no nº 2 do art.4 da Legislação Cultural de Moçambique. Ainda na alínea f) do art. 4 da mesma Legislação, diz “ o Estado deve estimular a fruição do patrimônio cultural e a participação popular na proteção e conservação dos bens culturais. o Estado deve promover a democratização da cultura, incentivando e assegurando o acesso de todos os cidadãos à fruição e criação cultural, em colaboração com […] as associações de defesa do patrimônio cultural‖. Acrescentam ainda que, ―a realização da democracia cultural baseia-se, por um lado, na generalização do acesso à cultura e à fruição cultural e, por outro lado, na participação social na definição da política cultural‖. 81 Os aludidos direitos culturais ou direitos à cultura é que consubstanciam o conceito de democracia cultural, daí que se possa dizer que o conceito constitucional de cultura é ―um conceito aberto e universal‖ que abrange a tradição e o patrimônio. A partir da altura em que o Governo de Moçambique ratificou em 1982 a Convenção do Patrimônio Mundial de 1972, passou a ser Estado Parte dessa Convenção e, automaticamente, a se responsabilizar em: a) assegurar a identificação, proposta de inscrição, proteção, conservação, valorização e transmissão às gerações futuras do patrimônio cultural e natural situado no território moçambicano e ajudar em tais tarefas outros Estados parte que solicitem a ajuda; exposto no [Artigos 4º e 6º(2) da Convenção do patrimônio Mundial] b) adotar uma política geral que vise determinar uma função ao patrimônio na vida coletiva; [Artigo 5º da Convenção do patrimônio Mundial] c) integrar a proteção do patrimônio nos programas de planejamento geral do País; d) instituir serviços de proteção, conservação e valorização do patrimônio; e) empreender estudos científicos e técnicos para determinar as ações susceptíveis de combater os perigos que ameaçam o patrimônio; f) tomar as medidas jurídicas, científicas, técnicas, administrativas e financeiras adequadas à proteção do patrimônio; g) fomentar a criação ou o desenvolvimento de centros nacionais ou regionais de formação no domínio da proteção, conservação e valorização do patrimônio e apoiar a investigação científica nesses domínios; h) não tomar deliberadamente qualquer medida susceptível de danificar direta ou indiretamente o seu patrimônio ou o de outro Estado Parte na Convenção; [Artigo 6º(3) da Convenção do patrimônio Mundial] i) apresentar ao Comitê do patrimônio Mundial um inventário (denominado «Lista Indicativa») dos bens susceptíveis de serem inscritos na Lista do patrimônio Mundial; [Artigo 11º (1) da Convenção do patrimônio Mundial] j) contribuir regularmente para o Fundo do patrimônio Mundial, no montante que for decidido pela Assembleia-geral dos Estados parte na Convenção; [Artigo 16º (1) da Convenção do patrimônio Mundial] k) estabelecer ou promover a criação de fundações ou de associações nacionais, públicas e privadas cujo objetivo seja o encorajamento da proteção do patrimônio Mundial; [Artigo 17º da Convenção do patrimônio Mundial] contribuir nas campanhas internacionais 82 de coleta organizadas em favor do Fundo do patrimônio Mundial; [Artigo 18º da Convenção do patrimônio Mundial] m) utilizar os programas de educação e de informação para reforçar o respeito e o apego dos seus povos ao patrimônio cultural e natural conforme definido nos artigos 1º e 2º da Convenção e informar o público das ameaças a que está sujeito esse patrimônio; [Artigo 27º da Convenção do patrimônio Mundial] n) fornecer ao Comitê do patrimônio Mundial informações sobre a aplicação da Convenção do patrimônio Mundial e sobre o estado de conservação dos bens; e [Artigo 29º da Convenção do patrimônio Mundial. Resolução adotada pela 11ª Assembleia-geral dos Estados parte (1977)]. Algumas dessas medidas já se encontram desenvolvidas no país, com destaque a criação de instituições de pesquisas e gestão do patrimônio cultural, a contemplação de educação patrimonial nas escolas, no âmbito do currículo local. Ainda no âmbito do patrimônio imaterial, o Governo de Moçambique tem a responsabilidade de promover estudo e a revitalização das tradições culturais populares, tais como ritos, folclores, que sendo de valor excepcional gozam de uma proteção especial por parte do Estado (organização de festivais nacional da musica, canto, dança, teatro, gastronomia, arte, etc.), envolvendo todas as províncias do país. Essa perspectiva faz parte da ótica consagrada pela Convenção de 2003 que declara em seu Artigo 1, parágrafo 1 - que constituem o patrimônio cultural intangível aqueles elementos reconhecidos por comunidades, grupos e, em alguns casos, indivíduos como parte de seu patrimônio cultural. Ela estabelece também que compete aos Estados membros da Convenção indicarem quais, dentre esses elementos, devem tornar-se objeto de salvaguarda e receber os benefícios que decorrem dessa condição específica, seja ao nível nacional (Item III, Art.11 a 15), seja integrando a Lista Representativa do Patrimônio Cultural Intangível da Humanidade (Art.16) e a Lista do Patrimônio Cultural Intangível que Necessita de Salvaguarda Urgente (Art.17) (ARANTES, 2010). Esses dispositivos implicam no reconhecimento do poder de autodeterminação dessas comunidades e conduzem, necessariamente, ao enfrentamento das questões éticas e jurídicas daí decorrentes (ARANTES, op.cit). Identificar o que determinada comunidade considera seu patrimônio e o que o Estado poderá vir a reconhecer como tal é, portanto, o desafio inicial – e essencial - de todo o trabalho de inventário, mormente no que diz respeito à seleção dos temas 83 e ocorrências a partir dos quais se configuram os limites geográficos, étnicos, éticos, temporais e temáticos de tal levantamento. Ainda, de acordo com Arantes (2009), isso implica a aceitação tácita, pelas comunidades culturais e pelas instituições de preservação, do compromisso de se envolverem, conjuntamente, no enfrentamento das vicissitudes que se colocam à continuidade das práticas e conhecimentos selecionados. Aliás, o envolvimento dos agentes locais na gestão dos bens patrimoniais é explicitamente estabelecido no Artigo 15 daquele acordo multilateral e essa participação tem se mostrado, na prática, como condição necessária da sustentabilidade da preservação. Pode-se dar o exemplo à especificidade que a população faz na conservação dos cemitérios de seus entes, locais sagrados das comunidades, entre outros. Paralelamente às responsabilidades dos Estados Parte da Convenção do Patrimônio Mundial, a missão do Patrimônio Mundial da UNESCO é de entre outras, encorajar à esses Estados a nomear cada vez mais locais do seu território nacional para serem incluídos na Lista do Patrimônio Mundial; Ajudar os Estados-membros a salvaguardar os locais classificados como patrimônio Mundial; Prestando assistência técnica e formação profissional; Apoiar os Estados-membros nas atividades de consciencialização pública para a conservação do patrimônio Mundial; Encorajar a participação da população local na preservação do seu patrimônio cultural e natural. E por sua vez, cabe ao Comitê conceder subsídios dos Fundos do Patrimônio Mundial aos bens que necessitem de assistência urgente em caso de perigo iminente, bem como assistência técnica e formação, ou atividades promocionais ou educativas. Com vista a garantir a participação da sociedade civil no processo de conservação e valorização dos bens classificados particulares (pessoais) a Legislação do Patrimônio Cultural e Natural em Moçambique, no seu artigo 5º estabelece que o Governo de Moçambique deverá conceder apoio financeiro ou criar formas especiais de crédito, para as obras e para aquisição de bens necessários a conservação e restauro de bens classificados do patrimônio cultural, (Lei, 10/88). No artigo 6º da mesma legislação, responsabiliza aos proprietários e usufrutuários de bens classificados como patrimônio cultural, pelo uso correto e a salvaguardada dos mesmos e a obrigatoriedade de velar pela proteção, conservação e correta utilização e de comunicar à autoridade competente qualquer dano, roubo, deterioração ou outra alteração do estado de conservação bem como, responder a todos os pedidos de informação apresentados por aquela elementos. 84 Desta forma o poder público que assume o interesse da sociedade, passa a exercer a sua proteção e representá-la. A sociedade em geral tem o dever de manter ambiente sadio, contribuir na proteção e valorização do patrimônio cultural, participando nas campanhas de limpeza, manter o meio ambiente limpo, comunicar as entidades competentes os atos de vandalismo do patrimônio Cultural (alteração da originalidade do patrimônio, denunciar construções que são feitas sem licenças e outros atos negativos). Assim, se um bem é tombado seja ele privado como coletivo e recebe a proteção da lei 10/88, de 22 de Dezembro, o ―legítimo dono‖ nunca deve efetuar qualquer mudança de local ou realizar trabalhos de escavação, construção, demolição ou qualquer modificação, sem autorização da autoridade competente. De uma forma geral, o proprietário perde autonomia sobre esse bem. Ainda, na mesma Legislação do Patrimônio Moçambicano, no seu artigo 7º, estabelece que a classificação ou anulação da classificação de bens do patrimônio Cultural é da competência do Conselho de Ministros. Entretanto, são técnicos dos departamentos do Patrimônio responsáveis pela inventariação e classificação e por fim, a fundamentação das razões da contemplação do bem. Cabe ao Conselho de Ministros a tarefa de aprovar ou reprovar, conforme a fundamentação dada pelos técnicos. Para conclusão deste ponto é importante referir que a proteção do patrimônio cultural constitui também um dever fundamental de todos. Um dever fundamental expresso no art.78, n.º1, da Constituição da República de Moçambique, e do art.11 da Lei do Patrimônio Cultural, que se desdobra em três deveres fundamentais: - O dever de preservação; - O dever de defesa; - O dever de valorização do patrimônio cultural. No âmbito local, o Governo de Moçambique, criou por Decreto n.º 28/2006, de 13 de Julho, o Gabinete de Conservação da Ilha de Moçambique (GACIM), uma instituição pública subordinada ao MEC, que dentre outras atividades, esta instituição tem a missão de garantir a autenticidade e integridade do patrimônio Mundial Cultural da Ilha de Moçambique; promover o conhecimento e respeito pelas leis e princípios nacionais e internacionais sobre a preservação e conservação do patrimônio edificado; promover programas educativos sobre o patrimônio cultural e meio ambiente da Ilha de Moçambique e promover o turismo cultural. No entanto, um aspecto importante a ser tomado em conta é que a proteção do patrimônio cultural não pode ser objeto de uma visão estatizante, suportada na pretensão de a 85 mesma caber totalmente ao Estado e demais entidades públicas. Antes exige que o patrimônio cultural seja assunto também das instituições da sociedade civil a começar pelas que têm eminentes responsabilidades públicas. De igual modo, a proteção do patrimônio cultural constitui também assunto de todos e a cada um dos membros das comunidades em que se inserem, enquanto conjunto de pessoas livres, responsáveis e minimamente conscientes da sua condição de cidadãos. Neste contexto, surge então o Direito do patrimônio cultural como conjunto de normas reguladora, assumindo um papel fundamental no que concerne à conservação e valorização do patrimônio cultural, sendo este o seu objetivo primordial. Vale aqui ressaltar que a valorização do patrimônio cultural em qualquer lugar passa necessariamente pela ação pedagógica com o objetivo de desenvolver o processo permanente e sistemático de inserção do conhecimento junto à comunidade. O patrimônio cultural assume um valor coletivo e constitui a riqueza e a herança de um povo. 4.5. Estado atual da conservação do ambiente urbano e do patrimônio cultural Em relação ao estado de conservação do ambiente urbano, mais detalhadamente está descrito no ponto de saneamento urbano, onde foram colocados os problemas que, sobretudo, estão relacionados com aspectos antrópicos, ação de degradante provocada pelo mau relacionamento que se estabelece entre o homem/meio ambiente, sendo um dos principais fatores, o congestionamento populacional que se verifica na Ilha de Moçambique. Para minimizar a situação de saneamento ambiental na cidade da Ilha, o Conselho Municipal indicou algumas artérias, ao longo das vias públicas para o deposito de lixo público, proveniente dos mercados, limpezas das vias públicas, a poda de árvores e ainda domiciliários, nos quais, e foi definida que a coleta do lixo devia ser 4 vezes ao longo da semana. Entretanto, devido às limitações de vários caracteres tais como, avaria de transporte, a falta de combustível, esta ordem não tem sido concretizada e o lixo permanece nesses locais por alguns dias. A falta de locais apropriados para dispor adequadamente as grandes quantidades de resíduos produzidos diariamente pela população constitui também um dos principais problemas nesta cidade. Geralmente, nos dias marcados para a remoção, o lixo coletado é transportado em caminhões improvisados para o efeito e é levado para o continente onde é depositado num 86 grande lixão localizado sensivelmente à 500 metros da orla marítima e não se beneficia de nenhum tratamento adequado para o chorume (substância líquida resultante do processo de putrefação de matérias orgânicas). Já o lixo não coletado é disposto de maneira irregular nas ruas, ou lançado ao longo das praias e em espaços públicos, e é exatamente este lixo que provoca assoreamento das valas de drenagem e, consequente o aumento de enchentes em épocas de chuva, do mau cheiro, a proliferação de moscas, baratas e ratos, todos com graves consequências diretas ou indiretas para a saúde pública. Não existem dados oficiais atualizados sobre a quantidade de resíduos sólidos produzidos quer domiciliário, construções, mercados, restaurantes, quer os gerados pelos Serviços de Saúde na Ilha de Moçambique. Na Ilha de Moçambique a coleta do lixo não é seletivo, o que contribui significativamente para esse desconhecimento. A ausência de uma estrutura de planejamento e gestão dos resíduos na Ilha de Moçambique é um dos fatores que dificultam uma ação integrada e coordenada entre os municípios e que poderiam reduzir custos ambientais e financeiros. A inexistência de sistema de evacuação de dejetos humanos e esgotos domésticos é outro problema que necessita de medidas no sentido de se encontrar alternativas para solucionar, pois, toda a eliminação é feita por via direta ao mar. Na Cidade de Pedra e Cal, os edifícios têm em principio fossas sépticas, mas muitas delas estão fora de uso. E na Cidade de Macuti existem algumas casas equipadas com fossas sépticas, e a maioria das casas tem urinol e lugar para tomar banho com dreno. Apesar do aumento do número de sanitários públicos, latrinas em algumas casas que demonstraram haver relativas condições para o efeito, uma parte significante da população usa as praias para a satisfação das suas necessidades fisiológicas. Por outro lado, a procura excessiva de artefatos como miçangas, moedas de ouro e prata, fragmentos da porcelana da Dinastia Ming, que datam desde o séc. XIII tem levado a desenfreadas escavações desencadeadas, principalmente pelos jovens para fins comerciais, que para além de provocar erosão em vários pontos costeiros, constitui também uma ameaça à perda de uma parte significativa do patrimônio móvel, porque as instituições de tutela não conseguem ter registro de diferentes amostras de artefatos de interesse histórico e cultural da Ilha de Moçambique (CESO‐CI 2009, apud PGIM, 2010:36). O relatório periódico elaborado pelo Gabinete de Conservação da Ilha de Moçambique – GACIM, 2011, bem como o relatório do ―Livro Laranja‖, (2011-2012), 87 apontam para uma relativa melhoria no estado de conservação de alguns edifício do patrimônio edificado e do conjunto urbano (Figura 24) Figura 24- O estado de Conservação de alguns imóveis do patrimônio edificado na Cidade de Pedra e Cal. Foto: GACIM (2011). Igualmente houve algumas melhorias em termos de conservação de alguns espaços públicos (parques e jardins), algumas vias de acesso (a contra-costa e a costa este), as pontes que ligam a ilha de do continente e a ponte cais. Os Edifícios que constituem unidades arquitetônicas, como foi referido anteriormente, foram subdivididos e arrendados parcialmente a inquilinos sem capacidade técnica e financeira para garantir a sua manutenção e não se beneficiam de qualquer manutenção quer por parte do Estado que é proprietário, quer pelos seus arrendatários. Grande parte desse patrimônio encontra-se no estado avançado de degradação, portanto, em ruínas como se pode observar na figura 25. Figura 25 - O estado de conservação da maioria dos imóveis do patrimônio edificado na Cidade de Pedra e Cal – 2012. Foto: Lúcia Omar (Março, 2012) 88 Com o processo de alienação iniciado em 1991 em todo o país, a grande parte desses edifícios está na posse de pessoas singulares que por incapacidade económica, na maioria dos casos os proprietários não têm os mantido num estado de conservação desejável. Paralelamente a esta situação, pode-se dizer que os edifícios pertencentes às instituições governamentais são os que na sua maioria encontram-se em mau estado de conservação. Não existe uma tradição de manutenção regular dos edifícios do Estado, mas sim o hábito de intervenções de reabilitação apenas depois de longos períodos de negligência e degradação. Os edifícios que albergam os serviços da Administração Distrital, que incluem algumas das grandes feitorias do século XVIII, edifícios de alto valor histórico, encontram‐se em ruínas. Entretanto, há que se ressaltar que os edifícios com significado singular, tais como fortalezas, o Palácio de S. Paulo, as igrejas e mesquitas, o templo hindu e o mercado têm sido alvos de maior atenção por parte do Governo e de parceiros de desenvolvimento, por isso, têm se beneficiado de algumas obras de reabilitações e restauros. Assim, estes edifícios estão relativamente fora de perigo. No entanto, registam‐se exceções, como o grandioso Hospital da Ilha de Moçambique, que foi em tempos o maior de África Ocidental e que acolheu feridos da Segunda Grande Guerra-Mundial em final de 1944, a Alfândega, a Capitania, o Matadouro, as antigas feitorias, os edifícios administrativos, o consulado francês e os armazéns kaharamo e o Clube Desportivo, constituem um grupo particularmente problemático, os quais até 2012 se encontravam em estado avançado de degradação e requerem rápidas intervenções nem que sejam medidas para suster o colapso. Ainda de acordo com o Relatório do Plano de Gestão da Ilha de Moçambique (2010), refere que de um total de 56 edifícios e conjuntos escolhidos para avaliação do seu estado de conservação em 1983, 39 apresentavam‐se em bom estado, 10 em estado medíocre e 7 em mau estado de conservação. Na reavaliação dos mesmos edifícios em 2011, o número de edifícios em bom estado de conservação reduziu-se para 20, e em estado medíocre aumentou para 14 e finalmente o número de mau estado de conservação triplicou, de 7 para 22 em 2011, o que levou o relatório a concluir que a tendência geral do patrimônio, sobretudo, o edificado seja a de degradação evolutiva. De uma forma geral, o estado de conservação do patrimônio edificado da Ilha de Moçambique é alarmante. O abandono, o clima excepcionalmente agressivo, a falta de 89 manutenção e, muitas vezes, a figueira‐brava constitui um dos perigos naturais aos edifícios sendo esta espécie responsável pela crescente degradação de alguns edifícios. Muitos destes edifícios estão abandonados ou ocupados por moradores ―informais‖, que não dispõem condições para a manutenção e dado ao estado avançado da degradação, esses habitantes fazem construções com material tradicional de pau-a-pique e com cobertura do macuti no interior das paredes das casas de pedra e cal. Em alguns casos, nesses edifícios acolhem funcionários da função pública, que chegam a Ilha em missões de serviços, principalmente enfermeiros e professores. Já para o caso da cidade de Macuti, as casas situadas nas antigas pedreiras com coberturas de macuti revela a relação histórica entre a ―cidade colonial‖ e os ―bairros indígenas‖. Aqui é notável a significativa substituição destas coberturas tradicionais por coberturas em chapa de zinco, do pau‐pique por blocos e cimento e uma crescente ampliação das casas em detrimento do espaço público. De fato, as ruelas nos bairros são na sua maioria muito estreitas e têm uma natureza semiprivadas, o que obriga os habitantes a ocupar o espaço público com atividades domésticas. A zona comercial principal dos bairros (caracterizada por lojas, atividades relacionadas com a pesca, a grande mesquita, armazéns e vistas do plano de água) está em crescente degradação e com a sua base rochosa já visível (PGIM, 2010, p. 32). É de salientar que os sete bairros que compõem a Cidade de Macuti ainda continuam delimitados pelas principais ruas. A diferenças em termos de urbanização (planejada vs irregular) entre os bairros da costa e os da contra-costa ainda é visível. Há, contudo, ligeiras mudanças que são menos visíveis atualmente, como indicador da crescente privatização dos mesmos. A privatização dos espaços públicos é mais notória. Igualmente, o ciclone que assolou a Ilha em 2008, derrubou a grande parte das árvores das ruas e praças, sobretudo, as acácias, devido principalmente da falta de rotina de podas para o fortalecimento da sua estrutura. As zonas verdes, em forma de parques e jardins, têm sido alvos de intervenção nos últimos tempos, o que contribui para a melhoria do ambiente urbano. 4.6. Patrimônio Cultural e sua relação com a questão ambiental A preocupação da relação homem-natureza data desde Grécia Antiga, no entanto, só no século XX que essas relações passam a ser entendidas como partes de uma relação social, 90 econômica e política, ou seja, é no contexto de pós-guerra que as preocupações com o ambiente vão gradativamente deixando de ser uma questão restrita aos aspectos naturais e passam a fazer parte das questões sociais, inclusive atingindo a opinião pública, órgãos governamentais e a comunidade científica. A partir desse momento que os dilemas passam a ser socioambientais e não apenas um debate centrado na natureza stricto sensu, e isso ocorre como consequência de evidências da inter-relação, sobretudo, dos aspectos ambientais com a qualidade de vida e saúde da população (HOGAN, et.al 2010, p. 27). De certa forma, as implicações das destruições ocorridas durante a Revolução Francesa que não só tiveram consequências sobre os bens materiais (monumentos, obras de arte, etc), mas também se repercutiram na degradação do espaço urbano e do ambiente envolvente, impulsionou, sobremaneira, a consciência do homem sobre a situação da deterioração do ambiente, da não regularidade da natureza e da incapacidade de regeneração de áreas degradadas bem como o desaparecimento de espécies, levando assim às primeiras preocupações em proteger a natureza, que até então, considerada uma criação destinada exclusivamente ao desfrute dos homens, lugar do rustico, selvagem, do obscuro e do feio, oposto da civilização, uma ameaça à ordem crescente (ZANIRATO, 2006, p.86). Ainda, segundo a autora, tal como o desaparecimento de símbolos da cultura motivou a defesa da proteção desses bens pelo Estado, de igual modo, a constatação da perda da natureza resultou em iniciativas semelhantes para a sua proteção, por isso, a proteção do meio ambiente passou também a ser orientada no decorrer do XX, no cenário internacional, pelas Organizações das Nações Unidas para a Educação, Ciência e a Cultura – UNESCO, criada em 1946. No entanto, a emergência da ―consciência preservacionista‖ na esfera ambiental só se se consolida a partir da década de 1980, mas essa mobilização não partiu do Estado como ocorreu com o patrimônio histórico durante a Revolução Francesa, no século XVIII. Pelo contrário, o movimento em prol do direito e da proteção ao meio ambiente se irradiou através da comunidade científica e acabou difundido entre organizações não governamentais que passaram a reivindicar melhor ―qualidade de vida‖ no planeta. De acordo com Zanirato & Ribeiro (2006, p.3), foi sob esse enfoque que o conceito de patrimônio ambiental adquiriu dimensões sociais, cujo significado aponta a materialização dos sentidos atribuídos no decorrer do processo histórico e lhe imprime uma perspectiva dinâmica, uma conotação que fomenta a consciência do uso comum do meio e, principalmente, a responsabilidade coletiva pelo espaço. As demandas da modernização imputam às elites políticas e intelectuais de vários países a necessidade de normatizar as 91 formas de apropriação dos territórios. No decorrer do século XX, a noção de patrimônio ambiental urbano amplia-se e também passa a ser considerado fator de reconhecimento dos núcleos históricos. Em 1962, a UNESCO aprova as Recomendações saídas da Conferência das Nações Unidas para a Conservação e Utilização dos Recursos Naturais, realizada em Dublin, Irlanda em 1949, relativas à salvaguarda da beleza e do caráter das paisagens e sítios. Foi também indicado no mesmo documento medidas de proteção das paisagens naturais e das paisagens transformadas pela espécie humana, medidas para a inclusão desses espaços no planejamento urbano e regional e medidas para a criação de parques e reservas naturais (UNESCO, Recomendações de 1962). Ainda no mesmo seguimento, em 1965, realiza-se a Conferência de Washington, onde é criada a Fundação do Patrimônio Mundial com objetivo de estimular a cooperação internacional a proteger ―as zonas naturais e paisagísticas maravilhosas do mundo e os seus sítios históricos para o presente e o futuro de toda a humanidade‖ (ZANIRATO, 2006, p. 4) No entanto, a preocupação com a proteção da natureza começou a ser evidente a partir da publicação do Relatório do Clube de Roma, lhe limits of growth (os limites do crescimento) em 1972, que colocava uma perspectiva catastrófica sobre a relação população e meio ambiente. Embora o relatório tivesse sido rejeitado na época pelos políticos devido à forma como se expunha a problemática da relação homem-meio ambiente, o mesmo serviu de alguma forma para alertar a humidade para a necessidade para maior prudência nos seus estilos de desenvolvimento (DIAS, 2000, p. 35). Em meados do mesmo ano (1972), realiza-se na Suécia – Estocolmo, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, que tinha como objetivo estabelecer a visão global e princípios comuns que serviriam de inspiração e orientação à humidade, para preservação e melhoria de ambiente humano. Esse documento teve um papel importante para Estados signatários da Convenção uma vez que ofereceu orientações no desenho do plano de Ação Mundial, sobretudo, no estabelecimento de programas internacional de Educação Ambiental visando educar o cidadão comum, para que este maneje e controle o seu ambiente (DIAS op.cit, p. 36). A recomendação nº 96 da Conferência reconhece o desenvolvimento da Educação Ambiental como elemento crítico para o combate à crise do mundo, esta Conferência constituiu um marco histórico e político internacional, decisivo para o surgimento de políticas 92 de gerenciamento do ambiente, sobretudo, por ter chamado atenção ao mundo sobre os problemas ambientais. E na Declaração aprovada nessa ocasião ficou definida que os recursos naturais da terra e especialmente, parcelas representativas dos ecossistemas naturais devem ser preservados em benefício das gerações atuais e futuras, responsabilizando ao homem a preservação e administração de forma jurídica o patrimônio representado pela flora e pela fauna silvestre, bem como o seu habitat (UNESCO, Declaración, 1972 apud DIAS, 2000, p. 369). Para Ribeiro (2007, p. 38) esta dualidade indicava a permanência de uma visão na qual o ambiente natural tem maior valor quando não possui intervenções humanas, e que as construções e demais artefatos culturais nada têm a ver com o meio (suporte físico). [...] verificando a existência de bens que podiam ser classificados nas duas categorias, foi posteriormente criada a classificação de bem misto, para aqueles que tinham sua inscrição justificada tanto por critérios naturais quanto culturais, mas sem que a integração entre ambos fosse necessariamente objeto de análise ou de valoração. Com o passar dos anos, o desenvolvimento de disciplinas como a ecologia política e a discussão em torno de categorias como a de desenvolvimento sustentável provocou uma valorização no contexto internacional da relação homem/meio ambiente. O entendimento que é partilhado do Milaré (2005) apud Bosch (2011, p. 3), a visão holística do meio ambiente faz com que seja também considerado seu caráter social, uma vez que, “ele é definido constitucionalmente como um bem de uso comum do povo, de caráter ao mesmo tempo histórico, porquanto o meio ambiente resulta das relações do ser humano com o mundo natural no decorrer do tempo‖. Assim, para o autor, essa visão holística faz incluir no conceito de ambiente – além dos ecossistemas naturais, as sucessivas criações do espírito humano que se traduzem nas suas múltiplas obras expressas em realizações significativas que caracterizam os assentamentos humanos e as paisagens do seu entorno. Neste contexto, Reisewitz (2004) apud Bosch (2011, p. 3), afirma que o Direito Ambiental não está limitado àquilo que diz respeito à natureza e a todo o equilíbrio ecológico, sendo muito mais abrangente e compreendendo, em sua tutela, os elementos criados pelo ser humano, ou seja, ―compreende a ação humana modificadora da natureza, de maneira que toda a riqueza que compõe o patrimônio ambiental transcende a matéria natural e incorpora também um ambiente cultural, revelado pelo patrimônio cultural‖. Ainda, de acordo com este autor, a preocupação com o meio ambiente, assente pela lógica da sustentabilidade ecológica, caracteriza-se pela garantia de progresso material e bemestar social, e isso implica garantir que os recursos não sejam esgotados pela produção, mas 93 lhes impõem uma gestão racional, pois o crescimento não é infinito, existindo limites físicos naturais a serem respeitados. Se, por motivações capitalistas, forem extrapolados, inevitavelmente, levarão à autodestruição dos ecossistemas naturais e, por conseguinte, da humanidade. O autor ressalta ainda que ―a preservação do patrimônio cultural incorpora ao mesmo tempo o direito ambiental e direito cultural. Assim, tanto a cultura como a natureza são patrimônios suscetíveis de preservação, pois ambos integram o patrimônio ambiental‖ (REISEWITZ, 2004 apud BOSCH, 2011 op.cit.). O primeiro e único instrumento nacional oficial de proteção do patrimônio cultural e natural no território moçambicano foi trazido pelo art. 3º da Lei 10/88, de 22 de Dezembro (conhecido como a Lei de proteção legal dos bens materiais e imateriais do patrimônio cultural moçambicano), que determina constituir patrimônio histórico-cultural e artístico nacional ―ao conjunto de bens materiais e imateriais criados ou integrados pelo Povo moçambicano ao longo da história, com relevância para a definição da identidade cultural moçambicana. O patrimônio cultural é constituído por bens culturais imateriais e materiais”. De acordo com a Lei 10/88, são considerados bens culturais imateriais: todos os elementos essenciais da memória coletiva do povo tais como, a história e a literatura oral, as tradições populares, os ritos e o folclore, as próprias línguas nacionais e ainda obras do engenho humano e todas as formas de criação artística e literária independentemente do suporte ou veículo por que se manifestem ―e, são considerados bens culturais materiais ―ao conjunto formado por bens imóveis e móveis que pelo seu valor arqueológico, histórico, bibliográfico, artístico e científico, bem como os elementos naturais, sítios e paisagens protegidas por Lei ou passíveis de tal proteção em razão do seu valor cultural‖ (Lei 10/88, de 22 de Dezembro). Ainda na mesma Lei, a definição do conceito patrimônio cultural, expande à todos os bens culturais que venham a ser descobertos no território moçambicano, nomeadamente, no solo, subsolo, leitos de águas interiores e plataforma continental, assim como aos bens culturais de outros países existentes em Moçambique. De acordo com Souza Filho (2010, p. 21), conservar o patrimônio ambiental cultural constitui fundamental na civilização e na cultura dos povos, e a ameaça de seu desaparecimento implica o desaparecimento da própria sociedade, uma vez que o patrimônio cultural é garantia de sobrevivência dos povos, porque é produto e testemunho de sua vida. ―Um povo sem cultura, ou dela afastado, é como um grupo sem norte, sem capacidade de escrever sua própria história e, portanto, sem condições de traçar o rumo de seu destino”. Ainda, segundo autor, constitui uma das consequências da falta das possibilidades de valoração de bens culturais a perda desse patrimônio como referência para as gerações 94 futuras. Com efeito, apesar de a sociedade transformar-se de forma acelerada devido à globalização, torna-se imprescindível tutelar os bens culturais no intuito de manter viva a identidade de um povo. Para Emília Kashimoto et.al (2002), a efetivação da proteção do patrimônio cultural requer o incremento do processo de educação patrimonial e de conscientização da comunidade, seja local, regional ou nacional, a partir de uma reflexão ampla acerca da memória e de sua relação com a qualidade de vida. O patrimônio cultural subsidia ações de divulgação dos conhecimentos, para reflexão e formação de consciência social, visando o conhecimento da realidade local e regional e à promoção de recursos humanos, pois, segundo autor, ―não se pode falar em vida dotada de qualidade quando não agregados os valores culturais‖. Segundo a autora, na definição do meio ambiente, não se deve restringir apenas ao meio natural (solo, água, ar, fauna e flora), mas também abrangendo o aspecto artificial (espaço urbano construído), do trabalho e o cultural (patrimônio histórico, artístico, arqueológico, paisagístico e turístico). Foi neste contexto que em Moçambique se criou a Unidade de Gestão Ambiental (UGA) em 1982 – Instituto Nacional de Planejamento Físico (INPF), como forma de responder a problemática ambiental do país. Em 1985, com assistência do INPF e da IUCN (União Internacional de Conservação da natureza), criou-se o Conselho do Ambiente. Em 1991, criou-se a Divisão do Meio Ambiente, no INPF, que foi inserido no Aparelho Constitucional do país e deste, nasceu o Conselho Nacional do Meio Ambiente e Desenvolvimento – CNMAD. Pelo Decreto presidencial nº 3 de Junho de 1992, cria-se o Conselho nacional do Meio Ambiente (CNMA). Em 1994, é criado o Ministério para Coordenação da Ação Ambiental (MICOA), pelo Decreto Presidencial nº2/94, de 21 de Dezembro que passa a dirigir executar a política do ambiente, coordenar, assessorar, controlar e incentivar as ações planejamento correto e utilização sustentável dos recursos naturais do país. No mesmo ano foi institucionalizado o Programa Nacional de Gestão Ambiental - PNGA desenhado para estabelecer uma política e estratégias ambientais para direcionar a gestão ambiental. A Constituição da República de Moçambique no seu art. nº 72 consagra o direito dos cidadãos a um ambiente equilibrado e o dever de defendê-lo, atribuindo ao Estado a tarefa da sua materialização através da promoção de iniciativas visando o equilíbrio ecológico, a conservação e preservação do patrimônio paisagístico. Esta constituição coloca na mesma 95 escala de igualdade a proteção dos valores históricos e culturais e o meio ambiente como um todo (PNMA, Resolução nº5/95). A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivos ―assegurar o desenvolvimento sustentável do país, considerando as suas condições específicas, através de um compromisso aceitável e realístico entre o progresso socioeconômico e a proteção do ambiente”. Com base nesse propósito, a Política Nacional de Meio Ambiente visa: 1º- Assegurar uma qualidade de vida adequada aos cidadãos; 2º- Assegurar a gestão dos recursos naturais e do ambiente em geral, de modo que se mantenha a sua capacidade funcional e produtiva para as gerações presentes e futuras; 3º- Desenvolver uma consciência ambiental da população, para possibilitar a participação pública na gestão do meio ambiente; 4º- Assegurar a integração de considerações ambientais no planejamento socioeconômico; 5º- Promover a participação da comunidade local no planejamento e na tomada de decisões sobre o uso dos recursos naturais; 6º- Proteger os ecossistemas e os processos ecológicos essenciais; 7º- Integrar os esforços regional e mundial na procura de soluções para os problemas ambientais (PNMA, 1995, p. 232). Tanto as preocupações com a preservar ambiental como a do Patrimônio Histórico Cultural visam afirmar a identidade de um povo, mantendo viva a história de gerações passadas para conhecimento das presentes e futuras. Dessa forma, a fim de que prevaleça o interesse coletivo e o bem-estar social, é imprescindível que haja efetiva preservação do Patrimônio Ambiental Cultural, utilizando-se do instituto da responsabilidade civil ambiental para apurar responsabilidades e gerar obrigações na recuperação e/ou compensação de danos causados, uma vez que o Patrimônio Ambiental Cultural merece ser tutelado por se constituir em forte referência da memória histórica de um povo (BOSCH, 2011, p.21). As questões ambientais somente serão implementadas quando houver a integração entre os vários segmentos da sociedade e os diversos órgãos das três esferas de governo nacional, provincial e distrital (local), tento em conta que não há como tratar de meio ambiente sem ao mesmo tempo equacionar os problemas sociais responsáveis pelo caos na qualidade de vida. 96 Um estudo completo de planejamento com impacto direto na qualidade de vida só será realmente eficaz se ocorrer com uma equipe multidisciplinar e com a integração de todos os segmentos do governo trabalhando com todas as variáveis ambientais, sociais e econômicos presentes no local em causa. 4.6.1. Quadro Institucional referente à Conservação do patrimônio na Ilha. Com vista à proteção legal do legado histórico-cultural, a Ilha conta com legislações no âmbito patrimonial que inclui as convenções internacionais, planos de gestão e desenvolvimento integrado, planos estratégicos de nível local, provincial e nacional e o Estatuto Específico da Ilha de Moçambique. O quadro institucional local é constituído pelo Conselho Municipal (CMIM), pelo Governo Distrital (GDIM) e pelo Gabinete de Conservação da Ilha de Moçambique (GACIM). Se junta a este quadro constitucional Organizações não governamentais, a sociedade civil, que se encontra organizada em associações não governamentais e em confrarias (organizações religiosas associadas às danças). No Plano de Gestão da Ilha de Moçambique (2010, p. 55-57), sintetiza as principais características do quadro institucional da Ilha de Moçambique, de acordo com as suas responsabilidades dentro do território. A Lei n.º 2/97, de 18 de Fevereiro, institucionaliza as Autarquias como forma do poder local em Moçambique, cujos objetivos centram-se, sobretudo, na incentivacão da participação dos cidadãos na solução dos problemas próprios das suas comunidades e na promoção do desenvolvimento local, bem como no aprofundamento e a consolidação da democracia. Neste contexto, a Lei 2/97, no seu artigo 272, consagra as autarquias municipais às responsabilidade de ―elaborar e a aprovar os planos de desenvolvimento da autarquia local de médio e de longo prazo‖, abarcando os aspectos do o desenvolvimento econômico e social local; a urbanização e gestão do meio ambiente (saneamento básico, criação e manutenção de espaços verdes e a qualidade de vida de seus habitantes); saúde, educação, cultura, turismo, lazer, habitação, entre outras. A pós a declaração da Ilha de Moçambique como Patrimônio Mundial em 1991, a responsabilidade do Governo de Moçambique perante o país e as organizações internacionais 97 de salvaguarda do patrimônio Mundial, foram acrescidas e para tal, criou-se através do Decreto n.º 27/2006, de 13 de Julho, o Estatuto Específico da Ilha de Moçambique, um instrumento que tem como objetivos promover a aplicação das normas da UNESCO relativas à proteção do Patrimônio Mundial, estabelecer regras e mecanismos de articulação e coordenação entre os diferentes intervenientes no processo de desenvolvimento e conservação da Ilha de Moçambique e promover o investimento nacional e estrangeiro na região. De igual modo, foi criado, por Decreto n.º 28/2006, de 13 de Julho, o Gabinete de Conservação da Ilha de Moçambique (GACIM), uma instituição pública subordinada ao MEC. O mesmo diploma define como áreas setoriais de intervenção do GACIM a proteção arquitetônica, histórica e arqueológica e a proteção ambiental e o turismo cultural. Paralelamente a este órgão foi criada a Comissão Técnica do GACIM constituída pelos membros do governo do Distrito, Conselho Municipal, Membros da Sociedade Civil que se destacam pelas atividades em prol da conservação do patrimônio cultural na Ilha de Moçambique. A CTG tem a função de assessorar o GACIM no processo da gestão do patrimônio. As organizações e associações profissionais e culturais que constituem um elemento fundamental no quadro institucional, cultural e econômico constituem formas centrais de vivência da grande parte da população da Ilha de Moçambique. Igualmente em elevado número são os agrupamentos ou associações culturais da Ilha de Moçambique, ligados à expressão artística musical, que também se constituem em redes de solidariedade corporativa e são, frequentemente, um veículo de mobilização social e política, dada a proximidade dos grupos com uma ou outra força partidária na Ilha. Dentre as Associações Civis, destacam-se Associação dos Amigos da Ilha de Moçambique - AAIM, formada em 1982, Associação dos Pequenos Empresários Turísticos – APETUR, formada em (1999), e uma recente Associação feminina formada em 2009, com o apoio da Embaixada da Dinamarca – Associação Cultural das Mulheres da Ilha de Moçambique – ACUMIM. Essas associações participam de certa forma, nas iniciativas de desenvolvimento socioeconômica da Ilha de Moçambique. (PGIM, 2010). 98 4.6.2. Principais instrumentos legais referentes à conservação do patrimônio Cultural em Moçambique No domínio da cultura: • Convenção da UNESCO para a Proteção do patrimônio Mundial, Cultural e Natural, 1972. Na qualidade de Estado Parte da Convenção do Patrimônio de 1972, Moçambique compromete‐se a assegurar a identificação, proteção, conservação, apresentação do patrimônio cultural e natural situado no seu território, e o seu legado às futuras gerações. • A Lei nº 10/88 de 22 de Dezembro ‐ Lei de Proteção do patrimônio Cultural, que determina a proteção legal dos bens materiais e imateriais do patrimônio cultural moçambicano. A Lei aplica‐se a todos os bens do patrimônio cultural em geral, quer estejam na posse do Estado e dos organismos de direito público, quer sejam propriedade privada, sem prejuízo dos direitos de propriedade que couberem aos respectivos titulares. • O Decreto nº 27/94 de 20 de Julho, que aprova o Regulamento de Proteção de patrimônio Arqueológico. Este regulamento definido conceitos relativos à conservação do patrimônio arqueológico, os procedimentos com vista a obtenção de licença para trabalhos arqueológicos, assim como o uso e exploração de bens classificados do patrimônio arqueológico para fins comerciais. • Convenção da UNESCO para a Salvaguarda do patrimônio Cultural Imaterial de 2003,cuja missão é a adoção de medidas que visam assegurar a viabilidade do patrimônio cultural imaterial, incluindo a identificação, documentação, investigação, preservação, proteção, promoção, valorização, transmissão ‐ essencialmente pela educação formal e não formal – e revitalização dos diversos aspectos deste patrimônio. • Inventário Nacional de Monumentos, Conjuntos e Sítios, elaborado em 2003 pelo Departamento de Monumentos da Direção Nacional do patrimônio Cultural do Ministério da Cultura e a proposta de Normas para a conservação e critérios de classificação de monumentos, conjuntos e sítios em Moçambique. • Convenção da UNESCO sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais, 2005. Esta Convenção busca criar um ambiente conducente à afirmação e à renovação da diversidade de expresses culturais em benefício de todas as comunidades existentes no país. Um dos objetivos fundamentais da Convenção é ―reafirmar os direitos soberanos dos Estados, manterem, adotarem e implementarem as políticas e medidas que julguem apropriadas à proteção e à promoção da diversidade das expressões culturais em 99 seus territórios, plasmado no Artigo 1 da Convenção. A Convenção promove a interação entre participantes individuais e institucionais no compartilhamento de responsabilidades e em nome da diversidade das expressões culturais. 100 5. PATRIMÔNIO CULTURAL EM MOÇAMBIQUE 5.2. Processo Histórico do Patrimônio Cultural em Moçambique e a Formação de órgãos de tutela No presente capítulo, pretende-se fazer uma análise descritiva das primeiras preocupações com a preservação e a valorização da cultural como instrumento base para o desenvolvimento socioeconômico e político de Moçambique, desde a definição da lei que determina a proteção legal do Patrimônio Cultural, como a definição da Política da Cultura e a criação dos órgãos de tutela do setor da cultura até aos nossos dias. A questão cultural em Moçambique foi reconhecida desde os primórdios da história da luta de libertação nacional, conduzida pela Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) entre os anos de 1964 a 1974, contra o colonialismo português. Nessa época, a cultura funcionou como o veículo na reafirmação da identidade moçambicana e de protesto contra a dominação colonial durante os cincos séculos de dominação portuguesa (ARPAC, 2011). Em 1966, em plena guerra, a FRELIMO criou o Departamento da Educação e Cultura (DEC), que constituiu um valor acrescentado para ambos os setores face à sua complementaridade. Neste Departamento, o setor da Cultura se destacou como um componente importante da luta de liberação em virtude da sua relação intrínseca com o despertar da consciência nacionalista. Kashimoto et al. (2002) ressaltaram a importância da cultura para o desenvolvimento socioeconômico e cultural numa sociedade e consideram que este é o meio pelo qual as pessoas encontram soluções criativas para os problemas enfrentados no seu cotidiano, fortalecendo ainda mais sua identidade e seus valores, pois é ela que gera e transmite os valores de geração em geração. Por isso, torna-se imprescindível o conhecimento com profundidade da cultura de um grupo social do local onde a pessoa se insere, porque, de acordo com o autor, é essa identidade cultural que rege a permanente evolução dos sentimentos e de diferentes maneiras de perceber as coisas que caracterizam todas as comunidades. Através das manifestações culturais, o povo moçambicano pôde transmitir os seus sentimentos, seus anseios, a sua repulsa contra a dominação estrangeira, reivindicou uma igualdade de oportunidades no acesso aos serviços sociais e espaços públicos bem como se impôs ao poderio do governo colonial (ARPAC, 2010 & MICULT, 2011). Todavia, o conhecimento, a promoção, a valorização e a preservação da cultura em Moçambique começam a merecer a sua maior atenção pouco antes da proclamação da 101 Independência Nacional, quando em fevereiro de 1975, foi realizada a I Reunião Nacional dos Comitês Distritais da FRELIMO, onde pela primeira vez foi criado em Moçambique o Ministério da Educação e Cultura; cuja Estrutura Orgânica criada através da Portaria n.º 39/76, de 14 de Fevereiro, compreendia: Instituto Nacional da Cultura; Serviço Nacional de Biblioteca; Serviço Nacional de Rádio Educativa e Biblioteca Nacional de Moçambique (MICULT, 2011, p. 2). Durante esta seção, a cultura foi assumida como o instrumento eficaz no processo da construção da Unidade Nacional e da consolidação da Revolução que acabava de triunfar. Na mesma reunião se reconheceu que o desenvolvimento econômico e social deve ter a cultura como ponto de partida e de referência obrigatória e permanente, pois o desenvolvimento só seria sustentável se tivesse o homem como seu primeiro e último beneficiário. Nesse sentido, defendeu-se ―a necessidade de criação de condições que pudessem unificar o povo moçambicano do Rovuma ao Maputo10, mas para isso era necessário conhecer esse povo” o que significava conhecer as diversidades culturais desse povo, o que constituiu o maior anseio do governo moçambicano, sobretudo, no período pósindependência, quando se reconheceu que a valorização da cultura era a condição fundamental para a consolidação da Unidade Nacional e da identidade individual e de grupo. Um dos primeiros passos para responder a esse propósito na década de 1970, foi o incremento de intercâmbios culturais a nível nacional. Para o efeito, recomendou-se a criação de comissões para coleta e estudos de todas as manifestações culturais do país, baseando-se na vida do povo, hábitos culturais, experiências na medicina tradicional, de guerras tribais, guerras de resistência à penetração estrangeira, períodos antes, durante e depois do colonialismo português, as experiências na luta clandestina, de Luta Armada de Libertação Nacional e as experiências que iam sendo adquiridas, entre outros aspectos (ARPAC, 2010). Portanto, foi a partir desta campanha que se lançou as bases para a promoção, valorização e preservação do patrimônio Cultural Nacional. Em 1977 é realizado o III Congresso da FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique), Partido no poder desde a sua criação em 1962, que, para além de definir os aspectos da vida socioeconômica e política do país, tratou da cultura como instrumento preponderante na formação do ―homem novo”, isto é, com nova mentalidade, o homem que iria criar uma sociedade nova, moderna e desenvolvida dentro dos princípios do sistema 10 Do Rovuma ao Maputo, se refere aos dois estremos da República de Moçambique, a Norte o Rovuma e a Sul, Maputo, que na verdade, são dos rios que a travessam o território moçambicano e que constituem fronteiras naturais, separando a norte, a República de Moçambique da República da Tanzânia e a Sul, separa a República de Moçambique da República de África do Sul. 102 socialista11. Portanto, mais uma vez, a cultura foi aqui potencializada como uma arma, um elemento da confrontação ideológica com o ―inimigo‖ ou outros ―exploradores‖, como condição para o sucesso da produção e, como uma vertente político-social, um elemento de libertação do homem moçambicano da colonização e sua autovalorização (Documentos do III Congresso da FRELIMO. FRELIMO, 1977, apud, ARPAC, 2010, p. 6). Foi neste contexto que em Julho de 1978, a Direção Nacional da Cultura organizou a I Reunião Nacional dos Museus na Ilha de Moçambique, onde foram discutidas questões relacionadas com a organização e funcionamento dos museus, bem como a necessidade da coletar tudo o que construiria elementos do patrimônio histórico cultural do país. Entretanto, apesar de vários esforços realizados na área da cultura, persistiam ainda dificuldades na definição do conceito de cultura e da sua área de abrangência, pois, o recémcriado o Ministério da Educação e Cultura ainda não dispunha de técnicos qualificados para encarar os desafios que lhes colocavam. Estas e outras questões suscitaram a realização em 1979 da II Reunião Nacional da Cultura que teve como principais objetivos melhorar a visão comum sobre os desafios da gestão e promoção cultural em geral, definir estratégias para maior participação da sociedade na preservação e divulgação do patrimônio cultural para uma melhor interação como Estado, contribuir para o desenvolvimento institucional na componente de recursos humanos e no âmbito da descentralização e desconcentração de competências e responsabilidades, entre outros pontos. O Governo de Moçambique reconheceu também nesse período que, o processo irreversível de que o homem é sujeito podia trazer eventuais descontinuidades no ciclo de transmissão dos conhecimentos e valores tradicionais entre as gerações, se não se tomasse medidas para a salvaguarda do patrimônio cultural imaterial, sobretudo no momento em que crescia a instabilidade no meio rural, associado ao processo massivo de migrações das camadas populacionais mais jovens dessas zonas, significaria a perda do legado histórico do povo moçambicano. Neste contexto, de 1978 a 1983, os técnicos do setor da cultura, alunos e professores e alguns funcionários dos governos provinciais e distritais de todo o país se engajaram no processo denominado por ―Campanha Nacional de Preservação do Patrimônio Cultural e Natural de Moçambique‖, com objetivo de coletar, registrar e descrever vários aspectos da 11 Sistema de organização econômica adotado pela FRELIMO, logo após-independência, em que a economia do país era em 100% controlada pelo Estado, cujo objetivo era de promover a distribuição justa de riquezas a todos moçambicanos. 103 cultura e tradições locais com vista à sua valorização através do seu estudo e análise. Esperava-se também que através deste trabalho fosse possível realizar ações de reflexão críticas sobre a história nacional através da interpretação desse mosaico cultural à escala nacional. Esta Campanha decorreu em toda a extensão do território moçambicano, abrangendo distritos, localidades e povoados, um manancial significativo de bens culturais foi coletado, grande partes dos quais foi posteriormente arquivado e outra parte, encontra-se em ainda em processo de digitação, sistematização e catalogação, para efeitos de divulgação. Além dos materiais referidos, foram também coletadas memórias de personalidades que se destacaram na vida e no desenvolvimento socioeconômico, cultural e político local, histórias e mitos de origem locais, rituais e práticas associadas à cura, produção agrícola, pesca e caça assim como danças e cancioneiro locais. Durante esse período não só se desenvolveram as campanhas de preservação do patrimônio cultural, como também foram criadas instituições culturais que tinham funções de gerir a execução das atividades de conhecimento, resgate, proteção, preservação, recuperação e divulgação do patrimônio cultural material e imaterial do povo moçambicano. Paralelamente a isso, foram recrutados em instituições de ensino jovens que foram capacitados de acordo com as condições que o país tinha na altura, para assumir as instituições que estavam sendo criadas no recém-país independente. É neste contexto que, em 1979, é criada a Companhia Nacional de Canto e Dança, conhecida como ―Embaixadora artística e cultural de Moçambique‖, cuja oficialização aconteceu 17 anos depois através do Decreto n.º 38/96, de 20 de Agosto, objetivando coletar, preservar, valorizar e difundir, através do espetáculo e outras formas, a manifestação cultural, especialmente nos domínios da dança, música vocal e/ou instrumental, teatro e atividades associadas. Em finais de 1983, através do Decreto Presidencial nº 84/83, de 29 de Dezembro, é criada a Secretaria do Estado da Cultura como o Órgão Central do Aparelho do Estado subordinado ao Conselho de Ministros. A Secretaria do Estado da Cultura tinha como funções dirigir, planificar e controlar a implementação da política cultural da então República Popular de Moçambique. Para a execução das suas atividades, este órgão definiu a Preservação e a Valorização do Patrimônio Cultural e Artística, a Formação Técnico-Artística e Intercâmbiosculturais como principais áreas de concentração e se estruturou em: 104 • Direção Nacional do patrimônio Cultural, cujas atribuições eram, entre outras, dirigir, planificar, promover e coordenar a pesquisa, salvaguarda e valorização do patrimônio cultural; Propor o quadro legislativo para a proteção do patrimônio cultural e as normas para o funcionamento dos serviços e instituições da área; propor os regulamentos e outras normas de aplicação da Lei de Proteção do patrimônio Cultural, incluindo a classificação de bens do patrimônio cultural e a organização e atualização do seu inventário; promover a educação dos cidadãos na valorização e proteção dos bens do patrimônio cultural; promover e incentivar a criação de arquivos especializados, na área do patrimônio cultural, de documentação escrita, sonora, visual e audiovisual, e regulamentar o seu funcionamento; e estimular a sua utilização para fins educativos e turísticos; promover o conhecimento e valorização do patrimônio cultural, enquanto elemento da identidade cultural moçambicana. • Direção Nacional de Ação Cultural; cujas atribuições eram, entre outras, realizar ações de reconhecimento aos artistas que se destaquem na sociedade pela sua contribuição nas artes e valorização do patrimônio cultural; promover o intercâmbio artístico nacional e internacional; promover a valorização do artesanato, através do estímulo à organização dos produtores em associações, a preservação e o desenvolvimento das técnicas tradicionais de fabrico; promover o uso das artes e cultura como fator de identidade cultural, de autoestima e de desenvolvimento socioeconômico; promover o conhecimento e valorização social das tradições populares e literatura oral, enquanto elementos da identidade cultural moçambicana. • Departamento de Relações Internacionais; cujas atribuições eram, entre outras, as de elaborar, em coordenação com as direções nacionais e instituições do sector, propostas de políticas e estratégias de desenvolvimento do sector a curto, médio e longo termo; proceder à recolha, sistematização, análise e disseminação de dados referentes à cultura; realizar estudos, diagnósticos e elaborar projetos sobre o enquadramento das políticas setoriais na estratégia global do desenvolvimento nacional; coordenar a elaboração dos planos de atividades do Ministério da Cultura e das instituições subordinadas; monitorar os programas de desenvolvimento econômico e social do país; • Departamento de Administração e Finanças; cujas atribuições, dentre outras eram coordenar e zelar pela correta utilização dos recursos materiais e financeiros do sector; controlar e acompanhar a atividade económica e financeira das instituições subordinadas e tuteladas pela Secretaria do Estado da Cultura; elaborar as propostas de orçamentos de investimento e funcionamento, em colaboração com as direções nacionais e instituições 105 subordinadas e tuteladas, bem como controlar a execução financeira dos orçamentos do sector; e, • Departamento de Formação e Recursos Humanos, cujas atribuições, dentre outras são de elaborar propostas de políticas do setor e garantir a sua execução, bem como o plano de desenvolvimento de recursos humanos; elaborar e gerir o quadro de pessoal; planejar e coordenar a realização das ações de formação e capacitação profissional dos funcionários e agentes do Estado dentro e fora do país. (MICULT, 2011, p. 3). A intensificação da guerra civil entre a FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique) e a RENAMO (Movimento de Resistência de Moçambique), iniciada em 1977, dois anos após o termino da Luta de Libertação Nacional dirigida pela FRELIMO contra o colonialismo e terminada em 1992, vários programas de desenvolvimento socioeconômico do país ficaram interrompidos ou não tiveram o seu início. Muitas pessoas saíram das suas zonas de origens para as cidades à procura de segurança e melhores condições de vida. Esta guerra teve impactos negativos na medida em que os feitos em prol do desenvolvimento da vida econômica e social do país foram interrompidos. Em 1981, foi realizado o Seminário de Balanço da Campanha de Preservação do Patrimônio Cultural, no qual se recomendou a formação profissional de técnicos que estariam ligados à área do patrimônio cultural, como forma de garantir maior qualidade na análise dos materiais de bens culturais coletados. E foi isso que determinou a gênese do Projeto que se denominou de Arquivo do Patrimônio Cultural – ARPAC. Alguns técnicos que estavam envolvidos no Programa de Campanha de Preservação do Patrimônio Cultural vindos de diferentes instituições do Governo, como educação, cultura, agricultura, entre outras, foram integrados neste projeto e posteriormente capacitados para lidar com dados coletados. O projeto teve suporte financeiro do PNUD, Cooperação Francesa e Fundação Ford (ARPAC, 2010, p. 11). Devido aos problemas de guerra acima descritos, em 1983 o Programa da Campanha Nacional de Preservação do Patrimônio Cultural foi temporariamente interrompido, pois, os principais pontos de coleta de dados se encontraram severamente afetados pela guerra, criando dificuldades no processo de transferência de cópias do material coletado das zonas rurais para as sedes distritais, dali para as capitais provinciais e finalmente para a capital nacional, onde o material seria catalogado e arquivado para posterior divulgação. Muito material se perdeu antes de se beneficiar de análise e catalogação, sobretudo, das zonas 106 recônditas de Moçambique, por falta de condições de armazenamento e pelo abandono precipitados dos seus guardiões. Em meados do mesmo ano, foi assinado o acordo entre o Governo de Moçambique e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), para a implementação do Projeto Moz/82/004, como forma de contribuir para a preservação do patrimônio Cultural de Moçambique criando assim, os Arquivos do Patrimônio Cultural – ARPAC, cujos principais objetivos eram pesquisar, arquivar e divulgar os bens patrimoniais no território moçambicano (SEC, 1986, apud ARPAC, 2010, op.cit.). Entretanto, a partir de 1984, para além de pesquisar, arquivar e divulgar os dados coletados, o ARPAC passou também a pesquisar e analisar os dados de forma sistemática e utilizando métodos científicos com finalidade de estudo e educação. Os avanços dados pelo setor na área de pesquisa e a divulgação do patrimônio cultural a nível nacional e internacional, fez com que o Governo de Moçambique o instituísse dando-lhe o Estatuto próprio. Em 1986, o ARPAC, passa a ter o Estatuto Orgânico próprio e a partir disto convergiu as suas atenções para a criação de rede de instituições para fins de investigação e arquivos sobre o patrimônio cultural moçambicano e a implantação de Núcleos Provinciais, que mais tarde passaram a ser designados por Delegações Provinciais. Em 1987, através do Decreto Presidencial no 11/87, de 12 de Janeiro, é criado pela primeira vez m Moçambique, o Ministério da Cultura12 que passou a ser integrado pelo o Instituto Nacional do Livro e do Disco; os Museus já constituídos; e os monumentos nacionais, sítios ou áreas de interesse cultural. Na línea a do Art.44 da Constituição da República de Moçambique, é aprovada a Lei 10/88 de 22 de Dezembro, que determina proteção legal dos bens materiais e imateriais do patrimônio cultural no território moçambicano. A partir de então, a Constituição da República consagrou, entre os seus princípios fundamentais, a responsabilidade do Estado na promoção do desenvolvimento da cultura e da personalidade nacional. Essa ação preconizada pela Lei Fundamental, passa pela identificação, registro, preservação e valorização dos bens materiais e espirituais que integram o patrimônio cultural moçambicano. Cinco anos mais tarde em 1992, através do Decreto Presidencial nº3/92 de 26 de Junho, o Ministério da Cultura viu-se mais uma vez desfeito e recriado com o Ministério da 12 Só em 1987 que Moçambique teve uma instituição cultural autônoma. 107 Cultura, Juventude e Desportos, ampliando assim a sua área de ação. O recém-criado Ministério passou a compor por: Inspeção-Geral; Direção Nacional do patrimônio Cultural; Direção Nacional de Ação Cultural; Direção Nacional dos Assuntos da Juventude e Desportos; Gabinete de Estudos; Departamento de Administração e Finanças; Departamento de Cooperação Internacional; Departamento de Planificação e Departamento de Recursos Humanos. Em 1993, se realizou a I Conferência Nacional da Cultura, onde participaram diversas individualidades nacionais e internacionais ligadas á área do patrimônio cultural, o que contribuiu em grande medida para interpretação clara do conceito ―Cultura‖, ao contextualizála à realidade de Moçambique; a promoção da participação dos cidadãos na preservação, valorização e apropriação das singularidades culturais como partes do todo nacional. (ARPAC, 2010). As recomendações saídas nesta Conferência, conferiram à Cultura o papel motor na construção da identidade nacional baseada na diversidade dos seus povos, reconhecendo o papel fundamental da Cultura no desenvolvimento e a necessidade de fortalecer a produção artística, de salvaguardar o patrimônio cultural, o papel inter-setorial da Cultura (educação, ciências, desportos e educação física), assim como o papel da Cultura nas relações de cooperação internacional. A Conferência adotou a proposta da Política Cultural Nacional e recomendou a sua aprovação. Assim, na alínea e do nº 1 do artigo 153 da Constituição da República, o ARPAC deixa de ser projeto e é legalmente instituída através do Decreto nº 26/93, de 16 de novembro como Arquivo do Patrimônio Cultural – ARPAC, com autonomia, e sendo integrada no Ministério da Cultura, Juventude e Desportos. Assim, de acordo com o Art. 5, do Decreto nº 26/93, esta instituição passa a ocupar-se a área do patrimônio cultural imaterial que, de acordo com a Lei de Proteção Cultural nº 10/88, de 22 de dezembro, são bens que constituem elementos essenciais de memória coletiva do povo, tais como a história e a literatura oral, as tradições populares, os ritos e o folclore, as línguas nacionais e ainda obras de engenho humano e todas as formas de criação artística e literária, independentemente do suporte ou veículo por que se manifestam (MEC, 2007, p. 63). Uma das ações marcantes no setor da cultura, foi sem dúvida a aprovação, em 1997, da Política Cultura e Estratégia da sua Implementação. Assim, na alínea e do nº 1 do Artigo 153 da Constituição da República, através da Resolução nº 12/97, de 10 de julho, o Conselho de Ministros aprovou a Política Cultural e Estratégia da sua Implementação, como 108 instrumento regulador da atividade do Governo na sua articulação com os demais interveniente na promoção e desenvolvimento da cultura. As prioridades e objetivos estipulados na Política da Cultura serviram de base para formulação das prioridades estratégicas. A Política Cultura defendeu que o desenvolvimento só poderá ser sustentável se forem envolvidas as pessoas e consideradas como as primeiras e principais beneficiárias. Para tal, a integração das questões culturais nos programas e processos de desenvolvimento é fundamental, e isso justifica a colocação desta prioridade como a primeira em ambos os instrumentos. Um dos mais importantes papéis da cultura é o fortalecimento da identidade moçambicana no contexto da unidade na diversidade. As outras prioridades, como a preservação do patrimônio cultural, o desenvolvimento de instituições culturais, a promoção da pesquisa e investigação, etc., ocupam também um lugar proeminente nesta Estratégia, a qual visa à operacionalização das prioridades identificadas. Neste contexto, se definiram entre outros, como objetivos da Política nacional da Cultura: • Promover o desenvolvimento da cultura e personalidade moçambicanas e garantir a livre expressão dos valores nacionais, em estreita colaboração com as forças vivas da sociedade; • Promover a difusão da cultura moçambicana, no plano nacional e internacional, e desenvolver ações com vista a fazer beneficiar o povo moçambicano das conquistas culturais de outros povos; • Promover o respeito, a valorização e a aceitação das manifestações culturais de cada comunidade; • Promover a identificação, preservação e valorização do patrimônio cultural e artístico nacional (MEC, 2007, p. 39). Portanto, a política Nacional da Cultura, a Lei do Patrimônio Cultura, as Recomendações da Primeira Conferência Nacional sobre a Cultura e o Programa Quinquenal do Governo para o setor da Cultura, constituem instrumentos para a intervenção do Estado no Desenvolvimento Cultural em Moçambique. O primeiro ponto a se considerar na formulação de uma política nacional de cultura é uma definição clara do papel do Estado na gestão pública da cultura. Qual sua função e espaço de atuação? Como pode atuar respeitando a liberdade de criação, mas garantindo os direitos culturais e a preservação do patrimônio cultural, fomentando a produção e fortalecendo a economia da cultura? 109 As respostas a estas questões tem como ponto central o entendimento da cultura como um direito fundamental do ser humano e ao mesmo tempo um importante vetor de desenvolvimento econômico e de inclusão social. Assim sendo, deve ser tratada pelo Estado como uma área estratégica para o desenvolvimento do país. Paralelamente às transformações ocorridas nas várias instituições criadas em prol da preservação e valorização da cultura em Moçambique, o Ministério da Cultura também foi sofrendo mudanças ao longo da sua história, todas elas visando sempre a eficácia e eficiência na prestação de serviços. Em 2000, o Ministério da Cultura, Juventude e desportos é desintegrado e recriado, mais uma vez, pelo Decreto presidencial nº 1/2000, o Ministério da Cultura. De acordo com o Diploma Ministerial nº 171/2000, de 6 de dezembro, o Ministério da Cultura ficou constituído por duas áreas principais de atividades: Patrimônio Cultural e Ação Cultural e uma Estrutura Orgânica constituída pela: Inspeção-Geral; Direção Nacional do patrimônio Cultural; Direção Nacional de Ação Cultural; Direção de Estudos e Planificação; Departamento de Cooperação Internacional; Departamento de Recursos Humanos; e Departamento de Administração e Finanças. O desenvolvimento da capacidade interventiva da sociedade civil manifesta-se a partir desse momento através do aparecimento e fortalecimento de um amplo movimento associativo entre os fazedores da cultura, testemunhando a tomada de consciência de participação na consolidação da Nação e da moçambicanidade. Em 2005, mais uma vez, o Ministério da cultura é reintegrado no Ministério da Educação, e pelo Decreto Presidencial nº 13/2005 foi recriado o Ministério da Educação e Cultura - (MEC). O Decreto Presidencial nº 18/2005, de 31 de março definiu as suas atribuições e competências. Em conformidade com o respectivo Estatuto Orgânico (Diploma Ministerial nº 181/2005 de 7 de setembro, o Ministério da Educação e Cultura tinha a seguinte estrutura: Direção Nacional de Educação Geral; Direção Nacional de Educação TécnicoProfissional e Vocacional; Direção Nacional de Alfabetização Educação de Adultos; Direção nacional da Cultura; Direção de Coordenação do Ensino Superior; Direção de Programas Especiais; Direção de Planificação e Cooperação; Direção de Recursos Humanos; Direção de Administração e Finanças; Inspeção Geral; Gabinete do Ministro; Gabinete de Comunicação e Informação; Departamento de Tecnologias de Informação e Comunicação; e Departamento Jurídico. 110 Em 2010, pelo Decreto Presidencial nº 1/2010 de 15 de janeiro, foi criado o atual Ministério da Cultura, cujas atribuições e competências se encontram definidas pelo Decreto Presidencial nº 5/2010 de 19 de Março, em conformidade com o seu Estatuto Orgânico, publicado pela resolução nº 27/2010 de 13 de outubro (MICULT, 2011. p. 2-3). 5.3. Processo de Patrimonialização da Ilha de Moçambique Após uma visão da evolução histórica da cultura e do nascimento dos órgãos de tutela deste setor em Moçambique, nesta seção, pretende-se fazer uma análise descritiva do processo de patrimonialização iniciado em 1955 quando, pela primeira vez, o Governo Português classificou o núcleo urbano da Ilha de Moçambique como Patrimônio de Interesse Público. Com efeito, foi principalmente a partir desta data que iniciaram ações concretas de preservação do patrimônio na Ilha de Moçambique. Pereiro (2009, p. 147) define a patrimonialização ou ativação do patrimônio cultural como ―um processo de atribuição de novos valores, sentidos, usos e significativos a objetos, as formas, os modos de vida, saberes e conhecimentos sociais”. E para que esse processo ocorra é necessário que se entenda o patrimônio cultural no seu contexto sociocultural e econômico específico, pois, no entender do autor, a patrimonialização é um processo que está intimamente associado à institucionalização da cultura e também pode ser entender como um ―processo de ativação de memórias, portanto, um seguro contra o esquecimento‖, (PEREIRO, op.cit, p. 148). Alguns documentos consultados como Pereira (1994), indicam que o interesse pela conservação da Ilha de Moçambique remonta de 1868 quando o governo colonial tomou medidas de precauções higiénicas e aplainamento de terrenos escavados, reabilitação de todos os edifícios que se encontravam em ruínas na cidade, entre outras medidas que tendiam a conservação do ambiente urbano para o bem-estar de seus habitantes. Entre os anos de 1969 e 1972, ainda Moçambique na condição de colônia portuguesa, foram realizados trabalhos de pesquisa tendo o governo português pedido empréstimos de fundos para compra de diversos bens para a criação de museus. Com os bens comprados foram instalados três museus na Ilha de Moçambique, nomeadamente, o de Artes Decorativas, o da Marinha e o de Arte Sacra, este último localizado nos anexos da Igreja da Misericórdia. Após a independência nacional de Moçambique, o setor estatal da cultura, através do Serviço Nacional de Museus e Antiguidades e da Direção Nacional do Patrimônio Cultural, 111 concentrou a sua atenção na Ilha de Moçambique que se encontrava em franco processo de degradação e levou a cabo ações de conservação dos monumentos e do patrimônio edificado. Assim, em 1977, foi criada uma brigada que foi subordinada ao Museu de Nampula com o objetivo de preservar os edifícios que tinham sido reabilitados nos finais da colonização portuguesa. Devido à pressão internacional sobre a necessidade da conservação do patrimônio da Ilha de Moçambique, foi criado em 1980, o Gabinete de Conservação e Restauro da Ilha de Moçambique que passou a dirigir a brigada de restauro que já tinha sido criada. Este Gabinete foi dirigido pelo arquiteto dinamarquês Jeans Hougaard até 1985 e serviu como dinamizador e executor das principais ações de restauro, desencadeando ações de identificação e registro de bens móveis passíveis de ser classificados como patrimônio móvel com base nos critérios estabelecidos pela UNESCO (bens com valor universal excepcional que apresentam valor arquitetônico, artístico e histórico cultural). Por ocasião da visita efetuada pelo consultor da UNESCO, Krzystof Pawlowsky a Ilha em 1981, foi elaborado um relatório que constituiu instrumento importante para o funcionamento do Gabinete que acabava de ser criado sem bases técnicas. Igualmente, foi através deste relatório que se constatou a necessidade da Ilha de Moçambique constar na Lista do Patrimônio Mundial, e daqui se lançou a primeira ideia da patrimonialização. Em 1982 é criada Associação de Amigos da Ilha de Moçambique (AAIM) - uma organização não-governamental constituída por pessoas naturais, amigas e simpatizantes da Ilha, cuja figura de destaque foi o historiador moçambicano nascido na Ilha, o Doutor Luís Filipe Pereira, que desenvolveu uma série de estudos sócio históricos da região. A partir deste momento, a Ilha de Moçambique começou a ser o centro de atenções não só a nível nacional, mas também internacional para questão de salvaguarda do patrimônio histórico cultural. Para responder aos apelos da comunidade internacional e de alguns membros influentes da sociedade civil, o Governo de Moçambique ratificou, em 1982, a Convenção da UNESCO de 1972, para a Proteção do Patrimônio Cultural e Natural do Mundo (Resolução nº 17/82), o que possibilitou a entrada para a inscrição da Ilha na Lista do Patrimônio Mundial anos depois. Na sequência de uma missão realizada pelo Arquiteto Viana de Lima em 1983, organizou-se uma exposição que foi editada pela Fundação Calouste Gulbenkian, e um estudo denominado por ―A Ilha de Moçambique em Perigo de Desaparecimento: Uma Perspectiva Histórica, Um Olhar para o Futuro‖, que contém um capítulo denominado ―Sugestões para uma Recuperação Integrada da Estrutura Urbana da Ilha de Moçambique‖ (PGIM, 2010). A 112 tônica nessa época era a necessidade de classificação da Ilha de Moçambique como Patrimônio Cultural da Humanidade, bem como de um maior envolvimento da UNESCO. Entre os anos 1982‐1985, foi elaborado um relatório que resultou do trabalho de pesquisa arquitetônica realizada com a participação da Escola de Arquitetura de Aarhus (Dinamarca), em parceria com a Secretaria do Estado da Cultura de Moçambique e da Associação de Amigos da Ilha de Moçambique, para servir de guia prático para a concretização da conservação e reabilitação da Ilha de Moçambique. Entre várias atividades, o trabalho consistiu em levantamento de estrutura dos talhões, elaboração de plantas de edifícios, registro sobre o estado de conservação, elaboração do material de princípios de restauro, métodos de restauro, plano para a conservação, infraestruturas técnicas e a elaboração de um programa de ação. A partir deste material, foram realizados vários estudos, ações de divulgação (exposições, seminários, palestras com a população influente, quer ao nível local, quer ao nível nacional, publicações) e iniciaram trabalhos de conservação, restauro e revitalização como resultado de esforços desenvolvidos em anos anteriores que permitiram obter apoios em técnicos qualificados, meios financeiros e materiais. No entanto, apesar dos progressos dados ao longo de vários anos no campo da salvaguarda do patrimônio cultural em Moçambique, o setor ainda não dispunha de um instrumento legal de proteção do patrimônio cultural e natural. O Governo de Moçambique só veio aprovar a Lei que determina a proteção legal dos bens materiais e imateriais do patrimônio cultural moçambicano em 1988, através da Lei nº10/88, de 22 de dezembro. Após aprovação desta lei, em Outubro de 1990, o Governo de Moçambique submeteu o dossiê de candidatura da Ilha de Moçambique ao Comitê do Patrimônio Mundial da UNESC com base nos Critérios (iv) e (vi) da Convenção do Patrimônio Cultural, durante a 15ª sessão em Cartago, Tunísia, entre os 9 a 13 de dezembro de 1991. A Ilha foi declarada Patrimônio Mundial da Humanidade na qual o Comitê adotou as seguintes declarações: - Critério IV – ―A cidade e as fortificações da Ilha de Moçambique, e a Ilha de S. Lourenço, constituem um exemplo excepcional de arquitetura, na qual as tradições locais, a influência portuguesa e, até certo ponto, a indiana e árabe estão todas entretecidas‖. - Critério VI – ―A Ilha de Moçambique é testemunha particular do estabelecimento e desenvolvimento das rotas marítimas portuguesas entre a Europa Ocidental e o subcontinente Indiano e, consequentemente, toda a Ásia‖ (ICOMOS 1991). 113 No entanto, aquando da elaboração do Plano de Gestão da Ilha de Moçambique 20092010, foi vistos que havia outros aspectos que mercê importância, também podiam ser determinantes na classificação da Ilha Moçambique como Patrimônio Mundial da Humanidade, nos quais, Critério (iv) - Representar um exemplo eminente de um tipo de construção ou de conjunto arquitetônico ou tecnológico ou de paisagem que ilustre um ou mais períodos significativos da história humana; Critério (vi) - Estar direta ou materialmente associado a acontecimentos ou a tradições vivas, ideias, crenças ou obras artísticas e literárias de significado universal excepcional (UNESCO 2008, apud PGIM, 2010, p. 16). 5.4. Ações para a conservação do meio ambiente urbano e do patrimônio cultural O interesse de se conservar o patrimônio cultural está ligado ao fator político, econômico e social, porque se preserva a identidade de um povo e sua história. Político, porque compreende o papel do patrimônio na consolidação dos Estados nacionais ou na consolidação de um poder local. Quanto ao fator econômico, relaciona com a sua exploração econômica, em geral, proporciona renda e trabalho contribuindo para o desenvolvimento local, exemplo no desenvolvimento do turismo. Quanto ao aspecto social, o patrimônio é tido como um bem comum e o Estado constitui o democratizador no acesso a esse bem, e tem como função protegê-lo, resguardá-lo e conservá-lo, cabendo a população compartilhar esse respeito. Desta forma, são necessárias ações que preservem o patrimônio cultural. Ações, que, além de manter o patrimônio ligado à vida das pessoas, devem ser revitalizadas através de projetos cu 114 próprias da dinâmica urbana e do passar do tempo, o que colabora para o seu desaparecimento (NORA, 1993, apud ZANIRATO, 2011, p. 189). O patrimônio edificado e as ações para a sua conservação e restauro sempre figuraram como prioritárias nas políticas de patrimônio ao nível do país, pois, nessa esfera, o patrimônio edificado é assimilado como monumento e símbolo do poder, cuja história deve ser constituída considerando as elites e que, portanto, devem ser conservados. A importância da conservação do patrimônio cultural está plasmada na Constituição da República de Moçambique de 1990, ao referir que, no patrimônio cultural esta a memória do Povo, a sua proteção assegura a perenidade e a transmissão às gerações futuras não só do legado histórico, cultural e artístico dos nossos antepassados como também das conquistas, realizações e valores contemporâneos. (...) a deterioração, desaparecimento ou destruição de qualquer parcela do patrimônio cultural constitui uma perda irreparável, competindo aos diversos organismos públicos e privados e aos cidadãos em geral, a responsabilidade de impedir este processo de empobrecimento do nosso país (MEC, 2007, p. 11). Entretanto o setor da Cultura em Moçambique é aquele que mais se recente das limitações do Orçamento Geral do Estado e como forma de salvaguardar o patrimônio cultural e natural, o Governo de Moçambique opta por uma estratégia de lobbies e atração de investimentos privados. Assim foram atraídos alguns parceiros internacionais (UNESCO, PNUD, SIDA/SAREC, NORAD, BAD, UE, IPAD, etc.) e mobilizados recursos financeiros e técnicos em prol da salvaguarda do patrimônio da Ilha de Moçambique. No âmbito de cooperação com esses organismos internacionais foi possível levar a cabo as obras de restauros e reabilitação do edifício Casa-Girassol, a ponte que liga a Ilha da porção continental, a ponte-cais para atracagem de navios de grande porte, Escola Secundária da Ilha de Moçambique, a Escola de Artes e Ofícios da Ilha, Palácio e Museu de São Paulo e das duas das três principais vias de acesso da Ilha de Moçambique. Destacaram-se também nesse âmbito, a primeira fase de reabilitação da Fortaleza São Sebastião, um dos maiores monumentos militar construído na África, que contou com financiamento do Japão, Holanda e Portugal. Agora, com a existência do quadro legal sobre a proteção do patrimônio cultural tais como a Lei nº 10/88, de 22 de dezembro, Decreto no 27/94 e Decreto n.º 27/2006, suportes importantes para a gestão do Patrimônio Cultural e Natural e ainda assim, a Ilha se ressente da falta de uma definição clara do que exatamente deve ser considerado como patrimônio cultural a ser conservado de acordo com as normas estabelecidas nas convenções internacionais sobre a Proteção do Patrimônio Cultural e Natural. 115 Para Barreto (2000, p. 13), ―determinar o que é digno de preservação é uma decisão político-ideológica, que reflete valores e opiniões sobre quais são os símbolos que devem permanecer para retratar determinada sociedade ou determinado momento‖. Entretanto, essa escolha requer que passe pela esfera política em diálogo com a comunidade, para que juntos possam decidir o que deve ser preservado quanto aos bens culturais da cidade. Embora na Constituição da República no artigo 153 defenda que na conservação do patrimônio cultural sejam inclusos bens de natureza material e imaterial, tangível e intangível que constituem referências à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade moçambicana, nos quais incluem: as formas de expressão, os modos de criar, fazer e viver; as criações científicas, artísticas e tecnológicas: as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico culturais; os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico; na prática pouco se faz sentir dessa inclusão, tal como se pode perceber pelas palavras do entrevistado 4 – (líder e acadêmico na comunidade), A Ilha de Moçambique pelo que sabemos é Patrimônio Cultural da Humanidade e na sua classificação foram inclusos todos os componentes que fazem parte do patrimônio de um povo, ou seja, de povos que ao longo da sua história criaram. Entretanto, sinto que tudo que faz parte da nossa história como povo nativo daqui está se apagando e no seu lugar está se substituindo por outra história, a história dos que sempre colonizaram o mundo. O que é que o Museu de São Paulo, a fortaleza de São Sebastião, as igrejas, fortins e capelas nos contam da historia do povo nativo da ilha de Moçambique ou do povo moçambicano? Onde está guardada a nossa história? Onde estão os contos sobre as nossas benfeitoria, nossas artes, nosso saber neste patrimônio? Porque é que isso não é referenciado, porque que isso não é valorizado? Porque é que o Museu de São Paulo, localizado na Ilha de Moçambique, em nossa terra, deve apenas conservar a história dos portugueses, americanos, dos asiáticos, porque é que eu não posso preservar a história dos Emakwa, eu sou Emakwa, e porque não! Porque é que eu não posso criar um museu dos Emakwa, porque é que eu não posso explicar o mal que fizeram aos Emakwa no passado, sobre a escravatura e depois o processo de estivadores nos portos da Ilha de Moçambique. Isso para mim faz parte da nossa história e devia ser preservado. Portanto, é importante tomar em consideração que a importância de conservar um objeto que se considera parte de patrimônio de um povo está no fato deste se constituir registro material da cultura, da expressão artística, da forma de pensar e sentir de uma comunidade em determinada época e lugar, um registro de sua história, dos saberes, das técnicas e instrumentos que utilizava. Para se fazer o registro da cultura é imprescindível a existência de um suporte material, como um objeto, uma construção ou um documento. Mesmo em relação aos bens intangíveis – como tradições orais, festas folclóricas, rituais, etc. – é necessário que sejam 116 registrados em algum material: fotos, vídeos, cd e outros. Esses suportes guardarão seu registro e necessitam ser igualmente preservados. Para isso, Pelegrini (2006), ressalta que educação patrimonial e ambiental deve ser conduzida de modo a contemplar esses aspectos da pesquisa, o registro, a exploração das potencialidades dos bens culturais e naturais no campo da memória, das raízes culturais e da valorização da diversidade. À medida que o cidadão se percebe como parte integrante do seu entorno, tende a elevar sua autoestima e a valorizar a sua identidade cultural. Portanto, efetiva preservação do patrimônio cultural deve começar pelo (re)conhecimento e (re)valorização pela própria comunidade e para isso, são necessárias ações voltadas para a sensibilização de um público amplo da sociedade civil que constituem sujeitos da transformação social e importantes agentes para se alcançar o desenvolvimento sociocultural. É importante que a população participe no processo de inventariação e definição do que realmente considera-se o patrimônio e o porquê da sua conservação. Essa experiência permite que esse cidadão se torne um agente fundamental da conservação e preservação do patrimônio em toda sua dimensão. O conhecimento adquirido e a apropriação dos bens culturais por parte da comunidade constituem fatores indispensáveis no processo de conservação integral ou preservação sustentável do patrimônio, pois fortalece os sentimentos de identidade e pertencimento da população residente, e ainda, estimula a luta pelos seus direitos, bem como o próprio exercício da cidadania. De acordo com Pelegrini (2006, p. 126), o ensino e a aprendizagem na esfera do patrimônio devem tratar a população como agentes histórico-sociais e como produtores de cultura. Para isso, deve-se valorizar em primeiro lugar o que é do povo, os artesanatos locais, os costumes tradicionais, a sua história, as expressões de linguagem regional, a gastronomia, as festas e os modos de viver e sentir dessa população. Ainda, segundo autora, o ensino sistemático e contínuo da população através das metodologias da Educação Patrimonial e Ambiental precisa partir da ideia de que a sociedade que não respeita o patrimônio cultural e natural em toda a sua diversidade corre o risco de perder a identidade e enfraquecer seus valores mais singulares, inviabilizando o exercício da cidadania. O patrimônio cultural deve subsidiar ações de divulgação dos conhecimentos, para reflexão e formação de consciência social, visando ao conhecimento da realidade local e regional e à promoção de recursos humanos. Essas noções podem ser ilustradas pelas 117 atividades desenvolvidas pelos diversos Museus criados numa comunidade, localidade, distrito, provincial ou a nível nacional. 5.5. Desafios à Conservação do Patrimônio Cultural e Meio Ambiente Urbano da Ilha de Moçambique Nenhuma intervenção tem sentido se não tiver em perspectiva a valorização e a sobrevivência da própria comunidade humana, ao lado dos monumentos históricos e das tradições culturais que se pretendem preservar (Schwalbach e de la Maza, 1983, p. 19) Após a declaração da Ilha de Moçambique como Patrimônio Mundial, Cultural e Natural em 1991, numa época em que o referido patrimônio se encontrava em ruínas e o país praticamente empobrecido devido, sobretudo, das sucessões guerras de 1964 a 197413 e a de 1977 a 199214, o Governo de Moçambique sentiu-se na responsabilidade de encontrar mecanismos para reverter a situação da degradação desse patrimônio. Desde então, várias ações visando a salvaguarda do patrimônio que acabava de ser reconhecido pela sua importância a nível mundial, foram desenvolvidas em coordenação com organismos nacionais e internacionais. Em 1992, Moçambique participou na Exposição Universal de Sevilha (EXPO 92), na qual a Ilha de Moçambique ocupou um lugar de destaque no pavilhão de Moçambique, uma iniciativa que veio contribuir em larga medida para a sua divulgação e chamada de atenção de potenciais investidores da área da Cultura. Em Janeiro de 1994, é criado o Gabinete Técnico de Apoio à Reabilitação da Ilha de Moçambique (GTARIM) constituído pelos seguintes membros: Arquiteto José Forjaz, Luís Filipe Pereira (Historiador), Ricardo Teixeira Duarte (Arqueólogo), Engenheiro Francisco Pereira e pelo Carlos Trindade (Jurista). Ao GTARIM foi atribuída a responsabilidade de concepção, coordenação e controle de todo o programa de recuperação da Ilha de Moçambique (Despacho Ministerial, de 26 de janeiro de 1994). Por iniciativa do GTARIM foram elaborados estudos mais completos sobre as áreas técnicas, sociais e econômicas. Promulgou‐se o Decreto nº 27/94 de 20 de julho, que aprova o Regulamento de Proteção de Patrimônio Arqueológico, onde são definidos os principais conceitos e princípios relativos à gestão do patrimônio e procedimentos com vista à obtenção de licenças para trabalhos arqueológicos. 13 A luta Armada de Libertação Nacional, conduzida pela FRELIMO contra as tropas coloniais portuguesas, que culminou com a Independência Nacional em 1975. 14 A luta de resistência, entre a FRELIMO – Partido no poder e a RENANO – Partido de Oposição. 118 Com a legislação pronta, realizaram-se missões de estudo que de certa forma, contribuíram na elaboração do Plano Diretor para a reabilitação da Ilha e contou com a contribuição de vários intervenientes locais, que mais tarde foi apresentado ao Governo e à comunidade internacional numa Conferência Internacional sobre a Ilha de Moçambique realizada em 1999. Em 1997, é realizada a reunião Évora – Portugal, a qual constituiu um marco importante para o lançamento da campanha da solidariedade internacional pela causa da salvaguarda da Ilha de Moçambique. Portugal disponibilizou fundos para o arranjo da Praça de Luís de Camões. Através do Instituto de Cooperação Portuguesa (ICP) foi realizada uma pesquisa profunda sobre as coleções dos Museus da Ilha de Moçambique. No âmbito da Organização das Cidades patrimônio Mundial (OCPM), desenvolveram‐se várias ações de cooperação entre o Conselho Municipal da Ilha de Moçambique e outras cidades do mundo, em que se destaca o Município da cidade de Bergen, na Noruega, com o qual lançaram as bases para o Projeto Ilha‐Bergen (2003/2007). Em 1997, uma missão do Centro do patrimônio Mundial da UNESCO recomendou ao Governo de Moçambique a elaboração do Estatuto Específico para a Ilha de Moçambique, como bem do patrimônio Mundial. Um Consultor da UNESCO, Sílvio Mutal, realizou uma missão em Maputo e na Ilha de Moçambique, com o objetivo de preparar um Programa de Desenvolvimento Humano Sustentável e Conservação Integrada da Ilha de Moçambique. Em coordenação com o Ministério da Cultura, a UNESCO e o PNUD elaboraram o projeto que resultou num documento base com linhas mestras para um plano diretor de gestão da Ilha de Moçambique. O referido documento continha 50 projetos individuais que cobriam as áreas de acesso à Ilha, águas, drenagem, saneamento, reabilitação do patrimônio, habitação, arruamentos, eletricidade, comunicações, recolha de lixo, transportes, serviços públicos, formação, pesca, turismo e ambiente. A tônica comum na elaboração destes projetos foi a noção de sustentabilidade e utilidade. Foi com base nesse Plano diretor que Embaixada da Noruega disponibilizou o financiamento da reabilitação do Palácio de São Paulo e dos anexos da Igreja da Misericórdia, onde funciona o Museu de Arte Sacra, cujas obras foram concluídas em 2000, o que culminou com a reabertura ao público dos Museus da Ilha de Moçambique, constituído por Museu Decorativo, Sacra e da Marinha. Durante a Conferência Internacional de Doadores, França, Holanda e Portugal, manifestaram interesse de participar no restauro de infraestruturas da Ilha de Moçambique. 119 No mesmo período a Cooperação Suíça, a França e a Noruega financiaram a recuperação da rede de abastecimento de água e o restabelecimento da energia elétrica na Ilha de Moçambique. Por iniciativa da Associação de Amigos da Ilha de Moçambique - AAIM, com apoio da Cooperação Suíça, foram lançados os Programas de alargamento da rede sanitária, escolar, de abastecimento de água e fornecimento de energia ao posto administrativo do Lumbo (parte continental), com objetivo de beneficiar 400 famílias que estavam interessadas em sair da parte insular, o que automaticamente implicava na redução da pressão demográfica. No mesmo período, merece destaque o Seminário sobre o Desenvolvimento da microrregião de Mossuril e Ilha da Moçambique, realizado por iniciativa do Governo da Província de Nampula que trouxe novos elementos no contexto geral da reabilitação da Ilha de Moçambique. Em 2003, foi feito o primeiro Inventário Nacional de Monumentos, Conjuntos e Sítios do Patrimônio Cultural e lançou-se a proposta do documento normativo para a preservação e critérios de classificação de conjuntos, monumentos e sítios. No âmbito do Projeto Ilha-Bergan, foram realizadas diversas atividades visando a conservação e gestão da Ilha de Moçambique, entre as quais se destacam: • Elaboração do Plano Estratégico para a Gestão do Patrimônio Edificado da Ilha de Moçambique (2005‐2010); • Restauração de Monumentos em Risco ‐ Reabilitação da Casa Girassol e da antiga Residência do Governador da Ilha/Lar Feminino; • Capacitação Institucional ‐ Capacitação de técnicos do Conselho Municipal da Ilha de Moçambique (CMIM) em Zanzibar e Bergen; • Criação de Base de dados para Cadastro; • Levantamento de antigos arquivos sobre a Ilha; • Elaboração do Código de Postura Camarária Municipal (2006), instrumento que permite monitorar atividades relacionadas com a preservação do ambiente histórico da cidade; • Integração da Cidade da Ilha de Moçambique na Rede das Cidades Patrimoniais da África Oriental; • Formação de técnicos do Município em matéria de gestão e conservação do patrimônio cultural, ação levada a cabo pelo Arquiteto Português Alexandre Mimoso em colaboração com a UNESCO. 120 Em respostas às recomendações da UNESCO, o Governo de Moçambique aprovou através do Decreto nº 27/2006 de 13 de julho, o Estatuto Específico da Ilha de Moçambique, o qual estabelece os mecanismos que garantem a conservação e desenvolvimento do patrimônio Mundial da Ilha de Moçambique e criou o Gabinete de Conservação da Ilha de Moçambique e o respetivo Estatuto Orgânico. No seguimento do Plano de Operações assinado entre o Governo de Moçambique e a UNESCO teve início o projeto de reabilitação da Fortaleza São Sebastião com o financiamento da UCCLA - União das Cidades Capitais Luso-Afro-América-Ásia e dos Governos do Japão, Finlândia, Holanda e Portugal. Em 2008, o Banco Africano de Desenvolvimento – BAD contratou a empresa portuguesa CESO Consultores Internacionais para elaborar o Plano Integrado de Desenvolvimento da Ilha de Moçambique cujo objetivo central era identificar as áreas e projetos prioritários para o desenvolvimento da região bem como coordenar as intervenções de todos os atores, nacionais e internacionais, que estavam a intervir na Ilha de modo a contribuir de uma forma estruturada e concertada para o seu desenvolvimento nas mais diversas vertentes. Detalhadamente, o plano tinha como objetivos centrais: • Assegurar o desenvolvimento sustentável da Ilha de Moçambique e da região continental envolvente quer do ponto de vista humano e econômico, quer patrimonial e ambiental; • Dotar a Ilha e a região continental envolvente de infraestruturas econômicas e sociais adequadas e eficientes; • Reabilitar e valorizar o patrimônio, nas suas diferentes componentes. (CESO CI, 2008, p. 222). Ainda no cumprimento das recomendações da UNESCO para a gestão da Ilha de Moçambique, foi elaborado em 2010 o Plano de Gestão da Ilha de Moçambique com o financiamento do Banco Africano de Desenvolvimento. Este plano tinha como objetivo coordenar os esforços de todas as partes envolvidas na conservação da Ilha de Moçambique de modo a permitir: • Uma maior disseminação do significado cultural do patrimônio tangível e intangível da Ilha da Moçambique e assegurar a preservação e a sobrevivência deste patrimônio para as gerações futuras; 121 • Um desenvolvimento integrado e sustentável da Ilha tomando a reabilitação, conservação e salvaguarda do patrimônio cultural como agente catalisador para a promoção e geração de benefícios socioeconômicos para as comunidades locais; • Uma maior coordenação entre as autoridades e os planos existentes (Plano de Desenvolvimento Integral, Planos Estratégicos, etc.) orientados para a proteção do sítio integrado num ambiente urbano em mudança permanente; • O estabelecimento de um quadro institucional adequado à coordenação, implementação e monitoria dos instrumentos de planejamento que forem aprovados, incluindo do próprio Plano de Gestão da Ilha de Moçambique, na qualidade de Conjunto Urbano Patrimonial (PGIM, 2010, p. 10). De acordo com este plano, os pontos descritos foram desenvolvidos na expectativa de que a publicação e distribuição do Plano de Gestão assegurem um maior conhecimento sobre a riqueza do patrimônio (tangível e intangível), o seu estado de conservação e uma visão comum sobre o futuro da Ilha de Moçambique. No âmbito de Cooperação entre o Governo de Moçambique e de Portugal, através do IPAD – IGESPAR foram capacitados em Portugal os técnicos do Gabinete de Conservação da Ilha de Moçambique, com vista a dar respostas aos desafios traçados para a gestão do Patrimônio Cultural da Humanidade na Ilha de Moçambique. Na mesma ótica, em 2005, foi concebido oficialmente o Programa Cluster de Moçambique, Instrumento de Cooperação Internacional Portuguesa para o desenvolvimento socioeconômico em cidades patrimoniais de origem ou de influência portuguesa, que visava a promoção da competividade e inovação, com período de vigência de nove anos. E foi na sequência deste Programa que em 2007 foi lançado o Projeto ―Vilas do Milênio em Moçambique‖, localizado na porção continental da ilha, um programa conjunto entre as Nações Unidas e o Governo de Moçambique, com objetivo central de contribuir para a erradicação da pobreza absoluta. O Programa que contou com a parceria do Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT), o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), a Organização Mundial de Saúde (OMS), a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) e o Fundo das Nações Unidas para a População (FNUAP), e esteve ancorado nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), adotados pelo Governo de Moçambique em 2000, na Cimeira do Milênio das Nações Unidas (NU). 122 Na Ilha de Moçambique este programa teve o financiamento direto do Governo de Portugal, cujo pilar do Programa era criar condições básicas na porção continental (Lumbo) para atrair a população, implicando a redução de adensamento populacional da Ilha de Moçambique, o que consequentemente melhoraria a qualidade de vida da população e a salvaguarda do patrimônio Cultural, tal como foi frisado no discurso do representante do Governo de Portugal em visita a Ilha de Moçambique em Março de 2008, ―parece-me totalmente correta a ideia do projeto cujo pilar é desenvolver o Lumbo “(...) criar oportunidades de emprego e incentivos para atrair a população excedentária da Ilha de Moçambique que neste momento está a dificulta fazer dela uma atração turística”. A principal ação no âmbito deste projeto/programa foi a implantação do ―Centro de Transferência de Tecnologias e Desenvolvimento‖ equipado de computadores e internet, onde alguns habitantes aprendem o abecedário da informática. O centro também beneficia à todos que visitam a Ilha por vários motivos. Neste contexto, para fazer face às ameaças a conservação do patrimônio cultural e do ambiente urbano, o Relatório do Plano Integrado de Desenvolvimento da Ilha de Moçambique, definiu como áreas potenciais de intervenção: • Na área da população e condições de vida: Elevar, de forma sustentável, as condições de vida da População, garantindo a disponibilidade de bens e serviços sociais essenciais ao seu bem-estar. Para isso é necessário: - Aumentar o número de sanitários públicos e latrinas caseiras com vista a reduzir o fenômeno de fecalismo a céu aberto nas zonas costeiras da Ilha e do Continente; - Reconhecer, valorizar, proteger e promover a diversidade cultura, através da realização de programas de resgate, preservação e difusão da memória artística e cultural dos grupos que compõem a sociedade; - Alargar a abrangência e melhorar a qualidade de prestação de serviços de saúde na região, com especial atenção para os grupos vulneráveis e atendendo a critérios de equidade e eficiência; - Reduzir a taxa de incidência e letalidade de doenças endêmicas na região, melhorar os níveis nutricionais e hábitos higiênicos da população; 123 - Melhorar as condições e qualidade de ensino, de forma equitativa, reduzir as taxas de analfabetismo e alargar o ensino na região ao ensino superior, contribuindo para tornar a Ilha de Moçambique num centro de excelência a nível educacional; - Aumentar os níveis de desenvolvimento psíquico-motor das crianças e jovens, bem como os níveis de literatura na região; - Promover o papel da mulher no desenvolvimento da região e envolver a população na melhoria das próprias condições de vida (CESO-CI, 2009, p. 73). • Na área do emprego e valorização dos recursos humanos Como primeiro passo para a valorização dos recursos humanos é reduzir a pobreza na região e contribuir para a afirmação da Ilha de Moçambique como centro de excelência ao nível educacional. Para atingir esses objetivos os desafios são: - Formar e capacitar os recursos humanos nos domínios relevantes para o desenvolvimento da região; - Promover emprego decente na região; - Concretizar a visão traçada no Estatuto Específico da Ilha de Moçambique, de torná-la num centro educacional e científico de excelência; - Valorizar os recursos humanos das áreas estratégicas tais como o turismo, a pesca, extração de sal, para o desenvolvimento da região; • Na área da organização espacial do Tecido Urbano Assegurar, de forma equilibrada e integrada, o desenvolvimento espacial e urbano sustentável da Ilha de Moçambique e da sua área envolvente. Para a concretização desses objetivos, definiram-se como ações: - Reduzir o adensamento populacional para permitir ordenamento e a reabilitação do espaço urbano e paisagístico, bem como o patrimônio histórico-cultural da Ilha de Moçambique; - Ordenar a área continental envolvente da Ilha de Moçambique e adequar as infraestruturas básicas necessárias; - Proteger a flora e fauna marítimas, bem como a costa e a orla da Baía do Mossuril e as Ilhas de Goa e de Sena contra a erosão, a degradação e a poluição. 124 • Na área do patrimônio cultural Promover e valorizar o patrimônio mundial da Ilha de Moçambique. Para sua concretização deve-se: - Promover a valorização e conservação do patrimônio tangível e intangível, através da criação (música, pintura, esculturas, trabalhos literários, fotografias, manifestações populares, dança, etc); - Conservar, travar o processo de degradação do patrimônio e incentivar o seu uso sustentável; - Estimular a inclusão de conteúdos de educação patrimonial nos currículos escolares e regulamentar o ensino desses conhecimentos; - Salvaguardar, estudar e divulgar o patrimônio cultural subaquático e etno-arqueológico náutico da Ilha de Moçambique e seu entorno, promovendo, simultaneamente, a formação de massa crítica nacional e local nas áreas técnicas afins; - Capacitar gestores em todo o território para lidar com as especificidades das políticas de preservação e acesso ao patrimônio material e imaterial; - Promover ações que efetivem a vocação dos museus para a comunicação, investigação, documentação e preservação da herança cultural, bem como para o estímulo do estudo sobre a produção contemporânea; - Promover a formação e qualificação de pessoal nas áreas de gestão, conservação preventiva e requalificação do patrimônio edificado e urbanístico; • Na área das Infraestruturas Econômicas e Sociais Garantir a disponibilidade de bens e serviços públicos essenciais ao bem-estar da população. Para isso é necessário: - Melhorar as condições de transporte e comunicações da Ilha de Moçambique e respectiva área envolvente; e - Assegurar a disponibilidade dos serviços públicos essenciais de educação, saúde, energia elétrica, água e saneamento básico (CESO-CI, 2009, p. 198). A problemática de infraestruturas na Ilha de Moçambique é apontada como uma das causas da exiguidade de investimentos públicos, a falta de manutenção e, em alguns casos, o uso inadequado das infraestruturas por parte da população (CESO-CI, op.cit). 125 • Na área do desenvolvimento econômico Promover o desenvolvimento econômico equitativo e sustentável da Ilha de Moçambique e da sua área envolvente ―Baía do Mossuril‖. Para isso é necessário: - Valorizar os Recursos Naturais; - Elevar o nível nutricional da população e assegurar a redução da pobreza; - Promover a criação de emprego remunerado, produtivo e durável e; - Implementar os ―Mini-Clusters Locais‖ – ―Agro Indústria‖ e ―Turismo (CESO-CI, 2009, p. 222). 5.6. Usos sociais do patrimônio Cultural De acordo com Zanirato (2009, p. 147), os usos sociais correspondem aos modos socialmente construídos para a participação da sociedade em geral na identificação, conservação, estudo e difusão dos bens que configuram a sua identidade. Isso significa que a população deve se sentir identificada com os elementos a serem conservados, que se reconheça neles, para que eles se tornem, de fato, representativos dela e para ela. A percepção de que a conservação do patrimônio constitui um impedimento ao desenvolvimento, e associado a insuficiência da legislação que evite as perdas, constitui um dos problemas em cidades patrimoniais como é o caso da Ilha de Moçambique. O reconhecimento da pertença coletiva dos bens mobiliza esforços comuns para a sua conservação e, quanto mais coletivos e representativos eles forem, mais protegidos estarão. A proteção de bens patrimoniais ocorre por meio de medidas políticas destinadas a impedir que essas ameaças que degradam o ambiente venham a destruir um dado bem. Para que essa ação estatal se efetive é necessário que haja mobilização social que leve o governo a adotar políticas de proteção, tal como a Lei nº 10/88, de 22 de dezembro. Entretanto, uma mobilização só pode surtir efeito se se tiver a consciência dos usos sociais desse patrimônio, tal como abordado no artigo 5 da Convenção do Patrimônio Mundial, ―adotar uma política geral que vise determinar uma função ao patrimônio na vida coletiva”. Brudasini e Silva (2011, p. 80) consideram que a coexistência de diferentes usos do patrimônio edificado (comércio, serviços, lazer) pode ser uma condição para o sucesso de qualquer ação de proteção dos edifícios de valor cultural que priorize a revitalização de áreas 126 históricas centrais. E ainda, se considera que a melhor maneira de proteger um edifício antigo, por exemplo, é reintegrá-lo à vida cotidiana da cidade na qual está inserido, sendo o uso residencial o quê melhor comporta esta reintegração. Portanto, ressalta-se aqui a necessidade de dotar uma política geral que vise determinar a função atribuída ao patrimônio cultural e/ou natural na vida coletiva e integrar a salvaguarda do referido patrimônio nos programas de planificação geral. Destacando-se neste sentido a necessidade da refuncionalização específica de cada edifício reabilitado, para se evitar a sua deterioração por falta de utilização. Entretanto, para uma melhor conservação desse bem como patrimônio cultural é necessário, inicialmente, conhecê-lo através de inventários e pesquisas realizadas pelos órgãos de preservação em conjunto com as comunidades, porque o que torna um bem dotado de valor patrimonial é a atribuição de sentidos ou significados que tal bem possui para determinado grupo social, justificando assim sua preservação. Assim sendo, torna-se imprescindível compreender que os múltiplos bens possuem significados diferentes, dependendo do seu contexto histórico, do tempo e do momento em que estejam inseridos. O entrevistado 4, (acadêmico e líder da Confraria) se referiu em relação a questão: a boa conservação do patrimônio depende do nível de desenvolvimento econômico e social da sua população, isto porque, se as pessoas não têm um entendimento do valor econômico, ou seja, da importância em termos de rendimentos, consciência de saber o valor do patrimônio nas suas vidas, então nada se fará. As pessoas devem saber quais são os benefícios a ter por conservar certo bem, o uso social desse bem. Se for algo que não resolve nada dos seus problemas sociais, portanto, benefícios econômicos, claro que as pessoas jamais se importarão pela sua conservação, pois, a pergunta sempre será: vou conservar isso até quando e que benefício terei? O interlocutor também se referiu ao longo das entrevistas que, a maior parte da população que vive na Ilha de Moçambique, quer na Cidade de Pedra e Cal, quer na Cidade de Macuti, já ouviu falar da questão da conservação do patrimônio em diversas ocasiões, tais como em reuniões, palestras, comícios públicos, que geralmente são orientadas pelos técnicos do setor do patrimônio cultural em datas comemorativas. No entanto, o que falta nas pessoas é ter a noção do valor do patrimônio e dos benefícios concretos do mesmo nas suas vidas. Considerando a afirmação de Canclini (1997) apud Zanirato (2009, op.cit) os bens reunidos na história por cada sociedade não pertencem realmente a todos, ainda que formalmente pareçam ser de todos e estar disponíveis para que todos os usem, pois, em sociedades desiguais, a apropriação dos valores se faz de modo desigual. Ainda de acordo com o autor, os conhecimentos, crenças e gostos dependem do modo como os grupos sociais acessam ao que é considerado um bem. Por isso, não é raro que 127 objetos e saberes gerados pelos grupos que têm maior informação e formação acabem por ser majoritariamente considerados como bens patrimoniais. Esses grupos não só definem o que é digno de conservação, como ainda dispõem de condições para atribuir maior qualidade e refinamento a esse mesmo bem. Ainda Canclini (1994, p. 96), afirma: que não basta que as escolas e os museus estejam abertos a todos, que sejam gratuitos e promovam palestras para a sua divulgação, pois à medida que descemos na escala econômica e educacional, diminui a capacidade de apropriação do capital cultural transmitido por essas instituições. A participação desigual dos grupos sociais resulta em diferentes formas de envolvimento com a salvaguarda e pode ocasionar, nos grupos que não têm identidade com o elemento elevado à condição de patrimônio, certo desprezo em sua conservação. As diferenciações socioeconômicas entre os habitantes da Cidade de Macuti e da Cidade de Pedra e Cal, está profundamente marcada a partir do espaço geográfico. Uma diferenciação por disparidade de interesses que contribui em grande medida, para a fraca coesão social entre os habitantes no processo da salvaguarda do patrimônio. Esta realidade constitui uma grande ameaça social, visto que a gestão diária da Ilha depende, sobretudo, na integração/conjugação de esforços entre todos os estratos sociais da Ilha. Por outro lado, registra‐se o agravamento do quadro de descrença e de distanciamento generalizado dos habitantes e das instituições que trabalham na área, pois, são vários os projetos e planos que resultam em recomendações que anualmente são feitos com promessas de melhorar as condições dos habitantes, mas que nunca passam do papel para a prática. Para Zanirato (2009), a desigualdade provém de relações assimétricas, de dominaçãosubordinação, que ligam povos com culturas diferentes dentro de uma mesma formação sociocultural. Esse é um dos motivos que explicam por que há compreensões tão diferenciadas acerca dos usos sociais do patrimônio. Ainda segundo esta autora, é inconcebível que as classes populares, vivendo na penúria das moradias e na urgência de sobreviver, se sintam implicadas com a conservação dos bens, sobretudo, se não são seus. Associa-se á essa desigualdade também o fato de haver pouco envolvimento da parte significativa da população com a causa da salvaguarda dos bens patrimoniais, por posições precárias frente a propostas vindas dessa direção (BATALLA, 1997, apud ZANIRATO, 2009, p. 148). Neste contexto, Zanirato alerta aos profissionais que lidam com as questões de patrimônio o desafio que devem empreender no entendimento da construção histórica desse 128 parco envolvimento, além de buscar meios de mudar esse cenário, de modo que a preocupação com a salvaguarda dos bens patrimoniais seja compartilhada por um número maior de pessoas que a detém. A comunidade deve ser considerada como a verdadeira responsável e guardiã de seus valores culturais. Não se pode pensar em conservar bens culturais, senão no interesse da própria comunidade, à qual compete decidir sobre sua destinação no exercício pleno de sua autonomia e cidadania. O passo seguinte é a utilização dos meios de comunicação e do ensino formal e informal para a educação e informação das comunidades, tal como preconiza a Convenção do Patrimônio Mundial (1972) no seu artigo 27, para desenvolver o sentimento de valorização dos bens culturais e a reflexão sobre as dificuldades de sua preservação. A atuação do poder público deve ser exercida em caráter excepcional, quando faltarem recursos técnicos ou materiais ou organizações coletivas capazes de assumirem as ações de preservação necessárias. São diversas as formas de proteção do patrimônio cultural, desde o inventário e cadastro até o tombamento, passando pelo estabelecimento de normas urbanísticas adequadas, consolidadas nos planos diretores e leis municipais de uso do solo e, até, por uma política tributária incentivadora da preservação da memória. Em Moçambique, a seleção de bens patrimoniais até mesmo depois da independência nacional era realizada de acordo com o valor de arte, da antiguidade e de uma concepção elitista da história, representativos do Estado, da Igreja e da elite portuguesas. Por isso, os bens eram dominados por relíquias históricas da colónia portuguesa (igrejas, palácios, fortalezas, estátuas, praças), e nada constava da população nativa de Moçambique. A seleção e a valoração dos bens a serem conservados até hoje em Moçambique é uma decisão a critério dos técnicos que trabalham na área, inseridos no Ministério da Cultura. No dizer de Zanirato (2009, p. 149), a não participação da população na seleção do bem a ser patrimonializado implica o não reconhecimento, ou seja, contribui para corporificar uma forma de conceber o patrimônio como uma prática social da qual ela não participa. O entendimento de que o bem patrimonial é aquele dotado de monumentalidade, que expressa os feitos importantes de uma história oficial, ou a arte em seu estado puro, também contribui para o distanciamento daqueles que não participam na seleção e não se identificam com o bem selecionado. A política patrimonial é, assim, vista como uma política de especialistas que têm a capacidade de decidir sobre o valor e a relevância do que deve ser salvaguardado. 129 De uma forma geral, responder esses desafios socioeconômicos e ambientais exige uma resposta política estratégica e institucionalmente integrada, em que todos os interessados partilhem as responsabilidades pela formulação e aplicação de soluções trans-setoriais. A flexibilidade e o trabalho em parceria são indispensáveis. A sociedade pode e deve se organizar para transformar os impulsos de crescimento econômico, geralmente desencadeados por forças externas à região, em desenvolvimento, ou seja, em melhores níveis de qualidade de vida para todos. É preciso pensar em uma economia social, a serviço de todos, em favor da melhoria dos indicadores de qualidade de vida da população. Esses são alguns dos desafios para serem enfrentados na Ilha de Moçambique. 130 6. CONCEPÇÕES DOS ILHEUS A RESPEITO DA CONSERVAÇÃO DA NATUREZA E DA CULTURA 6.2. Conservação do ambiental e do patrimônio cultural – Ilha de Moçambique No presente capítulo se discute as diferentes percepções sobre a conservação ambiental e do patrimônio cultural e são analisados os dados coletados durante a pesquisa de campo na Ilha de Moçambique através de um questionário aplicado aos habitantes desta cidade, no qual foram colocadas questões relacionadas com o meio ambiente urbano e a conservação do patrimônio cultural. A primeira seção tem como foco a análise das percepções da população a respeito da conservação ambiental incluindo os fatores que influenciam a degradação do meio ambiente, além da identificação de documentos legislativos ambientais e o papel da sociedade civil na promoção das boas práticas para a conservação do ambiente urbano. A segunda parte objetiva levantar as percepções da população por meio de seu entendimento e percepções acerca das politicas que norteiam o desenvolvimento socioeconômico da Ilha, assim como os atores sociais que interferem no planejamento do desenvolvimento urbano. A terceira seção tem como fundamento o debate da questão do patrimônio cultural, problematizando as percepções do que é o patrimônio e a importância da sua preservação, valorização e dificuldades enfrentadas para a sua salvaguarda. 6.2.1. Percepções da conservação ambiental Para um melhor planejamento e compreensão do ambiente urbano fazem-se necessários estudos que enfoquem as percepções da população em relação ao meio ambiente, afinal no uso cotidiano dos espaços, dos equipamentos e serviços urbanos a população sente diretamente o impacto da qualidade ambiental. De acordo com Amante (2001), percepção é o ato, efeito ou faculdade de perceber e adquirir conhecimento a partir de algo por meio dos sentidos. Dessa maneira, a percepção tem o sentido de aquisição de informações pelos atores sociais oriundos da realidade do meio externo e de sua própria interação com o mundo material que os cerca. Assim, observa-se a percepção como um processo cognitivo/cultural que envolve mecanismos de percepção externa (os cinco sentidos) e elaboração mental. A compreensão das inter-relações entre o meio ambiente e os atores sociais expressam como a sociedade percebe o seu meio 131 circundante, mostra suas opiniões, expectativas e propõe linhas de conduta. Foi neste contexto que se procurou investigar a maneira como a população da Ilha de Moçambique enxerga, interpreta, convive e se adapta à realidade do seu meio. Um dos primeiros aspectos definidos na escolha de entrevistados foi o tempo de residência, visto que este pode ser determinante na análise de diferentes momentos que caracterizaram os acontecimentos na Ilha de Moçambique, sobretudo, em relação a variação temporal da qualidade ambiental, o desenvolvimento urbano, assim como a situação da conservação do patrimônio cultural da Ilha de Moçambique. Cabe destacar que dos trinta e três entrevistados selecionados durante a pesquisa de campo, o conceito empregado foi o de conservação ambiental na visão da população, sendo a pergunta submetida a catorze entrevistados selecionados aleatoriamente. Na análise dos dados das entrevistas, os interlocutores são identificados por números e não nomes, a pedidos destes. Assim, a questão foi respondida de diferentes formas como se pode ver a seguir: Entrevistado 1 (gestor): Para mim, conservar o ambiente significa cuidar bem de tudo que nos rodeia no sentido de se evitar doenças e proteger a própria natureza. Remover lixo, plantar árvores para sombra e proteger os solos contra erosão; Entrevistado 2 (gestor): Conservar o ambiente significa defender e melhorar o ambiente humano para as atuais e futuras gerações. Significa manter, guardar para que haja uma permanência no tempo; Entrevistado 3 (gestor): Conservar o ambiente, implica o uso racional de um recurso de forma a garantir bons rendimentos e sem prejudicar o meio ambiente explorado; Entrevistado 4 ( líder da comunidade e acadêmico): Conservar o ambiente significar manter o meio onde vivemos limpo e protegido contra todos os males que possam provocar impactos negativos, evitando acumulação ou espalhar lixos, retirar as plantas indevidamente, realizar uma pesca não sustentável, com uso a recursos de redes impróprias, a destruição descontrolada de pedra coral e areais ao longo das costas para as construções, a destruição de mangais que promovem sua fixação e que para além de impedir a erosão, estabilizam a linha costeira assim como as suas raízes funcionam como filtros na retenção de sedimentos, sendo muito úteis na recuperação de áreas degradadas; Entrevistado 5 (gestor): Partindo de principio que o meio ambiente é o espaço que nos envolve, então, no meu entender, conservar significa cuidado de forma racional esse espaço de modo a que não seja degradado/destruído. Não jogar lixo, não escavar, não retirar as plantas sem necessidade ou retirar e repor de acordo com as necessidades. 132 Entrevistado 6 (educador): Conservar o ambiente é tudo o que diz respeito à manutenção do espaço onde vivemos, limpeza, abertura de aterros sanitários para o lixo e tudo aquilo que pode ser nocivo à saúde daqueles que vivem nesse espaço; Entrevistado 7 (gestor): Conservar o ambiente para mim é o mesmo que dizer conservar a natureza, então conservar a natureza significa utilizar os recursos que a natureza nos dá de forma racional, ou seja, utilizar pensar no amanhã; Entrevistado 8 (gestor) Conservar o ambiente significar cuidar bem do nosso meio e da volta que nos envolve, isto é, não jogar lixo ao relento, cuidar das fontes de água que usamos para vários fins, não fazer escavações ao longo das costas no sentido a evitar a erosão marinha, plantar árvores que ajudam a proteger os solos, não defecar ao relento, como acontece aqui na Ilha, que muitas pessoas usam a praias para satisfazer as suas necessidades; Entrevistado 9: (gestor)Conservar ambiente para mim constituem todas as ações que visam manter uma qualidade de vida das pessoas ou de outros seres vivos de forma saudável; Entrevistado 10: (cozinheiro) Conservar o ambiente é uma das medidas que visam minimizar impactos negativos de degradação do ambiente em que vivemos; Entrevistado 11 (cozinheiro): Conservar o ambiente significa manter o ambiente sadio, protegê-lo para que o mesmo não seja degradado, destruído e para que as pessoas se sintam saudáveis; Entrevistado 12 (líder da comunidade) Conservar o ambiente significa usar de forma sustentável os recursos naturais que se encontram em nossa volta. Entrevistado 13: (líder da comunidade) Conservar o ambiente significa usar sem degradar, não pôr em risco de modo que o mesmo perdure para presentes e futuras gerações. Entrevistado 14: (gestor do patrimônio) Conservar o ambiente é cuidar do espaço que nos envolve, limpar a minha casa, à volta da minha casa Conservar o ambiente significa manter um meio ambiente bem cuidado, significa preservar todos os seus componentes em boas condições, ou seja, ecossistemas, comunidades e espécies, isto porque para mim, um meio ambiente equilibrado oferece uma grande variedade de serviços ambientais ao homem, quer diretamente ou indiretamente, como, por exemplo: a proteção da água e dos recursos do solo, pois a nossa sobrevivência está estreitamente ligada ao bom funcionamento do meio ambiente e das relações que se estabelecem. As respostas acima incluíram categorias diferentes e generalizadas, entretanto, mostram que todos os entrevistados têm conhecimento sobre o que é ―conservar o ambiente‖. O fato de algumas respostas serem mais elaboradas do que outras revela que a questão e o debate sobre o conceito conservação ambiental tem caráter polissêmico, assim como o 133 conceito ―meio ambiente‖ variando de acordo com a escolaridade e seu conhecimento ambiental. Das diferentes perspectivas/respostas, é possível identificar alguns elementos-chave no que concerne ao entendimento que existe sobre a conservação ambiental que é ―manter um meio ambiente bem cuidado‖; ―manter o meio ambiente limpo e protegido contra todos os males que possam provocar impactos negativos”; ―plantar árvores para proteger o solo contra a erosão, criação de condições básicas de saneamento do meio”. Além destes aspectos-chave da definição de conservação ambiental presente em todas as respostas, também se destaca que quase a metade das respostas dadas pelos entrevistados acerca da conservação ambiental se cruzam na relação homem/meio ambiente. Isso provavelmente acontece porque empiricamente há uma constatação de que não se pode conceber ambiente e/ou natureza isoladamente, independente e indiferente a ação humana. Portanto, a questão ambiental é um tema da atualidade que ainda domina os debates em todas as esferas da sociedade, tanto em nível local, quanto a nível nacional e/ou internacional, o que não implicando necessariamente em práticas. Alguns entrevistados falam de forma mais elaborada e outros exprimem conhecimentos empíricos ao explicar o que entendem por conservação. Entretanto, os dois grupos se cruzam no ponto chave, o de cuidar bem o espaço envolvente através de diversas ações tais como: uso racional dos recursos naturais, manejo adequado do lixo, plantio de árvores entre outras. Segue abaixo elementos de análise das entrevistas: • Informações: a definição é a de que a conservação ambiental é a manutenção de ambiente bem cuidado, isto é, limpo em que a sobrevivência do homem se associa ao bom funcionamento desse meio e das boas relações que se estabelece entre o homem/ambiente, sendo uma medida educativa; • Ação/atitude: são ações práticas, que muitas vezes se circunscrevem a medidas meramente mitigadoras (limpeza, plantio de árvores, e a controle da poluição) com categorias mais amplas no que se refere à conservação ambiental (adotar modelos de desenvolvimento sustentável e de conservação ambiental). Se comparar as definições dadas pelos diferentes investigadores, acadêmicos e organizações internacionais tais como COM-CC (1972), Dias (2000), Milaré (2001), e Zanirato & Ribeiro (2006, p. 255) acerca do que é a conservação ambiental, tem-se a definição como: conjunto de ações e medidas que têm por objetivo impedir, ou minorar a ocorrência dos fatores de degradação. A utilização racional de um recurso qualquer, de modo a 134 se obter um rendimento considerado bom, garantindo-se, entretanto, sua renovação ou a sua auto sustentação. O uso apropriado do meio ambiente dentro dos limites capazes de manter sua qualidade e seu equilíbrio em níveis aceitáveis. Portanto ―conservar‖ implica manejar, usar com cuidado, manter. Como foi referido acima, nas diferentes definições da percepção sobre a conservação ambiental é possível notar que parte da população tem informações genéricas do que seja conservar o ambiente e, na sequência disso, aponta medidas pontuais que vão desde a mitigação, passando pelo melhoramento das condições de infraestrutura, serviços urbanos e até mesmo citam o componente educacional. Na visão de alguns entrevistados, o plantio de árvores e o saneamento básico são algumas das soluções para se conseguir o bem-estar do homem, e a relação deste com a natureza, em reconhecimento ao fato de que o meio ambiente está fortemente influenciado pela ação humana. No entanto, isto não tem trazido resultados nas práticas cotidianas, especialmente no que se refere ao despejo de esgotos e lixo na cidade, bem como o uso desenfreado dos poucos recursos naturais costeiros que a Ilha dispõe. Um aspecto importante neste estudo foi a tentativa de estimar a posição dos moradores sobre as razões pelas quais se deveria preservar a qualidade ambiental na cidade, cujas respostam se apresenta, de acordo com o entrevistado quatro (líder da comunidade e acadêmico. As pessoas têm a noção da importância de conservar o ambiente, ou seja, o seu espaço, a sua volta, entretanto, as condições econômicas em que vive a maior parte das pessoas aqui na Ilha, tornam um limitante que talvez eu possa chamar de intransponível para a sua concretização. Muitas casas estão em ruinas, quer as da Cidade de Pedra e Cal, quer as da Cidade de Macuti e não tem como valorizá-lo sentido de se obter algum beneficio a partir delas. Não têm como não cortar, por exemplo, o manguezal para uso cotidiano como combustível para confeccionar seus alimentos, não tem redes apropriadas para a pesca, não tem sanitários suficientes para a satisfação das suas necessidades fisiológicas, não tem contentores para o depósito do lixo. A população não tem meios e nem se quer tem alternativas para contornar essa problemática que se poder considerar conjuntural. Este argumento remente à questão das políticas públicas que geralmente são desenhadas como instrumentos que ditam normas, regras, comportamentos a serem adotados, no entanto, sem refletir nas possíveis alternativas da realidade local que é para quem recaem os tais normativos. Na verdade, se há interesse em preservar as baleias, tal como foi exemplificado pelo interlocutor, essas baleias devem se converter em fontes de rendimento para que a população sinta o benefício de preservá-las, daí não haverá nenhuma necessidade de matá-las porque se tornarão fontes de rendimento na sua economia. Enquanto as condições econômicas dessa população não forem satisfeitas, jamais ela se ocupará em conservar bens que acham que não faz diferença na sua vida, pois a 135 importância para esta população não está no amanhã. Para a população economicamente pobre, o mais importante é resolver o imediato como se pode percebe nas palavras do entrevistado quatro: Pode acreditar que na pobreza, ninguém faz plano para o amanhã, a próxima semana, próximo mês, o importante é satisfazer as minhas atuais necessidades, ter a lenha para confeccionar a minha comida para matar a minha fome e da minha criança hoje e pronto. Quanto ao amanhã, Deus saberá e proverá. Ainda no entender deste entrevistado, conservar o ambiente pode-se entender também que as pessoas não devem prejudicar o ambiente, evitar o uso das praias para atender as necessidades fisiológicas, a degradação dos recursos naturais enveredar pelas boas práticas no relacionamento homem/natureza. No entanto, ao ditar essas normas, se esquece de aprofundamento do conhecimento da realidade cultural da população receptora das mesmas. Por exemplo, a Ilha de Moçambique é habitada por uma população com fortes ligações culturais com a população do Quênia, Tanzânia e Norte de Moçambique, uma população de origem swahili e que professa a religião muçulmana, tendo caraterísticas especiais em relação a higiene corporal. Isso quer dizer que a higiene é realizada com base na água, pois os sanitários públicos são insuficientes e não reúnem condições para atender as exigências culturais de limpeza que a população necessita, além de os professantes desta religião não usarem o papel higiênico após as suas necessidades fisiológicas como se pode perceber no dizer ainda do entrevistado quatro: Somos muçulmanos, a nossa limpeza corporal é baseada na água e se as pessoas não têm acesso a água quando vão aos sanitários, têm a opção as praias. É preciso criar condições para que as pessoas tenham sanitários com água limpa. Se nos sanitários públicos não tiver essas condições, claro que as pessoas recorrerão às praias. Tanto que há um ciclo natural que quando a maré enche, limpa tudo quanto a pessoa deixa num intervalo de mais ou menos duas horas. Portanto, mais uma vez se coloca a questão da criação de alternativas para que a população possa escolher. Não basta traçar normas que se distanciem da realidade cultural porque o problema do fecalismo que se enraizou na Ilha de Moçambique não é somente uma questão cultural, tal como alguns pesquisadores se referem, mas sim também a falta de atendimento das necessidades dessa população, argumento que encontra o seu fundamento nas palavras do Muhammad Yunus (2006) ao se referir que: a pobreza não é criada pelo povo pobre. Ela é criada pela ordem económica e social. Portanto, se queremos acabar com a pobreza, temos que introduzir mudanças nessa ordem. Temos que reprojetar tais instituições [de combate à pobreza] económicas e sociais, e os conceitos que tiveram seu papel na criação da pobreza. Não está nas mãos das pessoas pobres. Se lhes dermos oportunidades, elas serão capazes de cuidar de si mesmas e tirar a si mesmas da pobreza (MUHAMMAD YUNUS, Prémio Nobel da Paz 2006, apud OSSEMANE & SELEMANE, 2010, p. 20). 136 Os sanitários públicos construídos ao longo das praias como alternativas para erradicar o fecalismo a céu aberto, não reúnem condições necessárias para responder as exigências dos usuários e também os sanitários públicos não dispõem de sistema geral de esgotos. No bairro do Museu (cidade de pedra e cal) a maioria das casas possuem fossas sépticas, enquanto que na cidade de macuti praticamente é impossível utilizar esse sistema devido a elevada densidade populacional, por um lado e, por outro, pela característica do solo altamente rochoso, além do nível do mar. Tais condições determinam graves problemas de saneamento particularmente nas inundações verificadas durante o período chuvoso. Essa população específica requer água corrente e canalizada nos sanitários para que possam se lavar livremente, tal como salientaram os entrevistados três e o vinte e sete, na qual se sintetiza na voz do entrevistado vinte e sete: Os nossos sanitários públicos não possuem torneiras para agente se lavar. A água é posta em baldes em que cada um retira para se lavar, há pessoas desonestas, maldosas que sujam a água toda e outros utilizam porque não se pode sair do local sem se lavar, isso é pecado. As pessoas são obrigadas inconscientemente a ir impuras às mesquitas. Portanto, se os sanitários reunirem todas as condições, eu creio que não haverá necessidade das pessoas continuarem a ir defecar nas praias. Esses argumentos reforçam o que foi descrito na hipótese. A ausência ou ineficiência de diálogo entre a população e os propositores da normas/políticas públicas pode provocar situações que num ambiente de diálogo aberto poderia resolver. Portanto, é importante que qualquer ação de tratamento, de prevenção ou de planejamento esteja atenta aos valores, atitudes e crenças dos grupos a quem a ação se dirige. Dessa forma, a identificação da maneira como a comunidade entende suas condições de vida, de habitação, de saúde e sua relação com o meio ambiente pode vir a favorecer a implementação de medidas sobre o saneamento e, consequentemente, a concretização dos objetivos sobre a promoção da saúde e da qualidade de vida desses habitantes. Ao indagar o entrevistado quatro sobre os passos para a satisfação das necessidades básicas da população para a conservação do ambiente ele referiu: Umas das opções é a redução do adensamento populacional na Cidade de Macuti. As pessoas têm que ter espaço para criar todas as condições necessárias em suas casas. Acidade de Macuti precisa de uma restruturação e isso não deve significar a retirada dos habitantes com intuído de substituí-los por aqueles que têm dinheiro. Esta visão da população mostra a preocupação com o meio ambiente relacionada a lógica da sustentabilidade ecológica que se caracteriza pela garantia de progresso material e bem-estar social, resguardando os recursos e o patrimônio cultural e natural. A conservação 137 ambiental é vista aqui como um instrumento que visa minimizar impactos e degradação ambiental e consequentemente do patrimônio cultural. No entanto, não se pode esquecer que a população que ali vive, precisa de habitação, e de qualidade ambiental. 6.1.2 Causas da degradação do ambiente urbano A degradação do ambiente pode ser entendida como alteração da qualidade do próprio meio tendo como consequências os processos resultantes de danos causados pela ação humana. Os entrevistados 1, 2, 3, 4, 8, 14, 17 e 28 referiram o elevado número de habitantes como um dos principais fatores da degradação do ambiente urbano da Ilha de Moçambique. Assim ressaltaram: aglomeração populacional constitui o maior causador dos problemas relacionados com a poluição do meio ambiente, devido a ocupação desordenada do espaço urbano, a produção de grandes quantidade de resíduos sólidos gerados pelas atividades comerciais, domiciliares e do fecalismo a céu aberto. A Ilha de Moçambique se depara com a falta de contentores para o depósito do lixo, sendo assim o Conselho Municipal definiu alguns pontos localizados em vias públicas para o depósito de lixo domiciliar, proveniente das construções e de outros serviços urbanos. Dada às irregularidades de remoção do mesmo, devido a avaria do transporte e a falta de combustível que geralmente acontece nos meados e finais dos meses, o lixo acumulado em vias públicas é espalhado pela ação do vento e de cães vadios, provocando não só a poluição do ambiente, mas também a multiplicação de ratos e insetos, pontuando assim um grande impacto a qualidade ambiental e, consequentemente, a saúde dos seus habitantes. A falta de espaços livres associado ao alto nível freático na maioria dos bairros da Cidade de Macuti dificulta a abertura de latrinas e aterros sanitários. É praticamente impossível abrir buracos que ultrapassem 2 metros de profundidade, pois logo encontra-se água. Partindo de princípio que em média uma família é formada por seis membros e que na Ilha de Moçambique a maior parte das casas abrigam em média três familiares, isso quer dizer que em cada uma dessas casas moram dezoito pessoas, tornando assim praticamente impossível usar uma latrina que tenha menos de três metros de profundidade por mais de seis meses. É neste contexto que muitas pessoas são forçadas a recorrer às praias como alternativa para a satisfação das suas necessidades, tal como salientaram os entrevistados 138 quatro e dezesseis quando dizem que recorrer às praias constitui a única alternativa, a qual a maior parte da população da Ilha de Moçambique encontra para atender as suas necessidades e que isso não constitui cultura, tal como alguns investigadores e visitantes que desconhecem as condições reais de que a população da Ilha de Moçambique vive e entendem que o fenômeno de fecalismo a céu aberto como cultura do povo ali residente. Em relação a este aspecto, foi colocada a questão ‗Como era a situação do saneamento ambiental antes da independência?‘ De acordo com os entrevistados acima, foi explicado que antes da independência nacional em 1975, a Ilha tinha poucos habitantes e todas as moradias tinham latrinas privadas porque havia espaço e em cada moradia vivia apenas um agregado familiar nuclear (pai, mãe e filhos). Após a independência e, sobretudo, com a eclosão da guerra de desestabilização esta situação mudou, tal como foi referido nos pontos anteriores. A Ilha de Moçambique recebeu um contingente de pessoas que superou a capacidade de suporte. Os problemas de várias formas reproduziram-se, incluindo o de fecalismo a céu aberto que continua a conviver com a população até os dias atuais. Este argumento permitiu de certa forma perceber o sentimento e o sofrimento das pessoas que vivem o dia-a-dia naquelas condições difíceis. Daí impõe-se as autoridades autárquicas uma série de reflexões no sentido de encontrar soluções para essas questões. No artigo no 72 da Constituição da República está versado que ―Todos os cidadãos têm o direito a um ambiente equilibrado e o dever de o defender e atribui ao Estado a tarefa da sua materialização através da promoção de iniciativas visando o equilíbrio ecológico, a conservação e preservação da natureza”. Esta é uma questão que necessita de ser posta em prática para o bem-estar de toda a população. Os entrevistados 2, 3, 4, 18 e 29, argumentaram que as tentativas de construção de sanitários públicos como forma de resolver os problemas de fecalismo a céu aberto não surtem efeitos desejados porque a quantidade dos mesmos é insignificante comparado com o elevado número de população que necessita para o seu uso. Além disso, foi visto que as condições higiênicas dos sanitários públicos existentes não motivam o seu uso. Ao longo do trabalho de campo, foi observado que, há ainda pessoas que usam as praias para a satisfação das suas necessidades fisiológicas, mesmo com medidas administrativas adotadas pelos polícias do Conselho Municipal da Ilha de Moçambique para o controle desta ação. E ainda, o Municipal fez a distribuição de algumas parcelas de terrenos junto às aos operadores turísticos para construção de barracas que, de certa forma, contribui 139 para desencorajar esta prática que virou um ―hábito‖. O fenômeno de fecalismo a céu aberto na Ilha, segundo entrevistados acima, vai perdurar por muito tempo caso não se encontrem alternativas adequadas que passam necessariamente, em primeiro lugar pela redução do adensamento populacional e/ou alternativas que respondam os aspectos culturais locais. A ação da água da chuva sobre os terrenos foi também apontada como sendo um dos principais agentes da degradação dos solos na Ilha de Moçambique, tal como se referiu o entrevistado dezoito: devido à impermeabilidade dos solos na Ilha, todos os resíduos sólidos que se encontram espalhados pelas ruas são transportados pelas enxurradas e depositadas nas valas de drenagem a céu abertos, provocando assoreamento nelas, reduzindo a sua capacidade de vazamento e consequentemente, ocasionam inundações, principalmente nos Bairros de Esteu e Litine onde 43% da população da Cidade de Macuti. O aumento do tráfego rodoviário, sobretudo, a partir de 2009, foi apontado por alguns entrevistados como sendo o outro fator que provoca a degradação ambiental na Ilha de Moçambique. De forma resumida, o entrevistado vinte e oito argumentou: a Ilha de Moçambique se tornou o centro de cruzadas motoqueiras, principalmente a partir de 2009, em que muitos jovens adquiriram motos a partir de fundos de apoio ao desenvolvimento local, introduzido pelo Governo Moçambique a partir de 2005, com vista a redução da pobreza absoluta que assola o país, sobretudo, nos distritos. A partir do período de 2009 muitos jovens adquiriram motocicletas e virou uma autêntica moda fazerem competições ao longo das pacatas vias de acesso, provocando poluição sonora devido ao excesso de barulho e não só, mas também, as competições em alta velocidade provocaram a movimentação de solos e alçam enormes quantidades de poluentes. Por outro lado, essa movimentação provoca fendas nas edificações devido a trepidações desses veículos nas vielas que não foram construídas para esse fim, constituindo um perigo à conservação do patrimônio cultural e a degradação do ambiente urbano. As estatísticas apontam a existência na Ilha de Moçambique de um total de 438 motos e 117 carros particulares, embora certa porcentagem desses veículos pertença às pessoas residentes na porção continental. Entretanto, esses meios circulam diariamente na parte insular com apenas numa área de 1,5 km² (INE, 2009, p.5). De uma forma geral, quase todos os entrevistados apontaram como principais problemas ambientais na Ilha de Moçambique: • O adensamento populacional; 140 • O uso e ocupação irregular ou inadequada do solo, sobretudo na Cidade de Macuti e ao longo da costa marinha; • A falta de infraestrutura e saneamento básico; • A poluição sonora, do ar e dos lençóis freáticos; • A falta de espaços públicos de lazer; • A diminuição da cobertura vegetal ao longo da costa; • Degradação do patrimônio histórico-cultural e natural. A análise dos resultados neste aspecto permitiu perceber que a própria população, embora não seja toda, é capaz de perceber as mudanças, os fatores influenciadores dessas mudanças e consequências na sua vida. Porém, a maior parte dessa população não se considera como agente causador dos problemas ambientais que afeta a cidade. Isto mostra de certa forma que o conhecimento expresso pelos entrevistados sobre a conservação ambiental reportado acima é apenas um conhecimento teórico, pois eles revelam falta de informação sobre os efeitos práticos da má conservação ambiental. Portanto, urge a organização de programas de formação sobre questões ambientais sobre os efeitos da degradação socioambiental que geralmente só são percebidos pelos indivíduos conscientes das transformações ambientais que afetam as suas condições de moradia, de trabalho e de saúde. Confrontados com a opinião de sair da Cidade de Macuti, a qual os gestores do patrimônio concordam que seja uma das soluções para os problemas ambientais, econômicos ou ainda, da conservação do Patrimônio Mundial da Humanidade na Ilha, as opiniões são contrárias, como se pode ver na resposta dada pelo entrevistado onze: onde é que a minha vida vai mudar? Acha que eu saindo daqui ou outra pessoa pobre sair daqui as coisas vão mudar na Ilha? Eu não sou responsável dos problemas que a Ilha tem ou que venha a ter. Se o governo ou a quem de direito quisesse que as coisas mudassem na Ilha, algo já teria sido feito e minimizado alguns problemas que eu acho que podem ter solução. Há falta de vontade de fazer as coisas, o governo tem condições para minimizar muitos dos problemas que a Ilha enfrenta. O pronunciamento do entrevistado ao questionar se achava que sua saída ou de outro desprovido de posses pudesse resolver o problema da degradação ambiental na Ilha de Moçambique, pareceu confirmar a ideia de que a condição da pobreza é sinônimo da degradação ambiental. Esse entendimento parece estar em acordo com que foi escrito em muitos relatórios nacionais e/ou interacionais, como é o caso do Relatório da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, publicado em 1987, o conhecido Relatório Brundtland, que destaca ―o uso de tecnologias poluidoras; o aumento demográfico; 141 a intensificação e expansão da miséria como causas de deterioração ambiental‖. Segundo o Relatório Brundtland, ―a pobreza e a deterioração ambiental formam um círculo vicioso, no qual cada termo é causa e efeito do outro.” (HERCULANO, 1992, apud LIMA & RONCAGLIO, 2001, p. 57). Não se pode continuar a responsabilizar a pobreza pela degradação ambiental. Para Jacob (2000, p. 145), a percepção da questão ambiental é uma resultante não só do impacto objetivo das condições reais sobre os indivíduos, mas também da maneira como sua intervenção social e valores culturais agem na vivência dos mesmos impactos. Na verdade, não é a pobreza em si que provoca a degradação ambiental, mas é o tipo de relação que se estabelece entre homem/natureza, que pode refletir de forma negativa ou positiva sobre o meio ambiente. Porém, não se pode descartar a contradição existente nessa relação. Neste contexto, pode-se refletir que, se o consumo dos recursos naturais for pouco racional, automaticamente será prejudicial, portanto a pobreza e a baixa qualidade de vida podem causar danos sérios ao ambiente, devido à ocupação desordenada de áreas impróprias à habitação, a poluição decorrente da falta de saneamento básico, a agressão ao meio ambiente pela utilização de técnicas inadequadas de produção, o superpovoamento das cidades em decorrência de movimentos migratórios de pessoas que fogem de uma situação de pobreza e miséria nas suas zonas de origem, tal como aconteceu na Ilha de Moçambique. Ao avaliar os problemas ambientais destacados pelos entrevistados percebe-se que a maioria desses problemas é de origem social, mas aprofundados pela inexistência de políticas públicas. A problemática da fragilidade da base econômica em geral, do deficiente acesso da população à educação básica e ambiental, da permanente contradição verificada entre a legislação de uso e ocupação do solo urbano e os interesses vinculados à especulação imobiliária, dentre outras, refletem-se nas desigualdades econômicas e sociais que se verifica na Ilha de Moçambique. A base institucional para fazer face aos problemas enumerados é ainda insuficiente. Enquanto as estruturas ligadas ao meio ambiente a nível central e provincial vão tomando corpo e vão iniciando suas atividades, a situação de planejamento, gestão e monitoramento ainda permanecem sem grandes mudanças, além de o nível operativo ser ainda bastante baixo. Perante essa realidade, a maioria dos entrevistados referiram que a boa gestão ambiental na Ilha requererá a implementação de políticas de educação básica sobre questões ambientais junto à população. A educação ambiental permitirá melhorar a gestão dos recursos naturais e reduzir os danos ao meio ambiente. A Educação ambiental procurará fomentar a 142 consciência sobre o valor dos recursos naturais e processos ecológicos que os mantêm, mostrando para a população o que ameaça o bem-estar do meio ambiente e como pode contribuir para melhorar a relação homem/natureza objetivando melhorar a gestão do meio ambiente. Nesse exercício, o envolvimento amplo da sociedade local deverá ser o ponto crucial para o sucesso e caberá, em princípio, aos órgãos autárquicos a responsabilidade de atuar energicamente criando uma dinâmica de trabalho que encoraje os outros interventores para intervir nesses problemas. Os aspectos fortes que se depreendem da análise efetuada relacionam-se basicamente com a higiene e saneamento do meio, o manejo e a proteção de recursos naturais da terra e do mar; o planeamento e controle do uso do solo, a preservação do patrimônio edificado, a formação, a capacitação e a educação comunitária. A conscientização ambiental das pessoas, vivendo numa cidade como a Ilha de Moçambique que passa por rápidas transformações, requer um esforço coletivo para ensejar um processo participativo de resgate ou fortalecimento da autoestima coletiva, no sentido de possibilitar a esses habitantes um sentido de pertença e fortalecimento dos vínculos de afeto e cuidado como se estivessem atentando à própria casa. Essa conscientização é a função principal do poder público local que deve ser articulada com instituições afins quer a nível provincial, quer a nível ministerial. Assim, a colaboração da comunidade, no sentido do acompanhamento atento de todas as ações de agressores ambientais, exige uma maior conscientização e não o inverso. 6.1.3 Identificação de documentos legislativos sobre meio Ambiente Relativamente aos principais documentos oficiais moçambicanos que promovem a conservação do meio ambiente se teve os seguintes dados: dos trinta e três entrevistados, o grupo de desasseis participantes (correspondendo aos entrevistados 10, 11, 12, 13, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30 e, 31) é constituído por pescadores, costureiras, domésticas cozinheiros, artesão, carpinteiros. Estes afirmaram que nunca ouviram falar de nenhum documento relativo à conservação do meio ambiente. Enquanto que o grupo constituído por gestores, académicos, operadores turísticos, líderes comunitários engajados, que corresponde aos entrevistados 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 32 e 33 apontou um ou mais documentos relativos ao assunto listados abaixo: 143 • A Constituição da República de Moçambique (Lei Mãe que abarca todas as áreas); •Resolução nº 5/95, de 3 de Agosto - Política Nacional do Meio Ambiente; •Lei nº 19/97, de 1 de Outubro – Lei de Terras, que no art.3 (Estabelece que a terra é propriedade do Estado e não pode ser vendida ou, por qualquer forma, alienada, hipotecada ou penhorada); •Decreto nº 60/2006 de 26 de Dezembro (Regulamento sobre a Gestão do Solo Urbano respeitante ao regime de uso e aproveitamento da terra nas áreas de cidades e vilas); •Lei nº 19/2007 de 18 de Julho (Regulamento sobre o Planejamento e Ordenamento Territorial, que atribui a competência ao Governo Distrital para elaboração e aprovação dos instrumentos de ordenamento territorial (planos) ao nível distrital no artigo 13); •Código das Posturas Municipais de 2006 (Com a responsabilidade dirigir e monitorar as atividades no território do Município); •A Lei n° 20/97, de 1 de Outubro (Lei do Ambiente, a qual estabelece como seu objeto geral a definição das bases para uma utilização e gestão corretas do ambiente e seus componentes); •Decreto nº 45/2006, de 30 de Novembro (Regulamento sobre a Prevenção da Poluição e Proteção do Ambiente Marinho e Costeiro); •Declaração Universal dos Direitos Humanos: Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, •Convenção Internacional para a Proteção do patrimônio Mundial, Cultural e Natural, de 1972; •Convenções Internacionais sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento Humano, realizada na Suíça em 1972 e a de 1992 – Rio 1992. Portanto, apesar de se reconhecer a existência de abertura por parte do Governo no sentido de interagir com a sociedade civil através do quadro legislativo nacional, o qual procura criar oportunidades para a participação dos cidadãos no país, ainda assim, a maior parte dos entrevistados declarou não conhecer nenhum documento referente à conservação do meio ambiente e isso reflete a falta da difusão dessa informação no país como um todo. Da reflexão feita, três razões foram apontadas como sendo as principais causas desta situação: • A falta de mecanismos efetivos de divulgação de documentos legislativos importantes junto à população, associado às dificuldades de comunicação devido a língua usada (Português) que, apesar de ser língua oficial do país, não é conhecida 144 pela maioria dos moçambicanos e pela população da Ilha de Moçambique em particular; • O baixo nível de escolaridade da maior parte dos habitantes da Ilha de Moçambique; • A dificuldade de acesso a esses documentos em nível local podendo apenas encontrar alguns em circunstâncias particulares, como na Biblioteca do Conselho Municipal e nos escritórios do Gabinete de Conservação da Ilha de Moçambique GACIM, e outros apenas por internet, porém a maior parte da população não tem acesso. Fazendo alusão aos documentos, os entrevistados 1, 2, 3, e 4 referiram que: geralmente nos encontros de divulgação de documentos legislativos ou mesmo consultas sobre aspectos relacionados com a vida da população são convidados apenas representantes da comunidade – líderes comunitários, os quais não possuem nenhum nível acadêmico e muito menos percebem o português. Ao convidar essas personalidades, o intuito é que eles possam levar as informações aos demais da comunidade. Entretanto, essa informação nunca chega a ser retransmitida aos receptores finais, por razões óbvias. No entender de Chimalawoonga (2011, p. 74), o principal problema centra-se no fato de a língua usada na transmissão da informação em muitas ocasiões (comícios populares, palestras, workshops, etc.) é o português, assim como os documentos estão escritos em Português e, muitas vezes, devido a aspectos técnicos que abordam, exige competências em Português para a sua compreensão, pois a maioria da sociedade civil não fala ou não domina o Português. Portanto, segundo este autor, a exclusão devido à língua mina o início da participação, pois a língua é e deve ser a ferramenta preponderante no exercício da cidadania participativa. 6.1.4 Coleta e disposição final do lixo na Ilha de Moçambique Um questionamento importante feito na pesquisa se referiu à coleta e destinação final do lixo na Ilha de Moçambique, na qual se procurou saber qual a percepção dos entrevistados sobre a situação da coleta e destinação final do lixo nas Cidades de Pedra e Cal e de Macuti, tendo em consideração a quantidade de pessoas que vivem nestas cidades. Em relação a esta questão o entrevistado quatro sintetizou com as seguintes palavras: Um aspecto importante a ressaltar neste ponto é que a boa gestão do lixo em uma comunidade requer o conhecimento dos hábitos diários dos seus habitantes. Normalmente quase em todo o país, as pessoas quando acordam a primeira coisa que 145 fazem é varrer e acumular o lixo. As pessoas têm uma determinada hora para coletar o lixo, geralmente quando o sol nasce, portanto, das 05 às 07 horas. De uma forma geral, as pessoas em África, e em Moçambique, em particular, não varrem durante a noite e/ou na escuridão devido aos preconceitos, segundo os quais, varrer a noite significa expulsar e/ou, retira a riqueza da casa, expulsar os espíritos protetores da família. Assim, com esta resposta concluiu-se há falta na Ilha de Moçambique a articulação entre a comunidade e os gestores da área de saneamento, pois o desejo da população é que após o término da limpeza, que geralmente é às sete horas, o lixo acumulado devia ser removido e levado para os depósitos definitivos, locais indicados pelo Conselho Municipal. Neste contexto, a falta desta coordenação provoca a proliferação do lixo na cidade, como se pode perceber ainda com o mesmo entrevistado, Se houvesse uma boa articulação entre a comunidade e os responsáveis pela gestão de saneamento urbano, todos os dias, a partir das 07 até 8 horas, os carros indicados para essa atividade deviam recolher o lixo em todos os pontos no sentido a que até às 8 horas a cidade possa estar limpa. Se esse sistema fosse eficaz, a Ilha não teria o problema do lixo em vias públicas, porque cada membro da comunidade faz a sua parte, varrendo até ao limite da sua moradia e junta o lixo em pontos definidos pelo próprio Conselho Municipal. Para a efetivação desses objetivos, o sistema de manutenção deve ser eficiente e com um responsável com capacidade técnica de gestão, que possa trabalhar no período comercial para facilitar a coordenação do setor de coleta de lixo, começando pelo levantamento dos caminhões de coleta e monitoramento do trabalho dos motoristas. Pois, acredita-se que caso esse trabalho seja monitorado devidamente, o problema do lixo na Ilha de Moçambique será erradicado. Durante a entrevista, o interlocutor número um informou que o setor de saneamento urbano possui três caminhões improvisados para coleta do lixo na cidade e todos sob tutela do Conselho Municipal da Ilha de Moçambique. O lixo coletado e depositado na zona continental em um espaço previamente escolhido. Esta lixeira foi aprovada pelos investidores que apoiam as atividades do Conselho Municipal da Ilha de Moçambique - Centro de Desenvolvimento Sustentável em coordenação com o Conselho Municipal. De uma forma geral, as condições de coleta e conservação do lixo na Cidade da Ilha de Moçambique podem ser consideradas péssimas devido à precariedade em que o mesmo é manuseado e depositado. O Conselho Municipal definiu alguns pontos de concentração do lixo, sobretudo produzido por instituições públicas, comércio, resultante da limpeza da cidade em geral e outros serviços em vias públicas, com destaque para a estrada que constitui a linha 146 limite entre a Cidade de Pedra e Cal e Cidade de Macuti, junto do Hospital da Ilha de Moçambique, eu é usada como depósito deste lixo. O local é considerado pelos diferentes entrevistados como inadequado, principalmente porque se localiza junto ao hospital e é o espaço onde frequentemente os comerciantes informais usam como mercado de venda de produtos alimentares. Associado a esses fatores, o depósito não é feito em contentores, ou seja, em recipientes, portanto o lixo é jogado diretamente ao chão. Devido aos problemas financeiros do Município, este lixo que diariamente devia ser removido para o local escolhido para o depósito definitivo não é coletado e muitas das vezes o lixo fica ai acumulado por mais de uma semana, criando problemas sérios para a saúde da população e da circulação de pedestres e de carros. De igual modo, ao longo das praias e/ou em praças públicas não foram tomadas providências, tais como a colocação de vasilhames coletores de lixo, e ao contrário, tem-se uma maior produção e o descarte do lixo nas praias, principalmente nos dias festivos, nos finais de semana e na alta estação turística quando o volume se intensifica. Embora se tenha determinado hora de coleta do lixo para o caso dos habitantes da Cidade de Pedra e Cal, os horários não são cumpridos devido ás dificuldades apontadas no processo de recolha do lixo em vias públicas, fazendo com que a população retire nos seus quintais para depositar em vias públicas, criando uma proliferação desses resíduos pela cidade toda. E para o caso da Cidade de Macuti, a coleta, principalmente nos bairros onde as ruas não permitem o acesso de viaturas para o efeito, as pessoas guardam o lixo em suas casas em sacolas plásticas ou em latas, o qual é levado ao veículo quando são chamados. Dadas irregularidades nesse processo de coleta, como foi referido, muitas vezes os habitantes para se livrarem de muito lixo em suas pequenas palhotas jogam-no nas praias e/ou nas valas de drenagens, como pode ver na figura 26. 147 Figura 26- Vala de drenagem assoreada pelo lixo domiciliar Fonte: (Lucia Omar, 2012) Em relação aos dejetos humanos, geralmente o Conselho Municipal tem requisitado trator do vizinho Município de Nacala-Porto, no sentido de apoiar o esvaziamento de fossas sépticas e de latrinas em instituições públicas e privadas. E lamentavelmente, por razões de difícil acesso aos Bairros localizados na Cidade de Macuti, esse processo não é efetuado e que por sinal, são as que mais necessitam se comparar com as da Cidade de Pedra e Cal. O Conselho Municipal da Ilha de Moçambique (CMIM) necessita de estabelecer mecanismos de conservação do ambiente que possam ser mais efetivos, visto que a população não apenas reconhece que a conservação ambiental da cidade é necessária, mas também como da importância do seu próprio envolvimento nas possíveis iniciativas para melhorar a atual situação. Por outro lado, as ações desenvolvidas pelo governo municipal no saneamento básico para proteger o ambiente urbano são consideradas ruins. Neste sentido, mais uma vez, a educação ambiental será fundamental em todas as esperas da comunidade. 6.2 Patrimônio Cultural e percepções da população Uma característica especial que se deve ressaltar na Ilha de Moçambique é que toda a população já ouviu falar do patrimônio cultural em diferentes ocasiões, tais como em comícios públicos proferidos em datas comemorativas, em palestras, em reuniões nos bairros, pela rádio comunitária, e, ainda outras em canções do tufu e em músicas. Entretanto, este fato não significa que todos entendam a sua importância e/ou o seu significado. Embora não se tenha trabalhado de forma aberta com a variante escolaridade durante as entrevistas, foi possível perceber que ao se colocar aos diferentes interlocutores a questão sobre ―o que se entendia por patrimônio cultural e da sua importância‖, percebeu-se que 148 tanto ao conceito como a atribuição do valor ao patrimônio cultural varia, sobretudo, de acordo com o nível de escolarização, por um lado, e, por outro, da posição social que representa na comunidade. Conforme a posição na comunidade é a ligação direta com os diversos setores de atividades. As respostas dadas pela maioria dos entrevistados na questão sobre o que era patrimônio em suas percepções, de certa forma, foram coincidentes, como por exemplo, ―para mim o patrimônio cultural é a Fortaleza de São Sebastião, Palácio de São Paulo, Igreja da Misericórdia, é tudo o que o colono deixou” entrevistados 6, 10, 11, 17, 20, 21 e 22; (...) “tudo aquilo que nos lembra do passado colonial”, entrevistados 24, 27,28 e 30; ―(...) é a coisa da UNESCO, são os edifícios coloniais”, entrevistado 25. Estas respostas foram dadas por pessoas com certo nível de escolaridade. Entretanto, pode-se perceber nelas certo conhecimento sobre o que é patrimônio cultural, que se resume como ―a herança ou coisas antigas”, conceitos dados por alguns autores. Para eles, o patrimônio é o monumento, não a herança africana, a ancestralidade. O patrimônio cultural significa a herança portuguesa, no senso comum. Em nenhum momento essas pessoas responderam que o patrimônio cultural era aquilo que se tenha herdado de seus pais, seus antepassados, seus pertences. Por isso, pode-se entender que suas palavras expressam um não valor aos bens portugueses, símbolos da opressão e algo que não lhes pertence. Portanto, o patrimônio é entendido apenas como coisas antigas dos colonizadores, sobretudo, um patrimônio material. O entrevistado um responde a questão como: Para mim o patrimônio cultural é o conjunto de bens edificados (casas, fortalezas, fortins, igrejas, capelas, campas, templos, estátuas, pontes), não edificados (a dança, culinária, artesanato, indumentários, a cultura de um povo) que transmite a história de geração em geração. É do patrimônio que se consegue retratar a história de um povo, dele sabemos como os nossos antepassados viviam, faziam, tinha e como as coisas eram feitas e dele poderemos fazer chegar a nossa história às gerações vindouras. Patrimônio é o conjunto de bens que devem ser conservados para transmitir em detalhe aos mais novos a nossa história, a nossa cultura. Justamente pela formação desse entrevistado é que o patrimônio tem essa abrangência. Nessa resposta pode perceber que para além dos bens acima apontados, incluiu o patrimônio imaterial, aspectos culturais de um povo. Ela expressa uma grande diferença com outras, demonstra um conhecimento mais profundo do que é patrimônio, da sua importância e das razões da sua conservação. O entrevistado dois se referiu como patrimônio cultural: um conjunto de objetos, cultura que traduzem em uma gama complexa de heranças dos nossos antepassados, das nossas praticas, inovações, ideias, memórias e 149 sobretudo em monumentos. Portanto, patrimônio se traduz em nossa identidade, aquilo que nós somos. Eu próprio me considero parte integrante do patrimônio cultural da Ilha de Moçambique. E ainda, o mesmo entrevistado afirmou que considera patrimônio cultural na Ilha de Moçambique os monumentos históricos edificados que destacando em suas palavras: os monumentos históricos como a Fortaleza se São Sebastião, Palácios, Igrejas, capelas, Templo Hindu, antigos cemitérios, a Mesquita Central, entre outros muito antigos, fazem parte do patrimônio cultural porque portam a nossa história, a nossa identidade, mas também fazem parte os valores culturais tradicionais. O patrimônio é um complexo de bens legados pelos nossos antepassados Portanto, é um mesmo nível de entendimento do que é o patrimônio cultural entre os membros da comunidade. Houve um entrevistado, morador do Macuti que disse: “a minha casa não tem nada a ver com o patrimônio cultural”. Este entrevistado parte do principio de que o patrimônio é tudo que é antigo, monumental e formado pelos edifícios coloniais, aqueles construídos com base em material de pedra e cal, tal como foi referidos nos pontos anteriores. A Legislação Moçambicana sobre o Patrimônio Cultural (2007), considera bens classificados do patrimônio cultural, ―todos os edifícios com valor histórico e arquitetônico construídos em data anterior de 1920, ano em que marca o fim da 1ª fase da resistência armada à ocupação colonial” Considerando a resposta ―minha casa não tem nada a ver com o patrimônio cultural”, esse entendimento encontra o seu fundamento com o versado na Legislação e nos discursos proferidos pelos políticos e gestores do patrimônio em diferentes momentos e pelos destaques que se dão aos monumentos como Museu de São Paulo, Fortaleza de São Sebastião, Fortins de Santo Antônio e São Lourenço as igrejas, entre outros, todos constituintes do legado histórico colonial. É neles que se centram ações de conservação e restauro, portanto, é neles que se encontram o fundamento de muitas respostas da população do que é exatamente o Patrimônio Cultural da Ilha de Moçambique, ―os edifícios coloniais‖. A casa de macuti de que a maior parte da população vive e que anualmente é reconstruída, não é considerada um patrimônio e não é justificada sua conservação. Os moradores do local entendem como bens não integrantes do referido patrimônio cultural, adicionando ao fato de que em nenhum momento esse tipo de bem teve alguma atenção por parte do governo. Nestes discursos, sem dúvidas, a população conclui que o patrimônio cultural é constituído por edifícios monumentais deixados por aqueles que os colonizou é o que constitui "a sua história". Para o povo, há, pois, um sentimento de alienação, como se sua 150 própria cultura não fosse, de modo algum, relevante ou digna de atenção. E esta pode ser uma das razões pelas quais a população não presta muita atenção à proteção do patrimônio cultural, pois, para eles, tudo é de fora e não tem a ver com a sua realidade, e em suas casas podem fazer o que bem entenderem. Esta situação reforça o duplo sentimento que os mais velhos têm sobre a Cidade de Pedra e Cal que de acordo com Sousa (2010); Em Macuti, para os mais velhos a Cidade de Pedra tem duas leituras. Por um lado os saudosistas para quem a cidade se confunde com «o tempo dos portugueses»: memórias de vida, de pequenos empregos, de uma vivência discriminatória mas protetora. Por outro lado, temos as memórias más da cidade de Pedra: os trabalhos domésticos desempenhados em servidão «foi muito sofrimento». Na verdade, de acordo com esta autora, a cidade de Pedra tem pouco significado no modo de vida da cidade de Macuti, a população que vive na cidade de Macuti quase que tem um trajeto traçado no seu cotidiano, que constitui - mesquita e a pesca, a praia e os vizinhos e os amigos, portanto, a sua vida desenrola-se um sentido de comunidade que não foi nunca reconstituído na outra cidade. A possibilidade de acesso a alguns serviços (escola, hospital, correios…) não é suficiente para que a cidade de Pedra desempenhe um papel central. Na verdade muitos confessam nunca lá ir: «Para quê?». A cidade de Pedra tem vindo a ser ocupada por serviços e por novos residentes que vem a Ilha em missão de serviço, de diferentes instituições, o que autora considera de ―burguesia nacional‖ ou estrangeira, sobretudo, europeus que se apropriam das residências, cujos proprietários simplesmente de recolhe na Cidade de Macuti. As suas relações com Macuti são frágeis. Os que moram aqui são daqui, e são os estrangeiros que chegam à cidade de Pedra que não são de cá. [Italianês, português, suecanês, tem muitos Ficam, depois vão] Quem está alojado na cidade de Pedra, muitas vezes entre escombros, espera o dia em que possa construir ou comprar na cidade de Macuti. O dia em que um estrangeiro lhe ofereça dinheiro que o liberte do patrimônio mundial.» 15 Este sentimento de alienação não é só daqueles que não possuem instrução académica, é da maioria, tal como pode-se perceber o comentário feito pelo Reitor da Universidade UniLúrio, aquando da apresentação da obra ―Ilha de Moçambique na Alma dos Poetas‖, de Paulo Pires Teixeira, em 2012, que em suas palavras indagou, ―onde estão os 15 Trecho retirado da entrevista efetuada pela Clara de Sousa, Ilha de Moçambique, 2010. 151 escritores e poetas macuas que, igualmente, escreveram sobre a sua Ilha? Quem os resgata e quem os traduz?‖. Durante as entrevistas efetuadas na Ilha de Moçambique, um líder comunitário também indagou: ―onde está conservada a história dos macuas, a nossa histórias, as nossa tradições, as nossas danças, nossas técnicas (...)”?. Na verdade, se esses bens culturais estão conservados, não se encontram na Ilha de Moçambique. No Museu da Ilha podem-se encontrar as diversas relíquias históricas portuguesas, indo-portuguesas, entre outras. Tudo o que se pode encontrar sobre a cultura nativa são as recentes fotografias que datam de menos de dez anos, onde se veem algumas dançarinas que levaram a dança tufo, típica da Ilha de Moçambique, para além-fronteiras. Então, onde estão os bens culturais da população acumulados ao longo da sua história na Ilha de Moçambique? É uma questão que não tem resposta e que precisa ser desvendada. Indagado o entrevistado dezessete sobre a importância do patrimônio, respondeu, ―nada posso falar do patrimônio, porque quem deve responder essas questões são as pessoas ligadas a área e a UNESCO‖. Nesta resposta também se pode perceber que a pessoa já ouviu falar do patrimônio cultural, mas é uma questão que não lhe diz respeito, porque é de pertença da UNESCO. O estabelecimento de limites morais, de direito e o reconhecimento, pelas instâncias externas, dos agentes culturais locais enquanto autores e intérpretes (ao mesmo tempo executantes e porta-vozes) de sua própria cultura torna-se uma questão preponderante na conservação do patrimônio cultural de um povo. Um corolário desse reconhecimento é a atribuição tácita a esses agentes da condição de sujeitos de direitos (por exemplo, de propriedade intelectual) relativamente às esferas abrangidas pela salvaguarda. De uma forma geral, as casas construídas em macuti são funcionais, termicamente confortáveis e sustentáveis. Elas refletem um modelo arquitetônico no estilo e desenho, retratando uma rica cultura. Se analisar com profundidade a questão de casa de macuti, podese perceber que afinal, a casa de macuti não é o problema, mas sim, as condições em que as mesmas são construídas, no contexto das pessoas sem condições econômicas. A situação da pobreza de que a população da Ilha de Moçambique vive é uma das razões desse distanciamento com as causas da conservação. A degradação progressiva das suas moradias e consequentemente a redução da qualidade de vida dos habitantes deixa um clima de desconfiança em relação à importância em viver num sitio declarado como patrimônio. Para alguns, a patrimonialização impede o progresso devido às limitações 152 impostas aos proprietários, a falta de liberdade sobre os seus bens e para outros, não faz diferença ser ou não patrimônio cultural da humanidade, nada muda em suas vidas. O entrevistado trinta e um assim se referiu sobre a questão, Passam 21 anos que a Ilha de Moçambique foi declarada Patrimônio Mundial, de lá para cá, o que mudou na vida da população? Fala-se de que a Ilha de Moçambique tem um Estatuto Específico, o que é realmente isso? Onde está a especificidade da Ilha de Moçambique? O saneamento urbano é péssimo, a população é pobre, não há emprego, o Centro de Saúde, o único que a Ilha tem, não tem nenhuma condição de internamento e nem de atendimento, só tem um médico, o único que atende o Distrito inteiro habitado por mais de 50 mil habitantes. Únicas escolas em boas condições é a Escola Secundária da ilha de Moçambique e a Profissional. Há problemas sérios de abastecimento de água num espaço tão pequeno como a Ilha de Moçambique, por isso, não vejo a importância disso. Onde estão os incentivos que se referem que devem apoiar a população para conservar o Patrimônio Mundial. O entrevistado vinte e sete igualmente se referiu: Essa coisa do patrimônio quem sabe é a UNESCO e o GACIM. O que é que a população sabe disso? Nunca fui chamado para me explicarem o que é isso de patrimônio. Eu não tenho patrimônio, a minha casa não tem nada haver com o patrimônio. E ainda, o entrevistado vinte e quatro disse: Nada posso falar da Ilha de Moçambique. Eles dizem que isso é patrimônio cultural da Humanidade, mas cada dia está se destruindo, a vida das pessoas aqui é péssima. Daqui há poucos anos a Ilha só vai ficar com aquilo que se considera patrimônio cultural (Museus, Fortaleza, igrejas) e casas de brancos. O resto é como vocês podem ver todos os dias a cair uma parede. A população pobre/nativa será aos poucos retirada ou se retirará por conta própria da Ilha de Moçambique, porque essa é a ideia de muitos, dai veremos como é que a Ilha poderá ser. O entrevistado vinte e cinco, quando foi indagado sobre a importância de viver num lugar declarado patrimônio mundial, disse: Vinte um anos se passaram desde que a Ilha foi declarada como patrimônio Mundial da humanidade, de lá para cá nada mudou em mim por conta disso, aminha casa, que nem sei se posso chamar de casa, ela está aos poucos caindo e não tenho nenhuma condição para reabilitar, nem com macuti e nem com chapas como outros fazem,(...) não sei, talvez seja importante para quem se beneficia disso. Para mim o importante é saber o que eu e os meus filhos vamos comer hoje, pois, o amanhã Deus saberá. Mas quem vai fazer com que esse patrimônio traga benefícios para a população? Esta é uma questão que ficou por esclarecer. Portanto, as questões apontadas requerem uma reflexão profunda por parte dos tomadores de decisão em geral, pelo Governo e pela academia que devem buscar respostas para uma questão que é crucial para os problemas, investindo na informação, na educação formal sobre as questões do patrimônio. Sobretudo, deve-se fortalecer a melhoria da qualidade de vida da população que vive na Ilha, uma vez que a 153 pobreza e as péssimas condições de vida inibem um engajamento ativo dessa gente na proteção patrimonial. O conhecimento e a revitalização do patrimônio é uma alternativa para o desenvolvimento e viabiliza a inserção social da comunidade. Representa, ainda, um caminho para a dinamização do turismo que será alcançada se houver uma plena conscientização por parte de toda a sociedade e dos órgãos públicos do seu significado na construção da identidade local e da importância da conservação e divulgação dos bens culturais. Acredita-se que através do reconhecimento do patrimônio e das tradições culturais será possível desenvolver a atividade turística cultural na região, gerando uma diversidade de benefícios sociais e econômicos para todos os agentes envolvidos em um mesmo intuito. 154 CONCLUSÕES A Ilha de Moçambique pelo que sabemos é Patrimônio Cultural da Humanidade e na sua classificação foram inclusos todos os componentes que fazem parte do patrimônio de um povo, ou seja, de povos que ao longo da sua história criaram. Entretanto, sinto que tudo que faz parte da nossa história como povo nativo daqui está se apagando e no seu lugar está se substituindo por outra história, a história dos que sempre colonizaram o mundo. O que é que o Museu de São Paulo, a fortaleza de São Sebastião, as igrejas, fortins, capelas nos conta da historia do povo nativo da Ilha de Moçambique ou do povo moçambicano? Onde está guardada a nossa história? Onde estão os contos sobre as nossas benfeitoria, nossas artes, nosso saber neste patrimônio? Porque é que isso não é referenciado, porque que isso não é valorizado? Porque é que o Museu de São Paulo, localizado na Ilha de Moçambique, em nossa terra deve apenas conservar a história dos portugueses, americanos, dos asiáticos, porque é que eu não posso preservar a história dos Emakwa, eu sou Emakwa, e porque não! Porque é que eu não posso criar um museu dos Emakwa, porque é que eu não posso explicar o mal que fizeram aos Emakwa no passado, sobre a escravatura e depois o processo de estivadores nos portos da Ilha de Moçambique. Isso para mim faz parte da nossa história e devia ser preservado 16. Moçambique a relevância da questão cultural foi reconhecida desde os primórdios da História e ela funcionou na História do povo moçambicano como um veículo na reafirmação da identidade moçambicana e de protesto contra a dominação colonial durante os cincos séculos de dominação. Tanto que logo após a independência nacional, houve uma grande preocupação do Governo de Moçambique em coletar e classificar todos os elementos que pudessem constituir a identidade do povo moçambicano com vista à sua salvaguarda. A proteção de bens culturais como em qualquer outro país é feita por meio de medidas protetoras como o ―tombamento‖ ou ―classificação‖, termo usual em Moçambique; é, portanto, um procedimento que declara ou reconhece o valor cultural a bens que, por suas características especiais, passam a ser conservados no interesse da coletividade. A criação da Legislação Moçambicana (Lei 10/88, de 22 de Dezembro) que define o patrimônio cultural como ―o conjunto de bens materiais e imateriais criados ou integrados pelo povo moçambicano ao longo da história, com relevância para a definição da identidade cultural moçambicana‖, constituiu um marco importante para sua proteção legal no território moçambicano. Esta lei definiu também de uma forma abrangente o conceito do que é patrimônio cultural imaterial no contexto moçambicano, abarcando ―todos os elementos essenciais da memória coletiva do povo tais como, a história e a literatura oral, as tradições populares, os ritos e o folclore, as próprias línguas nacionais e ainda obras do engenho 16 Chehe Hafiz Jamu. Entrevista 08/03/2012. Ilha de Moçambique, 2012. 155 humano e todas as formas de criação artística e literária independentemente do suporte ou veículo por que se manifestem”. Entretanto, apesar desta definição clara e abrangente, foi possível perceber em campo a desconcordância existente entre o que os documentos normativos apresentam e a efetivação do que neles consta, tal como membros da comunidade na Ilha de Moçambique colocam. Foi neste contexto que o entrevistado quatro demonstrou o seu manifestou em relação à exclusão dos aspectos relevantes da cultura local, onde na verdade se deram acontecimentos diversos na construção da identidade desse povo. Esta situação incentiva o surgimento de diferentes opiniões e interesses na valorização e a salvaguarda do patrimônio cultural, consequentemente, limita a participação efetiva dessa população. Com isso, pretende-se dizer que a efetivação da conservação do patrimônio cultural deve começar pelo (re)conhecimento e (re)valorização pela própria comunidade e sua própria cultura. Assim, são necessárias ações voltadas para a sensibilização de um público amplo da sociedade civil que constituem agentes da transformação social e meio para o alcance do desenvolvimento sociocultural. É importante que a população participe no processo de inventariação e definição do que realmente no seu contexto considera patrimônio; pois, só assim saberá o porquê da sua conservação. A população deve se sentir identificada com os elementos a serem conservados e deve reconhecer neles, para que eles se tornem, de fato, representativos dela e para ela. O reconhecimento do pertencimento coletivo dos bens acarreta esforços comuns para sua conservação, pois, quanto mais coletivos e representativos eles forem, mais protegidos estarão. Desta forma, a população se tornará agente fundamental da conservação do patrimônio cultural e do ambiente em toda sua dimensão. É neste contexto que Pelegrini (2006, p. 126) afirma que o ensino e a aprendizagem na esfera do patrimônio cultural devem tratar a população como agentes histórico-sociais e como produtores de cultura. Para isso deve valorizar em primeiro lugar o que é do povo, a língua, os artesanatos locais, os costumes tradicionais, a sua história, as diferentes expressões locais, a gastronomia, as festas e os modos de viver e sentir dessa população. A inclusão da língua como veículo de difusão é outro aspecto que se deve considerar importante nesse no processo, pois, para o Chimalawoonga (2011, p. 74), a língua usada na transmissão da informação em muitas ocasiões (comícios populares, palestras, workshops, etc.) é o português, assim como os documentos estão escritos em Português e, muitas vezes, 156 devido a aspectos técnicos que abordam, exige competências em Português para a sua compreensão, pois a maioria da sociedade civil não fala ou não domina o Português. A exclusão devido à língua limita o início de participação, porque a língua é e deve ser a ferramenta preponderante no exercício da cidadania participativa, pois a população pensa em suas línguas. Por outro lado, Governo deve olhar de forma diferente as condições socioeconômicas e, sobretudo, habitacionais da população, sem as quais, problemas aqui descritos serão difíceis de solucionar. Os edifícios degradados e abandonados que se encontram na Cidade de Pedra e Cal devem ser reabilitados e realocar uma parte da população sem casas. No entendimento das entidades governamentais, quer nacional, quer local é de que a redução do adensamento populacional na Ilha de Moçambique poderá permitir a reordenamento do município no sentido de estabelecer regras para o desenvolvimento das diversas atividades urbanas e consequentemente a salvaguarda do patrimônio cultural e melhoria de condições dos seus habitantes. Da análise feita em relação a esse entendimento, foi visto que esta pode ser uma das alternativas, no entanto, por si só, não poderá, evidentemente, responder os anseios da população. Portanto, a construção conjunta do patrimônio na comunidade, a educação ambiental e patrimonial devem ser encarados também como condições necessárias para a modificação do quadro da crescente degradação do ambiente urbano e consequentemente do patrimônio cultural. Nesse processo deve-se tomar em conta que o principal eixo de atuação deve buscar a solidariedade, a igualdade e o respeito à diferença através de formas democráticas de atuação baseadas em práticas interativas e dialógicas. A falta de diálogo permanente constitui um dos problemas para a efetivação de muitas ações em prol da conservação. De uma forma geral, quatro aspectos importantes foram considerados para a conservação conjunta do patrimônio cultural, sobretudo, na Ilha de Moçambique: - O conhecimento histórico, pois a população deve conhecer sua história urbana, arquitetônica e dos valores que estão agregados a ela e só assim sua participação poderá ser efetiva no processo de preservação; - Suporte legal: a existência de legislação específica de conservação a ser considerada na elaboração dos planos de gestão do patrimônio e do desenvolvimento local, bem como mecanismos de controle e fiscalização mais eficientes; 157 - O conhecimento técnico: a escola técnica profissional da Ilha de Moçambique deve oferecer a oportunidade para capacitação profissional, sobretudo aos empreiteiros, pedreiros, pintores e outros agentes ligados à construção de edifícios patrimoniais; - Suporte financeiro: o governo deve estimular a participação da iniciativa privada na preservação das edificações históricas e na implantação dos planos de revitalização; e a participação popular deve integrar a proteção do patrimônio nos programas de planejamento geral. O envolvimento da população local é um fator importante na legitimação do processo da preservação, pois, isto significa dar a ela a responsabilidades no processo. Outro aspecto importante é a busca de parcerias com organismos internacionais como maneira de adicionar conhecimento a experiência nacional. O Governo de Moçambique em coordenação com organismos internacionais ligados à gestão do patrimônio cultural devem definir uma linha de financiamento específico orientado para a reabilitação do conjunto urbano da Ilha de Moçambique (a cidade de pedra e cal e a de macuti), procurando, nessas intervenções, a valorização do potencial socioeconômico e funcional com vista a melhorar as condições de vida das populações locais. Percebeu-se também que a criação de estaleiros de venda de material tradicionalmente recomendado nas construções (tais como pedra, cal, areia, estacas, macuti/palmo, kero, bambu) mais próximas e a custos que atende as condições econômicas da população na Ilha de Moçambique; a criação de condições básicas à vida humana e a redefinição clara do que é patrimônio cultural poderão igualmente contribuir como incentivos para a salvaguarda do patrimônio da Ilha. Pois, na análise das entrevistas, se percebeu as dificuldades que a população tem em relação aos bens integrantes no patrimônio cultural da ilha de Moçambique e principalmente em relação às suas habitações. Ainda, o estudo permite pensar algumas sugestões/ponderações que poderiam ajudar no direcionamento das questões apontadas e que assentam em: Investigação: para isso, será necessário o fomento à pesquisa, o registro e a preservação das práticas socioculturais, valorizando a diversidade e a inclusão social em espaços como as escolas a todos os níveis e em museus; a promoção de ações que efetivem a vocação dos museus para a comunicação, investigação, documentação e preservação da herança cultural, bem como para o estímulo do estudo sobre a produção contemporânea; ampliar a capacidade de atendimento educacional dos museus e oferecimento de condições permanentes para que as comunidades reconheçam os bens culturais materiais e imateriais da 158 sua cidade, visando disseminar noções de identidade e zelo; reconhecer e registrar as mais diversas expressões culturais (como as práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas), bem como os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são associados - que as comunidades, os grupos e, em alguns casos, os indivíduos reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural. Formação: será importante que os técnicos das áreas afins sejam capacitados com vista a lidar com as especificidades das políticas de preservação e o acesso ao patrimônio material e imaterial; estimular a inclusão de conteúdos de educação patrimonial nos currículos escolares e regulamentar o ensino desses conhecimentos nos níveis local e nacional. A criação de uma política de reprodução de saberes populares, estimular a participação dos idosos no debate em torno dos processos de tombamento do patrimônio material e registro do patrimônio imaterial, com vista a fomentar a preservação e a difusão da memória sobre os saberes advindos da experiência dos cidadãos. A divulgação: ao divulgar a importância do patrimônio cultural e da conservação do meio ambiente urbano, devem ser utilizados vários métodos no sentido de abranger a maior parte da sociedade, incluindo a não escolarizada e que não dispõe de meios de informação audiovisuais. Em concreto, esta divulgação e disseminação devem ser realizadas de tal forma a constituir estratégia para influenciar as mudanças políticas ou de atitudes e comportamentos por parte dos beneficiários de políticas ou ações. Ela possibilita a difusão das ações e seus resultados, de modo que tenham maior impacto na sociedade onde acontecem, bem como em outros contextos. Assim, tanto o Governo, como os diversos segmentos da sociedade devem agir de forma articulada nesse sentido. As instituições centrais devem disponibilizar as informações (principais documentos) às instituições de base que estão diretamente ligadas à gestão do ambiente urbano e do patrimônio cultural, além de criar facilidades para que estas instituições consigam divulgá-los de uma forma sistemática com ações objetivas e concretas. Além disso, ampliar os programas voltados à realização de seminários na comunidade, a publicação de livros e revistas e uso efetivo da Rádio comunitária e outros canais de comunicação para a produção e a difusão das diferentes manifestações cultural da população; fomentar a difusão das manifestações culturais populares por parte das comunidades que as abrigam, estimulando a auto-gestão de sua memória. 159 A programação de encontros de auscultação com as comunidades local de modo a garantir o seu envolvimento nas ações relativas ao tratamento generalizado (conservação, valorização) do patrimônio cultural. O desenvolvimento de parceria com ONG‘s locais, rádios comunitárias e as diferentes associações locais para essa divulgação, garantindo que os principais protagonistas e implementadores das atividades sejam a própria comunidade. A população deve divulgar e advogar as ações localmente desenvolvidas em diferentes níveis, local, nacional e internacional através de diferentes meios de informação. É também importante promover o crescimento da consciência ambiental e expandir a possibilidade da população participar em um nível mais alto no processo decisório, que segundo Jacobi (2003, p. 192) constitui uma forma de fortalecer a co-responsabilidade na fiscalização e no controle dos agentes de degradação ambiental e do patrimônio cultural. Portanto, o presente estudo mostra de alguma forma que há questões que poderiam ser resolvidas internamente sem precisar de apoios externos, com uma simples mudança na forma de gestão do patrimônio. Deve-se fortalecer na comunidade o sentimento de identidade e pertencimento, e ainda, estimular o próprio exercício da cidadania, só assim, realmente o patrimônio cultural na Ilha de Moçambique será efetivamente conservado com a participação de todos. 160 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Adamowicz, L. ―Projeto CIPRIANA 1981‐1985 ‐ Contribuição para o conhecimento arqueológico entre os rios Lúrio e Ligonha, província de Nampula‖, Trabalhos de Arqueologia e Antropologia. Maputo, 1987,, pp. 47‐144 AMANTE, Fernanda de Oliveira. Carta de enchente da Praça da Bandeira e Tijuca. 2001. 110 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Monografia) - Faculdade de Geografia, Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2001. ARANTES, Antônio Augusto. Inventário do Patrimônio Cultural Intangível de Moçambique. Ilha de Moçambique, 2010. ARANTES, Antônio Augusto. Patrimônio cultural e cidade. In: FORTUNA, Carlos; LEITE, Rogério Proença (orgs.). Plural de cidade: novos léxicos urbanos. Coimbra: Almedina; 2009. ARANTES, Antonio Augusto. Sobre inventários e outros instrumentos de salvaguarda do patrimônio cultural intangível: ensaio de antropologia pública. Anuário antropológico 20072008. Tempo Brasileiro: Rio de Janeiro, 2009. ARKITEKSKOLEN, Aarhus. Secretaria do Estado da Cultura. Ilha de Moçambique. Relatório - Report – Danmark. 1982-85 ARPAC - Arquivo do patrimônio Cultural/Secretária de Estado da Cultura. História da Transição de Moçambique: Perspectivas do Processo Multipartidário. Síntese do 3º Seminário de Formação. Maputo, 1994. ARPAC - Arquivo do patrimônio Cultural/Secretária de Estado da Cultura. Estatuto do Projeto ARPAC. Maputo, 1986. ARPAC - Arquivo do patrimônio Cultural/Secretária de Estado da Cultura. 1° Conselho Científico. Documentos Básicos V. Maputo, 1988. BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. Edição revista Ampliada. São Paulo. Edições 70, 2011. 161 Bardin, L. (1977). Análise de Conteúdo. Lisboa, Portugal: Edições 70 BARRETTO, Margarita. Turismo e legado cultural: as possibilidades do planejamento. 4ª Edição. Campinas: Papirus, 2003. BOGDAN, Roberto C. & BIKLEN, Sari Knopp. Características da Investigação Qualitativa. In: Investigação Qualitativa em Educação: Uma introdução à teoria e aos métodos. Porto, Porto Editora, 1994. Boletim Eletrônica de ABRACOR, nº 1, Junho, 2010. http://www.abracor.com.br/novosite/boletim/062010/ArtigoICOM-CC.pdf, Disponível acesso em em 15/07/2011 BOSCH, Queli Mewius. Responsabilidade civil por danos causados ao Patrimônio Ambiental Cultural. Revista Direito Ambiental e sociedade, v. 1, n. 1, 2011. BRUDASINI, L. Benedini & SILVA, R. Henrique T. O Uso Turístico do Patrimônio Cultural em Ouro Preto. Revista de Cultura e Turismo, ano 06 - nº 01 - Fev/2012 CANCLINI, Nestór García. Culturas Híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo: Edusp, 1998 CANCLINI, Nestór García. La Globalización Imaginada, México, Grijalbo, (1999 a). CANCLINI, Nestór García. O Patrimônio Cultural e a Construção imaginária do Nacional. In: Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, n.23. Rio de Janeiro: IPHAN, 1994. ) Carta de Washington – 1987: Cartas Sobre a Conservação das Cidades Históricas e das Áreas Urbanas Históricas. Adotada pela Assembleia Geral do ICOMOS em Washington D.C, 1987. CESO CI - CONSULTORES INTERNACIONAIS, S.A (Org). Plano de Desenvolvimento da Ilha de Moçambique. Versão Provisória, Junho, 2008. 162 CEDH- entro de Estudos de Desenvolvimento do Habitat. Universidade Eduardo Mondlane (UEM), 2005 CHIMALAWOONGA, M. Rajabo. O Papel das Literacias em Português na Promoção da Cidadania Democrática em Moçambique. Dos discursos Reguladores às Concepções dos Professores. Dissertação para obtenção do grau de Mestre em Educação, Área de Especialização: Supervisão Pedagógica em Ensino do Português. Universidade de Minho, Instituto de Educação. Portugal, 2011. Orientador: Doutor José Antônio Brandão Carvalho CHOAY, Françoise. Alegoria do Patrimônio. São Paulo. Estação Liberdade: Edição UNESP, 2001. COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO. Nosso futuro comum. 2.ed. Rio de Janeiro: Editora da FGV, 1991. Continente Africano: países, economia, relevo, geografia, problemas, população, clima, vegetação. Google [Internet]. 2011 [citado 2011 Maio 26]. Disponível em: (http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:rncv2_zTrbwJ:www.suapesquisa.co m/geografia/continente_africano.htm+Continente+africano&cd=2&hl=pt-. DIAS, Daniella S. Desenvolvimento Urbano. São Paulo, 2ª ed., 2005 DIAS, Genebaldo Freire. Educação Ambiental: Princípios e Práticas. 6ª edição Revista e Ampliada. São Paulo, 2000. Direção Nacional da cultura (DINAC) e Instituto de Gestão do patrimônio Arquitetônico e Arqueológico - IGESPAR (Org), 2007 FONSECA, Maria Cecília Londres. Para além da pedra e cal: por uma concepção ampla de patrimônio cultural. In: ABREU, Regina; CHAGAS, Mário (Orgs.). Memória e patrimônio: ensaios contemporâneos. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. 163 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Direito Ambiental Internacional e Biodiversidade. São Paulo, 2001. Disponível em http://www.cjf.gov.br/revista/numero8/painel83.htm. Acesso em 15/12/2011. FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro, São Paulo: Editora Saraiva, 9ª Edição, 2008. FREITAS, Vladimir Passos. Direito Administrativo e Meio Ambiente. 1a edição, 2a tiragem, Curitiba, Juruá, 1995. FUNARI, Pedro Paulo. Os desafios da destruição e conservação do patrimônio cultural no Brasil. Trabalhos de Antropologia e Etnologia, Porto, 41.2001. FUNARI, Pedro Paulo, PELEGRINI, Sandra C. A. & RAMBELLI, Gilson (orgs). Patrimônio Cultural e Ambiental: Questões Legais e Conceituais. - São Paulo: Annablume; Fapesp, Campinas: Nepam, 2009. FUNARI, P. Paulo & PELEGRINI, S.C. Araújo. O que é Patrimônio Cultural Imaterial. São Paulo: Brasiliense, 2008. GIL, Antônio Carlos. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. 6ªEdição. São Paulo, 2011. HOGAN, D. Joseph, MARANDOLA Eduardo Jr. & OJIMA, Ricardo. População e Ambiente: Desafios à Sustentabilidade. V.1, São Paulo, 2010. ICOM – CC - Committee for Conservation. Reports, Madrid, 1972 /. - [Paris]: The International Council of Museums, 1972 ICOMOS. Carta de Turismo Cultural - 1976. Disponível em: http://ipce.mcu.es/pdfs/1976_Carta_turismo_cultural_Bruselas.pdf, acesso a 15/10/2012 IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Caderno de Documentos nº 3, Cartas Patrimoniais, Brasília, 1995. 164 IPHAN. Patrimônio Mundial: Fundamentos para o seu Reconhecimento. Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural, 1972. Brasília, setembro de 2008. Instituto Nacional de Estatística (INE). III Recenseamento da População e Habitação. Maputo, 2007 Instituto Nacional de Estatística (INE). Projeções Anuais da população por Província, 972010. Maputo, 2011. Portal do Governo de Moçambique. Disponível em http://www.portaldogoverno.gov.mz/ogover, acesso em 20/11/2011. JACOBI, Pedro.. Do Centro à Periferia – Meio Ambiente e Cotidiano na Cidade de São Paulo. São Paulo, 2000. KASHIMOTO, Emília Marico, MARINHO, Marcelo e RUSSEF, Ivan. Cultura, Identidade e Desenvolvimento local: Conceitos e Perspectivas para Regiões em Desenvolvimento. Universidade Católica Dom Bosco, 2002. Hatton, J., Couto, M., Dutton, P., & Lopes, L. A Avaliação da Situação Ambiental da Ilha de Moçambique e Zonas Adjacentes. Financiado pela UE para o Ministério da Cultura – Gabinete Técnico. Maputo, 1994. Lei nº 10/88, de 22 de Dezembro, que determina a proteção legal dos bens matérias e imateriais do Patrimônio Cultural Moçambicano, Boletim da República nº 51 (I). Maputo, 2007. LERMA, Martinez. O povo Macua e a sua cultura. Pontífica Universitate Gregoriana, Romae, 1987. MACAMO, S. Dicionário de Arqueologia e Patrimônio Cultural de Moçambique, Maputo: MC/UNESCO. MC/DNPC. Inventário Nacional de Monumentos, Conjuntos e Sítios. DINAC‐Maputo, 2003. 165 MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 4a edição, São Paulo, Malheiros Editores Ltda, 1992. MANZINI, E. J. A entrevista na pesquisa social. Didática, São Paulo, v. 26/27, 1990/1991. MARICATO, Ermínia Terezinha Manon. Brasil, cidades: alternativas para a crise urbana. Petrópolis: Vozes, 2001. MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Técnicas de pesquisa: planejamento e execução de pesquisas, amostras e técnicas de pesquisa, elaboração, análise e interpretação de dados. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2008 MINED. Plano Estratégico de Educação e Cultura (PEEC-2009-2010/11). Maputo, 2008. MEC/DINAC. Inventário Nacional de Monumentos, Conjuntos e Sítios. Maputo, 2003. MESENTIER, Leonardo Marques de. ―A Renovação Preservadora: um estudo sobre a gênese de um modo de urbanização no Centro do Rio de Janeiro, entre 1967 e 1987‖. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: UFRJ/IPPUR, 1992. MICHEL, Maria Helena. Métodos e Pesquisa Científica em Ciências Sociais: Um Guia prático para Campo. São Paulo, 2ª Ed, 2009 MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário. 2. ed. Ver atual e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. MILARÉ, Édis. Direito do ambiente. 3. ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 4. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. 166 MIRANDA, Lívia. Habitação: Um Direito a Poucas Mulheres na Região Metropolitana de Recife. Recife, 2005. MUTAL, S. Ilha de Moçambique, Patrimônio Mundial: Desenvolvimento Humano Sustentável e Conservação Integral. Relatório Global. Project STS/PNUD/UNESCO/WHC, Maputo, 1988. NOVELLI, Pedro. O conceito de educação em Hegel. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/icse/v5n9/05.pdf. Acesso a 20/12/2012 Organização das Nações Unidas - ONU, 1996. OSSEMANE, Rogério & SELEMANE Tomás (Org). Crescimento, pobreza, desigualdade e vulnerabilidade em Moçambique. Lichinga, 2010. PANDOLFO, A. Modelo de avaliação e comparação de projetos de habitação com base no valor. Florianópolis, 2001. Tese (Doutorado em Engenharia da Produção) – Programa de PósGraduação em Engenharia de Produção, UFSC, 2001. PNUD. Moçambique: Desenvolvimento Humano até 2015-Alcançando os Objetivos de Desenvolvimento do Milénio. Relatório Nacional do Desenvolvimento Humano. Maputo, 2006. PNUD, Relatório de Desenvolvimento Humano, 2011. PELEGRINI, Sandra C. A. Cultura e natureza: os desafios das práticas preservacionistas na esfera do patrimônio cultural e ambiental. Revista Brasileira de História. São Paulo, 2006, v. 26, nº 51, 2006. PELEGRINI, Sandra C. Cultura e patrimônio histórico. Estratégias de preservação e reabilitação da paisagem urbana. Latino-américa. Revista de Estudos Latino-americanos. México, Universidade Nacional de México, n.38, 2004. 167 PEREIRA, L. Felipe. ―Algumas notas sobre a Ilha de Moçambique – patrimônio histórico nacional em degradação acelerada‖, in Arquivo, nº 4, Outubro de 1988, Maputo, Arquivo Histórico de Moçambique. Maputo, 1998 PEREIRA, L. Felipe. As Transformações Urbanas na Ilha de Moçambique. Maputo, 1994. PEREIRO, Xarardo Pérez. Patrimonialização e transformação das identidades culturais, em Portela, J. e Castro Caldas, J. (coords.): Portugal Chão. Oeiras: Celta editora. 2006. PEREIRO, Xarardo Pérez. Turismo Cultural. Uma visão antropológica. Colección PASOS Edita, Nº2. Espanha, 2009 Plano de Gestão da Ilha da Ilha de Moçambique (Org). Ilha de Moçambique, 2010 Relatório do Governo da Ilha de Moçambique (2011). Ilha de Moçambique, 2011. Relatório Anual do GACIM, 2011 RIBEIRO. Wagner C. Patrimônio Ambiental Brasileiro. São Paulo: Edusp-Imprensa Oficial do Estado, 2003. RIBEIRO, Edaléa & SCHUELTER, Bárbara. A politica de habitação voltada para segmentos empobrecidos da população - questões para o serviço social. In: XII Encontro Nacional de Pesquisadores em Serviço Social, 2010, Rio de Janeiro. XII ENPESS. Rio de Janeiro: ABEPSS, 2010. http://moscopss.blogspot.com.br/p/artigo-sobre-politica-de-habitacao.html. Acesso a 20/12/2012 RIBEIRO, Rafael Winter. Paisagem cultural e patrimônio. Rio de Janeiro: IPHAN/COPEDOC, 2007. RIBEIRO, Júlia Werneck e ROOKE, Juliana Maria. Saneamento básico e sua relação com o meio ambiente e a saúde pública. 28 f. Trabalho de conclusão de curso ( Especialização em Análise Ambiental) – Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2010. 168 RODRIGUES, A. M. Produção e consumo do e no espaço: problemática ambiental urbana. São Paulo: Hucitec, 1998. RODRIGUES, Cristina Udelsmann. O Trabalho dignifica o homem. Estratégias de sobrevivência em Luanda. Lisboa: Edições Colibri, 2006. RODRIGUES, Eugénia; ROCHA, Aurélio e NASCIMENTO, Augusto. Ilha de Moçambique. 1ª Edição. Maputo, 2009. RUBINGER, Sabrina Dionísio. Desvendando o conceito de saneamento no Brasil: uma análise da percepção da população e do discurso técnico contemporâneo 197 f.; Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos da Faculdade de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais, 2008.Orientador: Léo Heller e Co-orientadora: Sonaly Rezende SANDEVILLE, Euler Jr. Patrimônio Paisagístico Natural e Construído. In: I Encontro sobre Percepção e Conservação Ambiental: a Interdisciplinaridade no Estudo da Paisagem, 2004, Rio Claro. Anais do I Encontro sobre Percepção e Conservação Ambiental: a Interdisciplinaridade no Estudo da Paisagem, 2004d. SCHWALBACCH, João & DE LA MAZA, Maria Cecília Reyes. Ilha de Moçambique: Contribuição para um Perfil Sanitário. Edições Eletrônicas CEAUP. Porto, 1983. SERRA, Carlos Manuel. As Funções do Parlamento Moçambicano na Tutela dos Interesses Supra individual, Maputo, 2008. SERRA, Carlos Manuel & CUNHA, Fernando Cunha. Manual de Direito do Ambiente, Ministério da Justiça, Centro de Formação Jurídica e Judiciária, 2.º ed. Revista e atualizada, Maputo, 2008. SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. 169 SOUSA, Carla Almeida. Ilha de Moçambique: Negociando o património colonial em Redor do turismo cultural. XI Congresso Luso Afro Brasileiro de Ciências Sociais: Diversidades e (Des)Igualdades. Salvador, 07 a 10 de Agosto de 2011. SOUSA, Carla. 2009. «heritage: discourses and practices in Mozambique island» in sharing cultures ( org) Sergio Lira ( et alt.), Barcelos: green lines institute, 267-272 SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. Bens culturais e sua proteção jurídica. 3. ed., 6. reimp. Curitiba: Juruá, 2010. TOREZANI, Julianna Nascimento. O Patrimônio Arquitetônico de Ilhéus em Sites Informativos de Turismo Ilhéus. Dissertação para obtenção do grau de Mestre em Cultura e Turismo pela Universidade Estadual de Santa Cruz, 2007: Orientadora: Sandra Maria Pereira do Sacramento. Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Santa Cruz. Programa de Pós-Graduação em Cultura e Turismo. UNESCO. Convenção para a proteção do patrimônio mundial natural e cultural. 1972. UNESCO: Convention on the Protection and Promotion of the Diversity of Cultural Expressions, Paris, 2005. Disponível em: < http://portal.unesco.org/en/ev.php, acesso a 20/06/2011. REISEWITZ, Lúcia. Direito ambiental e patrimônio cultural: direito à preservação da memória, ação e identidade do povo brasileiro. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004. ZANIRATO, S.H e RIBEIRO, W. Costa: Patrimônio cultural: a percepção da natureza como um bem não renovável. Revista Brasileira de História, 2006, vol. 26, nº 51 ZANIRATO, Sílvia Helena. Patrimônio para todos: promoção e difusão do uso público do patrimônio cultural na cidade histórica. In: Patrimônio e Memória. São Paulo: Unesp, v. 2, nº 2, 2006. 170 ZANIRATO, Sílvia Helena. Conhecimento tradicional e propriedade intelectual nas organizações multilaterais. Ambiente e Sociedade. V. 10, nº 1, 2007. ZANIRATO, Sílvia Helena. Patrimônio da Humanidade: Controvérsias Conceituais e Legais na Definição de Bem Comum. Disponível em http://www.anppas.org.br/encontro5/cd/artigos/GT15-359-289-20100902115329.pdf, acesso em 05/11/2012 ZANIRATO, Sílvia Helena. Usos sociais do patrimônio cultural e natural. In: Patrimônio e Memória. São Paulo: Unesp, v. 5, n. 1, 2009. ZANIRATO, Sílvia Helena. Desafios para a conservação do patrimônio da humanidade diante das mudanças climáticas. Diez años de cambios en el Mundo, en la Geografía y en las Ciencias Sociales, 1999-2008. Actas del X Coloquio Internacional de Geocrítica, Universidad de Barcelona, 26-30 de mayo de 2008. ZANIRATO, Sílvia Helena. Mobilidade na Cidade Histórica e proteção do patrimônio cultural. Revista Eletrônica de Turismo Cultural. 2008, Vol 2 nº 2. ZANIRATO, Sílvia Helena. São Paulo: exercícios de esquecimento do passado. Estudos Avançados 25 (71), 2011. Terminologia para definir a Conservação do Patrimônio Cultural Tangível. Boletim Eletrônico de ABRACOR nº 1, http://www.abracor.com.br/novosite/boletim/062010/ArtigoICOM-CC.pdf. 2010. Acesso a 19/11/2012. 171